Como é bem sabido, a palavra “índio” foi fruto de um equívoco. Cristóvão
Colombo, julgando haver chegado à Índia, assim se referiu à população nativa que encontrou. Desfeito o engano, o termo persistiu. Foi utilizado durante todo o período colonial e pós-colonial. Há algumas décadas, certos pesquisadores o acusaram de etnocêntrico. Argumentavam que os índios não se percebiam de maneira genérica, preferindo empregar as suas origens étnicas específicas, como guaranis, por exemplo. Lembravam ainda a sua utilização na construção de políticas de dominação da população nativa pelos impérios ultramarinos. Os termos, porém, são flexíveis e podem adquirir diferentes significados. As críticas devem ser consideradas, mas não justificam o seu abandono. Os maiores interessados na discussão, os próprios índios, passaram a empregá-lo em suas relações com os europeus desde meados do século XVI, com conotações bastante versáteis. Mais problemático, porém, é que o uso do termo de maneira desavisada pode nos conduzir a um grande equívoco: considerar que existia algum tipo de unidade da população americana na virada do século XV para o XVI. Nada mais distante da realidade. A América era habitada por distintos grupos com organizações sociais específicas, cujas relações entre si eram variáveis. Há diferentes formas de analisar tal diversidade. Algumas consideram as respectivas línguas, outras se baseiam nas relações com o território ou, ainda, nas organizações políticas. Nunca é demais lembrarmos que não se trata de hierarquizar as diferenças. Elas respondiam a uma série de fatores, desde adaptações ao meio ambiente até escolhas dos envolvidos. Entre as organizações com maior centralização política na época destacam-se os astecas e incas. Seus impérios formaram a base da América espanhola, e a conquista não pode ser explicada sem considerarmos as suas principais características. Mas, quando falamos de conquista, geralmente pensamos no México e no Peru, desconsiderando o igualmente importante caso brasileiro, por vezes equivocadamente apresentado como mais pacífico. A população do litoral brasileiro também era muito diversa, com predominância dos tupis-guaranis. A organização dos nativos do Brasil baseava-se em pequenos grupos, que se relacionavam entre si sobretudo através de atividades guerreiras. Obtinham assim prisioneiros, que eram sacrificados em cerimônias de antropofagia. Os cativos mais valorizados eram os líderes, pois a antropofagia era considerada uma forma de vingar os ancestrais que haviam sido sacrificados pelos rivais. Inicialmente, essa prática foi aproveitada pelos portugueses, que assim obtinham uma importante mercadoria intercambiada nos primeiros contatos: os escravos. Os grupos tupis-guaranis receberam bem os portugueses, e outros europeus, que começaram a desembarcar na costa a partir de 1500. O comércio era desenvolvido com interesse pelos índios, que ofereciam pau-brasil, animais exóticos e escravos. Providenciavam também o necessário à sobrevivência dos recém-chegados, sobretudo informações e alimentos. Em troca recebiam mercadorias variadas, como machados de ferro, que diminuíam significativamente o tempo gasto em certas atividades. As relações mudaram após o estabelecimento das primeiras unidades produtivas no Brasil na década de 1530. As atividades envolvendo a fabricação do açúcar, desde o plantio da cana até a pesada rotina nos engenhos, traziam exigências diferentes das até então enfrentadas pelos índios. Ali foram empregados em grande medida escravos da terra. A fim de atender à nova demanda por mão de obra, os tupis-guaranis passaram a envolver-se em guerras cada vez mais frequentes para obterem uma maior quantidade de cativos, por vezes incentivados pelos interesses dos portugueses. As guerras foram perdendo a sua função ritualística à medida que seus objetivos visavam atender ao comércio com os colonos. Com o passar do tempo, os portugueses, em busca de mais escravos, começaram a atacar também os grupos com os quais mantinham relações comerciais, geralmente à traição. Quando perceberam a mudança, os índios promoveram uma série de revoltas e foram capazes de colocar em risco a permanência lusitana no Brasil.