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Violência familiar e comportamento agressivo e transgressor

REVISÃO REVIEW
na infância: uma revisão da literatura

Family violence and aggressive and oppositional behavior


in childhood: a literature review

Renata Pesce 1

Abstract This article presents a review of the world Resumo Neste artigo, realizou-se uma revisão da
literature about two important subjects: family vio- literatura mundial sobre dois temas importantes:
lence and problems of aggressive behavior and oppo- violência familiar e problemas de comportamento
sitional defiant disorder in childhood. We opted for agressivo e desafiador opositivo na infância. Optou-
publications that had used the CBCL- Child Behav- se por selecionar publicações que utilizaram a CBCL-
ior Checklist for investigating behavior problems in Child Behavior Checklist como instrumento para
children. This instrument is internationally recog- mensurar os problemas comportamentais em crian-
nized for its reliability and validity, considered an ças. Este inventário é internacionalmente conheci-
efficient tool for identifying behavior problems in do por sua boa confiabilidade e validade, sendo con-
children. Our findings showed that marital violence siderado eficiente para rastrear problemas de com-
predominated in the studies as kind of familiar vio- portamento na infância. O material encontrado
lence able to cause problems of aggressiveness and mostrou que a violência conjugal predomina nos es-
transgression in children. Another point discussed tudos como tipo de maus tratos familiar com poten-
was the lack of consensus on the terms used in the cial para causar problemas de agressividade e trans-
articles to refer to such behavior problems. The re- gressão em crianças. Outro ponto discutido foi a fal-
view showed the need for in-depth studies into this ta de consenso sobre as nomenclaturas utilizadas nos
subject, mainly in the sense of thinking about pre- artigos para referir-se a tais problemas comporta-
vention and health promotion in childhood and mentais. A revisão mostrou que ainda se fazem ne-
adolescence. Aggressive behavior in children tends cessárias pesquisas mais aprofundadas sobre a temá-
to remain and increase over time, a fact that points tica em questão, principalmente para se pensar em
to the need for strategies for preventing these prob- prevenção e promoção da saúde na infância e adoles-
lems in the school, familiar and health environments. cência. Comportamentos agressivos em crianças ten-
Key words Literature review, Aggressiveness, Child dem a manter-se ao longo do tempo e de forma cada
and adolescent vez mais acentuada, fato que aponta para estratégias
de prevenção desses agravos a serem desenvolvidas
1
Centro Latino-Americano
nos contextos escolar, familiar e da saúde.
de Estudos de Violência e Palavras-chave Revisão bibliográfica, Agressivida-
Saúde Jorge Careli, Fiocruz. de, Criança e adolescente
Av. Brasil 4036/700,
Manguinhos. 21040-361
Rio de Janeiro RJ.
renata.pesce @gmail.com
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Pesce R

Introdução Transtorno de conduta, de acordo com a DSM


IV4, engloba atos agressivos a pessoas e animais,
A violência tornou-se uma das temáticas centrais além de destruição a propriedades, defraudação
da saúde pública por sua magnitude e repercus- ou furtos e sérias violações de regras sociais. Para
sões no comprometimento da saúde e qualidade ser categorizado como tal, as condutas necessitam
de vida das pessoas. Em relação à criança, a violên- ter padrão repetitivo. Vários autores indicam que
cia é uma comum e grave violação de direitos, por os transtornos de conduta com início na infância
negar-lhes a liberdade, a dignidade, o respeito e a são mais sérios, com altos níveis de agressão, e
oportunidade de crescer e se desenvolver em con- tendem a persistir na idade adulta. Campbell5 efe-
dições saudáveis. tuou um estudo longitudinal demonstrando que
Diversos estudos têm mostrado os prejuízos crianças ostentando problemas na idade de três a
que a violência praticada nos lares pode acarretar quatro anos têm 50% de chance de continuar a tê-
na infância, fase da vida crucial para o desenvolvi- los na adolescência. A prevalência tem crescido nas
mento humano1. A violência familiar potencializa últimas décadas, especialmente em áreas urbanas,
o desenvolvimento de problemas de comporta- oscilando de menos de 1% a mais de 10% 4. As
mento, manifestações cada vez mais presentes na taxas são mais elevadas no sexo masculino.
vida de milhares de crianças, encontradas nos Transtorno desafiador opositivo é uma síndro-
ambulatórios de psicologia e de psiquiatria, nas me que, ao se apresentar na infância, torna-se im-
salas de aula das escolas e na literatura especializa- portante preditor do comportamento transgres-
da internacional. Problemas de comportamento sor em jovens. Caracteriza-se por comportamen-
são considerados como comportamentos social- to negativista, desafiador e hostil para com figuras
mente inadequados, representando déficits ou ex- de autoridade. O transtorno é mais prevalente em
cedentes comportamentais que prejudicam a inte- homens do que em mulheres antes da puberdade,
ração da criança com os pares e adultos de sua mas as taxas são provavelmente iguais após a pu-
convivência2. berdade, oscilando entre 2% e 16% 4.
Associações entre problemas de comportamento A DSM-IV constitui a base clínica sob a qual
e variáveis do ambiente familiar têm sido verifica- foi elaborado um dos inventários de comporta-
das, incluindo-se com destaque os relacionamen- mento mais utilizados internacionalmente para
tos permeados pela violência. A quantidade e/ou aferir problema de comportamento em crianças e
qualidade de eventos de vida negativos provenien- adolescentes - o inventário elaborado por Achen-
tes da família vêm sendo apontadas como particu- bach 6, composto pelos seguintes instrumentos:
larmente prejudiciais ao desenvolvimento da crian- Child Behavior Checklist (CBCL), aplicada a pais/
ça e fator condicionante para problemas de com- responsáveis; Youth Self-Report (YSR), para ado-
portamento na infância. Esse fato foi demonstrado lescentes; e Teacher Rating Form (TRF), para pro-
por Ferreira e Marturano3 que, ao acompanharem fessores. Este inventário está traduzido para 61 lín-
dois grupos de crianças com e sem problemas de guas e há estudos publicados em cinqüenta dife-
comportamentos, constataram que o grupo de cri- rentes culturas. Tem demonstrado valor inestimá-
anças sem problemas de comportamento pareceu vel em pesquisa e utilidade na prática clínica. A
favorecido por um ambiente familiar mais apoia- CBCL, instrumento mais utilizado internacional-
dor e supridor de necessidades da criança. mente, possui 138 itens, vinte destinados à avalia-
O tipo específico de problema de comporta- ção da competência social e 118 relativos à avalia-
mento abordado neste artigo é o externalizante, ção de problemas de comportamento nos últimos
caracterizado por condutas desafiadoras excessi- seis meses. Dados sobre comparações transcultu-
vas e transtornos de conduta como agressividade rais têm sido demonstrados, ilustrando a dissemi-
contra pessoas e animais e comportamento trans- nação que este inventário tem na área da psiquia-
gressor, com o comportamento dirigindo-se para tria infantil em muitos países do mundo. Os no-
o ambiente em que a criança/adolescente se insere. mes dados por Achenbach às síndromes compor-
Na DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual tamentais pertencem a vocábulos familiares para
of Mental Disorders)4, este tipo de comportamento os profissionais da área, não representando classi-
é categorizado como disruptivo, termo que englo- ficações nosológicas e diagnósticos psiquiátricos
ba transtorno de conduta, transtorno desafiador formais, como é o caso dos diagnósticos realiza-
opositivo e transtornos da atenção, problemas co- dos pela DSM-IV. A classificação realizada pela
mumente diagnosticados pela primeira vez na in- CBCL não é idêntica à proveniente da DSM-IV,
fância ou adolescência. Os dois primeiros estão re- embora haja correlação significativa entre os ins-
lacionados aos temas abordados neste artigo. trumentos 6, 7.
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Achenbach utilizou as duas definições da DSM- trinta publicações, apenas na forma de artigos ci-
IV4 referentes aos transtornos da conduta e desafi- entíficos. Posteriormente, foram excluídos desta
adores opositivos para traçar paralelo em seu in- análise os artigos com ano de publicação inferior a
ventário, criando dois grupos: “comportamento 1990 e aqueles cujo enfoque da violência não se
agressivo” e “comportamento de quebrar regras”, tratava da família. Assim, para este trabalho, fo-
respectivamente. Ambos comportamentos trazem ram selecionados dezesseis artigos científicos.
muitos problemas ao desenvolvimento infanto- A fim de confirmar a extensão da cobertura do
juvenil, ao interferirem no cumprimento de tarefas tema estudado na base ASEBA, foi feita uma busca
evolutivas como as requeridas pela escola, por te- em importante base bibliográfica, Medline. Primei-
rem alta prevalência, prognóstico pobre e por se- ramente, foram cruzadas as palavras violence com
rem fatores de risco para inadaptação psicossocial CBCL para o período de 1996 a 2005, obtendo-se
na adolescência e vida adulta. um total de doze referências, das quais seis já esta-
Estudo recente com crianças escolares entre seis vam incluídas na seleção prévia e cinco não trata-
e treze anos de idade das escolas públicas de São vam de violência familiar e comportamentos ex-
Gonçalo, Rio de Janeiro mostrou prevalência de ternalizantes ou transtornos semelhantes, mas
4,3% de comportamento agressivo e de 5,8% de também faziam parte da base de dados de Achen-
quebrar regras, aferido pela CBCL8. bach. Deste total de artigos, apenas um havia fica-
Face à elevada freqüência e relevância social dos do de fora da seleção feita na base ASEBA. Para as
problemas externalizantes e da violência familiar mesmas palavras no período de 1966 a 1995, ape-
na infância e adolescência, buscou-se como objeti- nas uma referência foi obtida, sendo que tratava
vo para este artigo analisar as publicações mundi- da violência urbana e por isso não foi utilizado.
ais que correlacionam estes dois temas, à luz das Optou-se então por incluir o único artigo cien-
escalas produzidas por Achenbach, autor do ins- tífico encontrado no Medline, compondo assim
trumento mundialmente mais utilizado para afe- um total de dezessete publicações a serem revisa-
rir problemas de comportamento em crianças. das neste artigo.

Material e método Resultados

Os artigos selecionados para este estudo são oriun- Caracterização das fontes de análise
dos de uma base de dados criada por Achenbach7,
o autor do inventário Child Behavior Checklist. A Conforme o esperado, a grande maioria dos
base de dados chama-se ASEBA (Achenbach Sys- artigos têm como população-alvo crianças entre
tem of Empirically Base Assessment) e é obtida atra- seis e doze anos de idade, já que a CBCL é especifi-
vés de sua compra na Universidade de Vermont, camente indicada para utilização nessa faixa etá-
nos Estados Unidos. ria, podendo ser estendida até os dezoito anos. A
A base ASEBA é uma coletânea de todas as publi- versão desse instrumento para adolescentes, Youth
cações entre 1978 e 2005 que utilizaram a CBCL ou Self-Report (YSR)7, foi utilizada apenas em três ar-
suas versões para adolescentes e professores (YSR e tigos selecionados para esta revisão, que são volta-
TRF, respectivamente) como método de pesquisa. dos para o rastreamento de problemas de com-
Trata-se de um total de 5.780 publicações: 5.595 portamento em adolescentes entre onze e dezoito
artigos, 84 manuais, 75 capítulos de livro, 14 cita- anos. Essa versão do instrumento para adolescen-
ções eletrônicas, cinco dissertações, três publicações/ tes tem sido menos utilizada quando comparada
anais de congressos, dois livros completos e duas com a CBCL. É importante destacar que a versão
monografias. O programa oferece listas de publi- para crianças deve ser respondida pelo responsá-
cações solicitadas pelo ano, pelo autor, pela fonte e vel pela criança (especialmente a mãe), enquanto o
por palavras-chave. Optou-se por selecionar o instrumento voltado para o adolescente tem o pró-
material bibliográfico a partir das palavras-chave prio jovem como relator de seus problemas.
relacionadas à temática aqui investigada. Professores também possuem uma versão es-
Dentre um total de 214 palavras-chave, foi fei- pecial da CBCL. A Teacher Rating Form (TRF),
ta uma escolha de cinco palavras-chave relevantes: dirigida aos professores de crianças e jovens entre
violence, conduct disorder, oppositional defiant di- seis e dezoito anos. Na presente análise, dois arti-
sorder, disruptive behavior e externalizing proble- gos utilizaram a TRF como instrumento de coleta
ms. Cada uma das quatro últimas palavras foram de dados sobre problemas de comportamento.
cruzadas com “violence”, oferecendo um total de
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No Quadro 1, observam-se algumas caracte- ços de atenção jurídica conduziram dois estudos,
rísticas dos dezessete estudos analisados. sendo uma agência de justiça criminal especializa-
A maioria dos estudos inclui crianças partici- da em abusos contra a mulher e uma agência de
pantes, selecionadas através de serviços de saúde proteção à criança. Dois outros trabalhos foram
de suas comunidades, especialmente serviços de conduzidos no ambiente escolar, sendo um deles
atenção psicológica e psiquiátrica. Foram onze os em escolas consideradas em locais de risco. Por
trabalhos conduzidos por tais instituições. Servi- fim, dois outros foram conduzidos nos lares das

Quadro 1. Características dos estudos quanto ao tamanho da população, faixa etária, desenho de estudo,
instrumentos utilizados, problema e tipos de violência abordados.

Referências Amostra Local de estudo Gênero Tipo de estudo


Fantuzzo et al.12 107 crianças Abrigo para Masculino e feminino Transversal
(4-7 anos) mulheres agredidas
Dodge et al.13 584 crianças (jardim Escolas Masculino e feminino Longitudinal
de infância a 4ª série)
Capaldi, 200 pessoas (4ª série Escolas Masculino Longitudinal
Chamberlain e até adolescência)
Patterson14
McGee, Wolfe e 160 adolescentes Serviço jurídico Masculino e feminino Transversal
Wilson15 (11-17 anos)
Webster-Stratton e 120 crianças Serviço de saúde Masculino e feminino Transversal
Hammond16 (4-7 anos)
Ducharme, 15 crianças Lares Masculino e feminino Longitudinal
Atkinson e (3-10 anos)
Poulton17
Ford et al.18 77 pessoas (6-17 anos) Serviço de saúde Masculino e feminino Caso-controle
retrospectivo
Garcia et al.19 180 crianças Serviço de saúde Masculino Longitudinal
(5-8 anos)
Mc Donald et al.20 90 crianças (4-7 anos) Serviço de saúde Masculino e feminino Transversal

DeVito e Hopkins21 60 crianças (2-5 anos) Serviço de saúde Masculino e feminino Transversal

Edward et al.22 119 adolescentes Serviço de saúde Masculino Transversal


(12-18 anos)
Lemmey et al.23 83 pessoas (4-18 anos) Serviço jurídico Masculino e feminino Transversal

Ware et al.24 401 crianças Abrigo para Masculino e feminino Longitudinal


(4-10 anos) mulheres agredidas
Augustyn et al.25 94 crianças (6 anos) Serviço de saúde Masculino e feminino Transversal
Kernic et al. 26
167 pessoas Serviço de saúde Masculino e feminino Transversal
(2-17 anos)
Mc Farlane et al.27 330 pessoas Serviço de saúde Masculino e feminino Caso-controle
(18 meses a 18 anos)
Jaffee et al.28 1.116 pares de gêmeos Lares Masculino e feminino Longitudinal
(5-7 anos)
continua
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próprias crianças. Destes, um utilizou dados de uma intervenção em lares considerados violentos,
registros de nascimentos de gêmeos fornecidos por recebeu indicação dessas crianças por agências de
uma agência nacional de estatística do governo da saúde infantil, escolas, abrigos para mulheres e
Inglaterra, a qual convidou os pais dessas crianças outras agências de serviço social.
a participarem de um estudo longitudinal voltado Os participantes da grande maioria desses es-
para o desenvolvimento infantil de gêmeos. No tudos são crianças e adolescentes do sexo masculi-
outro, a equipe de pesquisa, que também realizou no e feminino. Apenas em três artigos a população

Quadro 1. continuação

Referências Instrumentos Problema de comportamento Tipo de violência


Fantuzzo et al. 12
- CBCL- Outros quantitativos Transtornos de conduta Violência conjugal

Dodge et al.13 - TRF- Outros qualitativos Problemas externalizáveis Maus-tratos físicos

Capaldi, - CBCL- Outros quantitativos/ Transtornos de conduta Educação coerciva e


Chamberlain e quantitativos disciplina ineficiente
Patterson14
McGee, Wolfe e - YSR- Outros qualitativos Problemas externalizáveis Maus-tratos físico/
Wilson15 sexual/psicológico
Webster-Stratton e - CBCL- Outros quantitativos/ Transtornos de conduta Violência conjugal
Hammond16 qualitativos
Ducharme, - CBCL- Outros quantitativos. Transtorno desafiador Violência conjugal e
Atkinson e opositivo maus-tratos físicos
Poulton17
Ford et al.18 - CBCL- Outros quantitativos Comportamento disruptivo Maus-tratos físico e
sexual
Garcia et al.19 - CBCL- TRF- Outros Transtornos de conduta Violência entre irmãos
quantitativos
Mc Donald et al.20 - CBCL- Outros quantitativos Transtorno desafiador Violência conjugal
opositivo
-
DeVito e Hopkins21 CBCL- Outros quantitativos/ Comportamento disruptivo Educação coerciva e
qualitativos disciplina ineficiente
Edward et al.22 - YSR- Outros quantitativos/ Transtorno desafiador Educação coercitiva /
qualitativos opositivo violência verbal
Lemmey et al.23 - CBCL- Outros quantitativos Problemas externalizáveis Violência conjugal
Ware et al.24 - CBCL- Outros quantitativos/ Transtornos de conduta Violência conjugal
qualitativos
Augustyn et al.25 -CBCL-Outros quantitativos Problemas externalizantes Maus- tratos físico,
sexual e psicológico
-
Kernic et al.26 -CBCL- Outros quantitativos Problemas externalizáveis Violência conjugal

Mc Farlane et al.27 -CBCL-YSR Problemas externalizáveis Violência conjugal

Jaffee et al.28 - TRF- Outros quantitativos/ Transtornos de conduta Maus-tratos físicos


qualitativos
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foi exclusivamente masculina, fato que pode ser ambientes comunitários e sociais. A violência física
justificado por trabalhos prévios que destacam a é outro tema que merece reflexão e questionamen-
maior prevalência dos transtornos investigados to sobre a naturalização cultural desse tipo de vio-
entre os meninos 9-11. lência, colocando-se em xeque a prática do “bater”
Quanto ao tipo de desenho das investigações, como forma justificada de disciplina.
nove foram estudos transversais, seis estudos de Ainda em relação ao tipo de violência familiar
acompanhamento e dois utilizaram o desenho do abordada nos artigos, três entre os dezessete tex-
tipo caso-controle. A menor amostra foi de quinze tos analisados trazem o modelo de educação coer-
crianças acompanhadas longitudinalmente, en- citiva e com práticas disciplinares ineficientes como
quanto a maior foi de um grande estudo, também um tipo de violência, talvez menos explícita, que
de acompanhamento, com 1.116 pares de crianças pode ocasionar danos comportamentais na infân-
gêmeas. cia e adolescência. A violência verbal e psicológica
Com base nos títulos e resumos dos artigos, muitas vezes encontra-se embutida nessa dinâmi-
em termos dos tipos de problemas de comporta- ca de coerção dos filhos.
mento abordados, os transtornos de conduta (ca- Um único artigo atenta para a questão dos con-
tegoria preconizada pela DSM-IV) e a nomencla- flitos severos entre irmãos como uma forma de
tura “comportamentos externalizantes” (utilizada violência familiar também prejudicial ao desenvol-
por Achenbach para se referir a atos agressivos e vimento na infância e adolescência.
transgressores) foram utilizados com a mesma
freqüência nas publicações analisadas. Então, seis Exposição dos objetivos
artigos apropriaram-se do termo “transtornos da e resultados das publicações
conduta” e outros seis utilizaram o termo criado
pelo autor da CBCL: comportamentos externali- A quase totalidade do material analisado tem
zantes. Três estudos deram ênfase ao transtorno o objetivo de verificar possíveis associações entre
desafiador opositivo. Dois textos analisados ado- algum tipo de violência praticada no âmbito fami-
taram o termo “comportamento disruptivo” e in- liar com o desenvolvimento de problemas com-
vestigaram os tipos de problemas pertencentes a portamentais na infância, especificamente compor-
essa categoria segundo a DSM IV4: transtorno da tamentos agressivos e desafiadores. Trazem a vio-
conduta, desafiador-opositivo e déficit de atenção lência como variável de exposição e os problemas
e hiperatividade. de comportamento, como a variável resposta.
É importante ressaltar que, embora os termos É interessante ressaltar quatro publicações que,
de referência para os problemas de comportamen- por características distintas, saem do padrão dos
to abordados nos artigos sejam distintos, eles es- outros treze textos. O artigo de Ducharme, Atkin-
tão fortemente correlacionados, descrevendo com- son e Poulton17 propõe-se a fazer uma avaliação
portamentos intimamente semelhantes29. de um programa de treinamento para famílias
Já em relação ao tipo de violência vivenciada consideradas violentas e que possuem crianças com
pela criança no âmbito familiar, os artigos analisa- sérios problemas de oposição e indisciplina. Além
dos destacam, em primeiro lugar, a violência con- da intervenção reduzir problemas comportamen-
jugal. Oito entre os dezessete artigos investigaram tais nas crianças e conflitos familiares, um ponto
a relação entre presenciar agressão da mãe (ou res- diferencial desse estudo foi a possibilidade de pre-
ponsável) pelo parceiro e desenvolvimento de pro- venção de fatores de risco para tais problemas
blemas externalizantes em crianças/adolescentes. observada pelos autores, uma vez que as ações do
Esses artigos alertam para um problema a ser en- programa visaram também internalizar conceitos
frentado pela saúde pública - a violência cometida e valores nessas famílias.
contra a mulher, tema que demanda uma discus- Jaffee et al.28 investigaram se maus-tratos físi-
são específica inserida nas relações de gênero. En- cos sofridos pela criança poderiam estar relacio-
tre esses sete estudos, um deles também abordou a nados com problemas de conduta na infância, le-
violência física dos responsáveis contra a criança. vando em consideração a vulnerabilidade genética
Em segundo lugar, os artigos destacam a ques- da criança como um facilitador nesse processo. É
tão dos maus-tratos contra a criança praticados uma discussão atual que contrapõe características
pelos pais como importante preditor de proble- inatas do indivíduo com experiências adquiridas
mas comportamentais na infância, especialmente ao longo do desenvolvimento.
maus-tratos físicos e sexuais. Seis artigos abordam O terceiro destaque é para Ford et al.18, que
essa temática, que tem sido comumente descrita analisam a relação entre histórias diferenciadas de
no âmbito da violência familiar ou em outros violência na família e a severidade de transtorno de
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estresse pós-traumático (TEPT). No caso deste portam sobre a mesma. Os autores observaram
trabalho, os autores investigam se crianças diag- correspondência entre os depoimentos da criança
nosticadas com comportamento disruptivo apre- e do cuidador, fato que mostra que a criança pode
sentam TEPT de forma mais grave em relação a ser uma fonte importante de informação sobre seu
crianças sem esse tipo de problema. Discutem tam- próprio sofrimento.
bém que, embora os sintomas mais graves de TEPT O Quadro 2 descreve os objetivos e principais
pareçam conseqüências da severidade do trauma resultados encontrados nas referências analisadas.
(violência), eles também podem ser devido à de- Conforme pode ser observado, foram encontra-
sordem de comportamento disruptivo. das correlações importantes entre experiências de
Outro artigo diferenciado (Kernic et al.26) teve violência e algum tipo de problema de comporta-
como objetivo verificar se o relato da criança sobre mento externalizante, fato que merece ser discuti-
a violência que ela sofre tem alguma relação com do à luz do estado da arte sobre as temáticas em
os problemas de comportamento que os pais re- questão.

Quadro 2. Principais objetivos e resultados das referências analisadas.

Referências Objetivos Principais resultados


Investigar o impacto diferencial de dois Achados sugerem uma relação direta entre a natureza
fatores maiores no ajustamento do conflito e residência; e tipo e extensão dos
psicológico e na competência em problemas de comportamento. Assistir à violência
Fantuzzo et al.12 crianças expostas a violência conjugal: física e verbal entre os pais está relacionado ao tipo e
(1) o grau de exposição ao conflito extensão do problema de comportamento entre
interparental físico e verbal e (2) o local crianças. Crianças residentes em lares/abrigos que
da residência da criança no momento da foram expostas a comparáveis níveis de violência
investigação (se em sua casa ou em interparental física e verbal mostraram comparáveis
abrigo). níveis de problemas de comportamento
externalizáveis, sendo o nível clínico muito mais
severo no grupo exposto à violência.
Testar a hipótese de que abuso físico Abuso físico precoce aumenta o risco de problemas
precoce está associado com posteriores externalizáveis relatados por professores. As variáveis
problemas externalizáveis e se essa de confundimento analisadas não justificaram a
relação é mediada por modelos de associação. O abuso mostrou-se associado com
Dodge et al.13
intervenção no processo de informação modelos de intervenção no processo de informação
social. Cinco fatores ecológicos e cinco social, que explicam parcialmente os
fatores da criança foram considerados comportamentos externalizáveis. Os modelos de
variáveis de confundimento que intervenção não explicam todos os efeitos do abuso
poderiam estatisticamente justificar a precoce.
associação investigada.
Revisar teoria e achados sobre a Disciplina ineficiente no primeiro ano de
associação da disciplina parental investigação foi preditor de índice mais sério de
ineficiente (medida através de dados prisões juvenis posteriores (duas ou mais), de ter
observacionais) com problemas de baixo sucesso acadêmico e problemas de conduta em
Capaldi, Chamberlain conduta na infância em crianças fase posterior.
e Patterson14 consideradas sob risco para delinqüência.
Investiga a associação entre disciplina
parental ineficiente com prisões juvenis e
sucesso acadêmico na adolescência.
Examinar a percepção dos adolescentes, Maus-tratos psicológicos foi o maior preditor de
indicados por agência de proteção à problemas. Diferenças significativas de sexo na
criança, em relação às suas experiências percepção de maus-tratos foi evidente: a relação entre
McGee, Wolfe e
de maus-tratos familiares (físico, sexual, perceber maus-tratos e problemas de comportamento
Wilson15
psicológico, negligência) e problemas de foi maior entre as mulheres. A combinação dos
comportamento. maus-tratos físico e psicológico prediz problemas
externalizantes no sexo masculino.
continua
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Quadro 2. continuação

Referências Objetivos Principais resultados


Examinar se conflito conjugal entre Conflito conjugal está diretamente relacionado com
Webster-Stratton e
pais e problemas de conduta de problemas de conduta na infância. Conflito conjugal
Hammond16
crianças com seus pares/pais está e interação negativa da criança com pares/pais
relacionado ou mediado pelo estilo mostra-se influenciada pela forma de relacionamento
educacional das mães e dos pais. com os pais e com a pouca responsabilidade
emocional dos mesmos.

Avaliar modelo de intervenção/ Observações indicaram melhoria na adesão da criança


tratamento para severos problemas de ao tratamento, mantida seis meses após a
oposição e indisciplina em crianças intervenção. Relatos anteriores e posteriores das mães
provenientes de lares violentos. indicaram redução significativa na percepção
Ducharme, Atkinson
Propõe-se estratégia não coercitiva e maternal dos problemas de comportamento dos
e Poulton17
gradual para que pais reduzam filhos e do estresse familiar.
mecanismos educativos de coerção.
Realizadas intervenções e observações
nos lares.
Investigar a associação de história de
Traumas decorrentes de maus-tratos físicos e sexuais
Ford et al.18 maus-tratos com a severidade e tipo de
são prevalentes entre crianças diagnosticadas com
estresse pós- traumático (TEPT) em
transtorno desafiador opositivo (ODD). A exposição
crianças com transtorno desafiador
ao trauma está ligada a elevados sintomas de TEPT
opositivo.
para crianças diagnosticadas com ODD. Severidade
psiquiátrica e gênero explicam proporção substancial
da relação entre exposição ao trauma e sintomas de
TEPT, mas a exposição ao trauma também contou
para variância adicional significativa em sintomas de
TEPT nos grupos com ODD. Sintomas de TEPT
parecem ser parcialmente seqüelas do trauma, mas
também podem ser devidos a comportamento
disruptivo.
Explorar a relação entre conflito Comportamento destrutivo entre irmãos foi
Garcia et al.19 destrutivo entre irmãos (CDI) e diretamente relacionado com o relato da mãe de
problemas de conduta na criança. comportamento transgressor, mas não com relato do
professor. A interação entre CDI e rejeição parental
foi capaz de predizer comportamento agressivo
relatado por mães e professores.

Verificar relação entre violência A violência conjugal foi associada com problemas nas
conjugal e problemas de oposição e crianças, mesmo depois de considerar discórdia
desobediência em crianças marital, agressão parental à criança e agressão da
Mc Donald et al20
provenientes de famílias que esposa em relação ao marido. Relação entre violência
procuraram atendimento clínico em do marido com esposa e problemas nas crianças
serviço de saúde. emergiram apenas quando dados do pai foram
incluídos na análise.

Examinar se o modelo de vínculo Crianças com modelo de vínculo coercitivo


coercitivo inseguro está associado com mostraram escores mais altos de comportamento
comportamento disruptivo em pré- disruptivo, em relação as crianças seguras e protegidas.
DeVito e Hopkins21 escolares. Avaliar modelos de vínculo, A combinação do modelo coercitivo de vínculo,
insatisfação marital e práticas insatisfação marital e práticas permissivas dos pais
ineficientes dos pais no contaram para uma proporção significativa da
comportamento disruptivo. variância do comportamento disruptivo.

continua
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Quadro 2. continuação

Referências Objetivos Principais resultados


Investigar a relação entre conflitos e Pais e adolescentes do grupo com ODD relataram
qualidade da comunicação entre pais e significativamente mais conflitos, mais raiva durante
Edward et al.22
filhos com comportamento opositivo os conflitos e mais comunicações negativas. Usam
desafiador (ODD). São avaliados mais táticas agressivas uns com os outros, em
adolescentes com e sem o problema de comparação ao grupo controle. Durante discussões
comportamento, através dos relatos do neutras, apenas adolescentes do grupo com ODD
pai, da mãe e do próprio adolescente. demonstraram mais comportamento negativo;
durante discussões conflituosas, mães, pais e jovens
desse grupo demonstraram comportamento negativo.
Diferenças entre pai e mãe foram observadas apenas
em algumas medidas. A hostilidade e ansiedade do pai
contribuem para o nível da sintomatologia do ODD.
Investigar tipo e severidade da violência A investigação entre problema de comportamento e
contra mulher causada pelo parceiro e forma, freqüência e severidade dos maus-tratos
Lemmey et al.23 a associação com problemas de contra a mãe indicou correlação entre
comportamento em seus filhos. comportamento externalizante e abuso atual.
Nenhuma outra correlação significante foi observada.

Verificar prevalência de problemas de Relatos das mães de crianças com problemas de


conduta em filhos de mães agredidas e conduta permaneceram estáveis apesar da redução
Ware et al.24 posteriormente abrigadas. Avaliar a significativa da angústia da mãe após a saída do
estabilidade dos relatos maternos sobre abrigo.
problemas de conduta da criança após
institucionalização.
Examinar quanto de incômodo Depois de considerar a fala dos cuidadores sobre o
(distress) a criança reporta em resposta nível de exposição a violência da criança, o auto-
a violência sofrida e comparar com a depoimento da criança sobre seu incômodo em
Augustyn et al.25
opinião dos pais sobre o relação à violência, aumentou significativamente a
comportamento da criança. quantidade de variância para a predição do problema
de comportamento da criança aferido pela CBCL.
Determinar a associação entre Crianças expostas à violência sofrida pela mãe
exposição da criança à violência contra possuem mais problemas de comportamento
Kernic et al.26 a mãe pelo parceiro e o internalizáveis e externalizáveis da CBCL e na escala
desenvolvimento de problemas de total comparadas com amostra normativa da CBCL,
comportamento na infância. depois de ajustada por idade e sexo.
Comparar o comportamento de Não tiveram diferenças significativas quanto às
crianças negras, brancas e hispânicas características demográficas entre crianças de mães
expostas à violência entre os pais com abusadas e não abusadas, mas crianças cujas mães
Mc Farlane et al.27
grupo similar de crianças não expostas eram abusadas apresentaram significativamente mais
a este tipo de violência. problemas externalizantes, quando comparadas à
crianças de mães não abusadas.
Testar se os efeitos dos maus-tratos O efeito dos maus-tratos no risco de problemas de
físicos para o risco dos problemas de conduta foi significativo entre crianças com alto risco
conduta é maior entre crianças sob genético. A experiência de maus-tratos foi associada
Jaffee et al.28 vulnerabilidade ou risco genético para com um aumento de 2% na probabilidade no
esses problemas. diagnóstico de problema de conduta entre crianças
com baixo risco genético para desordem de conduta,
mas foi associada com aumento de 24% entre
crianças com alto rico genético para o problema.
516
Pesce R

Considerações finais vos para crianças e jovens expostos a conflitos e


práticas familiares inadequadas.
Tanto as fontes revisadas quanto à literatura que Outro ponto a ser considerado é a presença de
serviu de base para realização deste estudo apon- três estudos voltados apenas para meninos e ne-
tam para algumas questões fundamentais. Primei- nhum exclusivo para meninas. Várias pesquisas
ramente, é importante tecer uma reflexão sobre chamam a atenção para algumas diferenças com-
violência familiar. Ela se manifesta de diversas for- portamentais apresentadas pelas crianças, segun-
mas, mas sabe-se que, sobretudo no Brasil, as mais do o gênero, como conseqüência da violência do-
comuns são aquelas direcionadas à mulher, às cri- méstica. O DSM-IV destaca que foram encontra-
anças e aos idosos30. Nos artigos analisados (mai- dos maiores escores de problemas de comporta-
oria norte-americana), destacou-se a construção mento em meninos do que em meninas, da mes-
social dos atributos de masculinidade e feminili- ma forma que diferenças sobre os tipos específicos
dade, com expectativas culturais demarcadas em de comportamento. Graham-Bermann31 assinala
relação a cada um dos gêneros. diferenças em relação à identificação de papéis fa-
Muitos artigos apontaram para a violência con- miliares segundo o gênero. Tanto Holden, Geffner
jugal, com a mulher agredida pelo parceiro, como e Jouriles37 como Fantuzzo e Lindquist38 discutem
situação potencialmente geradora de danos para a maior índice de internalização de comportamen-
criança e o adolescente. Graham-Bermann31 expli- tos-problema em meninas do que em meninos
ca que a maioria das pesquisas de saúde mental na expostos à violência conjugal. Em contraste, para
área de violência doméstica conclui que a mera ex- tais autores, os meninos apresentam maior exter-
posição à violência doméstica é, em si mesma, uma nalização dos comportamentos-problema.
forma de maltratar a criança, afirmando que a cri- Uma consideração deve ser feita sobre a quan-
ança que testemunha a agressão à sua mãe é vitima tidade de artigos selecionados para esta análise. A
de violência psicológica. Outro estudo realizado CBCL é um instrumento com diversas subescalas
por Corrêa e Williams32, sobre o impacto da vio- (avalia competência pessoal, comportamentos in-
lência conjugal na saúde mental das crianças, indi- ternalizantes, comportamentos externalizantes,
ca altos índices de depressão, agressividade, isola- problemas com o contato social, problemas com
mento e reduzida auto-estima em tais crianças. o pensamento, problemas com a atenção e proble-
As violências física, sexual e psicológica contra mas sexuais). Por isso, apesar de poder mensurar
a criança e o adolescente permearam todos os ar- problemas de comportamento de forma geral, é
tigos analisados, inclusive aqueles com enfoque na comum que cada estudo que utiliza esse instru-
violência conjugal, mostrando que, muitas vezes, a mento priorize uma subescala diferente de acordo
violência no âmbito da família não ocorre de uma com o tema a ser investigado. Esse fato amplia a
só forma, podendo-se falar em famílias com dinâ- diversidade de produções científicas, que quando
mica de violência. “filtrada” por palavras-chave, aparece em quanti-
A literatura também aponta para as práticas dade não muito grande.
parentais inadequadas, caracterizadas por discipli- No Brasil, poucos autores realizaram traba-
na ineficiente, negligência, ausência de atenção e afeto, lhos utilizando a CBCL. Bordin et al.39 publicaram
disciplina relaxada, punição inconsistente, como a validação transcultural do instrumento no Bra-
prejudiciais ao desenvolvimento infantil, podendo sil. Silvares40 utilizou a CBCL e a TRF para testar
desencadear comportamentos agressivos33,34. Cor- uma proposta invertida de atendimento psicoló-
roborando com a teoria, alguns dos textos desta gico comportamental, na qual em vez da escola
revisão enfocaram a educação coercitiva e ineficien- encaminhar a criança para a clínica, esta iria até o
te dos pais como um importante preditor de pro- aluno com dificuldade comportamental. Duarte et
blemas comportamentais externalizantes. al.41 realizaram um estudo buscando identificar sin-
Estudos mostram que a família exerce uma tomas de autismo em crianças brasileiras. Bordin
importante influência na aquisição de modelos et al.42 relacionaram punição física severa com pro-
agressivos pelas crianças 34-36. Pais que utilizam blemas de saúde mental em amostra de crianças e
punição, seja verbal, psicológica ou física, estão adolescentes, e foi o único estudo considerando a
mostrando a seus filhos que a violência é uma for- questão da violência física. Outro trabalho de Sal-
ma apropriada de resolução de conflitos e de rela- vo, Silvares e Toni43 teve o objetivo de levantar quais
cionamento entre homens e mulheres. práticas educativas poderiam ser preditoras de
A família é, portanto, fundamental na estrutu- problemas comportamentais em escolares listados
ração dos indivíduos, sendo os problemas de com- pela CBCL, encontrando como resultado que
portamento externalizantes um dos possíveis agra- monitoria positiva e comportamento moral fo-
517

Ciência & Saúde Coletiva, 14(2):507-518, 2009


ram variáveis preditoras de comportamentos pró- dando temas importantes relacionados a proble-
sociais; sua falta, aliada às práticas negativas, fo- mas de comportamento na infância e adolescência.
ram preditoras de distúrbios do comportamento. Pode-se ressaltar que, embora o senso comum
Por fim, Lauridsen-Ribeiro e Tanaka 44 realiza- correlacione com freqüência comportamentos
ram um estudo de grande dimensão em São Paulo agressivos e transgressores entre crianças e jovens a
com o objetivo de dimensionar os problemas de dinâmicas de violência na família, ainda se fazem
saúde mental na população infantil e compreen- necessárias pesquisas mais aprofundadas. Estes tra-
der como os profissionais da atenção básica, no balhos poderão ser de suma contribuição para se
contexto desse município, lidam com essa ques- pensar em prevenção e promoção da saúde e bem-
tão. Compararam a relação entre a freqüência dos estar da jovem população brasileira, principalmen-
tipos de problemas de saúde mental detectados pelo te por saber-se que os comportamentos agressivos
médico e aquela obtida através da CBCL. Anali- em crianças tendem a manter-se ao longo do tem-
sando as subescalas do instrumento, observaram po e de forma cada vez mais acentuada, sugerindo-
que a maior percentagem de diagnósticos do pedi- se um prognóstico negativo dos mesmos29,33,45,46.
atra nos casos clínicos da CBCL concentrava-se É certo que crianças com comportamento
nas áreas de transgressões, queixas somáticas, e a agressivo e transgressor estão denunciando algu-
menor, na área de retraimento. A pesquisa tam- ma coisa, quer seja maus-tratos, solidão ou outra
bém apontou que, dentre as 206 crianças estuda- dor. A continuidade dos estudos pode contribuir
das, 47,1% têm sintomas e prováveis diagnósticos para que diversas práticas possam ser conduzidas
na área de saúde mental que não foram detectados especialmente no contexto escolar, familiar e da
pelos pediatras durante a consulta clínica. saúde, visando à prevenção de agravos ao desen-
Esses poucos estudos nacionais, que não têm volvimento desses pequenos cidadãos, muitas ve-
como destaque os problemas externalizantes, apon- zes transformados de vítimas em réus.
tam para a necessidade de outras investigações abor-

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