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VALÉRIA GUIMARÃES
DA HISTÓRIA COMPARADA À
HISTÓRIA GLOBAL: IMPRENSA
TRANSNACIONAL E O EXEMPLO DO
LE MESSAGER DE SÃO PAULO
Rio de Janeiro
jan./mar. 2015
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O papel exercido por este órgão não fugia à regra da maioria dos
jornais adventícios, cuja missão era a de defesa e representação dos imi-
grantes. Porém, para além dessa representatividade óbvia, o jornal em
língua estrangeira pode ser encarado como um mediador cultural entre
dois contextos nacionais. A publicação de várias seções em português,
a abundância de anúncios de comerciantes brasileiros e a discussão de
temas locais são alguns dos exemplos de como essa e outras folhas servi-
ram de plataforma de trocas simbólicas.
11 – ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ed. Ática, 1989,
série Temas, vol. 9.
12 – Sobre a teoria de Maxwell E. Combs e Donald L. Shaw, ver o item “A função da
imprensa no estabelecimento da agenda” in DeFLEUR, Melvin L., BALL-ROKEACH,
Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p. 284-285.
13 – MINARD, P. “Globale, connectée ou transnationale: les échelles de l’histoire”. In
Revue Esprit Comment faire l’histoire du Monde? Paris, déc. 2013, p. 27.
De outro lado, para além do olhar que esquadrinha e faz melhor co-
nhecer as publicações de forma pontual, estamos convictos que também
consiste em contribuição o fato de podermos lançar um olhar global para
essa produção impressa, em um exercício que estabelece intenso diálogo
com os pesquisadores de outros países.
Chloé Maurel15 vai mais longe para demonstrar que a abordagem não
é propriamente uma novidade (cita até Heródoto e Hecateu de Mileto),
para em seguida destacar o pioneirismo da historiografia francesa com
Marc Bloch e a quase ausência de sucessores até fins do século XX. A au-
tora afirma que os estudos comparados entre as civilizações “hidráulicas”
(Mesopotâmia, Egito, Índia e China) de Karl August Wittfogel (1957),
bem como os trabalhos sobre história do colonialismo e do imperialismo
dos anos de 1950-60 levados a cabo nos Estados Unidos, seriam as pro-
vas de que a História Global tem numerosos antecedentes – embora isso
tenha ocorrido fora da França.
vras, “ethnocentrisme occidental”) que fez com que o conceito fosse tão
bem recebido no continente europeu, por exemplo.
Maurel distingue mesmo três gerações do que seria uma World His-
tory que gradativamente passa a se denominar de Global History, manei-
ra de se afastar dos preceitos daquela História Universal então criticada.
Nascida com a rejeição pela guerra e com vocação internacionalista, reu-
niu nomes como Leften Stavros Stavrianos (A Global History of Man, de
1962) ou William McNeill (A World History, de 1967), os quais enfatizam
as influências recíprocas entre as nações, passando pelo sociólogo Imma-
nuel Wallernstein (The Modern World-System, 4 vols., de 1974-2011) e
chegando, finalmente, ao que ela nomeia a terceira geração que inclui,
entre outros, Sanjay Subrahmanyam.
La vie intellectuelle est le lieu, comme tous les autres espaces sociaux,
de nationalismes et d’impérialismes, et les intellectuels véhiculent,
presque autant que les autres, des préjugés, des stéréotypes, des idées
reçues, des représentations très sommaires, très élémentaires, qui se
nourrissent des accidents de la vie quotidienne, des incompréhen-
sions, des malentendus, des blessures (celles par exemple que peut
infliger au narcissisme le fait d’être inconnu dans un pays étranger).27
36 – A exemplo daquela história tradicional do livro que valorizava mais o autor e a obra,
em detrimento do leitor, como bem demonstra R. Darnton.
37 – Idem, p. 11.
38 – Idem, p. 13.
39 – MOLLIER, Jean-Yves. “Pour une approche globale de l’histoire du livre, de l’édition
(...) num país como a França que, desde a Revolução Francesa se tem
por terra de acolhida e que, ademais, exerce há mais de dois séculos,
sobre os povos do mundo todo, e mais especificamente sobre suas eli-
tes intelectuais, culturais e até políticas em exílio, fascínio raramente
igualado alhures, apenas as publicações em francês têm chamado a
atenção dos especialistas, tanto do livro como da imprensa.56
denado por Márcia Abreu e Jean-Yves Mollier, mais focado na produção livreira, mas
contemplando alguns estudos de caso sobre periódicos e minha atual pesquisa (Projeto
Jovem Pesquisador FAPESP - As transferências culturais na imprensa na passagem do
século XIX ao XX – Brasil e França). Ambos os projetos estão mais focados na questão
da circulação que propriamente na imprensa em língua estrangeira publicada no Brasil.
59 – CHARLE, Christophe. “Préface”. In MAUREL, C. (org.) Essais…, Op. Cit., 2013,
p. 13.
60 – “Os franceses, e entre eles os franceses israelitas, formaram um círculo fechado, pos-
suindo as suas próprias associações e sociedades. O Cercle Français, a Société Française
de Bienfaisance, o Comité 14 Juillet, a Câmara do Comércio Francesa, a Alliance Fran-
çaise são exemplos para estas associações segregadas.” In WOLF, Egon e Frieda. Judeus
nos primórdios do Brasil República: visto especialmente pela documentação do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Israelita H. N. Bialik, Centro de Documentação, 1979,
p. 194-195. Pelo que se decorre da leitura dos demais exemplares do Le Messager de St.
Paul, essa é a instituição que sedia até hoje a escola de francês.
61 – Natural de Dunquerque, seu nome completo era Eugène Jules Jacques Hollender de
Jonge. Sobre sua origem judaica, ver : WOLF, Egon e Frieda. Op. Cit., p. 195.
62 – FREITAS, Affonso. A. de. A imprensa periódica de São Paulo desde os seus primór-
dios em 1823 até 1914, São Paulo: Diário Oficial, 1915.
63 – Sendo “tradutor da Alfândega de S. Paulo, da Associação Comercial e tradutor oficial
dos Consulados da França, Rússia, Itália, Inglaterra, Suécia e Noruega”, como informa o
Almanak Laemmert de 1901, no qual aparece uma referência a ele na rubrica “Intérpretes
do Comércio – Eugênio Hollender, r. Direita, 18. José Riscallah, r. Mardechal Deodoro,
2; Khalil Kury, r. 15 de Novembro, 31”. Ver: Almanak Laemmert do Rio de Janeiro para
1901 [Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro]- obra de
estatística e consulta fundada no ano de 1844, por Eduardo Von Laemmert reformada e
organizada por Arthur Sauer (diretor da Companhia Tipográfica do Brasil), 58o Ano, jun.
1901, p. 1446. Ver também: Decreto 3.544, de 30 de Dezembro de 1899.
64 – WOLF, Op. cit, p. 208.
inicialmente a 200 réis, o dobro das folhas comerciais brasileiras que cir-
culavam, o que é compreensível, visto sua carta pequena de anúncios,
mas o tornava caro para um leitor ordinário.
69 – Como não tivemos acesso às edições entre 1902 e 1906, não sabemos precisamente
quando se deu a mudança.
À nos Lecteurs
70 – Não tivemos acesso às edições entre 1902 e 1906 para precisar quando se deu a mu-
dança, como já observamos.
O que Hollender veio fazer no Brasil não está claro ainda, mas é
fato que estava engajado na difusão da cultura francesa, cuja sociedade,
segundo ele, era bem receptiva à presença francesa, o que ele não deixa
de sublinhar:
Il n’avait pas le droit de publier cela, dans un livre que tous les jeunes
gens peuvent acheter, que tout le monde peut lire. (…) La Garçonne
est un livre plus qu’immoral, dangereux, par les idées qu’il peut fai-
re naitre dans des cerveaux malades ou prédisposés au vice (MSP,
14/5/1923).
A intenção do jornal era deixar seu leitor ao par dos temas discutidos
na atualidade, dando ênfase aos interesses e à cultura francesa, sem aban-
donar a interação entre Brasil e França, o que é reiterado a todo momento,
como nas referências constantes ao papel de associações como a Alliance
Française.73
da, no caso, São Paulo, criando esse espaço de interação cultural que ul-
trapassava os interesses de grupo. As redes de sociabilidade formadas por
esses passeurs culturels podem nos fornecer pistas ainda inexploradas so-
bre a constituição da imprensa brasileira. Defendemos a hipótese de que a
imprensa brasileira teve contato estreito com os modelos franceses e que
essas trocas culturais tiveram consequências para o desenvolvimento da
atividade do periodismo nacional. Nomes esquecidos, como Eugène Hol-
lender (e outros que temos descoberto), foram personagens importantes
que, por algum motivo, não constam como tal na produção especializada.