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A PSICANÁLISE, O MITO E O MITO

Ante a ascensão do “Mito”, uma postura apareceu na cena psicanalítica, temos


visto a psicanálise, por meio de psicanalistas ou instituições, se posicionar contrariamente
ao Bolsonaro. Num momento delicado desses talvez não caiba uma postura imaculada,
aquela que envolve uma profunda reflexão sobre as causas do fenômeno (o “Mito”, com
maiúscula, é resultado de insuficiências políticas, sociais, culturais etc. e lembremos que
para o Lévi-Strauss o mito é uma solução da imaginação para um conflito ou uma
contradição que não foi levada a cabo na realidade). Contudo, optamos, nesse texto, por
não ser um realejo de palavras de ordem; daí, dois pontos, uma reflexão breve pode nos
situar melhor sobre o que representamos ou o que representa a doutrina psicanalítica e
tendo iluminado um pouco esse papel, poderemos ter uma maior clareza sobre o que está
em jogo. A teoria, como o mito, serve para ver e criar coisas na realidade que sem ela não
veríamos, a má teoria torna a realidade refratária à manipulação, a boa teoria nos permite
operar a realidade. Assim, esperamos que este ensaio nos ajude a operar um pouquinho a
realidade e, também, a não se desesperar. Além disso, oferecer um contraponto,
pretendemos pensar, aqui, por um caminho que meio contrário àquele que culpa a
realidade.

A diferença estabelecida por Lévi-Strauss entre o xamã e o psicanalista que


operam uma cura refere-se à atividade do primeiro e à passividade do segundo. O xamã
é um sujeito que organiza um complexo de significantes (afetos, manifestações corporais,
imagens etc.) numa espécie de síntese que agora pode ter uma direção – o exemplo do
antropólogo é um ritual de parto, a parturiente depois do ritual consegue realizar o parto
outrora travado. Essa síntese é denominada mito. E a força sintetizante desse mito vem,
primeiramente, do simbólico (contexto social ou senso de uma comunidade) e, segundo,
do desarranjo ou da confusão de significantes na qual o sujeito encontra-se. Ao contrário
do xamã, não é o psicanalista quem fala ao paciente fornecendo o mito, mas este o constrói
baseado no seu passado individual criando uma síntese denominada por nosso autor de
“mito individual” (cujo análogo, em Lacan, seria o conceito de fantasia, mas optaremos,
por ora, pelo jargão do antropólogo), ou seja, uma construção simbólica, que operada no
nível singular, media processos outrora imediatos e desconexos. Daí, um primeiro ponto
que gostaria de deixar claro: por essa perspectiva, a prática analítica seria refém de duas
passividades, a primeira é que ela não fornece o mito ou não fala por seu paciente, a
segunda, o psicanalista não vai ao seu paciente, ele o espera no seu consultório ou no
setting analítico.

Dessa segunda passividade podemos deduzir um importante aspecto do sujeito


que nos chega ao consultório: é um sujeito desarranjado, fragmentado, sem síntese, ou,
como Lacan chamou, um “sujeito dividido”. Fato é que várias dessas pessoas que vêm ao
consultório o fazem por pensar que ali está a cura de um tipo de sofrimento que elas
imaginam ser da alçada do psicólogo, ou, porque já tentaram muita coisa e nada daquilo
funcionou – yoga, floral, viagem para roça, igreja etc. Daí, um segundo ponto: o
psicanalista (e nesse caso também o xamã) não produz a desagregação da personalidade,
ele recebe esse sujeito dividido e a partir da fala desse mesmo sujeito dividido, ele opera
a cura, um “mito individual”.

Desses dois pontos podemos elaborar um pequeno paralelo entre o xamã, o


psicanalista e uma segunda função do psicanalista:

1. xamã: temos um sujeito dividido e o xamã ativamente opera o mito que


promove a síntese de processos desconexos desse sujeito;

2. psicanalista: temos um sujeito dividido e o psicanalista passivamente faz o


sujeito recordar (reconstruir) o seu passado e essas recordações são um modo de
construção de um mito individual que promove uma síntese nesse sujeito;

3. psicanalista’: o psicanalista age recursivamente sobre o mito individual


produzido numa análise, fragmentando-o, produzindo novamente um sujeito
dividido.

Ora, essa agência na última etapa operada pelo psicanalista nos traz a uma outra
diferença entre o psicanalista e o xamã. Enquanto o xamã somente promove a síntese, o
psicanalista, enquanto o paciente continuar voltando ao consultório, trabalha desfazendo
as sínteses anteriores. Por quê? O psicanalista com suas intervenções ajuda o sujeito a
construir o seu passado, mas se o sujeito continua retornando ao consultório, é porque ele
não está satisfeito com a construção (permanece engajado no processo), tem algo ali, um
fragmento (aquilo que Lacan chamou objeto a), que insiste em não caber muito bem na
construção ou de deixar o sujeito insatisfeito com ela. Diante dessa permanência do
fragmento, o psicanalista poderia, digamos, fazer o papel de pôr esse fragmento em algum
lugar – é isso que as religiões ou as seitas fazem, diante da finitude da vida, de algum
vício, de um mal radical ou de um masoquismo exagerado, a religião consegue
redirecionar isso para a devoção a Deus. Mas nesse caso, o de encontrar um lugar para o
excesso, ele não estaria sendo um psicanalista, mas um xamã, um pastor ou um padre.
Ou, uma segunda opção, o de sempre apontar esse excesso ou essa lacuna no mito
individual que o sujeito está construindo e deixar que ele se responsabilize por esse
negócio – por conta disso o psicanalista não é um guru. Essa atitude de nunca construir
um mito para o paciente e de nunca dar uma resposta para um eventual excesso ou
descompasso que aparece em suas tentativas de síntese, o Lacan chamou de “desejo do
psicanalista”. Então, o desejo do psicanalista é o desejo de, enquanto o sujeito insistir em
retornar no consultório, não deixar esse cara constituir uma síntese.

Inseriremos agora um terceiro personagem nessa história, o militante. Este, tal


como o psicanalista:

1) Deve trabalhar causando a divisão do sujeito, num processo negativo. Ele aborda
os outros tentando desfazer as sínteses que estes possuem, por isso o militante
grita gritos de ordem na rua, espalha cartazes, às vezes faz umas intervenções
profanas, tudo isso na intenção de quebrar sínteses bem constituídas – me lembro
aqui de um paciente que era ateu, bem intencionado e adolescente, às vezes em
conversas com cristãos sobre a existência de Deus, a manipulação da religião e
afins ele dizia bem alto uma frase pornográfica e a associava a algo sagrado,
depois de um tempo ele me disse: “aquele povo tem que ver que o que é sagrado
pra eles, pra mim é lixo”. Assim, a questão que o militante sério deve se colocar
diz respeito a saber sob quais condições suas palavras de ordem, sua arte e suas
profanações causam uma desagregação nos outros que estão com suas sínteses
bem feitas. Ou seja, quais as condições de possibilidade de promover um sujeito
dividido, ou mesmo, se as há, pois, o ato do militante pode, em vez de promover
um desarranjo na síntese do interlocutor, promover um fortalecimento da síntese
– imagina que um militante diga a um cara que ele é burro porque a Rede Globo
manipula ele, o cara pode pensar, “quem é esse idiota, eu assisto a Globo com
discernimento, ele é que é manipulado pelo MST”.
Contudo, infelizmente não é somente o nosso intrépido militante que consegue
causar desarranjos ou fragmentação psíquica, fragmentação do mito que organiza
a vida das pessoas. O desemprego, a doença, a humilhação, o endividamento, o
perigo jornaleiro e o clima jornaleiro de perigo são, possivelmente, mais efetivos
em causar esse desarranjo que a promoção do choque de cultura que o militante
propõe. Assim, se temos uma base social mais apta à fragmentação, devemos ter
em mente que o mito construído para fazer a síntese de uma vida nesses
parâmetros, deve ser um mito bem forte, um mito bem estruturado,
suficientemente refratário a uma série de fenômenos dos mais variados – um
sujeito que mora num lugar perigoso, para ir trabalhar todos os dias, para dormir
aos sons de tiros, para aceitar a humilhação que é trabalhar para pessoas que
gastam em 15 minutos o que eles ganham em uma semana de trabalho, deve ter
uma construção mitológica ou fantasística que dê a ele muita coragem, um
sentimento de justiça (que será feita ou divina), uma esperança descomunal. Por
essa linha, me parece que diante da realidade, não tem manifestação (artística,
cultural, palavra de ordem, lambe-lambe) que consiga os efeitos desagregadores
que essa própria realidade consegue.
2) Por outro lado, tal como o xamã, o pastor ou padre, o militante deve trabalhar
promovendo uma síntese, um mito, uma fantasia coletiva. Ele trabalha quebrando
certos tabus para que, com isso, um outro tipo de síntese ou de mito possa ser
colocado. Mas, à diferença do xamã, do pastor, do padre (e também do
psicanalista) o militante que não gozar do prestígio ou do respaldo desses atores
não terá suas palavras ouvidas; visto ser a crença a priori no xamã que permite
que sua ritualística surta efeito.

Temos, então, até o momento, dois papeis exercidos pelo psicanalista, um de


promover o mito individual e o outro de não promover esse mito, de subverter a série de
fantasias que o sujeito constrói em análise. Porém, essa tarefa subversiva que cabe ao
psicanalista deve ser bem dosada em na análise, Freud coloca duas condições, primeiro o
sujeito deve ter tido um progresso em conhecer os motivos pelos quais ele vem adotando
tais e quais atitudes (o avizinhamento do recalcado), segundo, o paciente deve botar fé no
psicanalista, ter se apegado a ele – Freud diz que se a mera informação do correto ou da
cura do sintoma fosse efetiva, o sujeito se curaria numa palestra de psicanálise ou lendo
livros. Disso tiramos uma lição para o nosso militante, o que quer que se diga deve ser
dito sob circunstâncias, não adianta falar a verdade se as condições dessa verdade (a
proximidade daquilo que se diz com o universo simbólico do sujeito, e o lugar de onde se
diz, o qual, eventualmente, deve inspirar um certo respeito, carinho, amizade... suposição
de saber) não estão postas. Entretanto, encontrar essas condições de verdade é meio
difícil, principalmente em se tratando de uma grande cidade, onde as pessoas encontram-
se muito desconectadas (a relação que você vai ter com um taxista, com o caixa da
lanchonete, não te permite satisfazer essas duas condições freudianas). Parece, estamos
num grande impasse.

Aqui novamente as lições do Levi-Strauss nos podem ser úteis. Um mito possui
duas características, é a sobreposição de todas as narrativas que envolvem o mito e é um
modo de resolver uma contradição social pelas vias da imaginação. Encontramos esse
duplo aspecto nesse nosso Mito contemporâneo, os gostos e os ódios se dão por
motivações diversas e todas essas narrativas sobrepostas formam um todo autocompleto.
E todas as fantasias ou mitos individuais juntados sincronicamente constituem um modo
de resolver uma contradição social: o Mito concentra:

a) por um lado a solução para o problema de segurança, o abandono das tradições, o


fisiologismo do Estado e o enfrentamento da lavagem cerebral esquerdista;
b) por outro, ele autoriza tacitamente certos tipos de comportamento violentos e quer
autorizar legalmente outros (como salvaguarda para a polícia na favela), é contra
certos tipos de vida, vai reduzir o Estado (já tão parco) e sua galera sofreu uma
lavagem cerebral, só que de direita.

Em suma, para uns o Mito é um Messias, para outros, o próprio Anticristo. Notem
aí como o Mito que media os dois campos impede a interpenetração entre eles, ao mesmo
tempo em que cria uma relação co-respondência perfeita. E a atitude que tomamos nesse
momento, porque é um momento crítico, é o recrudescimento, a campanha, o panfleto –
novamente, não critico isso, talvez seja importante –, mas se se assume que já perdemos,
na meia noite que será o dia 28 nós teremos que tratar desse momento crítico, sugiro que
com crítica. Dos dois grupos propostos, um vai sair desse pleito com o mundo ainda mais
esfacelado e, provavelmente, não serão eles (espero estar errado, mas acho que o texto
ainda vale mesmo com a vitória do lado de cá).

Se dois campos se alimentam mutuamente, se co-respondem, é porque estão


estruturados em torno de um mesmo mito, do Mito – já faz um tempo em que pautas,
digamos, identitárias ganharam protagonismo em detrimento de pautas, digamos,
trabalhistas; não espanta que os liberais clássicos no Brasil tenham deixado de ser o alvo
e este passou ao Bolsonaro. Em suma, o Mito é um mito para os dois lados.

O Malcolm X dizia que não desejava igualdade com o homem branco porque o
branco não é um critério, não era por essa categoria que ele se media, porém, tal atitude
não se tratava de nenhum sentimento revanchista com relação aos brancos que circulam
por aí, mas de extirpar o Branco, como medida e como ideal, que reside dentro de cada
negro americano. Baeado nesse ensinamento, uma primeira sugestão, seria, portanto,
evitar a correspondência e tentar, com isso, não usar o Mito como medida, tentar acabar
com o Mito que mora dentro da gente – essa operação seria aquilo que Lacan chama de
mostrar que o Outro é castrado. Outra sugestão, decorrente da primeira, é tentar usar
outros critérios. Quando dividimos o mundo entre fascista e não-fascista a gente não teve
muito sucesso, primeiro que essa palavra não faz sentido para muita gente, segundo, ela
impede de olhar para as pessoas de um modo mais flexível (um fascista é um sujeito
horrendo, profundamente maldoso, sem nenhuma compadecimento da posição dos
outros). Por outro lado se a gente o diagnostica como um bobão, um sujeito confuso,
como uma pessoa desesperada, o nosso trato com esse sujeito é diferente. A esperança no
Bolsonaro é um mito que organiza a vida de muita gente, não digo que não haja fascistas
verdadeiros nesse meio, mas se deixarmos que esse mito desorganize a nossa, nós
entramos no jogo. Aquele grande impasse a que me referi acima pode começar a tomar
outras formas, constituir um novo mito, se esse nosso personagem, que não é nem o xamã,
nem o psicanalista, também começar a tomar outras formas.

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