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Castelo Branco, Leonardo da Senhora das Dores

Poema philosophico O impio confundido ou


refuyação a Pigault Le Brun... canto I

Typ. A. S. Bulhões
1835
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POEMA PHYLOSOFICO t

OU
REPUTAÇÃO A PIGAULT LE BRUN ,
EM GUE BE DEMONSTRA INEGAVELMENTE

PELA PHYLOSOFIA, E PELA HISTORIA

A EXISTÊNCIA D E D E O S ,
E
A V E R D A D E D A RELIGIÃO CATHOLICA.

SEU AUTHOR
LEONARDO DA S.RA DAS DORES CASTELLO-BRANCO.

DIVIDE-SE O POEMA EM TRÊS C A N T O S :

Próva-se no 1.° a Existência de hum Deosi


No 2.° a verdade da Revelação Judaica :
No 3." a da Revelação Chrislã; e responde-se neste, e mes-
mo nos outros Cantos , ás principaes objecçôes , e dificul-
dades , que contra estas verdades nos oppôem os
Incrédulos.

ANNO DE 1835. NA TYPOGUATIA DE A. I S. DE BULHÕES.


Ca/çada de Santa Arma N.° 74.
I
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i
f'
a

m»®4m

ADVERTÊNCIA.

J ÔSTO que hum grande S á b i o , e de gòslo delicado rtie


ponderou, que a leitura de notas em Obras deste g ê n e r o ,
esfria alguma cousa o fogo da imaginação do L e i t o r , que
vai seguindo o enlhusiasmo poético do Aulhôr; sendo por
isso, segundo o seu e n t e n d e r , mais conveniente naf> have-
rem notas: com t u d o , em ordem ás matérias que t r a t o ,
julguei , que naõ as podia dispençar ; ora a fim de poupar
trabalho ao L e i t o r , que deseje certificar-se da identidade
das minhas citações, tanto do Sagrado T e x t o , como dos
Authòres profanos; ou sejaõ e s t e s , os que eu refuto, ou os
que produzo, como testemunhas da verdade dos f a d o s , a
que me refiro ; e outras vezes para illustraçaô*, e maior des-
envolvimento histórico nos casos , que no corpo da Obra
naõ julguei accertado fazê-lo; e que aliás restaria a dese-
jar a aquelles, que naõ tiverem d'essas matérias completo
conhecimento; e naõ era j u s t o , que ficassem mal satisfei-
t o s ; ainda quando o meu gosto, e. todo o meu empenho
he a g r a d a r , afim de melhor poder utilizar a todos os meus
Leitores. Para o mesmo fim de a g r a d a r , preferi pôr as no-
tas na margem inferior da página , a que pertence , e naõ
no fim do P o e m a , ou no de cada hum dos Cantos; e em
tudo ser do m o d o , que adoptei , mais commodo ao L e i -
t o r , segundo por mim o j u l g o ; sendo livre a cada hum lêr
a n o t a , ou deixar de a l ê r , como fôr mais do seu agrado.

A ?
5

POEMA PHYLOSÓFICO :

O ÍMPIO CONFUNDIDO,
ou
REPUTAÇÃO A PIGAUET LE BRUN.

PROEMIO,
Ou InlroâucçaÔ allegórica ao Poema.

J}j SSE execrável Gênio , que promove


E m todo o Mundo o vicio, a nrrpiedade:
Que a n i m a , e incita o incrédulo soberbo,
Ao iminorai , Estúpido atrevido,
5 Que a mais se atreve, quanto mais ignora :
Que no v/ano Phylósofo dirige
A penna a u d a z , a blasfemante lingoa :
Esse G ê n i o , esse Monstro abominável!
Na Chimica infernal eximio m e s t r e ,
10 O u s a d o , e sôffrego, acabar querendo
D'huma só v e z , com decisivo g o l p e ,
V i r t u d e , R e l i g i ã o , M o r a l , Costumes:
Investiga, analyza , escolhe, e junta
T o d o o v e n e n o , que espalhado havia
15 N ' A ! m a , no coração", n » b o c a , e escritos
Dos prediléctos seus , dos seus alumnos,
Em todos esses decorridos Tempos
JSos annos muitos das Idades todas.

Feita a funesta escolha, e l l e , o Malvado,


20 No seu fatal Laboratório horrível,
Requinta ainda m a i s , e mais concentra
G

Esse mortífero, empestante sumo


D'hervas geradas no T a r t á t e o seio.

Que odioso, que horrífico p r o c e s s o 1 . , .


25 Labareda infernal (('impuro fogo ,
Que alumear parece, e produz trevas,
E em que só ha de fogo calor sumrno,
Obrar começa nas lelhaes substancias.

Eis que hum fumo se pxhala , e luira fumo sobe


30 Em negro, e esp>ssò turTiTmaTT nbrrísori<>7~~
Que do edifício desabando o t é c i o ,
]No immenso espaço do Universo espalha-se.

O n d e , ó S o l , onde eslaíl as luzes vossas?


E o n d e , ó D i a , a claridade tua ?
35 Só vejo escuridão ! . . . Só (révas vejo ! . . .
Magestoso U n i v e r s o ! . . . Ali! Que desgraça
Vai succeder-vos! . . . Inda o velho C á h o s ,
Keassumindo o seu domínio a n t i g o ,
Conseguirá de novo sepultar-vos
40 No seu conjuzo , tenebroso seio ! -. .

A h ! Nisto naõ convém do Mo! o G ê n i o ,


Que eterna perdição prepara ao H o m e m ,
Que , perecendo assim , victima fora ,
Que s'evadira ao seu furor d a m n a d o :
45 F u r o r , que contentar apenas pôde
bofíridos males por injindo tempo.

Altento a isto , o ltígubre procósso


A p r e s s a , e finda; e em convulsões terríveis.
A t t r a l i e , sorvendo, o exhalado fumo:
50 Fumo (aõ venenoso,, taõ- mortífero,
Que quasi a vida tira ao Pia» da Morte.
O suffocado Sol livre respira :
Respira o M u n d o , e o Universo todo.

Prompto o vpneno se a c h a ; mas ainda


55 Hum visível Agente ao monstro falta,
Que as dozes distribua : bím, que o £terno
1
Negado tem-lhe , que per si o fnça:
Porém ali! Q u e em Pigault o busca, e -encontrai
Sim , em Pigault L e Brun , já muito d'antes
60 íntimo amigo s e u , e seu alumno,
Em quem reside, occulta em forma h u m a n a ,
Alma infernal, e coração damnado!

„ O' filho , (assim lhe diz) aqui te trago


,, Do meu perfeito amor completa prova :
65 ,, Entre os amados meus fosle escolhido
,, A' mais gloriosa em preza": a penna toma :
,, Neste licor a ensopa , e escreve quanto
,, Seulii es j<-iça occulta a maô mover le;
,, Depois, sem m e d o , espalha em todo o M u n d o ,
70 ,, O que escrito t h e r e s . A h ! Naò t e m a s :
,, Serei teu protector : serei teu prêmio.
„ A mim se oppõem , quem quer que a l i se opponlia :
„ Esmagado o verás. A n i m o , filho ! . . . ,,
Sem resposta esperar , o beija, e vai-se.

75 P i g a u l t , da escolha ufano, o vaso exhaure


D o em//esl"iiíe licor na escrita sua ;
E da ordem o mais cumprir se apressa.
Hnm Luzo encontra, (Teste nume indigno ,
Que o ajuda a espalha-la ao Sul d ' E u r o p a ,
80 Limite occidental do Mundo V e l h o ;
E avançando inda á mais, transpõe o Atlântico;
E do Averno o miasma , em semi-circulo,
JS'a face oriental do INovo M u n d o ,
Com maõ pujante, a que vigora o G ê n i o ,
85 Diffunde, espalha do Amazona ao Praia.

O P a r n a h i b a , naõ taõ vasto, e fundo, («)


Talvez por isso mesmo mais sensível,
Do venenoso toque se ressente ;
E já no l e i t o , aonde Idades tantas
90 Socêgo achava, socegar naõ p ô d e :

(o) Com tudo , iiffirmn-.se , que naõ tem mono* de 300 l**goívs üe
curso ; e sempre de Sul u Norie , í.n< v.áo o limite occidental da I'ro-
•unciu do Viauhi com u do Munuihiiõ.
Dos filhos seus a perdição o pungp.
Revolve-se indignado : as margens tremem :
Fendem-se as a g o a s , desabando aos lados
Com hòrrido estampido; e Elle a p p a i e c e . . . .

95 Parle do corpo immenso ao nivel d ' a g o a ,


Sobre o submerso leito patenteia :
O assombroso costado, c u r v o , e l e v a :
Nos longos braços forcejando , escora;
Qual velho annoso , que sentar-se i n t e n t a :
100 Assim sustem erguida a^ veoeramla ,
Formidável c a b e ç a , em quem se a d m i r a ,
Por entre verdes limos , cans nevadas
A distilarem crystalinas gotas.

Ah! Que assombroso objeclo .' E ao mesmo t e m p o ,


J05 Quanto naõ enternece vêr pintada
A mrígoa mais c r u e l , a dòr mais viva
Nos seus afflictos olhos , d'onde manaò* ,
Quaes as perennes, borbulhantes F o n t e s ,
Lagrimas tristes, q u e , escorrendo, régacJ
110 As enrugadas, magestosas faces!

Dando hiim ai mavioso, os olhos e r g u e :


Olha a hum l a d o , e a o u t r o : olha, e suspira:
Depois exclama: ,, O' Parnahiba ! O ' K i o ,
,, Que em grandeza , e em virtude productora
315 ,, H e , senaõ superior, ir/uul ao menos
„ A esse laõ famoso , que no Eg5'|>to
Os seus amenos campos fertiliza ! . . . («)

Eu pois, que tanto sou: E u , que a meus filhos
35
Nrítro, e regalo, cuidadoso, e t e r n o !
Í20 ,,55 Como posso soffrer o m a l , que nelles
,, Eu já vejo ir grassando ? IVJal por cprfo
,, Peior cem vezes, do que as pestes todas ! . . .
„ Filhos m e u s , s'entre vós inda s'enoontra:
35
S e , por minha fortuna, ainda existe

(u) O Parnahiba, bem como o Nillo, fax no tempo d.is sans cheias
grandes innundações ; o esle terreno, no recolher das agoas, he agri-
«.ultado, e produz tudo admiravelmeiite.
t '
125 ,, Hum homem virtuoso, e assás v a l e n t e ,
„ Appareça, e combata o Monstro infame,
„ Que a vós todos procura eterna minai
„ Eu velho sou : naõ posso.. . Ah , se J5u podósse ! • • • , ,

Cessa entaÕ de fallar; e os olhos volve


Por toda a turba dos juneados filhos
A vêr , se algum se move ; e eis que fitando
Em mim os olhos s e u s , irado exclama:
,, Até t u , L e o n a r d o ! . . . T u , que eempre
,, Mostrasle affecto ter á Lei de Chrislo ,
,, Imraovei te c o n s e r v a s ! . . . Pois taes provas
„ S a õ , as que daz d'amor a D e o s , e ao próximo? „

Tungio-me esfe fallar : envergonhei-me;


N a õ pude resistir: ao velho corro:
Prometto combater com toda a força,
140 E x p o n d o , a ser preciso, a própria vida
Em repellir dos meus irmaõs os males.

Do bom velho a alegria á face assoma:


D e mil bênçãos me cobre ; e , satisfeito ,
No leito sen , do esforço já cançado ,
145 Cahir se d e i x a , e em suas agoas some-se.

Eis-me a pensar eníaõ no gram p e r i g o ,


A que exposto ficava. Eu naõ temia
O Francez, nem o L u z o : ambos saõ homens ;
E eu também homem sou ; e taõ somente
150 O seu a m i g o , o formidável Gênio.
DVxcessivo temor a c c o m m e l t i d o ,
J á da promessa arrependido estava.
Fraqueaõ-me os joelhos: suor frio
Banha-me a testa: os olhos se me turbaf>:
155 Geral torpor dos membros meus se apossa :
As forças perco , e sustentar naõ posso
D o corpo o peso ; e esmorecido caiho.

Do lethargo desperío á voz sonora ,


Q u e des de o Ceo troava: era do Império (a)
{a) 0 império Brazilienae.
B
10
160 O Anjo iuletar, que assim me falia!
55 Aquelle, cujo Braço Omnipotente,
55
Relutando, arrancara ao negro Cahos
1 Das liírbklas entranhas, de uns jactos , (a)
ti
5)
A poder de puxões a rchi-robustos,
J65 ,, A Cmléa dos Entes submergida
,, Naquelle Abysmo, des de a eternidade:
., Esse mesmo Senhor, que tudo sobe:
,, Que iiidn pode ; e que governa tudo
., Q u e torna forte no fraca , e jraco unf<irh'.:
170 ,, Que eleva, tio humilde»_ji-quti-ao soberJjjO—ídiale:
,, Sm» , esse Ente. tios Entes, Deos dos Deozts t
5 , Sem réplica , te ordena o cumprimento
,, Rxaelo , f prompto da promessa tua ,
., Que de fazer acabas. Mais te d i g o ,
175 „ Que esse Gemo do Mal, que a ti se antolha
T a õ forte , e poderoso ; Elle o reputa
55
Por rnenos, do que o Nada. E i a ; dispõe-te;
55
R c o n t a , des de j á , sem mais r e c e i o ,
„ Com prokcçao , vicloria, e prêmio eterno. , ,

180 De fallar cessa; e eti prostrado adoro


Ao Todo-poderoso; e á Virgem rogo
Matemal prolecçaõ : a peona e m p u n h o ,
Qual forte espada; e animoso escrevo.

L e i t o r , eis meu i n t e n t o ; e eis a causa:


.105 A alegoria lie clara: o Author c o m b a t o ,
Que em seu livro (o) reúne , quanto o Inferno.
Quanto a malícia humana ha suggerido
D e blasfêmias, calumnias, impiedades
Aos mais Authores, Missionários do Erro»
190 Q u e o precederão neste odioso emprego.

(a) Alltido nos ÍPÍS dias da IVeaçaõ do Universo, segundo lemos no


Gênesis, e de que ainda terei de fatiar : veju-se Ho Canto -Z° do >er-
íO • . . em diante.
(b) Sim , eu combato ao /fuiliar da ("titular , quem quer que elle
seja. Faço esta declaração , porque me cnn»la , que 1'ijraull Le B ' i i o ,
Pa 5 quiz rtconhxer por sua esta <>l>rn, que currc coro o scy, nomej lul-
vez fi)vergonb«do do seu delesíavei uboito.
n
No portuguez idioma lnim Iuzitano,
Que em maldade ao francez naò" c e d e ; iguala,
F e z , que esle OrgaÔ do Inferno se exprimisse,
A sua ímpia obra traduzindo:
105 Que tanto interessava, se tornasse
Mais amplo o effeito , (effeito a b o m i n á v e l ! )
Que essa leitura em nós fazer podia, (o)

Eu Brazileiro sou: o solo h a b i t o ,


Que o Parnahiba r e g a : pavor tive:
300 H e s i t e i ; m a s , em fim, deliberei-me:
Creio , animou-me hum invizivel Ente.
Da penna lanço niaò", esta obra escrevo ;
E o meu trabalho naõ baldar, e s p e r o :
Se ha Leitor obstinado , ha também dócil:
205 Aquelle o Vino ama, e o Erro busca:
Este busca a fcrdade, e ama a Firtude:
Eis o homem sensato- e eis com quem conto.

(a) No* Porluguezea, e Brazileiros, que ignoraô a lingoa franeeza.


B 2
mm&tò totitoàiH

EPÍGRAFE:
^ Para justa Sentença dar podêr-se,
He necessário ouvir as Parles anjbas.
Axioma Judicial.
3$

POEMA PHYLOSÓFICO:

O ÍMPIO CONFUNDIDO
oxr
REPUTAÇÃO A PIGAXILT L E BRUN

CANTO PRIMEIRO.

Provas ãa Existência de hum Deos: FJIe se manifesta pelas


suas Obras. S. Paul. , E p . aos R o m . , C á p . l.° f. 20.

NGREDULO P i g a u l t ! Acho-me em c a m p o :
A pró dá Lei Chrisíã bater-le v e n h o :
E m vaô" a leu favor Satan conspira:
D o Inferno z o m b o ; pois nos Ceos confio.

5 Negas a caso hum D e o s ? Hum Deos confessas?


Eis o que ignoro, e que saber quizéra. (a)
Suppôr que o n e g a s , he suppôr-te hum néscio:

(<i) 1'jgault naò diz expret.sameiUe, que he Alhèo; mas deixa es-
crúpulos sobre isto em alguns lugares da sua obra. lílle, fàliando da
Bntarnaçfio do Verbo, menciona Deos Filho vindo do Oco: iíto he,
(accrescenta logo) de farte nenhuma: Pari. I. 1 , pag. í>5: logo pare-
ce naS crer em Deos; pois de alguma parle havia Èlle de vir: ou aliás
a difficuldade de o crer assislir no Ceo será pelo julgar sujeito á acç.aô
da gravidade; assim como o inculea susceptível de ser incommvdtido
pela acçaõ sensível dos cheiros desagradáveis, PÍHI. 1.% pag. 55. Q*w
singular Phyloaofo!
u
Julgar que o c r ê s , he crêr-(e inconseqüente:
Mas-naô ha meio nestes dois extremos : —
10 N'huma das duas compr'endido ficas.
Tratarei por seu turno as questões a m b a s :
Dupla Cuxisa requer Processo duplo.

Provas taõ grandes s a õ , taõ e v i d e n t e s ,


As que hum Deos nos demonslraõ , nos a t testai?,
15 (Deos B o m . Deos Sábio, Deos em tudo tmmenso)
Q u e he ce//o, o que asnaô" v ê , bruto, o que as pega,
Se é s c e g o , a maÔ te dou, se b r u t o , o apmtc: -"
D e qualquer s o r t e , ou ser/ue-me, ou precede-me.
D o fundo a b y s m o , em que submerso vives,
20 ( Se a vida do peccado he lambem v i d a )
Levar-le-hei á vastíssima Officina,
( O n d e labora a sábia N a t u r e z a )
Firmada d'huma á outra E t e r n i d a d e ;
A que ha de haver depois, a que antes houve
25 De ser c r e a d o , o que chamamos — Tempo — j
E dos termos sem termo o meio oceupa.

Portentoso Edifício, que he fundado


Por Braço Omnipotenle. A h ! E qual outro
Funda-lo poderia ? Elle escorou-o
30 Desde huma á outra borda d'esse Abysmo
Jmmenso, e fundo, e tenebroso, e horrível,
D a feia , triste Noite , Estância triste :
Morada do Pavor: vastos D o m í n i o s ,
Onde o Cáhos reinara; e d'onde fora
35 De raslos conduzido; e brados d a n d o ,
Quaes nunca iguaes rugidos arrancarão
Dos seus forçosos, formidáveis peitos
L e ã o sanhudo, furibundo T i g r e !
Que até de medo a Noite e s t r e m e c i a :
•30 Estremecia t u d o : o Pavor mesmo
Sentio em si pavor; e o Sceptro, e o ThronO
D'esse da Confusão pai e x e c r á v e l ,
Arrojados á T e r r a : espedaçados :
T é mesmo a nada reduzidos foraõ
45 Nas fortes Mãos do Todo-Poderoso.
Que em seu lugar fundara este Palácio,
15
Que abrange o Tempo, e a extensão immensa,
Que mais outros limites naõ conhece,
Que as do Eterno recônditas Minadas,
50 Q u e , do Universo em torno circumscreve;
Essa extensão, a que o homem chama —Espaço — ,
Com milhares de Soes, milhões de Mundos,
Q u e , fulgurando, correm, g y r a õ , rolaò*.

Ris onde em novas producções de Seres:


55 Dos Astros no regimen e s t u p e n d o ;
E economia do Universo l o d o ,
T r a b a l h a , e vela occulta a N a t u r e z a , («)
INaõ se atrevendo a descobrir seu r o s t o ,
De profundo respeito penetrada ,
SO Ante o Deos tnuuijtslo , que a preside. Çb)

Mas tu escoras ? A h ! Com razaõ (emes


Do Supremo Monarcha o aspecto i r a d o ;
E ilo Ministro Seu , a Natureza ,
Kx|irobrantes, e ríspidas censuras.
65 IV]as de que serve caminhar mais longe ,
Se dentro e.»lamos do Kecinlo A u g u s t o ?
E i a ; os teus olhos a b r e ; e a venda l i r a ,
Com que te cega o Erro; e a vista estende.

O que observas, Pigaull? Naõ vês, naõ notas


70 Substancias várias, que em continuo molu>
Naõ permanecem n'huma mesma fôrma?
Elias dos corpos saõ os constituintes:
A elles suiiem ; d e l l e s se sepnraú:
Assim o ser lhes duo, e o ser lhes tirai) :
"75 Mais tempo d u r a õ , se mais tempo se unem:
Quando ces«a a u n i a õ , de existir cessaô:
A mesma F/poea marca ambos sucressos;
E , em nova uniaõ, num novo ser adquirem.

(>i) mgo uunltti, |)<M(|iir iiiml.i hoje *í' ignora, e sempre se ha de


ig'i >rar, o m"d<>, poiquê se faz, o que chamamos operaçuôt e mar*
eliíi da \iiiiirem.
(6) Uefiru-me ao citado Texto de S. Paulo na &ua EpUt. ao* Roía.
16
Eis a sorte geral dos corpos todos;
80 Eis a caclôa intérmina dos Seres
JVIateriaes, que por anneis sem conto
Reproduzida successiva mente,
D'eát'arte fôrma círculo perpetuo.
T é que a espedace Omnipotente Dexlra
85 N'esse dia final: dia horroroso,
E m que aluídas do Universo as Bazes
A t é aos fundamentos: treme o vasto,
3V1 ages toso Edifício ao desmarcado,
Irresistível, furioso impul§o,~___^
90 Do Todo-Poderoso; e eis que as de b r o n z e ,
Formidáveis Columnas lascaõ , québraõ :
O tecto seu precipitado desce
Com medonho estampido; quaes se fossem
D e temidos vulcões centos, e c e n t o s ,
95 Que ao mesmo tempo rebentassem juntos j
E fica tudo em minas submergido! . . .
A p r e n d e , ó homem, a temer um Rnjle,
Que tanto pôde; e , louco, tanto ofiendes!

NVssa união porém de mil substancias,


100 Q u e aos corpos reproduz, distinguo, noto
Huma tal symetria, huma tal ordem,
T a l regularidade, e concordância
Nos meios c'os seus fins, nos fins c'os meios,
Q u e do Acaso excluindo o obrar incerto,
105 Próvaò", a quem tem olhos, quem tem. sensu,
Q u e os eBeilos, q u e , em exlasis, a d m i r o ,
T e m por causa huma Causa intelligenle:
T u d o , aliás, fora hum cáhos, desordem tudo.
Eífeito regular ter causa incerta ,
Í I 0 Ou sem causa existir, he tudo o mesmo;
Pois que he tudo igualmente hum impossível:
L o g o huma Causa productora existe,
Que em si reúne inlelligencia, e força.

N V s s a , que obra incessante, p occultamente,


115 Do Ser Supremo o /tejeute reconheço: (a)

(a) SaO us virtudes de Jfjlmdu.de, de cuja exisieiicia naü duvido,



S i m , és t u , N a t u r e z a , a que ttansluzes
Nas o;>acas cortinas da M a t é r i a ;
A quem t u , sua inércia combatendo,
Nas emoções que e x c i l a s , ver te deixas. («)
120 Dispersas parles das substancias várias,
Todas materiaes , inertes t o d a s ,
T u as reúnes, ligas, e misturas
N o grAo proficuo em q u a n t i d a d e , e força,
Segundo o misto, que fazer perlendes.

125 Tu do Universo conhecido, e ignoto,


Ksse princípio és vivi fica nte,
Que errônea crença reputara ontr'hora
Alma do Mundo, e Soberano E n t e ,
Do qual só és o Agente síSbio, a c t i v o ,
130 K por quem todos os corpóreos e n t e s ,
Recebem v i d a , nutrição recebem.

T u , dos salgados Mares doces águas


Extrahir sabes em subtís vapores,
Q u e levantas ao a r , onde os recolhes
135 Nos teus de Nuvens Armazéns immensos.
Kia os teus Regadores , que assim cheios,
Seu pêzo enorme sobre aéreos carros
Depões em segurança: logo impulsas,
D e modo occullo, e em direcções diversas,
140 filies todos, que rápidos conduzem
Esse dilúvio do licor mais ú t i l ,
( Nos sussurrantes eixos eslrugindo)
D o velho, e novo Mundo aos C o n t i n e n t e s ,
Vastos J a r d i n s , que cuidadosa regas.

que muiios ainda zombem ; mas que saõ admillidu» hoje • m dia pi Io*
melhores Phjflo&tifçf^ a quem as obserx ações das producçyea naluraes
ri isso os obrigarão Quvm quizer julgar do meu Systetna n e»l<? respei-
t o , leia a minha obra intitulada — Astronomia, e Mechanica Leonar-
dinu — , que breve darei á I m p r e n s a ; e nella achará explicações do
multidão de effciloí, que naô me consta, que j á l e n h a ô sido elucidados,
ao menos em conformidade ás /-eis do Mechanica.
(IJ) Veja-se na cilada Ui>ra , além de outro» l u g a r e s , o que digo e m
a nula â." ao N." 1 9 8 , no Ciii). das Forças ElaaUcu»: e a do ÍS.° 1 9 9 .
C
1,8
145 Aqu? r -(?03 transportados Regndores,
Pelos crivos, que sábia fabricaste ,
H á b i l , entornas as contidas agoas, i
Q u e , em niveas, subtís golas divididas,
Ligeiras descem , e suaves pousaõ,
150 ( Q u a l no leito nupcial esposo a m a n t e )
Sobre as do Globo sequiosas faces;
R eis que a Terra fecundai) : eis que brotau
Do seu seio a abundância, o s e r , a vida.

S i m , que essas agoas penetrando os M o n t e s ,


rS5 VaS na encosta surdir , por subterrâneas,
Occnllas vias, iY antemão dispostas,
Por quem tudo prévio; e eis de mil fontes
JVIanancia.es perennes, que serpêaõ
Ao longo da Planície; e os Campos c o r r e m ,
160 Nutrindo as flO.res, _pryduzindu os fructos,
Creando os grãos, e sustentando as arvores:
O u , caridosas, mitigando a sede
Dos mancos g a d o s , e bravias feras.

De mãos dadas c"o Sol, por toda a parte


165 Sua presença he proveitosa a t u d o ;
Aqui doura, e sasona o Hesperio pomo (a)
T a õ grato A vista , e saboroso ao gosto!
Alli de Bacco os caxos n u t r e , e c o r a ;
Que aos seus devotos previamente alegraô*,
170 Que a doce fantazia lhes figura,
Q u e , em ondas descem, e ligeiros pullao
IN a laça do prazer; e , r i n d o , a d e x t r a ,
Sòfiregos levaõ aos sequiosos Iríbios:
P o i s , extasiados, crêem já nella achar-se,
175 Quem lhes pinta o desejo, e o gosto anhela.

DMgual m o d o , acolá nutrindo vemos


Ao precioso Ananaz : o rei dos frnclos,
Q u e , como t a l , o vemos collocado,
D e coroa a c a b e ç a , em verde tlirono,

(a) A laranja , a quem os Romanos chatnavaõ— o pomo de ouro


das Hcspéiides — t
19'-
180 Onde parece receber ufano
Do se-u 1'ovo as devidas homenagens.
Tu lhes deves também sustento, e vida,
Saborosa, e bellissima B a n a n a ,
Que podes (se o naõ é s ) ser a Rainha;
185 E pendes d'allo , volumoso c a x o ,
Com quem apenas pode a arvore t u a ;
E a quem sombreiaõ suas longas folhas;
E o n d e , como em docél , pomposa imperas.

Lá mais além se emprega em dar a canna


190 ( Q u e veste, e a d o r n a , coroando a f r e n t e ,
Branco pennacho , verdejantes folhas:)
O nectar dos morlaes: o doce s u e c o ,
Que concentrado pela humana industria,
Ou mil diversas fôrmas recebendo,
195 J á variado, e delicioso s e m p r e ,
H e ambrozia, açúcar, d o c e , e he tudo.

Saò* nestas F o n t e s , que as pastoras nossas,


Na calmosa Estação, se refrigerai;
E onde a belleza sua , os seus encantos
200 Mais alguns gráos de perfeição recebem :
Por ellas morrer vejo o insano a m a n t e ,
E mais feliz viver sensato esposo,
Que nessas momentâneas Divindades
( Q u e ao Kei mais sábio, idolatra t o r n a r ã o ,
205 E que exigir parece o incenso nosso;
Flores na duração , como em belleza ,
Que na da vida Primavera b r i l h a õ ; )
Vê taó* somente a terna companheira
Dos dias s e u s ; e seu consolo, e alivio:
210 M a i s , do que as Rosas, e n g r a ç a d a , e bella;
E mais p u r a , que a cândida Açucena:
Mimo d'num Deos : d'hum Pai: delicias do Homem ?
Que o naõ desvia: que antes o encaminha ,
( Neste ponto de vista, em que as contemjjlo )
215 Ao D e v e r , á V i r t u d e , ao Paraizo.

Saõ no começo seu as Fontes todas


Pobres Arroios, tímidos Ribeirosj
ca
20
Ou inda, quando m u i t o , h u m i l d a Riog,
Que mansos correm; mas reunidos fórmaõ
220 Hum G a n g e s : hum Eufrales : lium Danúbio:
Hum N i l o : hum Oronôco: iiurn Mississipe:
Hum S. Francisco: hum P r a t a : hum Amazonas,
Que ousao, ufanos, disputar aos Mares
O p u l e n r i a , e nobreza; ( e n t r e nós outros
225 Cousa igual acontece) e imit»õ dViles,
J á por vaidosos, as maneiras t o d a s ;
T é na arrogância, e fúria, com que atacaõ
Nossos volantes Armazéns velliíeros;
Nos q'iaes, por essas líquidas estradas,
230 A seu pezar, levamos a a b u n d â n c i a ,
A todo hum Povo do mais vasto Império.

Se teproduzes corpo organizado,


O' snbta, e sempre acliva Natureza!
T u lhe d á s , nos que saõ da mesma espécie,
235 Sempre membros Ufiiaes, sempre iguaes oigaos,
D'arvore majestosa os bellos fiuclos,
As lindas folhas, as fraga nles flores;
E da frágil hervinha o frágil r a m o ,
Sempre he tudo uniforme, he similhanle:
240 F o l h a , flor, fructo, ramo naô variaá:
A l t e n t a sempre estás, nunca em descuido.
S*alguma vez hum pouco a fôrma alteras,
Jamais he sendo iguaes as circunstancias ;
S'estas vaiiaôy só cntaô o fazes: («)
245 Ou se classes diversas se misturaà\
Pois lendo assim de haver matéria outra
N a destinada a formação do fecto ,
H e forçoso l a m b e m , que haja oulra fôrma, (b)

(a) Isto acontece , por que como os effeiló» provêm da ncçaò das
forças de Aj'Unidade, que saò Virtudes annexat as Maça* , varinô se-
gundo esta sua acçaò pjde obrar iiâ coctaneu cooperação com a de ou-
tras, c ( ue, ou se aggrcgnõ, ou de$innexaÔ ; corno, por exemplo'', ve-
jnos acontecer nos fructo» pela adjunçaâ do fogo : da humidade etc. :
ou perita de sueco, e partículas constituintes por qualquer vi» possível.
Veja-se na mesma obra o Capitulo" da Attracçnô.
{d) Substancias materiae* differenlcs , conterão lambem diversas
21
Aos animados Entes os seus membros
250 As suas precisôeá tu lhos ageitas;
Aos que hau mister nutrirem-be <le c a r n e ,
Armas para a carnagem lhes oulhórgas;
1? força, e ligeireza , e m a n h a , e astucia ,
Segundo o Creador te ha ordenado.
255 Aos que o sustento seu nas agoas buscaõ ,
As g a r r a s , b a i b a t a n a s , p e r n a s , b i c o ,
T u d o , tudo lhes d á s , quues necessilaô.

Quam pasmosas naô" sa<"5 em v ó s , ó P e i x e s ,


Aqueilas dunsfendus, q u e , quaes p o r t a s ,
260 Da vossa frente aos lados, sahir deixaô
A agoa , que abocauhaes, quando fechando
Mm legeiros a b o c a , colheis nella ,
Para o sustento vosso, algum peixinho,
Que da morte escapar-se em vaõ p e r t e n d e ,
265 Com as agoas s a h m d o ; pois que a fuga ,
De mais tempn preohia , lhe fie vedada
Por liunia austera guarda , bem munida
D'agudas bayonHlas, que lhe liraõ
D e fugir a esperança , e ao Algoz o enlregaõ. (o)

270 Quantas vezes também falange a r m a d a ,

Virtudes de Affinid.ide. |),\.-iá ser por i-so, que os metaes, as pedras


finas , o* saes eic. dioersificaô entre si no arranjo gioméuiio, que or-
dinariamenie adquiram na purifica, e é$pontanea coogúlaçaô-j e que os
corpo- orgânicos e l e , mudaô algum t.iiiio a sua fôrma nu mistura das
espécie». Veja-se na mesma cilada obra o N.° õ 6 , e sua nota.
(<i) A di-nipqaô uiiuda , c individual de Iodas essas partes, que
saò como instrumentos necessários ás d inversas espécie», e variedades de
nnimnes, para obterem aquelle. alimento, que se conforma á sua natu-
reza , levnr-nos-hiu mais longe , do que talvez me será permitiido.
Quanto porém naõ he para estranhar , que tendo nós ludo isto diante
dos olhos , saò l>em poucos, os que utu-ntuõ , e ineditaõ nestas inegá-
veis prova* da existência tle hum E n t e , que tudo logo prévio t e provi-
denciou. Eu pasmo, toda n vez que com O/VÍOS de 1'hylosofo contemplo
jia propriedade, e completo desempenho destes ditos instrumentos: entre
elles com especialidade admiro nos Feixes essas mencionadas fendas,
onde se acliaõ colocados huns como gradamentos, revestidos de agudas
farpas , com as pontas voltadas pura dentro , que privaô de fugir oi
1'muiuos por essaa como portas, necessárias á sahida da a^oa.
2 2 ••

Q u e se diz pYokclora da iimôcencia,


TSaõ vemos, bandeada co'húm Tyrtiuno,
Ao innocente cortar todo o reciuso,
E pôr a triste viotima nas garras
275 Da T y r a n n i a , que a devora, ufana!

T u , .Montanha vivenie , ó Elefante,


D a fortaleza tftrono! O , mais que t o d o s ,
Corpulento animal, de quantos vejo
Cubrir os C a m p o s , povoar os Bosques! . . .
280 D'hiun l a d o , e outro dos teus longos queixos,
Sobresahindo , alvejaõ, qual a n e t e ,
Teus monstruosos d e n t e s ! Saõ rolíços,
Curvos hum pouco s a õ , e objpcto ao Homem
De temor, e interesse («). lies de a frente,
285 D o focinbo ao findar, pendente d^sce
Nervoso, singular, extenso m e m b r o ,
Que tem sentidas Irez, e usos muitos;
Pela Iongura dVHe , e teus meneios,
Que he teu b r a ç o , conheço; porém braço
230 D e construcçaõ flexível ; m a s , com t u d o ,
Munido está de portentosa força. | ib .
D e maôs te serve o espraiado e x t r e m o ,
Com que pesados seixos arracando,
Com força incrível, qual pujante funda,
295 T u os despedes, alroando os ares ! . . .

Se quebrar queres de possantes (roncos


Os mais robustos galhos ; sem mais c u s t o ,
A maõ tenaz ergut-ndo, a elles prendes;
Depois enpuxas, e , gemendo, escalão ,
300 Qual se R o l d a n a , ou Cabrestanle f o r a ! . . .
O teu grande poder , as forças luas
Incalculáveis s a õ : saõ quasi immensas:
Senso te fora dado hum dócil g ê n i o ,
Ai dos viventes ! Esmagava-os todos ! . . .
J. i, , . . - -

(u) Em Foriugal , no Uabinele de HUloiia Naluial <m íi. lém ,


exiMem il"is dmles de Elefante, que tem de compriireiii» d< z palmos,
c di- dianteiro mais de trez quartos de palmo: afiiruia-se que hu deines
de oiio anoba.s de peso.
23
305 O ' homens, que entre os mais sóis Elefantes
No poder, que exerceis: a h ! Imitai-o
Nessa moderação: nessa brandura ! . . .
H e mais honroso, he mais conveniente
Naõ fazer mal n e n h u m , podendo muito;
310 E ser amado mais , que ser temido.

O ' tremendo L e a õ ! Fero M o n a r c h a ,


Que fundas no terror teu vasto i m p é r i o !
Déspota poderoso: Rei cruento :
Sempre de sangue cheio, e nunca farto!
315 Tens valoroso p e i t o ; mas só nelle
S o b e r b a , e presurapçaô" r e s i d e ; i m p e r a !
Teus dentes d ' a ç o , tuas férreas unhas
Saõ as do Throno teu fataes escoras.
Em fresco bosque, ou tórridas areias
320 D'Afiica adusta, impávido c a m i n h a s ,
Co' o honorífico emblema sobre a altiva
Respeitável c a b e r á ; e o Regio M a n t o ,
Dieta = Dourada Juba = , aos hombros posto:
Com tao patentes de Realeza insígnias,
325 Respeito, edlstinCçafl comtigo m a r c h a õ ,
Sem mais cortejo; e solitário sempre.
Rei és; porém sem Áulicos, sem C o r t e :
R e i , de quem todos, por lyranno, fogem:
Do teu misero Povo a c o u t e : e s t r a g o ! . . .

330 Taes os Monarchas s a õ , que enfatuados


C o ' o seu grande poder: ferem, esmagau
Os seus tristes, misérrimos vassallos,
Com essa mesma espada, e sceptro m e s m o ,
Que para bem commum lhes coiijiáraô:
335 i\Ias, quando peior cousa naõ resulte,
Escravos só leraô , e amigos nunca.

E t u , Lobo traidor! Monstro sedento


De alheio sangue; de mortaes ruinas!
A tua immunda c ô r : o teu focinho
340 Comprido, e feio; e com sangüíneos olhos;
E a mais enorme , a mais rasgada b o c a ;
(Onde, entre grandes, e apinbados dentes,
24
Se avérgaõ o P a v o r , o E s t r a g o , a M o r t e : )
E todo o aspecto teu , quem és , naò uegaõ.
345 Infame estragador dos mansos gados!
Daninho Bruto! Insaciável F e r a !
T e n s de perfidias recheado o p e i t o ;
Peito inclinado ao m a l , e prompto sempre
A , de itinocentes , e inermes r e z e s ,
350 R o u b a r as v i d a s , devorar as carnes ! . . .

Ladrão , eis teu retraio : reconhece-o ;


E assim como o Pastor odeia ao L o b o ;
Assim como o aborrece o Mundo inteiro;
E em dar trágico fim , cruenta morte
355 Todos trabalhaõ , e se esforçaõ todos;
T é q u e , mais c e d o , ou t a r d e , emjini o rnatau
Assim serás odiado; aborrecido;
E procurado assim por toda a p a r t e ;
T é que sejas na Forca pendurado.

3G0 E tu , 6 O n ç a ; coração malvado!


Somente ao crime affeito : afiei to a mortes!
Quem retratar te pôde , qual te ostentas,
E qual és em verdade em c o r p o , e g e m o ?
Naquelle volumosa, ágil , robusta;
3G5 E taõ airosa, e bem vestida ás vezes, (o)
Q u e , se o Meda o deixasse, linda foras:
Neste é s , p o r é m , d'huma maldade incrível!
Bruto horroroso! Salteador tremendo! .
Dos viajantes t e r r o r : terror de todos,
370 Quantos conhecem teu damnado p e i t o ! . . .
E ' s em ciladas destro; e és destro em t u d o ,

(o) No Brazil ha varias Espécies , c Variedades de Onças : a que


he Ioda preta, chamaõ Tigre, he muito feroz : á vermelha toda daò o
nome de bu-suarana, psta he menos temida, «* lemos muitas Parleda*
áes : n outra Espécie tem mesclas negras, maiores ou menores, e so-
bre assento mais ou menos nlvo, e ás vezes vermelho ; e htimas costu-
mai* cresper mais que Outras; e tomaõ quasi sempre determinada figura
em conformidade á distinrçao' das suas pintas; o que tudo faz que péí-
tençao a variedades da mesma Kspecie: nós as distinguimos com os uo-
mca de Pimada-mUaUeiru; Cunguçú; Onça-Caõ etc.
25-
Quanto he maldade; e roubador das vidas
D e incautos animaes, cie quem o s a n g u e ,
Cruel bebendo, mais cruel te tornas! . , .

375 Do execrando Assassino he esta a imagem.


Huma vida, e outra *ida rouba: arranca:
Quanto mais elle m a t a , e mais derrama
Sangue innocente das inermes victimas:
Mais sangue exige ; e mais matar anceia ! . . .
380 iVIas t r e m e , ó fero, q u e , assim como a Onça
Hiirn destro Caçador encontra ÍÍS vezes,
Ou valoroso, armado C a m i n h a n t e ,
Q u e , co'huma baila , ou lança lhe traspassa
O feroz coração: lambem encontres,
385 Quem vomitar te faça a Alma damnada
Por larga boca de mortal ferida,
Do próprio sangue teu envolta em o n d a s /

E tu também , sanhudo Leopardo !


Q u e , qual abrazador, rápido r a i o ,
390 T e jirecipitas sobre a infeliz victima
Da tua crueldade; e , n'hum m o m e n t o ,
A agarras, m a t a s , espedaças, comes ,
Com fúria horrenda, e avidez i n c r í v e l ! . . .
Sobre as relíquias s u a s , satisfeito,
395 Deitar-te hum pouco inda ouzas: depois t ' e r g u e s :
Ufano ruges: espedaças troncos:
D e nova guerra pavoroso ensayo ! . . .

A i ! H e d ' e s t ' a r l e , que hum feliz M a l v a d o :


Hum Ladrão poderoso , a que a Lisonja :
400 Sim, a Lisonja; corruptora infame]
Heroe Conquistador c h a m a , sem pejo ,
Para extinguir co'hum n o m e , a que ella une
Idéa honrosa , a que produz esse outro ,
Que a elle quadra , e mais , que aos Satleadores:
405 H e , d i g o , assim, que taes Ladrões potentes
Roubaõ as vidas; as fazendas rotibaõ:
Asaolaõ R e i n o s ; e devastaõ M u n d o s ! . ..

O' t u . dos Homens taõ t e m i d o , e honrado,, .


D
2G
C o m o , ou mais > do que hutn Deos, de quem usurpas
410 O n o m e . o insenso, a honra, a obediência!
Se tu (e indignas d'aprender do exemplo,
Que offerece o Leopardo , quando o vemos
JV3ikérrimo acabar, de golpes cheio,
Que acarretou-lhe o seu obrar odioso:
4!5 Os olhos põe n'hum Ceaar; n'hum Sezósíris:
W h u m Alexandre mesmo; e treme, e emenda-te.

E t u , do Nilo horrido h a b i t a n t e !
Lagarto immesiso! Fero Crocodilo!
De innúmeros , agudos, fortes dentes
420 Munido estás, á guerra destinados:
Saõ qual ferrenha , penetrante lança ,
Ou cortadora e s p a d a ! . . . Armas terríveis,
A pelejar affeitas! . . . T u a cauda
H e g r a n d e , e larga; e de vigor m u n i d a :
425 Em uso triplicado ei Ia te serve
D e r e m o , l e m e , e clava! T e u costado
H e feio, e longo, e escamoso, e rijo,
Ao aço impenetrável! A h ! Quem pcule
Comtigo competir, Dragaõ invicto!
430 Por tanta corpulmcia , e força t a n t a ,
Hum Deos te crôo , supersticioso iígypcio:
Emblema és do P o d e r : da Força emblema,
Por quem seus Reis o nome teu lomáraõ;
E por temor de qtiem os Caens sagazes
435 Nunca em teu rio socegados bebem !. . .

Assim busca escapar-se, o que he prudente,


D o poderoso, ou em riqueza, ou cargos,
Com quem conhece, competir naõ p o d e :
Dos partidos quaesquer, em taes apertos,
440 H e sempre este o melhor, por mais seguro,
Que o mesmo Deos aos Homens aconselha.

Também comtigo fallo , aéreo fllonslro !


Assombroso Condôr ! Ave terrível !. . .
D a s tuas azas o estrugido horrísono,
445 A quanto vida t e m , terror i n f u n d e ! . . .
Mas HaJ Que em vaõ da ligeireza tua,
27
D a s tuas forças escapar se esforçai»!...
Fugis d e b a l d e , míseros vivenles!
Nunca evitar podeis o cruel g o l p e :
450 Sempre colhidos sóis : sóis presos sempre!
A r r e b a t a d o s , escorrendo o sangue
D a s profundas feridas, sobre os a r e s ,
Nas penetrantes, nas aduneas garras
D o potente lyranno, entre g e m i d o s ,
455 E clamorosos, contristantes g r i t o s ,
Que saõ para elle doce melodia
Dais o ultimo a r r a n c o ! . . . Pousa o Monstro;
Mas só repousa, devorada a preza.

O h , C e o s ! Quantos Condores naõ diviso;


460 E em quem só Jia de Iiumano a fôrma externai
For desgraça também buccede ás vezes
De garras taõ cruéis em vaõ fugirmos!
Fobre Donzella ! H u m d'estes só descança ,
Q u a n d o , victima s u a , és devorada!
485 M a s , se esse outro Coridôr, sem vêr a p r e z a ,
Desejos de colhe-Ia ter naó pôde :
Cuidado toma em d'estes naÔ ser vista,
Se escapar queres de taõ torpes unhas.

Dirijo agora a ti as vozes m i n h a s ,


470 Temível Sucruiií! Serpente amphibia. («)
T a ó de ufania , e de soberba és c h e i a ,
Q u e , ouvindo estrondo, furiosa u r r a s ,
Dando contra hum b r a m i d o , outro b r a m i d o ! (b)
Infesto babilador d'umbrosos r i o s ,

(u) lista c»pecie Úe Cobra lie a me«ma , que noulras Províflciàs do


Brazil chamnô Giboyuçú, islohe, Git>oya oçú ,• porque Giboya cha-
mamos a certa Cobra terrestre , parecida com o Suctuiú , e lambem
mui grande, porém sempre muito menor, e <iç ú, na lingoa dos Indí-
genas, quer dizer grande.
(/>) Quando queremos certificar-nos da existência de algumas destas
terríveis Serpentes em certos lugares dos nossos rios , damos hum tiro
de espingarda ,* a que ellas, ordinariamente, correspondem com hum
rugido , que assemelha-se ao estrondo de hum irovnò ao longe ; e pa-
rece que a terra treme j como utonleoe a respeito do trovão na dita
circumstaucia.
D 2
23
475 Que mansos volvem somnolentas agoas,
Onde cia sede o gado conduzido,
He (ai triste!) por ti preso, arrastado
Com Ibrça irresistível! N o SPU corpo
O teu immenso enroscas: (o) velozmente,
480 Co'mais pnjanle, o mais enorme esforço,
Estreito abraço dás; e eis que se tornaô*
Seii9 ossos Iodos, com ruido horrível,
Em migalhas desfeitos ! . . . Logo , alegre ,
O esmagado círdaver' lambes: babas,
435 Quando escorregadio assim o tornas,
O engoles d'hum sorvo; e rTagoa entranhas-te.
C e d o , túmido o ventre, acima surde:
jSlns tu , nas forças tuas confiando,
r
Do espectador a t ô n i t o , a t e r r a d o ,
400 Que o mais vislumbra do assombroso c o r p o ,
Naõ te recata»; sem receio, dormes.

O ' P o b r e s , naõ he isto, o que com vosco


Qüasi sempre acontece ? O rico lança
A vós, ou a vossos bens as garras suas;
495 Qual fonnidavel Sucruió terrestre;
E logo tudo lambe ; e tudo absorve;
E na força escudado, naõ lhe pêza ,
Que d'alvo sirva o seu tufado ventre r
Tranquillo nota o horror, com que o observai»
500 No lago immundo das rapinas suas.
Mas vê, que o Sucruiá nunca faz p r e z a ,
Em quem naõ° vai a torpe Estância delle,
Sempre sita em sombrias, negras agoas,
Que bem lhe occullem seus falaes meneios : (Z>)
505 D'aqui collijo, o que seguir tu deves:

(a) Daõ a esta Serpente liuma grandeza admirável , e talvez fabit»


losu; com tudo, eu, que lenho visto varias menores, vi a pelle de hu-
ma , morta no dia anterior , junto a Villa Parnahiba, cuja pelle, na
•maior largura , linha cinco palmos craveiros; o comprimento andaria,
por trinta palmos, ou pouco mais: assegura-se que as ha de alguns ses-
senta palmos de comprimento, e com a grossüra correspondente.
[b) .Nas agoas mi>i claras os animaes percebem os movimentos deste
sou inimigo, e reliraõ-se: elle já tem conhecimento disto, ou por íns«
lindo, ou por experiência.
29
NaS te aproximes nunca a escuras agoas:
Entendes ? . . . Obra assim , serás escapot

O' t u , menos possante, e mais ruinoso,


Fatal Surucucu, que és bello t a n t o ,
510 Quanto malvado é s ! . . . A h ! Que de vezes
T u naõ atacas mísero m e n i n o ,
Que vaga descuidado, todo «.-ntregue
A inculpaveis b r i n c o s ; sem que a t t e n d a s ,
J á nací digo a belleza : naõ as g-faças,
515 Se bem que d'atlençac5 credoras sejaõ ;
IVJas a sua innocencia, e gritos t r i s t e s :
Tu , a tudo insensível, nelle ferras
Teus peçonhentos dentes! N-hum m o m e n t o ,
tfanqüe suando, («) huma carreira finda
520 Apenas começada! He ftôr mimosa,
Que duro ferro corta ! . . E outras vezes,
Por tua formosura allucinado,
!Naõ presumindo mal no bem que ostentas,
Hiüdo-se, a ti se c h e g a ! . . A h ! JNaõ prosigas;
525 Suspende os passos ! . . . ai de mim !. . Foi tarde ! . :
A damnadá serpente eis crava os d e n t e s ! . .
Eis o pequeno grita ! . . corre ! . . chora ! . .
Eis cahe , convulso todo !. . E arqueja ! . . E morre !'..

Mal haja a formosura, que assim causa


230 Desgraça taõ c r u e l ! . . De lindas cores,
Com symelria, e delicado gosto,
Deslumbrante vestido o Monstro traja :
Monstro de execrações crédôr s o m e n t e :
Crédór de d e c e p a n t e s , férreos golpes,
535 Ou fogo abrazador! . . Ah ! E quem s a b e ,
Se esta persuasão he quem te obriga
A , denodado, te arrojar ás chammas,
Que brilhar vês na T e r r a , ou nas mãos cautas

(o) O veneno desia funestissima Cobra, he da natureza dos que Vo-


lalilisaô, eade/gaçaô o sangue; e tanto o faz, que se escapa pelos po-
íos do corpo , á semelhança do suor ; se he que úlo naõ acontece por
cau-a de virtudes repulsivas , que privaõ a coagularão do sangue, co-
mo, se uota noa mordidos do Cascavel,
!••

Do tímido, nocíumo caminhante;


540 E o que prevês, supplicio merecido,
Que preparado crês, evitar queres?
Eis porque as chammas a apagar te exforças. (a)
Algumas vezes ( e oxalá que n u n c a )
Vences teu pleito em fim; mas outras vezes
545 Antes do fim acabas; e entaõ morres,
Como o merecem teus enormes c r i m e s / . ,

A h ! Bellezas! Bellezas! Eu contemplo,


Naô todas vós; mas d'entre vós a muitas,
Como inda mais temíveis: mais funestas,
550 Qu'esses Surucucus, que a vida tiraõ
Só q do corpo; e vós, cruéis, tirais-nos
A d* Alma sempre, e inda a do corpo ás vezes \..
tf
M a s , a h ! Quanto naõ saõ alliciadoras;
Q u a l , a que imitaõ , venenosa S é r p e ,
555 Essas perigosissimas Bellezas!
Que de graças naõ tem ! Por certo he p e n a ,
Q u e d'isto tudo laõ mau uso façaõ !
Com flores mil se enfeitaõ; mas entrVIIas
Ainda brilhaõ mais, que as mesmas flores!..
560 Que fulgurantes, e que ternos o l h o s ! . .
A cada olhar despedem seta a g u d a ,
Q u e o coração traspassaõ, onde aecendem
Chammas d' A m o r , q u e o a b r a z a õ : que o consommera !
Com risonho semblante, e meigo r i s o ,
665 Carinhos t a e s , e em voz taõ doce espalhaõ ,
Que mel dos lábios destilar p a r e c e m ;
Ou puro n e c t a r , que e m b e b e d a , e e n c a n t a ! . .

Ceos! Quem ousa pensar, que estas Beldades }


Quasi Deosas no externo; t e m , com t u d o ,
570 "De veneno fatal repleto o seio!

(<i) Esta Serpente tem natural antipathla ao fogo ; e lança-se de


noile a apugar qualquer luz que divize , ou em maõ de homem , ou
deposta em lerra : ella muitas vezes o con-egue com repelidas panca-
das da *.ua cauda , segundo me tem conl.nlo muliidaô de pessoas : eu
naõ o lenho visto, porque naô as ha «os contornos da minha habitação*
3!
Veneno 'mais mortífero mil vezes ,
Que o l e u , Surucucu; e quanto encerraò*
Serpentes iodas, que a este Mundo infestaõ!

F u g i , M o r t a e s ; porém fugi com tempo:


575 D e i x a i , c o r r e n d o , laõ fataes Sereias!
Naõ attenteis na sua formosura:
Só attençaõ prestai ao mal, que causaoí
Quereis a m a r , e ser feliz a m a n d o ?
Eu vos indico o objecto, e assiqno o rnoão.,.
580 Eis te apresento encantador o b j e c t o ,
Que he impossível naõ te a g r a d e , 6 homem.
H e hutn Anjo em v i r t u d e ; e que he naõ menos
Em belleza t a m b é m : huma Donzella,
Que nau busca o Interesse, o Amor só busca:
585 O A m o r , o doce A m o r ! Que he, só quem pôde
Satisfazer o coração h u m a n o ,
Quando lie g e r a d o , quando he conduzido,
Qual o Cio manda ; e qual convém ao homem.
Sim-, busca ttrfthz; isto he v e r d a d e :
590 Mas qu^m o naõ quer s e r ? E este desejo
SeiiMiravi-1 naõ h e , se de o ser deixaõ
Alt itis , que emprega : modos , que pratica.
Ella o q u e r , sem que seja á custa nossa ;
Nem /,(is do l.tei no injrarçnô pndeçaô.
595 O Ouro naô he, quem lhe decide a escolha $
Que um tal consoicio he desgraçado sempre;
Firme amor ofierece; e firme exige:
Eis a Poisai), que ao Beneficio annexa:
A h ! Tem razaõ; pois que o direito he mutuo.
600 Oh ! Q ie melhor partido! Naõ hesites:
Se tens j u í z o , 6 home', acceita ; acceita:
Ante os sacros Altares v a i ; conduze-a:
D'esposo a maõ lhe d á : tua fé j u r a ;
E naõ jures somente; á risca o cumpre:
C05 S ê , sem baixeza, carinhoso, e t e m o :
Marche sempre a Prudência ante os teus passos:
Serás feliz; e ser feliz mereces.

Oh ! Que bichinho he e s t e ! . . Elle em tamanho


He quasi á Lebre igual: de branco, e preto
32
610 Sua libre bordou ! . . Quanto he galante ' . .
Ei-lo que vem á mim , como a afl'agar-me J . .
jLá suspende huina maõ : lá baixa a o u t r a :
Nos pés se eleva agora, qual Ginêle! . .
J á volta um p o u c o , e torna; e quasi r i n d o ,
615 Minhas acçues contempla; e d a n ç a , e folga.:
D e s t r o , e n g r a ç a d o , a bella scena a l t e r n a ! . .
Que singular encontro ! . . Mas , que noto ! . .
E ' s tu , Maritacaca !. . {a) líu fujo : eu corro ,
Antes que tu presumas, que pertendo
620 Km ti preza fazer; e em uso ponhas,
Para defeza tua , as iuvenciveis
.Armas, do teu costume: a r m a s , que nunca,
Quem resistisse, achaste. Em bolço occullo,
Óleo viscoso cautelosa guardas j w ^ ^ ^
625 Para o maior vexame : tu o expelles ' ,
Sobre o iriimigo t e u ; e eis que elle foge,
Seja Alexandre, ou César • (/;) e esta aflronía,
Aonde q u e r , que v á , por toda a p a r t e ,
A quem olfocto tem, chegando apenas,
630 Por tempos muitos, sem querer, publica! . .

Quantas vezes em nós também naõ pega


D o Vicio, e Vicio alheio, o seu máu c h e i r o ,
Por culpa nossa , em promptos naõ fugir-mos
Da sua perniciosa companhia,
635 Que corrupta in/ecçaô esparge a todos!

D'hum rio ás margens corro; e eis passar vejo

(a) Outros o chamaô Gérilâcacá : quanto aqui digo deste animar,


hf o que na realidade as mais das vezes acontece: aqui fallo como tes-
temunha ocular: e de fartos muitas vezes repelidos: só tenho a aceres-
centar, que elle, quando consegue entrar de noite no puleiro das Aves
domesticas, faz lasiimoso estrago : poi, s'mente come os miolo» da sua
preza. Por mais de huma vez tive de soffrer este prejuízo , e que o tal
animaleio p;igou-me com a vida , alirando-lhe, e fugindo logo • más
ficando ò liígar em estado de por muito- tempos ser insuportável, pela
raz.iõ que indico no corpo d-i obra pouco nbiixo.
(6) Tem acontecido alguns cães ficarem doentes, quando lhes cahe
no luftiz o dito óleo ; e mesmo no corpo nau podem caçar por todo
aquelle dia,..
33
N'agoa submerso, esquilho, e negro p e i x e :
R e c o n h e ç a m o - l o . . . Ah! Bem te conheço,
Macfico l'ora(ji.i6l (a) T u , , no teu seio,
ií40 Parle do fogo encantador encerras,
De que as Nuvens abundaõ; d'onde, em raios,
D e s c e , troando; e em rapidez incrível,
Arremeça-se aos troncos: espedaça-os!
Por onde passa, vai dardeando chammas,
(545 E , a quanto encontra, reduzindo a c i n z a s ! . .
Temerários Phylòsofos, com t u d o ,
L.Í mesmo o buscaõ : de lá mesmo o roubaõ ! . .»
Oh ! Que ousadia, se naõ he loucura ! . . .
J á hum (ou mais a u d a z , 011 menos cauLo:)
550 Pagou co'a vida atrevimento t a n t o :
Incla assim desistir os mais recusaõ;
P o r é m , escarmentados, já naõ querem
Ao Ceo se dirigir; na Terra o c á t a õ ;
E encontra-lo conseguem: oh dos Homens
C55 Descoberta a d m i r á v e l ! . . . Elles fórmaõ
De peças várias, fulminante JVláchina,
Que he dos raios rival! Mas tu possuea
Outra laÔ b o a , e sem custar-te n a d a :
He com ella, que tu mais facilmente
6G0 Teu sustento consegues; pois tocando
D'hum animal o c o r p o , lho amorteces,
E da sua ingcçaô vantagem tiras.
Sempre é s , pois , mais cruel: trabalha o Homem ,
Por dar com a delle a vida; e tu a morte. (o)

8'6S Que assim pratiques, estranhar naõ posso:


Precisões t e n s ; e o teu instinto segues:

(d) Experimenla-se. hum Inl choque , no tocnr esle peixe , que a


perguntii dos circumstanlcs, pelo estranho movimento,, d" que experi»
menia a com moça ò eleclríca , querendowibe.r o—porque — . ou — pelo
que — (como outros pronunciai"), ) lera dado origem no s«u mune ; o
que já hoje, por corrulela, se prenuncia com alguma differençn ; mas
naô lauta , que naõ deixe presumir a sua derivação. O^ sábios o co=
nhi-cem i or — Climnòlo-eleclrico
(t>) He bem sabido , que com n Machina Eleòtrica se tem curado
vatiiw enfcrmidüdes: e se fíu diligencia para curar oulras muitas. ,
E
34
Rias que o Homem , doindo de outras lumes,
Dos dons do Ceo abuze a cada passa,
D e certo estranho j e he de eslranhar jior certo !

670 A h ! Ouço hum gram rtttdo ! . . . Suspendamo-nos...


Dês de aquella espessura aqui rehombau
Temíveis urros: pavorosos r o u c o s ! . . .
O que será ?. . . Nesta arvore s u h a m o s . . .
C e o s ! Que hórrido especlaculo!. . . Eu lá vejo,
675 Em dura g u e r r a : em furioso a t a q u e ,
Duas feras lutando ! . . . Negras mesclas ,
Sobre hum assento d'hum vermelho frôxo,
Mais respeitável faz da maior dVIlas
O seu membrudo corpo! . . . L á distinguo
680 Seu largo p e i t o , seus possantes braços:
Mais que tudo a grandíssima c a b e ç a ,
D e globosa ijgura! A cara horrenda! . . .
E o medonho sobr'olho! . . . H e certamente
O fatal Canguçú! . . . (a) He negra a o u t r a ; .
685 E do collo á cernêlha branca cinta
Dês de aqui se percebe: qual nos homens
Militar T a l a b a r t e ; e grossa c a u d a ,
Donde encorpadas, e compridas SPrdas
Pendentes vêem-se, nas oppostas faces,
690 Q u e olha ao Ceo , que olha á T e r r a : he como as ferinas
Que no pescoço do Ginete ondeaÔ...
Ah ' Sim ; quem sejas tu já saber p u d e :
'Tamanduá-Bandeira, a cauda tua
Deu nome a t i , e a mim fez conhecer-te:
695 Tens delgado , e longuissimo focinho;
E estreita, glutinaza, (6) extensa lingoa;

(o) lie >»Ui I)um;i das espécies do Onças do Brazil , da» que -aõ
cheiafc de iv gr.is prata* ; como já mencionei em a nota ao verso 365:
he muito feroz; e tem grandíssimas forças ; e mesmo assim os dente*,
6 linhas; e muito fottes. He tal a força que esta fera tem nos queixos,
que rebenta os osso« do craneo de qualquer Boi; e qviando se ncha ago-
nizante, na occa»iaô em qu<; lhes atiramos, teni03 toda a cautela, em
que haS agarre algum ("aô ; e para mais segurança lhe metemos na
boca algum pào ou pedra; e acontece espediiçar aquelles, e estas com
íSpantòsa facilidade.
{by Assim he ntcvssario a este animal j po« que elle se nutre ordi-
E taô nervosos, taô fornidos b r a ç o s ,
Que para o corpo teu já saõ deformes:
ftelles, mesmo d ' a q u i , bem vêr se deixaS
700 T a õ desmarcadas unhas, que no Mundo
Em outra fera igaaes jamais se vjraô.
Nem de rapina as A v e s : nem t u , Á g u i a ,
Que és a sua Rainha; e ser mereces:
T é tu mesmo C o n d ô r , Rei d'ellas t o d a s ,
705 T e r d s , talvez, iguaes; porém duvido.
He nellas, que r e s i d e , e onde se emprega
Dos grossos nervos seus a força immensat
Dos animaes a pelle, inda a mais r i j a ,
Qual branda cera , fura , rompe , estraga ;
710 E no inimigo s e u , se cravar c h e g a ,
JVlais naõ larga: elle emperra: embora o m a t e m ,
M o n e atracado s e m p r e : he necessário
Seus músculos cortar. . . (a) A i ! L á se agarraõ ' , , .
L á o Bandeira, surprehenílendo destro
715 O poderoso athléla , as unhas crava-lhe
Até ao coração ! . . . Que fortes roncos ! . . .
Que horrisonos rugidos !. .. T r e m e a Terra !
Abala(5-se as Montanhas! Troncos q u e b r a õ !
Láscaõ-se as pedras, e dos Montes rólaõ!
720 Medroso o Rio , recuando , foge ! . . .
O Cangucii, raivoso, os grandes d e n t e s ,
Alvos, qual p r a t a ; e , mais que o ferro, d u r o s .
Da ria mente de huus pequenos iiisectos , do tnm;inho das Moscas , e á
semelhança de Formigas, porém mui brandos, a que no Brazil chama-
mos— Cupins — ; os quaes moraõ juntos , em casas feitas de barro,
pelos campos, e que se conscrvaô, apezar das chuvas : snò á imitação
de fomos de pnô ; de fôrma que até muitos se servem delles, escnvan-
do-os por dentro , para cozerem os seu* bolos , e bi,routos ; e terri ás
vezes dez, e mais palmos de altura. Estas casas safi crivadas de bura-
cos de tiez a quatro polegadas de diâmetro (viilhacouto de Cobras ele.):
por elle* sabem á noite , os seus moradores , para buscar o sustento;
ou para ainda nccrrsceniarem a casa com novas camadas ; e estas saõ
'internamente perfuradas, para sua ccminoda residência. O Tamanduá
com as unhas arranca pedaços da casa ; e com a litipoa , qual a des-
cri'\i, mriiMido pelos dilos furos, consegue sacar os seus habitantes ; e
deste modo se sustenta. Naò faz ao homem outro mal, senaò o estrago
nos ( ã''s: t unhem come-se; he porém pouco saboroso.
(o) Assim o praticamos, quando elle pega algum Caô: soecorro es-
te que se torna inu/i/, se as unhas foroò cravadas em parte mortal.
E 2
S6
Também lhe embebe j e afferrados, morrem í . . . (a)

Assim, a Iitnn ( e m p o , acabaô dois valentes,


725 Q u a n d o , imprudentes , li um ao outro alacaõ.

M a s , que ruido formidável ouço,


Qual o furioso M a r , que ao longe brada ' . . .
E i s que apparece numerosa (ropa
D e negros animaes, de brancos queixos;
730 Bem como os velhos nossos: seus focinhos
Compridos s a õ , e em seu extremo rombos*
T r o m b a formando, a semelhança dVsse
Estólido animal, q u e , immundo, adapta,
Por isso mesmo, o seu ahjecto n o m e ;
735 E a t é , excepto o carecer de c a u d a ,
N o mais do corpo naó* differem n a d a :
M a s muito o excedem na bravura extrema.
N o animo summo, summa ligeireza . .
Como apressados c o r r e m , sempre unidos:
740 Todos roncando; e furiosos t o d o s ! . . .
Batendo ao mesmo tempo os fortes dentes,
Explosões fazem de brilhantes flammas! (o)
Oh ! Que temível , que horrorosa scena ! . . .
Ei-los que chegaõ no lugar terrível,
745 Onde se debaterão : onde se achaõ ,
Entre-morrendo , os dois fafaes g u e r r e i r o s ; . . „
Ainda estrebuxando: ainda i r a d o s ! . . .

P á r a , como pasmado, o grande exercito


Das indómilas feras !. . . Ah !. . . Conheço-as :
750 Saõ bravos P o r c o s , que Queixadas chainaõ. (c)

(o) lia quem assevere ter presenciado estas pelejas ; e periende-se


ao menos, que se lenha encontrado mortos e»les animaes assim D garra»
dos: «Hi tóasseguro a fiosúlUidudt do fado, pelo conhecimento pessoal,
que tenho, c de sobejo, ti'ambos estes animaes.
(6) Df. noite lie bem visível a e.tploiaò ele fogo, de que fallo : por
Yczcs tive occa.-iaò de ser lesletnunh.i deste efA-ito.
(c) Ha nas malas da minha Prowncia , o nas de outras do Brazil,
grandíssimas manadas destes Porcos , que tendo, como disse, as que»»
saídas-brandis, por nbbtevieiura lhes dia mames — Queixadas—. Quan-
do dica pEessrnlem CatíSi, e nau eâaô muito cstnunujitados de tiros, e
m
E i s q u e elles t o d o s , sem t e m o r , r e m e t e m ,
I g u a l a n d o e m furor ás d u a s f ú r i a s ,
Q u e e s p i r a n d o se a c h a õ ! C o ' o s seus d e n t e s :
Dentes anavulliados, que golpôaõ,
755 Q u a l afiado Alfange em m a õ r o b u s t a ,
D a s feras a m b a s r o m p e m : atassalhaS
A forte pelle , as d e n e g r i d a s c a r n e s ! , . .
K m rios sôllo o s a n g u e , a T e r r a i n n u n d a ,
J á das relíquias alastrada t o d a ! . . . (a)

760 L e n d o os faslos d a I g r e j a , ah ! Q u a n t a s v e z e s
S c e n a s i g u a e s a estas n a õ se e n c o n t r a i ) !
C r u e z a s taes c o ' h u n s h o m e n s p r a t i c a r ã o ,
Q u e , i n d a q u e v i v o s , como mortos eraô.

Quem tanta força; agilidade t a n t a :


765 T a õ fortes d e n t e s : taõ t r e m e n d a s g a r r a s :
Com taõ grande valor: taõ grande aslucia

lançados , que lhes damos de cima das anotes ; c principalmente, se


tem filhinhos pequenos , que ÍJ..Ô possa õ acompanhar seus pais em li-
geira fuga; fazem taõ grande ruido, «• vem de investida com tal fúria,
que motivaõ o mais justo temor. O Caõ bisonho he sempre victima da
tua raiva, e destreza.
A Onça teme-se bastante ddles; porém vale-se da astucia para os
colher. Segue-os cautelosa por longo espaço, até vèr algum desgarrado :
falta enlaõ de subilo sobre rlle; e quando, aos seus gritos, açodem os
companheiros, já he tarde. Ella velozmente trepa-se; e assim se escapa
á sua justa \ingançn: elles demoraò-se, mais ou menos, fazendo gran-
de alarido; mas finalmente tem de ntirarem~se; e he entaõ que a On-
ça pôde gozar-se da sua preza impunemente.
(d) Hum meu tio foi certa vez com o nosso Vigário pôr-se á noite
junto a huma fonte, no tempo do Vernô, <• pelo Luar : he a i-to que
chamamos esperar na Bebida ; o assim mata-se grande numero de fe-
i a s , que vem a beber. A este fim vieraô os diios Queixadas , juntos,
como coslumao, em grande numero, e ao que chamamos— Vaia — ;
porem como i lies Icm delicadíssimo olfacto, senliraô-nos , e naò quize-
ia3 chegar á bebida, conseivando-se embrenhados; e guardarão depois
taõ grande silencio, que pçiisavaò u-icm-se austailudo. Vim nisto hum
grande Tigre: elles iiiiraò: n í'Vra smie-se gravemente feiidoj e entra
a dar, raivosa, formidniew unos : nisto açodem o» Qui ixadas: inves-
tem ao Tigre: e pozerncV-nO <m lal estado, cue mi u Tio fez iirar-lhe a
pelle , que estava ioda como huma renda; e a òônseivavfl para. a nios-
t i a , cm ccnfifzr.íiÇaO deste taO memorável í;cc!Uvtiaa«io.
38
Deu a vós t o d o s , com profuza dexlra ,
Tremendas F e r a s , mais que a M o r t e , horríveis?

E vós corpidentissimas Baleias!


770 Ilhas nadanles! Pasmo dos vivenles!
Gram força tendes, pois rompeis os M a r p s ,
Qual veloz s e t a ; e escarneceis das O n d a s :
Dos rijos Ventos: rijas T e m p e s t a d e s !
Mas naõ vos ufaneis: tudo isto o Homem ,
775 Com ser débil o faz; e emjrugil lenho.

E tu , que espada empunhas formidável,


( D o n d e o nome te v e m ) q u e , em vt z ile íio,
Hirsutos dentes vejo d*ambos l a d o s ,
G r a n d e s , e agudos, e temíveis t o d o s !
780 Em t i , d ' e s t ' a r t e , tornas verdadeira
A Herculanea , fabulosa Clava.
T a m b é m vós o u t r o s , Tubarões vorazes/
Vorazes L o n t r a s ! Improbas Kapozas!
Cascavel venenoso! A'spi<Ie infesto!
785 Maranhão pescador: J a b u n í s tristes:
Ganços insomnes : mergulhantes Cysnes:
Tímidas E m a s : Pombas voadoras:
Ronceiras Garças: rápidos Milhafres;
E Águias robustas, que batendo as a z a s ,
790 T a n t o vos elevaes, fendendo as N u v e n s ,
Q u e rootivaste c r e r , que o intento vosso
E r a subir ao Ceo , e a par sentar-vos
C o ' o Rei dos Astros no brilhante C a r r o ,
Em que girar parece em torno ao M u n d o ,
795 Como que a visitar (que he Soberano)
Dos vastos Reinos seus Províncias vastas ! . . .

M a s , sem pedires de favor ao Homem


O s Telescópios seus, ah ! Como p o d e s ,
O ' Águia , dês de lá d'allura t a n t a ,
800 Filando os olhos sobre o térreo G l o b o ,
Nelle o desconfiado, o esperto Coelho
Divisar c l a r a m e n t e , meio occulto,
E n t r e as hervas pastando; e , como hurn r a i o ,
Sobre elle desc«s; fazes p r e z a ; e v o a s ! . . .
M
805 A h ! Nisto bem se v ê , que neste Mundo
Nem sempre vale ao Homem ser e s p e r t o :
A Desgraça, e a M o r t e , bem como Á g u i a s ,
De longe o observaò": d'improviso o c o l h e m ! . . .

E t u , Cahuaham , será possível, que h a j a ,


810 Qunm ao vêr-te nao l o u v e ; e naò se espante
D a oorasjem : da industria , com que fazes
Ao Cascavel lyranno acceza g u e r r a :
Guerra , em que sahes victorioba sempre ?
Debalde t u , açoute dos Humanos!
815 Serpente horrenda, e de terrível c h e i r o !
Dos viventes cruel devastadora! (u)
D e b a l d e , d i g o , te encolhendo hum p o u c o ,
E o teu Pandeiro sacudindo irada ,
Qual béllico T a m b o r , senha da g u e r r a , (b)

(o) E*ia Cobra h e , a que maior mal fúz r m a minha P r o v í n c i a , e


em ul r uuius outras do Bca/.il : ha delia», e principalmente em alguns
a n n o s , luim.i mui grande q u a n t i d a d e ; u m máo « h e i r o ; e h u m a s mais
que o u f a s : he pinud.i , formando quadrados de h u m iavor çnjo , e
triste, ainda que de diver-as core»: lem vista sombria , e feroz: engros-
sa bastame em proporção do c o m p r i m e n t o , que anda ao mais por jioVe
a dez palmos: naò foge do h o m e m ; emo*tra como que grande compla-
cência em o esperar, para irnvar-Ihe os dente*: a es»e fim con-etva-se
curodilhada, e com a c a b t ç u posta em cirna, em atitude própria de dar
o bole , com<> o descrevo infra no corpo da obra , prompta a pelejar
contra a Cahu ih.iin ; que he huma espécie particular d e G a v i a ô , do ta-
m a n h o de huma Ciallinha ; o q u a l se «usUnta de Cobras : na m i n h a
Província h,i m u i t o s : tem grandes o l h o s : brancos em sua cirtuml< r<-n-
c í a ; como lamb' m lodo ocorpo pela parle inferior: nas tostas he quasi
n e g r o : nós pronunciamos o seu n o m e , como se escrevêssemos — C a u -
ham — .
(b) Esta venenosa Serpente tem na extremidade da cauda huma c<°r«
ta p e ç a , a que c h a m a m o s — C h o c a l h o — , composta de huma substan-
cia seca, e rija, bem semeltinlUe a das nossas u n h a s ; e qire fôrma a*«
r e i s , que dós de o primeiro naexlr< m i d a d e , vai cada h u m encaixando
n o seu immedialo , conservando com esle ( q u e sobrepõe humu sua
simetade, já mais d e l g a d a , formatido p a r g a l l o ) hum certo jogo preciso
ao chocalhamenlo , para dar o som. Nota-se , que cada viz que <;'a
Cobra despe n pelle , adquire mais hum annel ; e por isso as velhas
tem muitos ; eu já \ i huma com d e m i t o , naò obstante faltar-lhe huin
pedaço. Ella , eiguendo h u m pouco n c a u d a , e dando-lhe Jigeiiissimo
moumento, fnz hum som agudo, imitando o de alguns CbiJlcs, c Ci-
io
820 Suspendes o pescoço: o coIlo dobras;
E na erguida cabeça a negra lingoa,
Fendida , e horrenda, ameaçando , vibras,
Como que a pelejar p r o m p t a , animosa.
Mas t u , Cahuaham , impávida: ligeira:
025 Abrindo huma a z a , que te escuda a frente,
E vai varrendo a Terra : as fortes unhas
Dos defendidos pés, assim que podes,
L á n'hum descuido da contraria t u a ,
Na cabeça lbe cravas: vôo tomas;
830 E os ares cortas, victoriosa, e alegre.
Assim , da preza tua j;í senhora ,
D e i x a s , que volva, e se revolva t o d a ,
A l é que exhale o derradeiro arranco.

H e d ' e s t ' a r t e , que a Industria: o E&íralageraa


035 Tornai» na guerra victonoso sempre,
Quem os sabe empregar afouto, e a (empo.

Se he mui grande o Dragão: se tu sozinha


C r ê s , que matar naÓ podes: g r i t a s ; b r a d a s ; (a}
E eis que acoditido companheiras l u a s ,
840 J á sem receio o teu contrario investes,
JE unidos Iodos, conseguis victoria,
Que festejais nos campos da peleja
Com banquete das carnes do inimigo.

Na uniaõ que vantagens naõ se encontraô" S


845 Porém de vis Paixões escravo o Homem ,
A ellas só a t t e n d e : só obedece.
A hum aceno seu , divergem todos.
A Discórdia apparece; e apoz a G u e r r a ,
Q u e assola , e abraza huma Província : hum Reino ! . . .

garras ; porém mais fotle. Costuma toca-lo, quando está inilada; ou


depois fie ter picado; e raras vezes antes: que tanta he a sua malícia,
e maldade!
(a) Leva ás vezes meia hora, e talvez mais, a grilar, e muito al-
to , pronunciando o seu nome : deverá ser por isso, que lho pnzeraõ.
Muita gente naò gosta de as ouvir cantar ; alguns por supersticiosos,
reputando esta Ave por de tnáo agouro; e outros taô somente pelo pou-.
co agradável da sua voz.
41
350 Illudiitos M o r t a e s ! Desenganai-vos;
Se naõ vcnceis possantes inimigos :
Se'dar fim naô* podeis a empresas vastas,
V ó s , e somente vós sois os culpados.
Attentai na Cahuaham , F o r m i g a , e Abelhas:
855 Lições tomai com taô peritos Mestres!

O exímio Castor lá vejo ao longe,


Sobre as margens d'hum rio construindo
Portentosa morada ! . . . Qual a úo Homem ,
Paredes tem ; e tem repartimentos
•0G0 Para diversos usos destinados, («)
Supprem-lhe os dentes aos cortantes ferros ,
Que em construir as nossas empregamos:
H e a cauda a colher, as maõs a E n x a d a :
Com ellas cava a Terra ; e os pés a amassao :
865 Eis da Ufficina os appnrellws todos;
E com t u d o , começa, ejmda a c a s a ;
E juntos nella huma família mora,

A ' vista disto preferencia dera


A estes animaes sobre alguns homens,
870 Q u e , ou mais indolcntes, ou mais brutos,
Sem casa vivem ao rigor dos Tempos.

Cá vejo além a a r a n h a , mui ligeira,


Com summa habilidade a lêa s u a ,
Preza em dois ramos, no seu vaô* t e c e n d o ,
875 Que imita bem do Pescador as R e d e s ;
E he destinada a uso semelhante.
Ei-la que a obra acaba ; e colocar-se
Ao centro delia vai; da caça á espera. . .
Alado inse-clo, e descuidado, vejo
880 Voar d'hum lado a o u t r o : c r e i o , busca
Divertir-se, ou comer. Infeliz! F o g e :

(a) Quer o erudito Padre José Agostinho de Macedo, no sen brllo


Poema — A Meditação—, que fosse com o Castor , que o Homem
aprendeu a construir cuias. Eu formo deste- engenhoso Ente num con-
ceito liinis elevado í porém se e!le tomou lições rom o Castor. he certo
que oppuiKiiou-as '»8 him , que agora fâ us j>óde dar a seu Mestre.
F
42
N o teu perigo adverte ! . . . M á s , que vejo ! . . .
Èlle ahi vem á Rede ! . . . Ei-lo liado! . . .
L á c o n e a A r a n h a , qual Leonardo á p r e z a ! . . . '
C85 C h e g a , e pondera, que do !io o visco
Fraquear pôde , e evadir-se a caça.
Incontinente huni fio , e outro fio
Sobre o mísero passa; e naõ c o n t e n t e ,
Pois que delle a fraqueza naõ ignora,
090 Repele a acçaô; e põem o pobre immovel:
Entaõ o ieva, e na Guarita o come.

Do mesmo m o d o , a Infernal Serpente


De f<itaes tentações as Redes a r m a ,
Onde os que adejaõ , do prazer em busca ,
395 Sem fugir aos perigos , saô colhidas'.
Ella os lir/a com m a i s , e mais peccados;
E a final saõ na morte conduzidos;
E lá devora-os na Tarlárea Furna !

Industriosas Abelhas! Sábio P o v o ,


900 Que ao Home'envergonhais, pois melhor que ells
Portar-vos vejo nos Governos vossos!
Quam unidas naõ sois! sempre conformes
JNo querer, e n ' o b r a r ; colheis os fruetos,
Que só se encontraõ : só produzir pôde
905 A Arvore da Utriaô , que entre vós outros,
O' Homens, naõ dá frueto: enfiara apoias.
Quanto também naõ sois habilidosas!
Que perfeição: que exacta symmetria
Nos vossos Armazéns : vossas Moradas !. . .
910 Bichinho, és quasi hum nada; e és quasi hum íuãol
Quanto mais te contemplo, mais te admiro!
Essa substancia b r a n d a , e glulinosa,
Com que nas longas , tenebrosas noites
Da chuvosa Estação , o Sábio espanca
915 T r e v a s , e S o m n o , aproveitando o t e m p o :
Fábrica tua h e : a ti a deve.
O m e l , o doce mel! Delicias nossas!
A h ! T u , e tu somente fazer sabes!
Em vaõ o seu saber ostenta o Homem ,
S20 Elle ésla gloria te usurpar naõ p ô d e :
43
Limita-se era ioubar-te o leu t r a b a l h o :
Por contente se dê em desfruta-lo.
O' estimavel, e pasmoso insecto!
E ' s em corpo pequeno , e em sciencia g r a n d e !
925 O mais hábil artífice; e athé mesmo
O estudioso Geómetra em li acha
Lições que t o m e , perfeições que inveje!

E vós t a m b é m , ó providas Formigas!


Que prevendo a Estação da c h u v a , e frio;
630 Seus tristes resultados receiando,
Buscaes recursos á prevista fome.
Pressurosa reunís Geral Concelho,
Onde fúteis questões de parle pondo,
( O que hoje entre nós outros naô succede)
035 O s ó , que mais co)tvem , se t r a t a , e assenta
Por unanime v o t o ; e em conseqüência,
P a r t í s , correndo, encorporadas todas,
A buscar provimento, que he guardado
Em Armazém Nacional, d'onde ser ba de
ô'4'0 No tempo máo por todoã r e p a r t i d o ,
Como assentado foi. A h ! Quem vos rege?
Quem vos preside nos Concelhos vossos?
Quem nelles ordem tanta manter s a b e ?
( O que entre os Homens mais raro he , que a Phenix : )
945 Quem lembra o útil? Quem previne o damno ?
Quem cumprir faz, o que em Concelho assenlaõ;
Sem que hajaõ queixas, faltas, injustiças,
Entre nós taõ freqüentes : taõ contínuas?
OU parallelo vergonhoso ao Homem !

550 D i z e i , Formigas: respondei, Abelhas:


Mas naõ só vós; e nem somente aquelles
Por mim nominalmente interrogados:
J\]ns quantos outros povoaes no Mundo
O a r , a T f ria , os procellosos M a r e s :
955 Quem assim vos provêo de indiístria t a n t a ?
Quem de membros, e d'armas os mais próprios,
J:í para em fero a t a q u e , ou veloz fuga
Dos inimigos vossos defender-vos:
J á para em dura g u e r r a , ou paz suave
44

OCO Prover-vos todos tio sustento vosso?

Ahl T u , FÓ tu o ibste, 6 N a t u r e z a .
Que ás suas precisões l''antecipando ,
Para os dons teus por todos repartires,
Rogos mister naõ foraõ ; nem taõ pouco
065 Das precisões os imporluuos brados;
Pois, qual Mâi Urna, a t t e n l a , e carinhosa,
D o necessário lhes provesie logo.
H e por isso , que ás JVlãis tu deste peitos,
E o doce sueco, com que os filhos nutrem;
070 E qcito a aquellas, e instinto a e s t e s ,
Para naõ ser em vaõ os teus cuidados, (o)
O H o m e m , que de todos mais precisa,
No mais saber, que todos, muis lhe déstfi.

A h ! Pôde a caso ainda este. Homem mesmo,


975 Fitando a vista em torno a quanto o c e r c a ;
Seu próprio corpo l a d e a n d o li um pouco,
Na dúvida, e ignorância conservar-se
D'huma provida Maõ , que prévio tudo ?
Que a tudo logo providencia dera ?
030 Só t u , Pigault; só tu poderás t a n t o :
Sim , tu , que a todos na maldade excedes.

Que naõ creon o Toâo-poãeroso


D e taõ ingrato ente a beneficio]
Que multidão de saborosos fruetos
035 Naõ convidaõ, agradaõ , lisongeiaõ

{«) Ora as crianças humanas tem, quem lhesappüque o peílo á sua


boca; e quem os -ponha na posição necessária; porém quem tupre noa
animães esta falta ? Como acerta o filho da Vaca, e animaes semelhan-
te», com as lêlas de suas mais? Quem o ensina o procura-las em hum
geito , seguramente incommodante , e a que se oppôe O peso da sua
cabeça ? li quando as encontra , quem lhe diz que ellns contém o nu-
trido licor de que necessita , e o modo de o extrahir? 01) prodígio ! Uh
pasmo!... Mui mysterioso, e'irtcomprehensi\e! he o Acaso dosAlheos!
Sim ,• esse Acaso, que tudo dirige com acerto ; que nunca se engana
lios seus cálculos, medidas, edirecçues; que sempre acerta com o mais
conveniente, c isto sempre por acnso : >erdudeiramenl<í hutu tal Acaso
he hum JMysterio dos Myüerios.
45
O gosto sei', pm mil divprsos gestos í
A mesma vária multidão immensa
í>e enconlra , e admira nas viandas suas.
Aos olhos seus alegrai 1 ): arrebataõ
990 Das vivas cores a elegância: o n ú m e r o ;
Q u e , mais que as pingas de copiosa chuva,
Por toda a parte semeadas fòraò
Pela Maõ Liberal dó Aulhur de tudo',
E quaes faiilas rutilantes, b i i l h a õ ! . . .

995 Quanto bellas naõ sois, ó lindas F l o r e s ' . . , .


D a amável Flora encantadoras filhas,
Quanto naõ me a l e g r a i s ! . . . A h ! L á distinguo
Kntre todas a lioza ; qual Kainha
No seu Throno sentada: linda: airosa:
1000 Com bellu trage , da mais bella escolha.
Da estruotuia o primor: o delicado,
15 pastnoso teçume : o bom amanho :
O engraçado talhe: a côr g a l a n t e :
Qual de mimosa Dama a rubra face,
1005 Km quem o Pejo o colorido avivai . . .
O ' Roza : ó incentivo da ternura:
Penhor do Afiecto: prêmio da Belleza!
Quanto era ti vejo: quanto em ti contemplo
T u d o , tudo a r r e b a t a , a b y s m a , e n c a n t a !

1010 A sen lado disputa a primazia


O bellissimo Cravo , que de purpura
Elegante vestido ufano traja;
E com vaidoso, mas bizarro p o r t e ,
A sua formozura ao IVlundo ostenta.
1015 Naõ me he possível decidir-me à escolha,
De qual mais garbo tem : qual mais belleza:
Ou qual melhor escolha ; e melhor gosto
Nas maneiras: na còr : no talhe ; e em tudo.
Saõ quaes galantes Noivos preparados
1020 Para nos de Hymenêo Sacros Altares,
Prenderem-se d'Amor nos doces laços!

L á vejo além o Girasól pomposo,


Namorado d'es&e Astro refulgente.
4S
Que de ta<1 longe lhe arrebata os olhos,
1025 E rouba o coração! O' Flor a m a n t e !
Quam pasmosa naõ ó s ! . . . Hum só momento
D o seu querido os olhos naõ desvia.
Naõ peslaneja: naõ se volve aos lados:
T e m e r parece , que lhe escape o amante.
1030 Maravilhada: absorta, ella o contempla
Até ao seu occaso : entaõ baixando
Seus tristes olhos, toda noite passa
E m profundo pesar: mas eis que apenas
Na seguinte manhã pressente o a m a n t e ,
1035 Voltando alegre o já risonho rosto,
D e novo os ternos olhos nelle fixa ;
E e m b e l e z a d a , a nada mais attende :
P a r e c e , que suspira; e anhéla unir-se
Do seu amado ao incendido peKo;
1040 Q u e mais fogo naõ t e m : naõ tem mata chammas,
Que as que em seu coração o Amor a c c e n d e .
Que o inflammaô : que o abrazaõ : que o consomem ' . . .
Assim vive: asbtm m o r r e : amante sempre.
Mas ah ! . . . Que noto agora ! . . . Huma flor vejo,
1045 Que tem do amável Redemptor dos Homens,
Dos seus cruéis martyrios sobre a frente
Os instrumentos retratados todos*. . . . («)
Oh p a s m o ! . . . Oh maravilha ! . . . A h ! D i z e : d i z e ,
Dás de que tempo hum tal prodígio encerras?
1050 J á possuias taõ precioso emblema,
( E que entaõ fora clara profecia
Da humana R e d e m p ç a õ ) quando hum Deos Homem
Sobre a Cruz expirou? Ou nesse t e m p o ,
Para mais confirmar o dócil Crente, #
1055 PJ confundir o Incrédulo obstinado ,
Por MnÕ Divina insculpido f o r a ? . . .
A h , F l o r , quam linda é s ! Mas quando a c a s o

(H) Desta flor , a que em Portugal chaniaò — Martyrio—, ha no


Bruzil grande número de variedades da me-ma espécie: humas domes-
ticas, c outras silvestres, e bravias: n todas damos o nome nppellalito
de— Pior de Maracujá—: mas distinguimos dlus adjuntanuVllie hum
opithetOj para servir-lae^-d» tiome próprio.
47
D e ser linda deixasse», sempre a toda9
Prefirenaa te dera ! Conlmiía
1060 A apregoar ao Mundo a melhor n o v a :
A dádiva maior : mas preciosa ,
Q u e o Ceo fazer podia ao ingrato Homem ! . . .
O h , que profunda commoçaõ fizeste
Na minha A l m a : em meu p e i t o ; e idéas t o d a s ! . , .
1065 Cessar naõ posso de admirar-te a i n d a ,
Em ti absorto, ó Symbolo pasmoso!
Que he para t i , Christaõ, que crêz, e obras,
Esperança , e penhor de Gloria eterna.

Quantas outras ainda naõ diviso


1070 Nos risonhos J a r d i n s , e amenos Campos!
C a m p o s , que brilhaõ com o verdor mais l i n d o :
Côr da Esperança : dons da Primavera ! , . .
Por toda a parte onde olho, Flores vejo;
E Flores aos milhões! (Pasmoso Q u a d r o ! )
1075 T o d a s formosas! Engraçadas todas! . . .

Maravilhado de bellpzas t a n t a s ,
D e encomios mil assás merecedoras,
Elogiar quizera a todas ellas:
Porém onde ha, quem tanto fazer possa?
1080 Para o Homem he m u i t o : querer i s t o ,
He querer impossíveis : reconheço
Minha fraqueza; e a meu pesar me fico,
N a que me foi marcada, estreita esfera:
Só tu és abundosa, ò N a t u r e z a ! . . .

1085 P o r é m , que vejo eu! . . . Quem me deslumbra


Meus assombrados olhos ! . . . Luz b r i l h a n t e ,
Qual do Sol, em teverberos diversos,
D e nsultíplices faces, despedidos
Por num a como erystutina gota ,
7
090 Dós de a Terra , as retinas tócaõ : ferem ! . . .

Ah ! Dize : quem és lu ? Serás acaso


D o Sul faiscâ , ou pequenina ICstrella ,
Quaes se divisão n'azulada A b ó b a d a ? . . .
M a s já te reconheço, ó D i a m a n t e :
48
Ü095 T o , no brilhar, co' a Luz parelha corres;
E na firmeza da substancia l u a ;
N o teu grande valor, tu naõ conheces
Hutn só rival em toda a Natureza.

Quasi a hombrear com l i g o , luzir vejo


1100 O áccêso H u b i m , desafiando,
Naõ Cravos: naõ Carmina: menos o s a n g u e ,
E quantas ha na Terra rubras cores,
Que nada saõ, com elle comparados:
Mas sim do Ceo as inflammadah N u v e n s ,
1105 Que do Sol ao nascer , feridas, brilhaâ.

Ao outro lado a Esmeralda vejo ,


Na côr que traja emblema da Esperança;
Porém d'hum venle t a l , que tudo e x c e d e ,
Quanto se s a b e , que creado existe.
1110 Fastosa Primavera, em vaõ ('esforças
Em realçar a côr d'essas Alautilhas,
Com q u e , ufana, te enfeitas: ah ! Naõ queiras
T e u trabalho baldar: perder leu tempo!

E lu , lindo Topazio! Q u e m , qupm p ô d e ,


1115 Já naõ digo igualar; porém ao menos
T e rastejar de perto! O próprio O u r o ,
Esse ídolo fatal do louco M u n d o ,
N a õ pôde nunca competir comtigo!

E vós, roxa Amethisia, e quantas outras


1120 As suas fulminantes, bellas cores
Vaidosas ostenlaes ante os meus olhos
Estupefactos de belleza tanta !
Huin pouco suspendei-vos: gozar quero
Das Flores a fragancia : a ellas torno:
1125 Torno aos J a r d i n s : aos C a m p o s . . . Ah ! P a r e c e ,
Que arrebatar me sinto! . . . Oh D e o s , que t a n t o ,
Para delicias d'hum ingrato E n t e :
D'iium vil bichinho: li um p ó : num quasi nada,
Cuidadoso creaste ! («) Eu me confundo !

(«) Os animacs parecem pouco sensíveis ávaiiedade de goslo dosdi-


49
j 130 Que profusão] Que variedade summa !
Muito por c e r t o , ó Deos, Vos deve o H o m e m !
Ah ! Se eu por todos Vos pagar podesse ! . . .

Dos Passarinhos as cantigas n o t o ,


Em que notado ainda naõ havia,
2135 Por embebido em maravilhas t a n t a s !
Quam formosos naò" sa<5 ! Quain bem vestidos!
Que garbo no seu talhe! Que elegância
Nas suas cores, e plumagens suas!
E's t u , ó Rouxinol, quem mais me eleva:
1140 Quem me suspende, e me arrebata todo! . . .
As tuas harmoniosas cantilenas,
Quando terno descantas teus amores:
Quando hum teimoso émulo combates:
Quando saudoso cárpis triste ausência,
1145 Abálaõ ; rendem corações sensíveis ! . . .

Volto ás C i d a d e s : tímido entro nesses


Da Vaidade templos: eis que encontro,
Alem de novos, singulares cheiros,
Que a Chimica prppara: cópia immensa
1150 D'optimos Instrumentos; d'onde o hábil,
E prazenteiro Musico sons lira
T a õ variados, melodiusos t a n t o ,
Com tal força , e virtude, que a hum tempo,
Olfacto, e Ouvidos encantados sinto! . . .

i155 Dádivas todas saõ d'hum Pai amante,


Que para aos filhos ser mais doce a vida
D e dons tantos ainda naõ contente»,
Lhes facultou , por sons articulados ,
Affectos seus communicar aos outros;
1160 Patenteando os sentimentos d ' A l m a !

Oh eslimavel Dom ! Por ti eu posso,


Quando hum dítoso a caso me d e p a r a :

versos manjares, e fruclos ,• c que diremos das core», cheiros, e sons?


Parece por Imito , que, tem escrúpulo de erro, podemos crer, que tb-
ruS areado* prioativumenle para o Homem.
G
50
O u , melhor, quando Deos c o n c e d e , g r a t o ,
O encontro feliz de peregrina,
1165 Virtuosa Belieza , com quem possa,
Em sagrada unho, por doce l a ç o ,
A l e g r i a , prazer, felicidade
Neste Mundo encontrar; e onde crer-se-hia
Mais naõ volver, depois que expulsos fôraú
1170 Por esse M o n s t r o , mais cruel que o T i g r e ;
O ex ciando ; o matador Peccado ! . . .
Sim , por ti posso, ó Dom inexlimavel,
Com receioso passo, ir-me c i n t a n d o
A esse esmalte: esse ultime produeto :
1175 O esmero: o apura: afiar: a quinta essência
Da Sapiência do Eterno ; e eorn qiie finda
D a Çreaçeô a Obra; e o Séllo imprime
Do Seu Saber; e da Bondade Sua ! . . .
Pondo nos lábios meus o Amor as vozes ,
1180 Dês de o fundo do peito assópro, e accendo
Na minha Amada o mesmo doce fogo,
Em que me a b r a z o ; e que feliz nos t o r n a ,
Mediante a u n i a õ , que hum Deos consagra.

Também por ti o a m i g o : o Homem sincero,


1185 D'Amizade no peito brandamente
Recostando a cabeça ; ao seu amigo
Expressar pódp o amor singello, e p u r o ,
Q u e a sua Alma lhe tem ; e offerecer-lhe
Todo o soecorro : o adjulorio todo.
1190 Das ofleitas nos muluos comprimentos,
Que em abraços terminaÔ, longo t e m p o ,
Sem sentir, passaõ , extasiados ambos,
Causando inveja, ao que allento observa-os!

H e assim , que a Virtude representa,


1195 Sobre este mesmo trágico T h e a t r o ,
Que a Perfídia, a Traição deshonraõ , m a n c h a õ :
TaÕ pathéticas Scenas: taõ maviosas,
Que nos fazem lembrar a Idade a"Ouro;
E esquecer-mos as penas : os cuidados,
1200 Com que sobre nós pesa a Idude-ferrea,
51
Dando mais expansão : mais latitude
A faculdade taõ pasmosa, e ú t i l :
Consegue ainda o H o m e m , ( Q u e m tal c r ô r a l )
Por mútua ajuste , e com industria s u m m a ,
1205 Seus interpretes ser substancias mudas.
Mui alva, e branda m a ç a , outr'hora//iiitífl,
Congelada depois, e adeli/nçada
Sobre o m e t a l , que o molda, rijo, e plano;
Himi branco lenço ;í vista representa:
1210 Eis da mágica sua o primo ensaio.

Logo hum negro l i c o r , ligeira pluma


No limpo espaço, regulada, esparge;
E a quem do Home' o Saber os passos g u i a ;
Eis o Papel se torna íiel Lingoa :
1215 Seu E n v i a d o , de tenaz memória,
Que tal qual elle o ordena, promplo cumpre.

Ainda ir mais avante o Homem se a t r e v e ;


Elle chega a t e n t a r ; e elle o consegue,
Roubando seus pincéis á N a t u r e z a ,
1220 Por tal fórma imitar as obras s u a s ,
Q u e , a EJla naõ fechar-lhe, cuidadosa,
Os Armazéns, aonde encerra as Fidas,
Occiosu . e inútil se tornara ;
Pois , só vital alento dar naõ pôde.

3225 D'esta arte ao voraz T e m p o prezas r o u b a ,


Idéa , e feitos seus ílermzando:
Assim rec.( j be, e dá mútuos soccorros:
Saõ taes Dons de mil bens fonte inexausia:
Se d'elles sabe usar, feliz se torna.

3230 Escravos, mesmo amigos, t é nos Brutos


A Divina Bondade deparou-nos.
O ' brioso a n i m a l , taõ charo ao Homem I
A quem serviços, os mais úteis, prestas!
H o h u s l o , habilidoso, á g i l , e dócil,
1235 Serves às precisões : ao luso serves:
Mas de quem ? Muitas vezes ( ó desgraça!)
De Tyrannos üe Bárbaros, que abusaò"
G 2
52
D a íua força, e obediência t u a ' . . ;
Files ibrçar-le ousaõ a trabalhos
1240 Taõ perigosos, e pesados t a n t o ,
Que só teu grana valor: só tuas forças,
Arrostar pôde : sopporlar conseguem.
Ir te obrigaõ á guerra : á guerra os levas:
Valoroso relinxas, saltas, corres
124 5 Por entre as bayonetas; entre as lanças:
Ao som dos Márcios, dos (remendos u n o s
Dos sulfiireos trovões, (lhartáreo invento
Da Ufania, e A m b i ç ã o : ) que a Terra abaluo!
DVUes parlem, ztinindo . os férreos globos-,
1250 incendia:, s, ou naã: pesados todos:
Todos furiosos, mais que as Fúrias d ' 0 ' r c o :
Taes , ane. funestos saô a quanto enconlruà 1 . . .
Alniem Fortalezas: prostraõ Torres:
Fendem M u r o s : arrazaõ E d i f í c i o s ! . . .
1255 T u , átravez de t u d o , alegre: impávido,
Vaz teu Tyrarnio conduzindo a salvo,
A colmar-se no Templo da Viclorxa
De glorias; de tropheos; e de riquezas;
De que só cabe a l i , alem dos golpes,
12G0 Novo trabalho , em liuuia nova empreza.
Calho es , ó bellissimo Ginete ! . . .
Doído Á sorte l u a , eu te lastimo!
M a s , se he déslionra em ti, no Home' he gloria,

Constrange me inda mais: mais me compunge


1265 T e u destino c r u e l , Boi desgraçado!
Sopporlas o mais duro cativeiro;
INelle esváes tuas forcas: neUe pastas
O teu vigor, a mocidade t u a ,
Toda passada em trabalhosa l i d a ! . . .
1270 Do Homem és companheiro no t r a b a l h o . . .
Do Homem !. . . Ah ! Que digo ? Naõ : d'hum Monstro !
D'hum bárbaro senhor! D'íium sanguinaiio,
Que se nutre de carne , e ceva em sangue!
Que quando tu , por velho, enfraquecido,
1275 Do continuo serviço j;í eançado .
D e soltura h-as mister: mister descanso:
Nada desejas mais; mais nada queres:
53
Pó ésla paga buscas: só anhelas,
Que o merecem teus annos: teus serviços:
!20O Eis q u a n d o , quem tal crera! Eu pasmo! Eu b r a m o !
Eis quando agudo ferro em ti e m b e b e :
T e arranca a vida: te lacera as carnes,
Q u e , em laula m e z a , sôfrego devora,
A ternos peitos hórrido espectáculo! . . .
1285 Oh , Boi! Mísero B o i ! A b ! Quam sensível
Naõ he meu coração a sorte l u a !
E ' s desgraçado, e compaixão mereces!
M a s no entanto o mal l e u , he bem do Homem.

Também a ti lastimo, ó simples B r u t o ,


1290 Synibolo da brandura, e da innouencia!
Provida , e compassiva a Natureza ,
Roupa (e d e u , ao frio impenetrável;
Mas o Homem l'a inveja: elle te rouba:
Ao Sul, á chuva . ai) filo exposto iicasj
.1295 E crês, que só com isto satisfaz-se ?
Que já para temer nuò (eus motivo?
Quanto te enganas, miserã Ovellnnha!
Elle outra occasiaõ propicia a g u a r d a ,
Para te despojar também da vida ,
1300 E se fartar de carne em tuas c a r n e s ! . . .
T e u negro fado choro, ó triste viclima!
M a s , porque és infeliz, ditosos sumos.

E tu-, que firme amor: sincero affeclo,


Com fatal c a n d i d e z , consagrar ousas,
1305 Muitas vezes a huns déspotas, buns monstros,
Sábio animal, que estúpido es só nisto!
A h ! Quanto ao Homem naõ és tu profícuo!
D i z e i - o , habitador dos vastos bosques
Das Regiões Brazílias : quantas vezes
1310 A vossa v i d a , e da família vossa,
D "num Caõ fiel, habilidoso, e intrépido
Dependido naõ tem por vezes muitas!
Elle segue a feroz, tremenda O n ç a ,
Do gado nosso. o mais cruel T y r a n n o :
1315 JNa T e r r a , e folhas explorando o faro,
Se üjfirma ler o Monstro alli passado:
G4
Ádianla-ss ao d o n o , c o r r e , e alcança
A Fera horrível ; senhas dando sempre,
Para que a marcha sua o note, e saiba:
1320 Entaõ redobra os brados : bem p a r e c e ,
Que clama a seu b e n h o r , que he tempo: oceuda^
A F e r a , ou t r e p a ; e entaõ matar hefacil:
Ou batalha apresenta em razo C a m p o :
Eis a difficuldade : eis o perigo.
1325 Mas t u , de qualquer sorte, naò* te a t e r r a s :
Com valor, e prudência a guerra fases:
A tempo investes; e com tempo foges;
T h ó que ao inimigo teu vés apontado
Do Humano raio o instrumento horrisono.
1330 E n t a õ assomma em ti gosto indizivel:
Fixas teus olhos na ferrenha boca ,
Por onde esperas, s a i a , envolta em chammas,
D o leu contrario a suspirada morte.
Eis que dardeja o raio: o trovaõ ronca:
1335 A F e r a , em convulsões, u r r a : r e b r a m a :
T u , com alvoroço, p u l a s : neUa aferras,
J á sem r e c e i o , os teus agudos d e n t e s :
Ella perece; e vanglorioso ficas. («)

Porém , triste de ti , q u e , ús mais das vezes,


1340 Hum senhor te possue , taõ fero, e i n g r a t o ,
Que os teus servfços , a lealdade tua ,
Os maiores: immensa: só te paga
Com despreso, a b a n d o n o , açoutes, m o r t e ;
Sem que jamais por isso te escarmentes:
3345 Sem que deixes de s e r , qual d'antes eras,
Fiel a m i g o , officioso, e t e r n o ;
T h é que no seio exhales «Ia miséria
O teu débil , teu último s u s p i r o ! , . .

Fie'/ CaÔ ! Eu te admiro : e eu te lamento ! . . ,


1350 Senhor encontras sempre: amigo a's vtzcs :
T e u consolo este seja : tu nasceste

(a) Eu lambem algumas vezes fui a estas caçadas; e posso por isso
descreve-Uis melhor, que o» Escritores de ouvir di%er.
55
Para ao Homem servir: cumpre o leu fado.

Assim os animaes nos utilizaô":


D o poder nosso assim nós abusamos;
1355 E assim Deos sujeitou ao Home' os Brutos.
O serviço, o s u s t e n t o , o vestuário,
Quer q u e i r a õ , e quer n a õ , nos d a õ : nos prestaõ.
D'huns a monstruosa força: a fúria d'outros:
Suas armas terríveis, tudo lie n a d a :
13GQ De tudo o Homem zomba: a tudo v e n c e ,
Mata, e r e g e , e desfructa a seu contento.
Que mais q u e r e s , ó Homem ? . . . Ah ! Que nada :
Sim , nada farlar pôde os teus desejos.
Porém ao menus uô ao Ceo mais yrato
1365 Por tanto beneíicio, e favor t a n t o ,
Que altamente apregoa ao JVlundo i n t e i r o ,
Que exhte hum Deos: li um Bemfeilor do Homem :
JVIas, por melhor mostrar, quanto és i n g r a t o :
Quam grande o E r r o , que te c e g a , e arrasta:
.1370 A' questão volto; e a narrar prosigo.

Se o Homem naõ contente ainda se a c h a :


S'inda naõ satisfeitos seus desejos,
Com quanto em seu Paiz encontra, e g o z a ,
Por bens suspira, anceia por prazeres,
3 375 Q u e , em longiquo Paiz d'hum novo Mundo,
Além do Império dos Marinhos Monstros,
A vastidão dos Maies lhe denega :
D ' A r t e o prove: prove do necessário
(!om que boynnte , ctivernoza Casa ,
1380 De cortadora relalhante quiiha ,
Hábil inventa: industrioso acaba;
A que logo azas d a n d o , e Eòlo os vôo» t
Eis que a Arvore antiga , e nova Casa ,
Surdmdo ufana, cm triplicada fôrma ,
1305 Arvore he ; e he Casa ; e he Ave aquática!. . .
Neste prodir/io da humana indústria,
H e que o Homem , aos Astros consultando,
Assim do Eíerno obtém ampla licença
Para nessa arrojada empreza s u a ,
1390 Guiado pela mágica M a g u é t e ,
ÜS
Para clle creaâa taõ somente, (a)
Rompendo as O n d a s , recolmar seus gostos,
Zombando assim da vastidão do Athlanlico.

O irado Oceano em vaõ rebrama ,


1395 A eua immunidade reclamando :
Era vaõ levanta assustadoras Ondas ,
( D ' E ó l o coadjuvado) até ao Império
Do assombroso Trovaõ ! Na fúria s u a ,
Ora o Navio sacudindo eleva,
1400 Como para expulsa-lo além das N u v e n s :
O r a , (já de outro acordo) em seus Abysmos
Sepulta-lo se esforça .'. . . T r e m e o Homem ;
E quem naõ tremerá ? Porém, ó pasmo!
Da temerária , começada em preza
1405 Naõ retrocede: avança: teima: insiste.

D o b r a , e redobra o Oceano a fúria ,


D e resistência tanta envergonhado,
N ' h u m inimigo, aliás, taõ despresivel.
Em seu soccorro os Ventos todos c o r r e m :
7.410 Os bravos K'uros: o iracundo Bóreas:
O tremendo AquiláÕ, que traz comsigo
D e furiosos Tufões tropa indomável !
A t é mesmo o Favonio , hoje taõ dócil,
Instigado dos m a i s , irado brame !
1415 Ilirsutos os cabellos: fero o rosto:
Olhos, e boca despedindo chammas,
Eraõ , quaes as do Averno hórridas F ú r i a s !
T o d o s , deixando a cavernosa Estância ,
A ' voz d'Eólo partem : vôaõ : chegaõ,

1420 Contrários tantos: taõ temíveis todos,


Descorçoar o Homem naõ conseguem :
Inflexível: constante em seus desígnios,

(a) Quem bem considerar nesta admirável Pedra , com cujo loque
a Agulha de Marear se torna como animada , e capaz <te guiar-noa a
Havés do Oceano \ íiaô pôde deixar, se lemjuho, de convir comigo,
que ella só para o homem foi creada; c a qual mais outro Enle pôde
fila uviliza; l
w
Nao desiste da empreza : naô fraqueia:
Obstinado a peleja continua :
Í425 Sempre investindo : combatendo s e m p r e ! . . ,

J á o soberbo: o arrogante Oceano ,


Cançado se acha: lutar mais naG p ô d e :
Dos roxos lábios branca espuma expelle:
D e fatigado arqueja, e treme t o d o :
1430 T é urros mais naõ d á ; e sé murmura.
Do mesmo modo os bramidores Ventos
Sé sussurrar se ouve : todos se achaõ*
Cançados tanto da renhida guerra ,
Em que se devolverão annos: Séculos.;
2435 Que ao Homem cedem da victona a P a l m a ,
Q u e , por sua constância, em fim triumfa ;
E se apossando da conquista sua ,
Ao fero Eélo enfreia : aos Mares doma.
Quem tanto crera d'hum taô frágil Ente!
2440 Valoroso Mortal \ A h ! Se o Destino,
Que efêmero te fez , fizesse e t e r n o ,
Serias Isum p o r t e n t o : num Deos serias'.

Quem h e , Pigault: quem lie, que d'esle m o d o ,


, Com perspicácia , e com bondade summa,
1445 Antecipa-se assim : assim previne
A's nossas precisões: os gostos nossos?
Se hum Deos naõ h e , quem h e , que (anío pôde?
Como a esse Senhor chamar devemos?
Dons tantos, seraõ Dons do cego Acaso ! . . » '
1450 O estupendo, portentoso Iman
Será também do Acaso obru , e qfferia !
E o Acaso he , que faz, que b u s q u e , e sempre,
No fixo, térreo Pêlo , fixa Norte !
Será possível, que alguém taJ o creia ?
1455 Oh deliria! Oh loucura das loucuras!. . .
Homem de Gram saber] (n) Explica-me isto:

(o) EUe se jacta de Chronista na Part. 1.*, a png. 13 ; e quando


na pag. 4-2 censura de erros Chronologicos ao Aut. do 3.* Liv. dos
liei-!, que menciona u extensão do Reino de Salomão. De grande Thro-
logo na Part. 3." , a pag. 41 ; e no Prólogo , a pag. 7. De grande
H
m
Se nau m'o explicas, por Mysíerio o t e n h o ;
E á Deos repugnância ao que he Mysteno:
A' Deos, Pigauit: á Deus Doutrinas tuasl

1460 Observemos agora, o que acontece


JN"a formo çaú dus Jeclos ; de quem fallas,.
INaõ qual sábio : mas sim , qual Libertino:
Ah ! Que bem mostras , quanto nislo ts meslrel
T u sabes, ou ignoras, («) que he preciso
J4G5 Nos corpos distinguir M a t é r i a , e F o r m a ; .
Que mui distinclas saõ : saõ mui diueisas?
A Matéria tem sér ; sôr, com que íxisle:
JVlas a Fôrma lie o modo: he a manei/a ,
, Com que as partes d'aquel)a estaõ dispostas,
1470 Formando o misto, quando congregadas:
NaG tem pois sêr real: sèr positivo.
Dos Pais provem nos.fectos a matéria:
A t é aqui he c e r t o : he evidente:
Com tudo admiro a vinda: o modo: o tempo i
1475 Rias a fôrma, Pigault, de quem procede?
Da maça índa que os Pais fossem senhores,
Como do barro o Oleiro; bem como e s t e ,
Dar forma externa só conseguiriaô*;

Phylosofo, e guinde Astrônomo eu o sobcnlendo, por atacar o A u t . do


Gênesis ( (.• me-mo escarnecer) sobre a origem do Ãlundo j e sua crt-a-
ç a ò , e da Luz : P a r i . 1." , pag. 17 (Veja-se sobre isto o meu Canto
2.°) a S. Agost. : Lactanc. ; e S. Cliris. a respeito da exi-teticia dos
Jnlípodas; e figura da T e r r a , a d o Ceo :. P a i t . 1 . % pag. 5 9 : F i n a l -
m e n t e , a sua presurapçaõ de saber Indo , se manifesta no seu tom de
Oráculo; e quando diy., que os Commentadores da Biblia naô sabem,
o que dizem: P a r i . 1.*, pag. 3 6 : que o Confessar he huin tolo: P a r t .
1.* , pag. ÒO: que S a n t o , e tolo saõ synonymos: Part. 2 . " , pag. 24-,
ele. etc. l i e verdade , que < lie Bllribue muitos destes dicterios ao seu
— Homem pensador—. A d \ i r t o , que faço estas minhas citações pela
Ediçaò porl. do Citad. , que ficou mais numerosa em pag. das d u a s ,
que v i , impressas em Paris em 182G. Duas edições em h u m só a n u o ,
e de que L i v r o , oh D e o s !
(a) O Leitor naô leve a m a l , que eu use destes termos ; e que le-
nho de repetir muitas vezes. Sejn-me permittido lirar e-ta desforra do
despreso, com que este presumido í m p i o , com hguaes palavras, escar-
nece de todos os Sacerdotes na pessoa do Abbcde , com quem finge os
seus coUoqniosi e que despresa por ignorantes a Iodos os Chjistaos,
5$
E quem, arranja a. interna? Quem fabrica ,
1480 Díslrihuc; e reparte , e estende, e fixa
Por a q u i , por alli , por toda a parte ,
Com variante, e admirável eslructura,
Artérias , veias , nervos , carlüagens ,
Ligamentos;•: tendo'es: a h ! T u d o : t u d o ,
1485 Quanto se s a b e , e quanto inda se ignora ;
E isto em todos iViqual modo sempre ?
Se tanto pôde o teu chamado = Acaso = ,
He elle hum Deos, a quem mudaste o nome:
M a s , porque lho mtidas-te , pondo-lhe o u t r o ,
1490 Que exprime idéa inversa ? Ali! M a l i c i o s o ! . . .

Dos germens a factura , qual idiota,


A maça o a ü r i b u e s , que os Pais fornecem : (o)
Ou mesmo a esses Pais, (ò) D'aqni provirá,
Q u e dos sábios os filhos ser haviaõ*
1495 Mais formosos ; e em tudo mais bem feitos ,
Que os filhos do ignorante : o que por certo
A Experiência o desmente; e nenhum d'elles; -
IVças, que ignofaô, que cm seu corpo existem:
Ou sua fôrma, e uso; quaes os Brutos,
1500 Como he possível, que fazer podessem ?
Mas supponhamos ser a m a ç a , a que obra:
H e pois preciso : indispensável faz-se ,
Que essa rna-teria iiiteíiigencia teniia ;
Que se dispa da inércia: do contrário
1505 Coordenar naô o sabe: obrar naõ pôde.
Na cega reunião de bruta maça
Só aggregado monstruoso houvera :
Houvera só hum cáhos rude: informe:
A ti , e aos Atheos todos desafio,
1510 A que me provem o contrario d i s t o :
Que me convenção" , como a vós o faço,
C o ' a sun RazaO: co' as Leis da Natureza.

O coração ventriculos possue ,


D'onde as Artérias, e para onde as Veias
ii ••• i ii» • mK ii i - - _ — •• —

a
(a) He na Pari*. k , a pag. 17.
('>) lbittem, »« linha anterior.
H 2
60
1515 Levaô o sangue: o sangue recondvzem.
Todas Palvulas t e m , que só permillem
Ao rubro Fluido circular carreira ,
A que o compelle tíystole allernante.

Dos ossos o encaixe lie justamente,


1520 O que se amolda ao jogo necessário,
Que Músculo ahi posto; ahi lho e x c i t a ,
Quando o quer, quem Ih'ordena , que isto faça:
O que prova também , que existe huma alma.

Ha nos sentidos todos fibras próprias


1525 Ao destituído uso: fibras, onde
As impressões se fazem , que os sentidos,
tfuis serventes , rápidos transmillem
Ao Pensador principio , que por ellas,
De quem lhas excitou , juízo Jói mu :
1530 Assim adquire, faz, aperfeiçoa
Conhecimentos seus, e seus juizos;
Eis nova prova, de que huma Alma temos.

Mas o a r : mas a l u z , que naõ precisão 5


Para o som produzir : produzir cores ,
1535 Que por taes se percebaõ : se conheçaõ?
Que predicados: que propriedades,
Sempre arttilot/os, sempre conformadas
A sempre ignota fábrica pasmosa ,
Do sentido, a que toca: a que compete,
1540 Já perceber os sons: já vér as cores!

O ódoriíero corpo em torno exhala


Coipusculos subtis, que o palenteiaÔ :
Da vianda as partículas excitaô
Hura g o s t o , que decluia a espécie sua:
154 5 Naõ menos pelo taclo percebemos,
Qual corpo seja o corpo , em que locamos.

Ora dize , P i g a n l t , quem por tal modo


Assim tudo clispoz, que tudo serve
Ao fim , porque dispostos assim foraô?
1550 Fim laõ claro, evidente, e manifesto,
01
Que duvidar-se d'elle he impossível. •
Seguirás com L u c r é c i o , que isto tudo
Ce<jo Acaso o dispoz? Mas como? Como
Caber pôde na ordem, dos possíveis,
1555 Que milhões, e milhões, quaes nós os vemos,
D e naturaes efíeitos, n o i t e , e d i a ,
Por num ,, Feliz Acaso ,, (a) assim se tornaõ
Invariáveis sempre : sempre os mesmos ?
Como ousas duvidar, que hajaõ milagres, (6)
1560 Se crês milagres mil no teu Acaso?
Graio Phylosofo ! Aclara-me este ponto :
Se naô* m'o aclaras, por Mysterio o lenho;
E á Deos repugnância, ao que he Mysterio:
A Deos, P i g a u l t . á Deos Doutrinas tuas.

1565 T r a t a d o havemos só d'essas dos Seres


Sempre admirável produção contínua,
Com que as Espécies suas perpeluaÔ-se'.
Delles agora a creaçaô: a origem
Fallar preciso: examinar desejo:
1570 S i m , examino o incomprVnsive) salto,
Com que do Nada lá do fundo Abysmo,
O prtmeiro Homem , o animal primeiro,
Com sér, e vida ao M u n d o , ufanos, surdem.
Quem : quem a maõ lhes deu ? Quem força tanta?
1576 Força , que .ate a Deus negar pareces, (c)

Também crerás em gerações eternas ?


Nessa ímpia, e abjecta escapatória absurda?
Oh ! Quam bem o Adagio naõ se exprime,
Quando diz = Tal c a b e ç a , tal sentença !•-=-»
J500 T u , s'algum homem affirmar ouvisses,
Que haver podia huma arvore, sem tronco,
Ou hum r i o , sem foz, o que julgáras?
JSaõ enlendêras, que era hum insensato?

(a) Saõ palavras de Lucrécio , ciladas por José Agostinho de Ma-


cedo no seu Poema n —Meditação —.
(6) He na Pari. 1.', a pag.\'4.
(c) yejaò-se na Part. 1.* as paginas lv», 16, e 17, Oíide se vê in-
culca , qiw u füftlSlia h« íltrnp,
i;2
Hum néscio era : hum miseranão estúpido ?
Ifiíjó Naõ lhe farias vêr, se tanto ainda
Tu fazer-te dignasses, que reunindo-se
Aos rios grandes os pequenos rios;
E a q u i , e alli nasfiArvores seus r a m o s ,
Que estas purciaes reuniões denotaõ
1590 A total, que na líltima efftctua-se ?
E como crez em gerações eternas?
Naô* vem a ser o mesmo estas Ires cousas ?
Naõ ha entre ellas mútua identidade ?
Ou de creaturas progressão eterna
1593 Possível crez ; qual Arvore infinita:
Ou cãdôa de anneis sem termo em número J
Se tanto tu crer podi'-*, podes muito:
J á parabéns te dou : já crez Myslerios.
i
Aos anneis de extensissima cadêa
1600 H e com razaô* , que as Gerações comparaõ j
E cadêa já viste interminável i
Será mesmo possível conceber-se ?
Como ser p ô d e , insipiente incrédulo,
Que , o que he Jinito , torne-se infinito ?
2 605 Mystcrxo he tudo tslo: mas JMyslerios,
Que tu os crez ; pois crer conta te fazem:
N a õ ha outra razão : outro motivo :
E ' s crer rrtú~f:e~~-nrTlf'tniscas a herdade :
Eis tua culpa; e eis de que te aceuso,

J610 Ser eterna a Matéria, os teus o affirmaõ: (a)


O poder de crear, a Deos o n e g a o ;
E com fúteis razões, taõ leves, e o c a s ,

(<i) Isto naô se entende com todo* os senhores liuciocuuidoi cs : eu


sei, que muitos delies seguem outra doutrina: porém o mesmo Pigault
diz na Pari. 1." , a pag. 16 , que — /V eduçaô do Nada absoluto he
huma invenção bem moderna —; e ínculea ser eterna a Matéria. Po-
rém «jata Matéria ( pergunto eu ) reunio-s- por si mesmo , e formou o
Universo; ou necesútou de quem a reunisse , e desse a fôrma 1 No l.°
caso a Matéria seria activa , e intelligente ; e por tanlo eis-aqui hum
JJeos, desde a Eternidade : no {2.° caso he indispensável admittir hum
Deos Sabia, e Poderoso : logo , ó Xnertdulo , que lucrasle tu com a
tua miserável escapatória t
63
Quaes vós o sois: com débeis raciocínios: _ t
Raciocínios da Razaõ alheios:
J615 O seu Colosso sustentar pertendem,
Q u e igual sorte ao de Rhódes breve o espera."
Ora ouve-me, P i g a u l t : attento escuta.

Que ha lmm M u n d o , de certo o naõ duvidas.


Por Planeta contado entre os Planetas:
1620 Mas sabes, ou naõ sabes, que este G l o b o ,
Bem globoso naõ h e ; que lie esferoyde?
Por centrifuga força estimulada
Na rolante carreira a Maça s u a ,
Resiste , e lula , repugnando ao jugo
3625 Do c e n t r a l , attractivo P o d e r i o ,
Q u e reduzi-la a globo solicita, (a)

H e pois d ' e s t ' a r t e , q u e , em peleja mútua.,


Oppondo Causa á Causa: Effeito á Effeito^
Prevalece o maior, que he o C e n t r í p e t o :
1630 Porém já dejalçada a força s u a ,
Obrar naõ pode, quanto obrar quizera ;
E co'a Rebelde hum pouco condescende.
Mas como d'esta a força cresce , ou mingoa
Na razaõ da distancia ao térreo Eixo ,
1635 No E q u a d o r , onde he mais, maior se torna;
fí mais dtscuulo na contrária exige.
Eis esferoyde a Terra; e eis á"isso a causa. (6)

T u sabes, ou naõ sabes, que este effeito


Existindo de fado, como exale, (c)
1640 Sendo impossível effectuado ter-se.
Quando sólida a maça , qual nós vemos ,

(a) Eu faço deste effeito em o Cnp. da Ter. , humn miúda expli-


cação : por tanto, remetto a elle o» mtus cuiioso» Leitores, que teraõ
de esperar a sua impressão.
(6) No mesmo citado Cap. da Ter. , encontrará o Leitor convincen-
te* demonstrações.
(c) O Liitor, que naô for AMronomo , e quizer entrar no conheci-
mento desta terditde : leia o rmu Cap. da Ter. , nessa minha por ve-
zes cilada Obra ; e onde cieio ? que o provo inegavelmente,
64
H a contra as A ( ( r a ç õ e s , e rival s u s
D'' Affinidades a immensa força. («)
H e pois d e p r e c i s ã o indispensável
1645 Hura t e m p o havido l e r , e m q u e e s t a m a ç a
Ceder podesse a acçaò* das forças a m b a s ;
O q u e n a õ só s u p p u e m ; a t é demonstra
Ter sido a maça em aooci dissolvida. (6)
Assim do M u n d o o nascimento provo:
1650 Assim d e s c r e v o , ó í m p i o , a infância sua...
Q u e he iá i s s o , P i g a u l t ! Q u e t e n s ! Q u e s e n t e s !
C o n v u l s o , e i n q u i e t o est;(s! M u d a s d e c o r e s !
I m i t a s : a r r e m e d a s (eu A b b a d e ! (c)
A h ! N a õ s u e c u m b a s ! M a i s hum pouco d ' a n i r u o :
16 55 P e d e ao D e m o c o n f o r t o ; e c o n t i n u e m o s .

P o r M e c l i a n i c a s L e i s assim p r o v a d o
D o nosso M u n d o h u m natnlicio t e m p o :
O q u e principio üjual suppôem nos outros x
I n s i s t o , se a M a t é r i a Joi creada ,
IG60 O u só a D e o s o M u n d o & fôrma deve:
Q u a l o p e r t e n d e ; e qual provar s'esforça
E s s a f u n e s t a , perigosa chusma ,
Q u e honrar-se s o l i c i t a , a si t o m a n d o
D e Phylosofo o n o m e , que deshonra :
1665 A q u e a c a r r e t a eterno vilipendio,
C o m d e s v a i r a d a s , tiírbiclas c a b e ç a s ,
Q u e fumo e n c e r r a õ , q u e e m vapor esvaí-se-làe.

(«) Consulte-se na sobredila Obra o Cap. doEl.islerio; e ver-se-ha,


como explico pelas altracções das virtudes de Ajfinidade, contidas nas
maças, a solida, erije%a dos corpos, de que saõ constituintes; e com
muitas ohjervaçòes curiosas.
{b) He esta a Bane das minhas lheorias dos Astros; c que penso ler
levado ao grão de rigorosa demonstração , quanto ao que diz reipeito
ao nosso Planeta; e cujas provas faço valer para com os outros por ^ia
de razões de paridade, c argumentos por hllcçaô ; e estou persuadido,
que essas minhas provas somente seraò insufficientes , para o que des-
tas sciencias naõ tiver sufficiente conhecimento: aliás queimo dignar-se
de convencer-me dos meus erros, sem aberrarem da Mcchanica.
(c) A Iludo ás graçolas , que elle diz ao seu Abbade , quando crê
liavc-!o posto em grande aperto.
65
Tu sabes, o ti ignoras, que a Maleria
Por mútuas àUíaCções foi co).'.giecjada;
1G70 R que. assim reunida os Astros Io ira a ?
E sabes, ou nau sabes, que essa Maça
Por sua inércia oppôcm-se ao movimento:
Que , a si deixada , immovel permanece ?
Ora, a Terra, e mais Mundos, correm: roíaôi
1675 Logo, esse movimento lhes foi dado;
Pois de si nao o lem : naô o possuem :
Logo, quem quer, que o deu , já existia,
Quando a Maça, inda branda: inda Jlexivel,
Obstar naô pôde ás relutantes forças;
1680 E obedecendo, deu fôrma esferoyde
Ao Mundo nosso; e a inumeráveis Mundos.
Ah! Que accidente! Avante, EspVito Forte.
A força Projecüva acaso pensas
Poderás dispensar? Mas qual a suppre ?
1685 Tu sabes, ou ignoras, que a attracliva,
Obrando aqui, corno obra, em linha recla ;
Excitar movimento he impossível
Em rumo, do seu rumo discordante?
Supposto isto, Pigault, que he bem supposlo,
J690 Quem ao Astro impellio pela tangente
D'essa curva, em que o dobra : em que o sustenta
A Ceiílrípeta força, e a Centrífuga;
Cujo equilíbrio marca-lhe a carreira ? (o)

Attento ao impulso immenso, que he preciso


JC95 Para a corpos mover de maça tanta
Com pressa tal, com tal velocidade,
Que incrível fora, senaõ fora o cálculo,
Que por Leis infalliveis nos demonstra: (Z>)

(a) No tanta» vezes citado Cap. da T e r r a , da minha Obra Mecha-


Iiica Astronômica, levo isto ao maior grão possível de clareza.
(ò) Sabida , com mais ou menos exactidaô , a distancia do A*tro
girante ao central,- que he o rayo do circulo, que aquelle descreve na
sua carreira , e a que chumaô— Orbita — : esta, nos círculosperfei"
tos , lem, segundo a Geometria , seis e dois sétimos do rayo : logo,
partindo este espaço pelo tempo gasto no giro , temos no quouente a
OG
A l l e n í o , iligo ao desmarcado inipuho,
1700 Necessário a mover laií grandes corpos:
Eis que a minha A l m a , em extasis cie g o s t o ,
Infinito em peder li um Deos divisa; (a)
Qual o Deos dos Chrisluôs: qual o que eu creio,
E qual outro Ente poderia tanto ?
1705 Conheces tn algum, sem que Deos seja?
Filhos do Acaso teu haverão" Sores
D e leio cjrandc poder : de força tanta ? ...
F a l i a , A t h e o : mas o q u e ? Brutos naõfullaô. (A)
Existe o cffeito: logo a Causa existe:
1710 Effeílo immenso exige immcnsa Causa:
Ou lu queiras, ou n a o , eis no que assento.
As Obras , pois , cVlium Deos , a /n/m Deos nos mostraô>
Qual o assegura o Apóstolo das Gentes, (c)
Exulta, ó Crente! Incrédulo, confunde-Te ! , . ,
1715 Mas isto naõ he t u d o : eu continuo.

D i z e , o que he Allracçao, que tanto pôde?


Affiriidade o (pie he , que a Maça % a
Com força tal, que sólida se torna :
Quaes os melões, e qual gelada limpha ?
1720 Que posto a vença a repulsão do F o g o ,
N o cúmulo final da força s u a ,

velocidade do Planeta : cálculos estes, a que sompnte lhes negaõ o de-


vido credito, os que tem delles profunda ignorância.
(a) Tal seguramente o divisou o grande Newton: e ficou laô pene-
trado de respeito , que naõ ousou jamais pronunciar o seu augusto
Nome , som que, humilde, tirasse o seu chape" da mais sábiu de lo~
das as cabeças. Oh Newton ! Que saudável , e tocante exemplo nu5
destes vós ao» pseudo* Phylosofos! Porém tonto dercis serrmitado, quam
pouco o tendes sido : mas consolai-vos ; que sempre ha\( ia de ter por
pnncgyrjitas, e imitadores nos verdadeiros Phylosofos.
(/') Com effeito , o Atheo deve de ser reputado por hnrna espécie1"
particular de Brutos; com fôrma humana; pois que como que renun-
cifi aquclla raxaô superior, que nos distingue dos Brutos.
(c) He na sua Epístola nos Homanos , Cap. 1..V, v. 20 , já por
mim cilada no principio deste Canto; e com tudo, ha sábio-, e oilho-
doxosTheologos, que sustenlaò ser impossível ler o Homem «Mi conhe-
cimento pela naturc/.a , Independentemente de Rcaela^ao. Como inter-
pretarão elles este Texto do S. Paulo?
67
Que até liquúce o Bronze: apenas mitigam
D o Fogo a exuberante q u a n t i d a d e ,
Dos metaes outra vez se enrija a maça, (a)
1725 Estas forças, Pigault; estas Virtudes
T e m , ou naO ser reai: ser positivo ?
Elias effeilos ubrao : logo, existem •
Tois q u e , onde e/feito existe , existe causa.

Nisto assentando; e que assentar devemos,


1730 Pergunto a i n d a , com a devida venia,
Que julgas tu seraõ estas Virtudes ?
A que classe pertencem, ou a que ordem ?
Por Espirito as tens? Tens por M a t é r i a ?
M a s , se matéria saô, naõ saõ activas;
1735 E já que activas saô, naô saõ Matéria :
Mais huma prova de exiitir Espíritos.

Que he inerte a M a t é r i a , eu reconheço


P e l a conformidade ás Leis Mechanicas,
Nunca jamais por cila desmentidas
1740 No simples, ou composto m o v i m e n t o :
L e i s , que a existência sua á Ivercia devem:
Que nella a Baze t e m ; nella se/undaÔ^
D e que folgara, que o contrario proves.
Isto de parte p o n d o , inda p e r g u n t o :
1745 C o m o , em ~tírstancia tmmensa, operar potlem
Essas diversas, attractivas forças,
Além de corpos de grossura e n o r m e ,
A traves dos mais densos, dos mais rijos,
Qual o S o l , qual o Iman obraó: fazem ?
£750 L o g o , Espirito saô, naõ saõ M a t é r i a ;
Pois que e s t a , a Experiência nos convence,
Só por impulso, e no contado obra.

Mas inda a orirjem dellas saber q u e r o :

(n) Na minha Obra , em o Cap. da Repulsão , explito, como o


fogo consegue , com a sua virlude. repulsiva , scpcuar as partículas do
melai numas das outras; e assim lornallo fluido: por isso, com a sua
sa/jidu, se tonta ao primeiro estudo.
I 2
C8
Se clcmas também sa<": se sao creadas?
1755 Se eternas saõ , /m ires eternos Seres,
N u m e r o , a que és cpposto; e de que zombas: («)]
í
) e o s , M a t é r i a , e Virtudes: eis ires Deoses,
Jguaes na eternidade; e independentes:
Como só a igualdade hum só fizera,
1760 Por desiguaes na essência, ser três devem: (/»)
.Nós, os Chrislaõs, co' hum só nos contentamos:
M a s , que m u i t o , se pouco, ou nada somos
Ante o Gram Ollio t e u , sábio, e modesto'.

M a s , A questão t o r n a n d o , estas V i r t u d e s ,
1765 Cujo officio he puxar: unir as m a ç a s ,
Sem nisso descuidarem-se hum momento:
[Gravitaçaõ contínua em prova o c i t o : ]
Parecem ter achado [aqui baixinho: ]
Já o Deos dos Chrislaõs sobre o Seu Throno,
177o Quando attrahir as maças resolverão:
M a ç a s , que Deos entaõ lhes deu o impulsa,
Zombando assim hum Deos dos outros Deoses:
Porém , porque antes disso o naÕ fariaô* ?
Quem lhes deteve a acçaõ: quem suspendeu-af
1775 Serias t u , Pigault ? Ou t u , VoKaire?
O u outro Pensador? Ou juntos todosí

Qu& jJOcies 10 a JSIÕ" responder-me,


Se naô verdade, que o pareça ao menos ?
Ah ! Confessa : só Deos : Deos só o pode :
1780 Elle que tudo fez: que creou tudo:
Que era já Poderoso: Immenso era
Ti'origem da M a t é r i a , e das V i r t u d e s :
Q u e estas unio a aqtiella , e nella existem :
Onde as Maças congregaô: jórma daõ-lhes:
1785 Daõ-lhes firmeza, e análoga estruclura :
O n d e , em fim, saõ de Deos lieis Agentes, (c)

(n) Cilad., P a r i . , a pag. 18.


{!>) Y<ji-se no Canto 3." deste Poema, verso . . . o como d'aígum
modo explico este hncfjavel Mysterio da nossa Santa Religião.
(c) He. este o meu sistema j como já o indiquei em a uoia ao ver-
69
JFÂS o Colosso em Terra : ei-lo em migalhas...
Ah! Que syncope! T e m - t e , bom, Üiubol (a)
Ora pois; seriedade: o caso he serio.

1790 Dissipa, ó Sol de luzes, trevas tantas!


]llumina-nos, Hom<?' extraordinário ! (/>)
Mas, no entanto, benigno naõ me impeças,
Que bum Ente Crcador prostrado adore.

(a) Este epiiheio , certamente muilo adequado , elle o deu a si mea-,


mo. Veja-se no Cilador a pag. G3 da Putl. 1.*
(ò) Faço al/uzaô ús palavras , com que acaba o seu interessante
Livro; —Jlkistremos os Homens: desmascaremos os velliacos} e t c . —

Fim do Canto primeiro.


ERRATAS.
Erros. Emendas.

'crso §93 arrancando: leia se alracnndo.


731 O Cangucú. O Canguçú
F,m a nola ao verso 750 matss: malas:
Verso . . . . . 1059 em desfrula-lo: com dosfrucla-lo.
1336 T u , com alvoroço T u , jubilõzo p
Em a nola ao verso 1575 inculca; inculcar.
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