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História da Educação Indígena -

1. EDUCAÇÃO INDÍGENA HISTÓRIA Profª Maria Aparecida Bergamaschi


Faculdade de Educação
2. Povos indígenas e a educação • Na comunidade educativa indígena, três aspectos
principais conformam uma unidade: a economia (reciprocidade); a casa (espaço
educativo doméstico, a família e a rede parentesco); a religião (concentração
simbólica de todo sistema – rituais, mitos...).
3. “A alfabetização dos índios se fará na língua dos grupos a que pertençam e em
português, salvaguardando o uso da primeira; A educação do índio será
orientada para a integração na comunhão nacional mediante processo de
gradativa compreensão dos problemas gerais e valores da sociedade nacional,
bem como do aproveitamento de suas aptidões individuais” (Ministério do
Interior, lei N.º 6.001, artigos 49 e 50, 19/12/73).
4. História e movimento - rumo à autonomia • Período colonial: escola para os
índios – missões religiosas (integracionista). • SPI e FUNAI: escola para os
índios – estado e missões religiosas (integracionista de transição). • Escola
indígena em construção (anos 60 e 70 séc. XX). • Autonomia e protagonismo –
escola dos povos indígena (específica, diferenciada, intercultural, bilíngüe e de
qualidade).
5. Apropriação traduz o movimento de tornar algo próprio, adequado às
necessidades de quem se apropria, mesmo que na origem esse bem não lhe
pertença. Compreendo que, através dos sentidos próprios que conferem à escola
na aldeia, os Guarani se apropriam dela, tornando-a também sua. Certeau (1994)
diz que apropriação é o fato de um determinado setor da sociedade tomar para si
uma prática social tida como das elites e recriá-la.
6. Fundamentação jurídica • Constituição de 1988 (art. 210): respeito aos processos
de ensino e aprendizagem • LDBEN – 1996 (art. 19 e 78) • Plano Nacional de
Educação (capítulo específico) • Pareceres e Resoluções do CNE: garantem
legalmente a existência das escolas indígenas específicas e diferenciadas
7. Escolas 2.324 Estudantes 164 mil Professores 9.100 Professores indígenas
7.300 Fonte: Censo Escolar 2005 – INEP / MEC
8. Predomina entre os Guarani duas formas de aprender: uma está ligada ao esforço
pessoal de busca e a outra é a revelação. Conhecimento = Arandu Ara = tempo,
dia; ñendu = sentir, experimentar. Arandu significa sentir o tempo, fazer o tempo
agir na pessoa.
9. • Curiosidade: “para aprender tem que perguntar”. • Observação: a pessoa é uma
observadora da natureza e das outras pessoas. • Imitação: constroem seus
comportamentos particulares, inspirando-se naquilo que a rodeia. • Autonomia:
expressa a individualidade da pessoa e o reconhecimento de cada um no
coletivo. • Oralidade: presente não apenas na fala, mas na escuta respeitosa e
atenta à palavra. • O aprender: “Aprendi por mim, pela minha cabeça”. •
Respeito: não apenas às pessoas mais velhas, mas a cada pessoa. • Silêncio:
como forma de comunicação.
10. A escola nas aldeias Guarani • Escola para aprender a ler, escrever, falar
português – “para aprender o sistema do Juruá”. • Espaços e tempos escolares
fluidos e descontínuos. • Encantamento: envolvimento com as atividades
escolares advindas da vontade de cada pessoa. • Espaço de convivência para
adultos e crianças de diferentes idades.
11. O jeito Mura de educar na vida e na escola • Bacia do Madeira, Amazônia,
região do rio Autaz; quase de 6 mil pessoas, sendo que mais de mil freqüentam
escolas Mura no município de Autazes, todas com professores indígenas. • Jeito
Mura de educar: não segmentação; abordagem integrada, holísitca; articulação
escola – comunidade; escola como expressão da própria vida.
12. Escola Mura... • Trabalha de forma integrada, articulando vários conteúdos. •
Profunda ligação do conteúdo escolar com a realidade vivenciada. • Objetivos
que vão além da busca de conhecimento – dinâmica, em movimento, articulada
com as lutas do povo Mura. • Decorrente das lutas diante da discriminação e
tentativas de integração. • Articula valores Mura – escola também como lugar de
conversa, aconselhamento e reflexão.
13. Os processos vivenciados em cada escola representam pequenas grandes
mudanças construídas cotidianamente. É preciso estarmos atentos e sensíveis
para enxergá-las e interpretá-las com toda sua força e significação já que “as
inovações culturais são, por uma parte, mais freqüentes do que comumente se
pensa: há muito novo em baixo do sol. Sobretudo, se não se pensa somente nas
grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história, se
não se repara também, e sobretudo, nas mudanças cotidianas aparentemente
insignificantes” (BATALHA, 1989, p.21).
Uma reflexão sobre a educação indígena

*
Mariana Wiecko Volkmer de Castilho

A educação escolar deve ser um instrumento de afirmação da cultura


indígena e também de preparação dos índios para se relacionarem com a
sociedade de fora conforme o interesse de cada povo (...) (Professor Walmir
Kaingang, RCNEI)
RESUMO: O presente artigo pretende expor reflexões sobre a
educação indígena e sobre minha experiência pessoal como professora de
Geografia, no Curso de Formação de Professores Indígenas do Médio rio
Madeira, ao sul do Amazonas, Brasil.

Palavras - chaves: educação indígena, geografia, curso de


formação de professores indígenas, rio Madeira, Amazonas,
Brasil.
ABSTRACT: The present article intends to expose some reflections
on the indigenous education and on my personal experience as Geography teacher
in the Formation Course of Indigenous Teachers at the Middle Madeira river, in the
south of the Amazonas State, Brazil.

Keywords: indigenous education, geography, formation course


of indigenous teachers, Madeira river, south of the Amazonas State,
Brazil

indigenous education, geography, formation course of indigenous teachers,


Madeira river, south of the Amazonas State, Brazil
Este artigo pretende expor reflexões e uma experiência pessoal em
educação indígena. Creio que é importante compartilhá-las com outras pessoas no
intuito de ampliar a compreensão e a tolerância com as diferenças culturais.
Refletir sobre educação indígena é muito importante no momento
histórico em que vivenciamos a década dos povos indígenas. Conforme Meliá
(1979),
a educação indígena está mais perto da noção de educação,
enquanto processo total. A convivência e a pesquisa mostram que para o índio a
educação é um processo global. A cultura indígena é ensinada e aprendida em
termos de socialização integrante. (...) Os educadores do índio tem rosto e voz;
têm dias e momentos; tem materiais e instrumentos; têm toda uma série de
recursos bem definidos para educar a quem vai ser um indivíduo de uma
comunidade com sua personalidade própria e não elemento de uma multidão.
Isto quer dizer que cada sociedade indígena dispõe de seu próprio
processo de educação e de transmissão dos seus conhecimentos tradicionais, não
necessitando da interferência de terceiros, exceto nos casos em que esses
processos tenham sido destruídos e requeiram registros externos para ser, em
alguma medida, reconstruídos.
A necessidade de educação escolar, admitida e reivindicada pelos
povos indígenas, provém do sistema multiétnico (Barros, 2000). Entretanto, seu
sentido se altera de acordo com as outras variáveis oriundas das diversidades
sócio-culturais, decorrentes do aprofundamento das relações de contato, como
falar e escrever em português ou fazer operações matemáticas, que demandam
serviços de educação escolar quando solicitados por comunidades indígenas
interessadas. Esse interesse é imprescindível, pois não faz sentido impor a outra
cultura informações estranhas que ela não necessita.
Portanto, a educação tem que fazer a ponte entre a sociedade
indígena e a não indígena, para que os índios tenham acesso às informações e
tecnologias modernas e tenham assegurado a liberdade de escolher o que eles
querem adotar e o que não querem.
Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar entre os
povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases. A primeira, mais
extensa, inicia no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve nas
mãos de missionários católicos, especialmente jesuítas. O segundo momento é
marcado pela criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910, e se
estende à política de ensino da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e a
articulação com o SIL (Summer Institute of Linguistics) e outras missões religiosas.
A terceira fase vai do fim dos anos 60 aos anos 70, destacando-se nela o
surgimento de organizações não governamentais: Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Centro de Trabalho
Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio, entre outras, e do movimento indígena. A
quarta fase se delineia pela iniciativa dos próprios povos indígenas, nos anos 80,
que passam a reivindicar a definição e a autogestão dos processos de educação
formal. Os índios entram em cena para debater a política de escolarização e para
exigir o direito a uma educação escolar voltada aos seus interesses, ou seja, uma
educação que respeite as diferenças e as especificidades de cada povo.
A educação escolar passou a ser encarada como uma política
pública, como um direito à cidadania, além de um instrumento de resistência e luta.
Hoje, já não se discute se os índios têm ou não têm alma, mas trata-se de admiti-
los como cidadãos com direitos específicos e diferenciados. Nas palavras de
Secchi (2000), "admitiu-se a alteridade e tolerou-se a diferença, mantendo-se,
entretanto, inalterado, o direito discricionário de outorgar direitos".
No Brasil dos últimos anos, algumas mudanças se fizeram sentir, a
partir da Constituição de 1988, com o reconhecimento do direito dos povos
indígenas à diferença sócio-cultural e à valorização de suas línguas, modos e
concepções. No plano pedagógico, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, os documentos normativos editados pelo Ministério de Educação (MEC)
e as pautas de reivindicações de professores e organizações indígenas foram
inovações legais importantes no processo de autodeterminação desses povos.
Entre esses dispositivos está a Resolução n. 3, de 1999, que estabelece a criação
de escolas autônomas, tendo regimento, currículo e pedagogia próprios, definidos
de acordo com as particularidades de cada situação local e os cursos específicos
de professores.
Estes dispositivos mostram que estão lançadas as bases para a
edificação de uma escola diferenciada, "com um papel importante na construção
de diálogos interculturais e projetos políticos de autogestão econômica,
tecnológica, cultural e lingüística por grupos indígenas específicos" (Da Silva,
2001, p. 101).
A partir de 1995 (ano em que se inicia a Década dos Povos
Indígenas) reivindicações por regularização de escolas e a formação de
professores indígenas para o magistério começam a pipocar por todo o País. Tais
cursos têm algumas características: a) são concebidos e dirigidos a professores
indígenas que atuam ou venham a atuar nas escolas das aldeias; b) ancoram-se
no fazer pedagógico dos cursistas e dos demais atores envolvidos no processo de
formação e têm como referencial a realidade sócio-educacional de cada
comunidade específica e; c) baseiam-se na multiplicidade étnica e cultural dos
cursistas (Projeto Indata’hua, 1999).
A escolha dos conteúdos e a forma de organização curricular
expressam um acordo intercultural. É a partir dele que definem os conhecimentos
de caráter geral e específico de cada núcleo de estudo e as estratégias mais
adequadas de aprendizagem.
O Projeto de formação de professores indígenas no ensino médio
Indata’hua, foi elaborado em 1999 pela equipe de indigenistas da OPAN, que se
encontravam, à época, na cidade de Humaitá (AM). O projeto resultou de uma
demanda dos índios que queriam ver reconhecidas e avaliadas as ações já
desenvolvidas, bem como dar continuidade à formação e a titulação dos mesmos.
O Projeto foi posto em prática em 1995 pela OPAN com parceria de
órgãos municipais e federais - Secretaria Estadual de Educação (SEDUC/AM),
Secretaria Municipal de Educação de Humaitá (SEMED) e FUNAI ADR/Porto
Velho -, inicialmente junto ao povo Parintintin, estendendo-se, hoje, aos povos
Tenharim, Torá e Jiahoi da região do médio rio Madeira.
Em junho de 2001 participei ativamente do Projeto como professora
do módulo de Geografia. Foi uma experiência inigualável, pois em momento algum
de minha vida profissional me dedicara às questões de cunho pedagógico. É muito
incipiente minha relação com a educação e, mais ainda, com a educação escolar
indígena. A seguir destaco alguns pontos da experiência realizada neste período,
na aldeia Tenharim Kãpinhu’hu.
O primeiro contato com os povos do tronco lingüístico Kagwahiva
ocorreu ainda durante o curso de formação indigenista, oferecido pela OPAN,
entre abril e junho do ano 2000, quando tive a oportunidade de ler alguns textos e
apresentar seminários a respeito da organização social destes povos.
A XVII Etapa do curso de Formação de Professores Indígenas do
médio rio Madeira teve duração de 30 dias (1/06 a 1/07 do ano 2001)e realizou-se
na aldeia Tenharim Kãpinhu’hu, no km 133 da BR 230, mais conhecida como
Transamazônica. Contou com a presença de professores das etnias Parintintin,
Tenharim, Jiahoi e Torá, além de representantes da OPAN, FUNAI ADR/Porto
Velho, SEMED, SEDUC/AM.
A aldeia Kãpinhu´hu, originalmente chamada Nhu´hu, é considerada a
aldeia central, localidade dos antigos Tenharim. As casas no Kãpinhu’hu são todas
de madeira e teto de palha; a aldeia possui gerador de energia e poços artesianos.
Há casas de farinha, alguns banheiros[12], uma grande quadra de futebol e
uma casa do posto de saúde, onde diariamente fala-se pela fonia com o
Pólo Base de Humaitá.
A escola – Ariovi (em homenagem ao pai do cacique geral Kwahã
Alexandre Tenharim) – ocupa um lugar de destaque na aldeia. É uma das
primeiras casas a ser avistada. Está situada entre a casa do cacique e o posto de
saúde. É um espaço de chão batido, coberto de palha e sustentado por esteios de
madeira. Sem paredes, fechado apenas por um cercado com uma portinhola
permite que a comunidade participe de fora. Isto é importante, pois, estreita a
relação entre a Escola e a Comunidade, podendo esta participar, intervir, discutir e
avaliar coletivamente o processo quando necessário, bem como permite ao
professor em formação, consultar, pesquisar, enfim, envolver também a
comunidade no processo de formação e de constituição de uma Escola própria –
específica, através de uma relação mútua e integrada.
Em todos os cursos são escolhidos temas a serem trabalhados nas
diferentes disciplinas. Naquele ano a equipe da OPAN, em Humaitá, propôs
trabalhar o tema Água, tendo em vista a preocupação observada nas aldeias com
a questão do saneamento básico. A maioria das aldeias conta com poços
artesianos, cuja água é puxada por gerador, consumindo combustível; fossas
sépticas, as quais, em algumas aldeias, foram construídas rente aos cursos
d’água, o que ocasionou doenças como a hepatite A.
Foram destinados cinco dias para discutir o tema. Participaram das
aulas vinte professores – entre contratados e ouvintes -, sendo que a maioria, até
então, não tivera qualquer contato com a disciplina, apesar desta já ter sido
oferecida em etapas anteriores.
Durante este período buscamos, docente e cursistas, trabalhar com
os eixos norteadores da prática pedagógica lançada no Projeto Indata´hua:
participação, valorização do conhecimento tradicional e o diálogo com outras
culturas e pesquisa. A preocupação inicial foi mostrar a Geografia como saber
voltado a compreensão do espaço, envolvendo as ações de uso e modificação do
lugar e suas paisagens, a relação afetiva, o imaginário, a visão de mundo.
Após, o grupo realizou o primeiro trabalho de observação de campo,
tendo como ponto de partida o principal curso de água da aldeia, o Igarapé, onde
todos tomam banho e lavam roupas. Saindo da aldeia em direção à nascente do
igarapé, munidos de alguns conceitos básicos sobre a estrutura de um rio, o grupo
pôde fazer suas primeiras observações do espaço, enquanto paisagem, lugar e
território. Para compreensão do que fora visto no campo passamos a redução no
papel.
Posteriormente demos início ao entendimento dos pontos de
orientação no espaço (Norte, Sul, Leste e Oeste), utilizando como parâmetros o
nascer e o pôr do sol. Trabalhamos com exemplos dos próprios cursistas.
Textos foram escritos, diagnosticando transformações ocorridas no
espaço indígena, pela invasão de turistas para pescar, por fazendeiros e
garimpeiros. Mostram ainda a relação dos povos indígenas com a água. Os mapas
e textos produzidos pelos cursistas fazem parte do material pedagógico, por mim
editado, para apoio aos mesmos nas escolas das aldeias.
Importante registrar o compromisso explícito por parte da comunidade
em realizar o evento da formação destes professores, pois foi ela a responsável
pela administração, preparo e distribuição da alimentação, além da estadia dos
docentes e professores cursistas. Este envolvimento evoca a afirmação de Meliá
(1979) segundo o qual: "a educação de cada índio é interesse da comunidade
toda. A educação é o processo pelo qual a cultura atua sobre os membros da
sociedade para criar indivíduos ou pessoas que possam conservar essa cultura".
Quanto aos professores, a maioria é bilíngüe. Entre eles um senhor
que, por percalços da vida, viveu muito tempo na sociedade não índia e não
domina a língua Kagwahiva oral e escrita, mas com uma capacidade de expressão
ímpar. Outros, mais jovens – homens e mulheres, casados ou não, representantes
da comunidade no movimento indígena ou não, até adolescentes com aptidões
diversas, sendo o mais novo (com doze anos) fluente na leitura da língua
portuguesa e falante da língua materna.
Apesar da heterogeneidade em habilidades acadêmicas existente
entre os professores cursistas, já que nem todos iniciaram no mesmo momento, foi
emocionante deparar com a preocupação dos mais habilitados, em ensinar, na
língua materna, àqueles que têm dificuldade na compreensão do conhecimento.
A despeito das diferenças entre idade, sexo e status social observa-
se algumas características singulares, comuns a todos estes professores; todos
eles são absolutamente desinibidos para falar, ler, fazer trabalhos e apresentações
de grupo ou individuais. Além disso, na condução dos exercícios e participação em
aulas sempre tomam como referência a si próprios e a sua história.
Tendo sido a primeira vez que trabalhei com educação escolar
indígena preocupou-me como desenvolver o tema a ser trabalhado com os
cursistas, levando em conta a cultura de cada povo. A preocupação era com o
novo, com o que vem de fora. Mas percebi que não há como renegar o novo, pois
os próprios índios sentem a necessidade de adquirir o conhecimento da sociedade
não índia, já que eles muitas vezes estão inseridos nesta na qualidade de
professores, agentes de saúde, eleitores. Contudo, a cultura Kagwahiva é sempre
chamada a contrapor em todas as questões que envolvem o conhecimento externo
a ela.
Embora estes tenham sido pontos de extrema importância e
positividade em relação a educação escolar indígena, convém lembrar que alguns
ainda permanecem obscuros e sem respostas. No caso dos projetos de formação
de professores indígenas, vejo com bons olhos a abertura que os governos
estaduais estão dando à educação indígena, contudo estes mesmos governos
impõem regras para o desenvolvimento destes cursos que não têm razão de ser.
Por exemplo, nem todos os participantes dos cursos têm a mesma facilidade para
apreender e compreender os conteúdos das diversas disciplinas em apenas um
mês de aulas, como no caso do Projeto Indata’hua.
No que se refere à língua, nem todos os cursistas têm facilidade para
falar e entender o português, sendo necessária a ajuda dos colegas na
interpretação. O professor deve ter presente essa dificuldade. Diante disso como
trabalhar com as diferenças individuais no aprendizado em período tão curto?
Outro aspecto relevante é a necessidade dos cursos em atender uma
série de requisitos burocráticos do Estado. Há uma imposição das próprias
instituições parceiras para adequar a formação indígena às regras da sociedade
não índia, revelando falta de sensibilidade para a cultura indígena. Assim,
trabalhos desenvolvidos pelos indígenas nos cursos de formação aos olhos da
burocracia não são aceitos para publicação, porque escritos na língua portuguesa
contendo erros gramaticais e ortográficos.
Referências bibliográficas
BARROS, Edir Pina de. Reflexões sobre Educação Escolar Indígena na Conjuntura
Atual. Disponível em: http://www.seduc.mt.gov.br/educação_indigena_artigos.htm
Acesso em: 14 jun 2002.
BRASIL. FUNAI. Resolução 03/Câmara de Educação Básica – Conselho Nacional de
Educação, de 10 de novembro de 1999.
DA SILVA, Araci Lopes. Educação para a Tolerância e Povos Indígenas no Brasil. In:
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi; VIDAL, Lux Boelitz & FISCHMANN, Roseli (org.).
Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São
Paulo: Edusp, 2001. p. 99-132.
FERREIRA, Mariana K. Leal. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da
situação no Brasil. In: Da Silva, Aracy Lopes e FERREIRA, Mariana K. Leal (org.).
Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola.
MELIÁ, Bartomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo: Edições Loyola,
1979.

MEC/SEF/DPEF. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas.


Brasília. 1998.
OPAN. INDATA’HUA – Projeto de Formação de Professores Indígenas para o
Magistério no Alto Madeira. Humaitá/AM. 1999. 39p. (mimeo.).
SECCHI, Darci. Escolas Indígenas em Mato Grosso: uma opção necessária. 2000.
Educação Escolar Indígena no séc. XX - Presentation
Transcript
1. ALUNAS: DANIELE, Mª DE FÁTIMA E TAIANE
2. SEGUNDO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO(2002): NACIONAL RS • 1.392
ESCOLAS • 53 ESCOLAS KAIGANG; INDÍGENAS; • 14 ESCOLAS
GUARANI; • 3.059 PROFESSORES ÍNDIOS; • 100 PROFESSORES; • 93.000
ESTUDANTES • 4.300 ALUNOS. REPRESENTANDO • 218 POVOS.
3. SEGUNDO BERGAMASCHI: • “A HISTÓRIA DA ESDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA É MODULADA PELAS MUDANÇAS DA INTERAÇÃO DA
ESCOLA COM A DIVERSIDADE DO GRUPO A QUE SE DESTINA; •
MESMO DIANTE DE UM PROCESSO COLONIAL QUE TENTOU
DESTITUIR A MEMÓRIA COLETIVA DOS POVOS INDÍGENAS, AS
MARCAS DO CONTATO FORAM SENDO APROPRIADAS E
RESSIGNIFICADAS, CONSTITUINDO COSMOLOGIAS HÍBRIDAS,
PORÉM NÃO MENOS INDÍGENAS”.
4. PERÍODOS
5. 1º PERÍODO: COLONIAL • PREDOMINOU A CATEQUESE E AS AÇÕES
EDUCATIVAS; • PREOCUPAÇÃO EM INSTALAR UMA MORAL CRISTÃ;
• ESTENDEU-SE ATÉ O ADVENTO DA REPÚBLICA.
6. INÍCIO SÉC. XX • COM A MODERNIZAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO
ESTADO NACIONAL, INAUGUROU UM NOVO PERÍODO NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA; • A ESCOLA PASSOU A TER SUAS
FUNÇÕES MAIS CONTROLADAS PELO ESTADO: “EDUCÁ-LOS E
TERRITORIALIZÁ-LOS; • SPI (SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO ÍNDIO); •
INTENSO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO; • A CONTINUIDADE DA
ATUAÇÃO RELIGIOSA;
7. INSERÇÃO NA SOCIEDADE 1. ATRAIR E SEDENTARIZAR; 2. ENSINAR
A CULTIVAR, FIXANDO-O NA ÁREA; 3. CIVILIZAR, ATRAVÉS DO
TRABALHO E DA ESCOLA; 4. REGULARIZAÇÃO DAS TERRAS.
8. ATÉ OS ANOS 80, FORAM RAROS OS CASOS DE ESCOLAS INDÍGENAS
MANTIDAS PELO ESTADO (RS), POIS O SPI NEGOCIAVA COM
MISSÕES RELIGIOSAS A INSTALAÇÃO DE INSTITUIÇÕES
EDUCACIONAIS DENTRO DAS ÁREAS.
9. O ENSINO BILÍNGUE COMO PRÁTICA REFORÇADORA DA LÍNGUA E
DA CULTURA É UMA PREOCUPAÇÃO RECENTE, INICIALMENTE ELE
FOI INTRODUZIDO COM FINS CATEQUÉTICOS.
10. CONSTITUIÇÃO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,
LEIS QUE “ENCAMINHAM POSSIBILIDADES” PARA UMA ESCOLA
INDÍGENA ESPECÍFICA, DIFERENCIADA, INTELEC TUAL E BILÍNGUE,
RECONHECENDO O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS DE MANTEREM
SUA IDENTIDADE ÉTNICA.
11. A situação dos povos indígenas é pouco conhecida na sociedade brasileira. A
idéia geral é de que falam a mesma língua, vivem da mesma forma e têm a
mesma cultura. No entanto o panorama é outro. São 225 etnias que falam 180
idiomas, excetuando-se aquelas que somente falam o português porque
perderam suas línguas de origem. Atualmente são cerca de 370 mil (estimativas
apontam entre 2 e 4 milhões de pessoas na época do descobrimento) ocupando
uma área correspondente a 13% do território nacional em 580 áreas definidas
como terras indígenas.
12. Lideranças indígenas e pesquisadores fazem distinção entre educação indígena e
educação escolar indígena. Essa última complementaria aqueles conhecimentos
tradicionais por processos de ensino- aprendizagem que lhes garantissem acesso
aos códigos escolares não-indígenas.
13. Em 2005 o Censo Escolar Indígena indicava um enorme crescimento do número
de professores indígenas atuando em suas comunidades em relação aos últimos
vinte anos. No entanto, o Censo aponta que ainda faltam escolas nas aldeias,
especialmente de ensino médio. Esse gargalo tem feito as organizações
indígenas pressionarem os órgãos governamentais para que as políticas públicas
indigenistas, previstas em dispositivos legais, se ampliem. Condições técnicas e
financeiras como construção de escolas, recursos para produção de material
didático apropriado e qualificação profissional são as principais reivindicações
visando garantir o processo educacional em curso.
14. Para qualificação profissional existem os cursos de ensino médio que habilitam
para o magistério indígena no ensino de 1ª a 4ª séries. Além deles, os cursos de
ensino superior em Licenciaturas Indígenas têm formado docentes para atuarem
no ensino fundamental (5ª a 8ª séries) e no ensino médio. Atualmente,
professores de aproximadamente 90 etnias cursam a Licenciatura Específica
para Indígenas em Universidades Federais e Estaduais das mais diferentes
regiões do país. Por outro lado, algumas Universidades já vem reservando vagas
aos indígenas em diversos cursos como medicina, enfermagem etc.
Educação no Brasil: a História das rupturas

José Luiz de Paiva Bello

2001

Introdução

A História da Educação Brasileira não é uma História difícil de ser estudada e


compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes e fáceis de serem observadas.
A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos portugueses ao
território do Novo Mundo. Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses
trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as
populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer
educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações
indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.
Num programa de entrevista na televisão o indigenísta Orlando Villas Boas
contou um fato observado por ele numa aldeia Xavante que retrata bem a característica
educacional entre os índios: Orlando observava uma mulher que fazia alguns potes de
barro. Assim que a mulher terminava um pote seu filho, que estava ao lado dela, pegava
o pote pronto e o jogava ao chão quebrando. Imediatamente ela iniciava outro e,
novamente, assim que estava pronto, seu filho repetia o mesmo ato e o jogava no chão.
Esta cena se repetiu por sete potes até que Orlando não se conteve e se aproximou da
mulher Xavante e perguntou por que ela deixava o menino quebrar o trabalho que ela
havia acabado de terminar. No que a mulher índia respondeu: "- Porque ele quer."
Podemos também obter algumas noções de como era feita a educação entre os
índios na série Xingu, produzida pela extinta Rede Manchete de Televisão. Neste
seriado podemos ver crianças indígenas subindo nas estruturas de madeira das
construções das ocas, numa altura inconcebivelmente alta.
Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os
costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos.
Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma
nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por
Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muito bem estruturada em termos de
educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o
subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na
Europa, resolve transferir o Reino para o Novo Mundo.
Na verdade não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras
brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situação
anterior. Para preparar terreno para sua estadia no Brasil D. João VI abriu Academias
Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua
iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. Segundo alguns
autores o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a ter uma
complexidade maior.
A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Basta ver
que, enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades, sendo que em
1538 já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima, a
nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo.
Por todo o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez
pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Com a
Proclamação da República tentou-se várias reformas que pudessem dar uma nova
guinada, mas se observarmos bem, a educação brasileira não sofreu um processo de
evolução que pudesse ser considerado marcante ou significativo em termos de modelo.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a
educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do
mundo, que é a de manter o "status quo" para aqueles que freqüentam os bancos
escolares.
Concluindo podemos dizer que a Educação Brasileira tem um princípio, meio e
fim bem demarcado e facilmente observável. E é isso que tentamos passar neste texto.
Os períodos foram divididos a partir das concepções do autor em termos de
importância histórica.
Se considerarmos a História como um processo em eterna evolução não
podemos considerar este trabalho como terminado. Novas rupturas estão acontecendo
no exato momento em que esse texto está sendo lido. A educação brasileira evolui em
saltos desordenados, em diversas direções.
Período Jesuítico (1549 - 1759)

A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas. Os primeiros


chegaram ao território brasileiro em março de 1549. Comandados pelo Padre Manoel de
Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira,
em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, contando apenas 21 anos.
Irmão Vicente tornou-se o primeiro professor nos moldes europeus, em terras
brasileiras, e durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé
religiosa.
No Brasil os jesuítas se dedicaram à pregação da fé católica e ao trabalho
educativo. Perceberam que não seria possível converter os índios à fé católica sem que
soubessem ler e escrever. De Salvador a obra jesuítica estendeu-se para o sul e, em
1570, vinte e um anos após a chegada, já era composta por cinco escolas de instrução
elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga)
e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia).
Quando os jesuítas chegaram por aqui eles não trouxeram somente a moral, os
costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os métodos pedagógicos. Todas
as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documento, escrito por Inácio de
Loiola, o Ratio Studiorum. Eles não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além do
curso elementar mantinham cursos de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o
curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes.
No curso de Letras estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso
de Filosofia estudava-se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e
Naturais.
Este modelo funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma
nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por
Marquês de Pombal. Se existia algo muito bem estruturado, em termos de educação, o
que se viu a seguir foi o mais absoluto caos.
No momento da expulsão os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17
colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras
instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação
brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já
implantado e consolidado como modelo educacional.

Período Pombalino (1760 - 1808)

Com a expulsão saíram do Brasil 124 jesuítas da Bahia, 53 de Pernambuco, 199


do Rio de Janeiro e 133 do Pará. Com eles levaram também a organização monolítica
baseada no Ratio Studiorum.
Desta ruptura, pouca coisa restou de prática educativa no Brasil. Continuaram a
funcionar o Seminário Episcospal, no Pará, e os Seminários de São José e São Pedro,
que não se encontravam sob a jurisdição jesuítica; a Escola de Artes e Edificações
Militares, na Bahia, e a Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro.
Os jesuítas foram expulsos das colônias em função de radicais diferenças de
objetivos com os dos interesses da Corte. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o
proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência que se
encontrava diante de outras potências européias da época. Além disso, Lisboa passou
por um terremoto que destruiu parte significativa da cidade e precisava ser reerguida. A
educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou
seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da
fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.
Através do alvará de 28 de junho de 1759, ao mesmo tempo em que suprimia as
escolas jesuíticas de Portugal e de todas as colônias, Pombal criava as aulas régias de
Latim, Grego e Retórica. Criou também a Diretoria de Estudos que só passou a
funcionar após o afastamento de Pombal. Cada aula régia era autônoma e isolada, com
professor único e uma não se articulava com as outras.
Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e era preciso
oferecer uma solução. Para isso instituiu o "subsídio literário" para manutenção dos
ensinos primário e médio. Criado em 1772 o “subsídio” era uma taxação, ou um
imposto, que incidia sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente. Além de
exíguo, nunca foi cobrado com regularidade e os professores ficavam longos períodos
sem receber vencimentos a espera de uma solução vinda de Portugal.
Os professores geralmente não tinham preparação para a função, já que eram
improvisados e mal pagos. Eram nomeados por indicação ou sob concordância de
bispos e se tornavam "proprietários" vitalícios de suas aulas régias.
O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do século XIX, a
educação brasileira estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico foi
desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar
continuidade a um trabalho de educação.

Período Joanino (1808 – 1821)

A vinda da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com a situação
anterior. Para atender as necessidades de sua estadia no Brasil, D. João VI abriu
Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim
Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia.
Segundo alguns autores, o Brasil foi finalmente "descoberto" e a nossa História passou a
ter uma complexidade maior. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as
idéias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno
propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do
Brasil.
A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Para o
professor Lauro de Oliveira Lima (1921- ) "a 'abertura dos portos', além do
significado comercial da expressão, significou a permissão dada aos 'brasileiros'
(madereiros de pau-brasil) de tomar conhecimento de que existia, no mundo, um
fenômeno chamado civilização e cultura".
Período Imperial (1822 - 1888)

D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822 seu filho D. Pedro I proclama a


Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira Constituição brasileira. O Art.
179 desta Lei Magna dizia que a "instrução primária é gratuita para todos os
cidadãos".
Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método
Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensinava um grupo
de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor.
Em 1826 um Decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas
primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação
de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de
professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.
Em 1834 o Ato Adicional à Constituição dispõe que as províncias passariam a
ser responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em
1835, surge a primeira Escola Normal do país, em Niterói. Se houve intenção de bons
resultados não foi o que aconteceu, já que, pelas dimensões do país, a educação
brasileira perdeu-se mais uma vez, obtendo resultados pífios.
Em 1837, onde funcionava o Seminário de São Joaquim, na cidade do Rio de
Janeiro, é criado o Colégio Pedro II, com o objetivo de se tornar um modelo pedagógico
para o curso secundário. Efetivamente o Colégio Pedro II não conseguiu se organizar
até o fim do Império para atingir tal objetivo.
Até a Proclamação da República, em 1889 praticamente nada se fez de concreto
pela educação brasileira. O Imperador D. Pedro II, quando perguntado que profissão
escolheria não fosse Imperador, afirmou que gostaria de ser "mestre-escola". Apesar de
sua afeição pessoal pela tarefa educativa, pouco foi feito, em sua gestão, para que se
criasse, no Brasil, um sistema educacional.
Período da Primeira República (1889 - 1929)

A República proclamada adotou o modelo político americano baseado no


sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia
positivista. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a
liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes
princípios seguiam a orientação do que estava estipulado na Constituição brasileira.
Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de
alunos para os cursos superiores e não apenas preparador. Outra intenção era substituir a
predominância literária pela científica.
Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os
princípios pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que
o que ocorreu foi o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino
enciclopédico.
O Código Epitácio Pessoa, de 1901, inclui a lógica entre as matérias e retira a
biologia, a sociologia e a moral, acentuando, assim, a parte literária em detrimento da
científica.
A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se
tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte.
Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a
possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de freqüência.
Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de
assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para
as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação
brasileira.
Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz Alves
que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a intenção de tentar combater os protestos
estudantis contra o governo do presidente Arthur Bernardes.
A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de
mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta década que ocorreu o
Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do
Partido Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a
1927).
Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas de
abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, a de Anísio
Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas, em
1927, a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e
a de Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928.

Período da Segunda República (1930 - 1936)

A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no mundo


capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu com que
o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade
brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir
na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde
Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino
secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram
conhecidos como "Reforma Francisco Campos".
Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados
educadores da época.
Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira
vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos
Poderes Públicos.
Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi
criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as
normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931.
Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a
Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro, com uma
Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação.
Período do Estado Novo (1937 - 1945)

Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova Constituição em 1937. A


orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto
sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas
atividades abertas pelo mercado. Neste sentido a nova Constituição enfatiza o ensino
pré-vocacional e profissional.
Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa
individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado
o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário
Também dispõe como obrigatório o ensino de trabalhos manuais em todas as escolas
normais, primárias e secundárias.
No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a historiadora
Otaíza Romanelli, faz com que as discussões sobre as questões da educação,
profundamente ricas no período anterior, entrem "numa espécie de hibernação". As
conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram
enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho
intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino
profissional para as classes mais desfavorecidas.
Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são reformados alguns
ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino, e são
compostas por Decretos-lei que criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI e valoriza o ensino profissionalizante.
O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário,
quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou
científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o
ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa
divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o
científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial.
Período da Nova República (1946 - 1963)

O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova Constituição


de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área da Educação, determina
a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, a nova Constituição
fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos, inspirada nos princípios
proclamados pelos Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos
primeiros anos da década de 30.
Ainda em 1946 o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o Ensino
Primário e o Ensino Normal, além de criar o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial - SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela sociedade após a Revolução
de 1930.
Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro
Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de
reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador Lourenço
Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o
Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto
foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das
propostas apresentadas. Num primeiro momento as discussões estavam voltadas às
interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Num momento posterior,
após a apresentação de um substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais
marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação,
inspirados nos educadores da velha geração de 1930, e a participação das instituições
privadas de ensino.
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de
dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as
reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino
no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos
brasileiros.
Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foi
o fato marcante, por outro lado muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o
mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no Estado da
Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação (Centro Educacional
Carneiro Ribeiro), dando início a sua idéia de escola-classe e escola-parque; em 1952,
em Fortaleza, Estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática
baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953 a
educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação
e Cultura; em 1961 a tem inicio uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada
pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos;
em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui o Conselho Nacional
de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e, ainda em 1962 é criado o Plano
Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, pelo Ministério da
Educação e Cultura, inspirado no Método Paulo Freire.

Período do Regime Militar (1964 - 1985)

Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a


educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram "comunizantes e
subversivas".
O Regime Militar espelhou na educação o caráter anti-democrático de sua
proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades
foram invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos confronto com a polícia, e
alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes
proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores.
Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar
com os "excedentes" (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados, mas
não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório.
Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de
Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em sua didática, do expurgado Método
Paulo Freire. O MOBRAL propunha erradicar o analfabetismo no Brasil... Não
conseguiu. E, entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no seu lugar
criou-se a Fundação Educar.
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular
contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é
instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A
característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho
profissionalizante.

Período da Abertura Política (1986 - 2003)

No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam


perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a
participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a
falar de educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à
sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar
em si mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o
Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico,
passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do
saber pedagógico.
No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB foi
encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. No ano
seguinte o Deputado Jorge Hage enviou à Câmara um substitutivo ao Projeto e, em
1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto que acabou por ser aprovado
em dezembro de 1996, oito anos após o encaminhamento do Deputado Octávio Elísio.
Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje, a fase politicamente
marcante na educação, foi o trabalho do economista e Ministro da Educação Paulo
Renato de Souza. Logo no início de sua gestão, através de uma Medida Provisória
extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho Nacional de Educação,
vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esta mudança tornou o Conselho menos
burocrático e mais político.
Mesmo que possamos não concordar com a forma como foram executados
alguns programas, temos que reconhecer que, em toda a História da Educação no Brasil,
contada a partir do descobrimento, jamais houve execução de tantos projetos na área da
educação numa só administração.
O mais contestado deles foi o Exame Nacional de Cursos e o seu "Provão", onde
os alunos das universidades têm que realizar uma prova ao fim do curso para receber
seus diplomas. Esta prova, em que os alunos podem simplesmente assinar a ata de
presença e se retirar sem responder nenhuma questão, é levada em consideração como
avaliação das instituições. Além do mais, entre outras questões, o exame não diferencia
as regiões do país.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a
educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do
mundo, que é mais o de manter o "status quo", para aqueles que freqüentam os bancos
escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados pelos
estudantes em suas vidas práticas.
Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um
princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas
marcantes, onde em cada período determinado teve características próprias.
A bem da verdade, apesar de toda essa evolução e rupturas inseridas no
processo, a educação brasileira não evoluiu muito no que se refere à questão da
qualidade. As avaliações, de todos os níveis, estão priorizadas na aprendizagem dos
estudantes, embora existam outros critérios. O que podemos notar, por dados oferecidos
pelo próprio Ministério da Educação, é que os estudantes não aprendem o que as escolas
se propõem a ensinar. Somente uma avaliação realizada em 2002 mostrou que 59% dos
estudantes que concluíam a 4ª série do Ensino Fundamental não sabiam ler e escrever.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como
norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educação
jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostas desencontradas
que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida.
É provável que estejamos próximos de uma nova ruptura. E esperamos que ela
venha com propostas desvinculadas do modelo europeu de educação, criando soluções
novas em respeito às características brasileiras. Como fizeram os países do bloco
conhecidos como Tigres Asiáticos, que buscaram soluções para seu desenvolvimento
econômico investindo em educação. Ou como fez Cuba que, por decisão política de
governo, erradicou o analfabetismo em apenas um ano e trouxe para a sala de aula todos
os cidadãos cubanos.
Na evolução da História da Educação brasileira a próxima ruptura precisaria
implantar um modelo que fosse único, que atenda às necessidades de nossa população e
que seja eficaz.
REFERÊNCIAS

LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a


Passarinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília, 1969. 363 p.

PILLETTI, Nelson. Estrutura e funcionamento do ensino de 1o grau. 22.


ed. São Paulo: Ática, 1996.

________ . Estrutura e funcionamento do ensino de 2o grau. 3. ed. São


Paulo: Ática, 1995.

________ . História da educação no Brasil. 6. ed. São Paulo: Ática, 1996a.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 13. ed.


Petrópolis: Vozes, 1991.

Para referência desta página:

BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia
em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em:
<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm>. Acesso em: dia mes ano
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Aline de Alcântara Valentini

Quando a terra-mãe era nosso alimento, quando a noite escura


formava o nosso teto, quando o céu e a lua eram nossos pais,
quando todos éramos irmãos e irmãs, quando nossos caciques
e anciãos eram grandes líderes, quando a justiça dirigia a lei e
a sua execução, aí outras civilizações chegaram. Com fome de
sangue, de ouro, de terra e de todas as riquezas, trazendo em
uma mão a cruz e na outra a espada, sem querer conhecer ou
aprender os costumes de nosso povo... Entretanto não
puderam fazer nos eliminar e nem fazer esquecer o que
somos... E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído
nós sobreviveremos por mais tempo que o império da morte.
(TRECHO DA DECLARAÇÃO SOLENE DOS POVOS
INDÍGENAS. ESTA TERRA TINHA DONO, P. 164)

Nas últimas décadas tem crescido o interesse do Ministério da Educação pela


educação indígena. Prova disso é a criação do Decreto Presidencial 26/91 que
implementa uma política nacional de educação escolar indígena, atendendo a
preceitos legais estabelecidos na LDB, Plano Nacional de Educação e na Constituição
de 1988. A partir desta última, o Estado brasileiro reconhece aos povos indígenas o
direito a uma cidadania diferenciada, por meio do reconhecimento de seus direitos
territoriais e culturais, sendo que a questão da especificidade da educação indígena
passou a ser gradativamente reconhecida e normatizada.

Buscamos neste artigo inserir a análise da educação escolar indígena nas leis
vigentes, na história das relações políticas que se estabeleceram entre o Estado
nacional e os indígenas, contexto no qual se localiza a presente discussão sobre o
papel, dever e responsabilidades do Estado quanto aos povos indígenas,
interessando, neste caso, o direito à educação escolar.

Veremos como a escola aparece no início como instrumento privilegiado para a


catequese; em seguida, para formar mão-de-obra; depois, para incorporar os índios
definitivamente ao Estado brasileiro e, por fim, como reivindicação dos povos
indígenas.

O presente momento é um período marcado por importantes referências


temporais e históricas: “temos, atrás de nós, experiências acumuladas e, à nossa
frente, projetos de futuro a definir. O presente se define, pois, como momento de
reavaliar e de reinterpretar o que fomos e o que pretendemos ser”. (Silva e Grupioni,
2004: 16).

Segundo Ferreira (2001), a história da educação escolar entre os povos


indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases, as quais adotaremos aqui. A
primeira, mais extensa, inicia no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios
esteve nas mãos de missionários católicos, especialmente jesuítas. O segundo
momento é marcado pela criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910, e
se estende à política de ensino da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e a
articulação com o SIL (Summer Institute of Linguistics) e outras missões religiosas. A
terceira fase vai do fim dos anos 60 aos anos 70, destacando-se nela o surgimento
de organizações não governamentais: Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
Operação Amazônia Nativa (OPAN), Centro de Trabalho Indigenista (CTI),
Comissão Pró-Índio, entre outras, e do movimento indígena. A quarta fase se
delineia pela iniciativa dos próprios povos indígenas, nos anos 80, que passam a
reivindicar a definição e a autogestão dos processos de educação formal. Os índios
entram em cena para debater a política de escolarização e para exigir o direito a
uma educação escolar voltada aos seus interesses, ou seja, uma educação que
respeite as diferenças e as especificidades de cada povo.

A finalidade do estado brasileiro, que procura aculturar e integrar os


índios à sociedade envolvente por meio da escolarização confronta-
se, atualmente, com os ideais de autodeterminação dos povos.
Para os índios, a educação é essencialmente distinta daquela
praticada desde os tempos coloniais, por missionários e
representantes do governo. Os índios recorrem à educação escolar,
hoje em dia, como instrumento conceituado de luta. (FERREIRA,
2001, p. 71)

A educação escolar passou a ser encarada como uma política pública, como
um direito à cidadania, além de um instrumento de resistência e luta.

Da invasão à criação do SPI

Bartomeu Meliá (1979) descreve a educação dos indígenas antes da chegada


dos portugueses como um processo global, ensinada e aprendida como um processo
globalizante em termos de socialização integrante. A educação de cada índio era
quase sempre de interesse de toda a comunidade. O indígena era constantemente
educado para o prazer de viver, ele trabalhava para viver e essa educação permitia,
de fato, um alto grau de espontaneidade que facilitava a realização dos indígenas
dentro de uma margem muito grande de liberdade e autonomia. Esse modelo acabou
sendo influenciado e transformado com a chegada dos colonizadores no continente
americano.

O primeiro momento e também o mais longo tem início com a chegada dos
primeiros jesuítas ao Brasil em março de 1549 junto com o primeiro governador-geral,
Tomé de Souza. Os jesuítas eram comandados pelo Padre Manoel de Nóbrega e
quinze dias após a chegada edificaram a primeira escola elementar brasileira, em
Salvador.

desde a época colonial, diversas missões católicas dedicaram-se à


catequese indígena em geral, visto que a religião católica aqui
chegou com os padres jesuítas trazidos pelos primeiros governadores
do Brasil colônia. Ela foi considerada a religião do Estado e o
principal vínculo de unidade nacional, até o governo de D. Pedro I.
(CARVALHO, 1998, p. 55-6)
As investigações feitas a respeito do tema “educação para índios” (Meliá,
1992), mostram que desde a colonização a educação para índios foi praticada pelos
jesuítas que chegaram ao Brasil no início século XVI. Eles tinham como objetivo
catequizar os indígenas e atender os interesses governamentais que os financiavam,
utilizavam o método da ratio studiorum1 nos colégios e nas missões adequaram a
catequese a uma realidade de diferentes línguas indígenas, como relatam Bittencourt
e Silva:

Havia colégios para a educação dos jovens brancos onde,


eventualmente podiam conviver alguns indígenas e haviam aldeias
missionárias, criadas para catequese. (BITTENCOURT E SILVA,
2002)

Os jesuítas desejavam converter os indígenas ao cristianismo e aos valores


europeus; os colonos estavam interessados em usá-los como mão-de-obra para seus
empreendimentos agrícolas ou de mineração. A esses interesses, embora opostos em
sua exterioridade, já que um estava mobilizado em torno de pretensões materiais e
outro ligado à esfera espiritual, subjazia a marca da submissão: para os jesuítas,
embora a causa dos índios estivesse atrelada à defesa da liberdade do silvícola diante
do poder temporal (o Estado), a liberdade estava condicionada à conversão.
Os jesuítas então organizaram aldeamentos para afastar os indígenas dos
interesses dos colonizadores e criaram as reduções ou missões. Nas Missões, os
índios, além de passarem pelo processo de catequização – que tinha como um de
seus objetivos “educar o índio para a civilização” - também eram orientados ao
trabalho agrícola, que garantia aos jesuítas uma de suas fontes de renda.
As Missões e aldeamentos, na realidade, contribuíram decisivamente para
facilitar a captura de várias populações pelos colonos, que conseguiam, às vezes,
capturar aldeias inteiras nestas Missões.
A escola indígena, cuja responsabilidade foi da Igreja Católica no período
colonial, foi uma imposição aos povos indígenas do Brasil. A escola indígena, durante
o período colonial, teve como princípios a conversão religiosa e o uso de mão de obra
para todo tipo de trabalho, além da função de “integração” entendida como uma das
formas mais eficientes de destruição das culturas indígenas. Isso significou a
destruição de suas formas de organização social, das regras de parentesco e do
xamanismo, colocando em “cheque” a veracidade de suas instituições milenares.
Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira durante
duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias
portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal,
Primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777.
Em meados do século XVIII com a reforma pombalina, o foco da educação
indígena que antes era voltado para a catequização passou a ser o de civilizar os
indígenas. Pombal expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias, revertendo todos
seus bens para o Estado, desestruturando o sistema educacional montado pelos
jesuítas. Porém, as concepções a respeito da natureza do índio continuavam de seres
primitivos, incapazes, incompatíveis com o progresso e civilização. Chegando a ser
promulgado em 1845 um decreto tendo o índio, um caráter de orfandade, dando aos
colonizadores o direito de tirar grande parte de suas terras e justificando uma política
paternalista que os tratava como crianças.
Pouco a pouco, a Coroa passou a diversificar suas parcerias,
responsabilizando o encargo da educação escolar indígena a alguns fazendeiros ou
mesmo moradores comuns de regiões vizinhas aos índios, como atestam diversas
Cartas Régias de 1808. A introdução desses agentes “leigos” não significou, contudo,
a emergência de uma educação indígena dissociada da catequese. A civilização e a
conversão dos índios continuaram sendo explicitamente os objetivos educacionais
propostos pelo governo.
Segundo Ferreira (2001,p.74)

Existe, hoje, consenso em torno da inadequação do modelo


colonial/educacional desse primeiro momento da história da
educação escolar, mas os mesmos propósitos reaparecem, embora
de forma mais sutil, na próxima fase.

Silva e Azevedo também confirmam que não aconteceram mudanças


significativas no que diz respeito à educação escolar indígena durante o período do
Império.

Até o fim do período colonial, a educação indígena permaneceu a


cargo de missionários católicos de diversas ordens, por delegação
tácita ou explícita da Coroa portuguesa. Com o advento do Império,
ficou tudo como antes: no Projeto Constitucional de 1823, em seu
título XVII, art. 254, foi proposta a criação de “...estabelecimentos
para a catechese e civilização dos índios...”. Como a Constituição de
1824 foi omissa sobre esse ponto, o Ato Adiconal de 1834, art. 11,
parágrafo 5, procurou corrigir a lacuna, e atribuiu competência às
Assembléias Legislativas Provinciais para promover cumulativamente
com as Assembléias e Governos Gerais “...a catechese e a
civilização do indígena e o estabelecimento de colônias”. (SILVA e
AZEVEDO, 2004: 150)

Segundo texto do MEC, com o advento do império, em 1822,

apesar da educação indígena estar presente nas agendas políticas da


época não representou para os índios uma política imperial voltada
especificamente para seus interesses. Ao final do Império, os
especialistas e autoridades, que chegaram a se entusiasmar com a
possibilidade de haver instituições públicas destinadas ao ensino de
crianças indígenas, desacreditavam que isso pudesse ocorrer sem a
intervenção das missões religiosas. Dessa forma, até o início do
século XX o indigenismo brasileiro viverá uma fase de total
identificação com a missão católica e o Estado dividirá com as ordens
religiosas católicas, mais uma vez, a responsabilidade pela educação
formal para índios. (SECAD/MEC, 2007, p. 13)

Na república a Constituição de 1891 ignorou a existência de índios no país,


tendo apenas um decreto que transferia ao Estado a responsabilidade de "instrução
dos índios". A situação dos índios tornou-se mais delicada e a imprensa veiculava a
idéia de que o progresso era incompatível com a presença dos índios. Crescia
também a disputa pelas terras indígenas.
Do Serviço de Proteção aos Índios aos movimentos a favor das reivindicações
dos indígenas

A segunda fase formaliza-se com a criação do Serviço de Proteção ao Índio


(SPI) em 1910, e sua substituição, em 1967, pela atual Fundação Nacional do Índio
(FUNAI).
Em 1906, os assuntos indígenas, e em particular a educação escolar indígena,
passaram a ser atribuições do recém criado Ministério da Agricultura e, em 1910, de
um órgão especialmente dedicado à questão, o SPI. Neste novo quadro jurídico-
administrativo, começaram a surgir pouco a pouco, as primeiras escolas indígenas
mantidas pelo governo federal.
Santos (2004) afirma que com o surgimento do SPI uma nova legislação surgiu
em relação aos indígenas.

O SPI foi criado sob a inspiração positivista. Através dele, o Estado


assumia a proteção e a tutela dos indígenas (...).
A tutela enquanto instrumento de proteção promovida pelo Estado
poderia até ser tomada como positiva, não fosse a política indigenista
brasileira centrada na “integração dos índios à comunidade nacional”.
Vale dizer, o Estado tudo fazia para promover o desaparecimento dos
contingentes indígenas, através da sua incorporação à sociedade
dominante. Acreditavam os detentores do poder na validade das
teses, hoje revistas, da aculturação e da assimilação. Assim sendo, o
indivíduo que na condição de funcionário do SPI e depois, da
Fundação Nacional do Índio, exercia o papel de tutor acabava
efetivamente cerceando os direitos de seu tutelado e esbulhando o
patrimônio da comunidade indígena, sob sua guarda. (SANTOS,
2004, p.98).

Na década de 1930, o SPI passou do Ministério da Agricultura, onde foi criado,


para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930), para o Ministério da
Guerra (1934) e de lá de voltou para o Ministério da Agricultura (1939), onde
permaneceu até sua extinção em 1967, sendo suas atribuições repassadas para a
FUNAI.
O SPI foi substituído pela FUNAI durante o regime militar, sob acusação de
corrupção e maus tratos aos índios.
A FUNAI - Fundação Nacional do Índio, surgiu em 1967 com muito alarde e
com o objetivo de resolver de uma vez por todas a questão indígena: transformar os
índios em brasileiros, "integrá-los a nação e assimilá-los culturalmente ao seu povo".
Como afirmam Bittencourt e Silva:

O exemplo mais concreto é a participação do Summer Institute of


Linguistics (SIL), uma nova instrução religiosa que passou a atuar por
meio de convenios com a Funai na educação das áreas indígenas.”
(BITTENCOURT E SILVA, 2002)

Ferreira (2001, p. 77) cita algumas das razões para a adoção integral do
modelo do SIL pela Funai
Tinha como objetivo instaurar uma política indigenista
internacionalmente aceita e cientificamente fundamentada, suprindo
as deficiências do SPI no que diz respeito à desqualificação do
quadro técnico. O ensino bilíngue, garantido pelos especialistas do
SIL, daria toda a aparência de respeito à diversidade linguistica e
cultural das sociedades indígenas. O modelo bicultural do SIL
garantiria também a integração eficiente dos índios à sociedade
nacional, uma vez que os valores da sociedade ocidental seriam
traduzidos nas línguas nativas e expressos de modo a se adequar às
concepções indígenas.

A FUNAI tinha como fundamento a ideologia do desenvolvimento nacional.


Ainda na segunda fase, as missões religiosas continuaram a atuar nas aldeias, tendo
como princípio comum a política integracionista. Ainda hoje a intervenção sistemática
destas entidades é significativa em muitas aldeias das mais diversas etnias e
localizações em território nacional.

Em julho de 1972 a FUNAI baixou normas para a educação dos


grupos indígenas (Portaria nº. 75/N, de 6/7/72), nas quais, partindo do
reconhecimento de que ‘os idiomas indígenas devem ser
aproveitados em todos os sentidos nos programas de educação e
divulgação cultural’, estabeleceu, entre outras coisas, que a
‘educação dos grupos indígenas com barreira lingüística será sempre
bilíngüe’. (RODRIGUES,1981, p. 164)

Os artigos sobre a educação escolar indígena no Estatuto do Índio, promulgado


em 1973, sob a influência da Convenção 107/OIT na política indigenista, mencionam
explicitamente a alfabetização dos índios “na língua do grupo a que pertencem” (art.
49), mas nada mencionam sobre a adaptação dos programas educacionais às
realidades sociais, econômicas e culturais específicas de cada situação, o que deixa
implícita a idéia de um bilingüismo meramente instrumental, sem nenhum interesse na
valorização das culturas indígenas.

Os movimentos indígenas
Durante o terceiro período, o qual compreende as décadas de 60 e 70,
surgiram grupos e organizações não governamentais de apoio aos indígenas.
Diante desse contexto de mobilização não só social como sobretudo, dos povos
indígenas e de suas organizações a idéia de negação das diferenças foi substituida
pelo reconhecimento das diferenças, ao menos no plano discursivo dos direitos.

No final dos anos 70, ainda durante o período militar, começaram a


surgir no cenário político nacional organizações não-governamentais
voltadas para a defesa da causa indígena. Entre elas destacam-se a
Comissão Pró-Índio de São Paulo(CPI/SP), o Centro Ecumênico de
Documentação e Informação (CEDI), a Associação Nacional de Apoio
ao Índio (ANAÍ) e o Centro de Trabaho Indigenista(CTI). (FERREIRA,
2001, p.87)
Ainda na década de 1970 foi criada a União das Nações Indígenas (UNI),
primeira organização indígena de âmbito nacional. A partir da UNI surgiram outras
organizações regionais e étnicas. Os encontros de Educação Indígena, promovidos
por tais organizações, passaram cada vez mais a se realizar com maior freqüência e
os resultados foram a produção de escritos desses encontros, com reivindicações e
declarações, por escolas diferenciadas. Paralelamente e em consonância com o
surgimento das organizações não-governamentais, o movimento indígena começou a
se organizar.

O movimento indígena ampliou-se para uma discussão intercultural,


tendo como fundamento a defesa de suas identidades lingüísticas e
étnicas, mas sem perder de vista sua conexão com outros grupos
sociais.

Defende que a educação intercultural seja de ‘via dupla’ e dirigida não


só aos jovens membros dos povos indígenas, mas à sociedade como
um todo. (Monte, 2000, p. 121)

As Organizações dos Professores Indígenas são desdobramentos da


Organização do Movimento Indígena no Brasil, que se articulam em torno da
elaboração de filosofias e diretrizes básicas para a questão da educação escolar dos
povos indígenas em contraposição à escolarização para indígenas.

O movimento de Professores Indígenas reivindica o direito à autodeterminação


em relação à educação escolar. Isso significa que as populações indígenas exigem
que as práticas educativas formais desenvolvidas em áreas indígenas sejam definidas
por elas e que as concepções de educação, processos de socialização e estratégias
de ação sejam bases de processos educativos, que possibilitem a autonomia e
liberdade do ser indígena.

Os avanços na legislação

Os anos de 1980 são marcados por uma intensa articulação indígena através
da realização de encontros, reuniões, congressos e assembléias “que permitiram o
estabelecimento de uma comunicação permanente entre inúmeras nações indígenas,
cujo objetivo principal era a reestruturação da política indigenista do Estado.” (Ferreira,
2001, p.95)
A Constituição Brasileira de 1988 insere-se no quarto período, a carta magna
tem um de seus capítulos dedicado aos indígenas.

Nossa atual Constituição, promulgada em outubro de 1988, dedica


um capítulo (Dos Índios), inserido no Título III ‘Da Ordem Social’, ao
estabelecimento dos direitos dos povos indígenas. Reconhece-lhes o
direito à diferença, ou seja, à alteridade cultural, assegura-lhes o uso
da língua materna e processos próprios de aprendizagem. Contudo,
entre os preceitos legais e a realidade vivida há um espaço enorme,
quase que um abismo, com exceção de algumas conquistas
consolidadas na prática. (CARVALHO, 1998, p. 19)

A história da Educação indígena mostra que, de um modo geral até 1988, a


política indigenista brasileira estava centrada nas atividades voltadas à incorporação
dos índios à sociedade nacional (presentes na Constituição de 1934, 46, 67 e 69). A
Constituição de 1988 suprimiu essa diretriz, reconhecendo aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos sobre suas terras que
tradicionalmente ocupavam e a educação básica em sua língua materna.
Na década de 90, a educação escolar indígena fundamentada em ações
práticas que decorriam de décadas anteriores, caracterizava-se pelo fortalecimento do
Movimento Indígena. Os povos indígenas como protagonistas de sua história
passaram a reivindicar direitos, entre eles a educação indígena específica e
diferenciada. O Movimento dos Professores Indígenas realizaram encontros em
diversas regiões do Brasil e nesses espaços coletivos eram e continuam sendo
pensados princípios e diretrizes para as escolas indígenas.
A transferência de responsabilidade e de coordenação das iniciativas
educacionais em Terras Indígenas do órgão indigenista (FUNAI) para o Ministério da
Educação, em articulação com as secretarias estaduais de educação, através de
decreto da presidência da República (n.26/91), responde em muito pelas alterações
ocorridas na educação indígena. Essa transferência abriu a possibilidade, ainda não
efetivada, de que as escolas indígenas fossem incorporadas aos sistemas de ensino
do país, de que os então "monitores bilíngües" fossem formados e respeitados como
profissionais da educação e de que o atendimento das necessidades educacionais
indígenas fossem tratadas enquanto política pública, responsabilidade do Estado.
Encerrava-se, assim, um ciclo, marcado pela transferência de responsabilidades do
órgão indigenista para missões religiosas no atendimento das necessidades
educacionais indígenas.
Em um de seus artigos publicados Silva e Grizzi (1981, p. 19) afirmam que
neste momento de transferência

uma educação ou uma escola pró-índio não é a meta da política


indigenista oficial. E as recentes medidas de descentralização
administrativa da FUNAI, tendem a agravar a problemática do índio e
a tornar a política indigenista oficial ainda mais contrária aos seus
interesses, porque a passagem dos assuntos indígenas para os
Estados só iria favorecer os grupos econômicos interessados em
explorar as suas terras e diluir as pressões que fazem brancos e
índios em defesa do índio. Se a questão educacional for distribuída
aos governos estaduais fatalmente serão reduzidas as possibilidades
de que a educação leve em conta a especificidade das culturas
indígenas, porque o que se prevê é a integração dos índios nos
sistemas escolares estaduais.

Em fevereiro de 1991 foi sancionado pelo Presidente da República o Decreto


nº26, que atribui ao Ministério da Educação a competência para coordenar as ações
referentes à educação escolar indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino,
em parceria com a FUNAI. O Decreto também determina que as ações sejam
desenvolvidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em
consonância com o Ministério da Educação.
Ainda em 1991, o MEC criou a Coordenação Geral de Apoio as Escolas
Indígenas (CGAEI) e mais tarde o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, onde fica garantido o direito a uma educação intercultural com a formação
inicial e continuada de professores indígenas.
As escolas nas terras indígenas (T.I.) foram criadas em 1999 e fazem parte dos
sistemas de ensino do país. Estas devem se localizar em terras habitadas por
comunidades indígenas, possuir organização escolar própria e regimentos escolares
próprios. Seus projetos pedagógicos devem ser elaborados junto com a comunidade,
sendo necessária a utilização de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo
com o contexto sócio-cultural de cada povo.
Entre as competências do Ministério da Educação, no que diz respeito à
realização de um modelo educacional baseado no respeito à interculturalidade, ao
multilingüismo e a etnicidade, está a obrigação de publicar materiais didáticos
diferenciados para as escolas indígenas que atendem aos Ensinos Fundamental e
Médio e oferecer cursos de formação para professores indígenas.
É preciso lembrar que todas as conquistas são frutos da reivindicação dos
próprios povos indígenas.

o direito a uma Educação Escolar Indígena – caracterizada pela


afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias
históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos
indígenas e pela revitalizada associação entre
escola/sociedade/identidade, em conformidade aos projetos
societários definidos autonomamente por cada povo indígena – foi
uma conquista das lutas empreendidas pelos povos indígenas e seus
aliados, e um importante passo em direção da democratização das
relações sociais no país. (Secad/MEC, 2007, p. 9)

De instituição imposta para promover a assimilação das diferenças


culturais e das identidades étnicas, do período colonial até as
mudanças trazidas pela Constituição de 1988, a escola vem sendo
apropriada pelos povos indígenas, ganhando uma identidade peculiar
a partir do contexto de diversidade sociocultural e da recuperação da
autonomia política. No bojo da mobilização de muitos povos
indígenas pela garantia de seus territórios tradicionais e recuperação
da autodeterminação na condução de seu destino, a escola vem
sendo reivindicada (Grupioni, 2003) para auxiliar no desenvolvimento
e execução de seus projetos de sustentabilidade socioambiental.
(Secad/MEC, 2007, p.76-7)

Foi então, a partir da década de 1980, notadamente, que várias comunidades


indígenas, participantes de Movimentos Indígenas, se multiplicaram em diferentes
locais e passaram a considerar a possibilidade de reversão do processo de
escolarização, tornando a escola uma instituição com condições de fortalecimento
cultural e político das comunidades. Com as novas perspectivas colocadas pela
Constituição de 1988, estas se transformaram em novas possibilidades e constituição
de um novo momento da história da educação escolar indígenas. A Legislação Federal
referente à Educação Escolar Indígena começa a ser aprimorada na década de 90 até
os dias atuais. É importante lembrar que cada Estado possui uma legislação própria,
que, em princípio, deve seguir os fundamentos legais e conceituais da Legislação
Federal. Segue abaixo o conjunto de leis federais que regulamentam a Educação
escolar Indígena:
• Constituição Federal (1988): Artigos 210, 215, 231.
• Decreto Presidencial nº 26 (1991).
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB ou LDBEN) – Lei 9.394
de 20/12/1996. Artigos 23, 24, 78 e 79.
• Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) – 1998.
• Parecer 14/99 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena,
1999.
• Resolução CEB 03/99.
• Plano Nacional de Educação, 2001.
• Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, 2001.

A Educação Escolar Indígena Específica e Diferenciada está progressivamente


sendo implantada em todo país até hoje. Se novos problemas têm sido colocados para
as comunidades indígenas, estes, em princípio, correspondem a uma reversão de uma
“escola para os indígenas” em uma “escola dos indígenas” cujas práticas precisam ser
analisadas.

Referências Bibliográficas

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Global; Brasília: MEC : MARI : UNESCO, 2004.
Licenciada em História (UNESP-Assis), Especialista em Gestão Educacional
(FACCAMP/Símbolo), Mestranda em Educação: História, Política, Sociedade (PUC-
SP), Pesquisadora do Observatório da Educação Escolar Indígena (MEC/Secad),
docente nos cursos de Administração e Ciências Contábeis da Faculdade Metropolitana
de Caieiras.

1 Durante o período em que a “educação” no Brasil esteve nas mãos dos jesuítas, houve
uma forma de gestão e organização de suas escolas, possíveis de serem identificados em
documentos como o Ratio Studiorum que trata de direcionar, homogeneizar e
regulamentar todo o sistema de ensino jesuítico.

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