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HOGWARTS: (RE)PENSANDO A ESCOLA A PARTIR DE HARRY POTTER1

Marta Campos de Quadros UFRGS/ UPF 2

Resumo
Interpelada pelas discussões sobre a saga de Harry Potter, criada por J.K. Rowling, busco
problematizar as representações de escola como parte de um extenso aparato acionado pela
Modernidade com a finalidade de disciplinamento de corpos e mentes, que tem sido
(re)apresentado em constante crise pelos discursos colocados em circulação no âmbito da
cultura contemporânea. Tomo Hogwarts – a escola de magia e bruxaria em que Hermione,
Harry e Rony, protagonistas da trama, aprendem a ser bruxa e bruxos e experienciam suas
vidas a cada ano – como, mais do que um cenário de fundo para as narrativas de Rowling,
como uma ambiência constituída por e constituinte de múltiplas camadas de temporalidades e
espacialidades discursivas, parecendo tornar-se um personagem que rouba a cena. Para tal
foram analisados os quatro filmes já produzidos pela Warner/UK e os seis livros já publicados
no Brasil pela Editora Rocco, por entender que cinema e literatura, como parte de um
dispositivo pedagógico midiático e inseridos nas dinâmicas industrial e comercial da cultura e
do entretenimento, podem ser produtivos para compreender as relações entre escola e
sociedade na contemporaneidade. Este artigo aborda constatações preliminares de uma
pesquisa mais ampla que vem sendo desenvolvida, abordando as aventuras de Harry Potter e a
produção discursiva de identidades juvenis.

Palavras-Chave: Estudos Culturais, Pedagogias Culturais, Representações, Escola, Harry


Potter

Buscando dados sobre a saga do pequeno bruxo Harry Potter, deparei-me com a letra
do Hino de Hogwarts (Devir, 2005), a escola de magia e bruxaria, onde Hermione Granjer,
Harry Potter e Rony Weasley aprendem a ser bruxa e bruxos, vivem suas aventuras a cada ano
escolar e experienciam os conflitos e os prazeres de tornarem-se jovens.A tradução para o
português do hino da escola3 parece mostrar estudantes ávidos por conhecimentos

1
Este artigo é parte das investigações que vem sendo realizadas através do Projeto de Pesquisa Interinstitucional As
aventuras de Harry Potter e a produção discursiva de identidades juvenis, pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Educação do
PPGEdu/Ulbra sob a coordenação da Prof. Dra. Maria Lúcia Wortmann, em colaboração com o Grupo de Estudos de
Educação e Ciências como Cultura(GEECC) e com o Núcleo de Estudos em Currículo, Cultura e Sociedade ( NECCSO),
ambos da linha de pesquisa Estudos Culturais em educação do PPGEdu/UFRGS e com a Faculdade de Artes e Comunicação
da Universidade de Passo Fundo e contou com a colaboração das alunas do curso de Comunicação Social – Hab. Jornalismo
da UPF, Janaíne de Britto Tristacci e Giovana Carlos.
2
A autora é doutoranda junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, na linha de Estudos Culturais em
Educação, Núcleo de Estudos de Currículo, Cultura e Sociedade, Professora da Faculdade de Artes e Comunicação da UPF e
membro do Núcleo de Pesquisa Comunicação e Culturas Urbanas da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de
Comunicação (Intercom). E-mail: radiocapelinha@terra.com.br
3
Letra original em inglês: Hogwarts, Hogwarts, Hoggy Warty Hogwarts,/Teach us something please,/ Whether we be old
and bald/ Or young with scabby knees,/ Our heads could do with filling with some interesting stuff,/For now they're bare and
full of air,/ Dead flies and bits of fluff,/ So teach us things worth knowing, / Bring back what we've forgot,/ Just do your best,
we'll do the rest,/And learn until our brains all rot. Tradução da letra para o português: Hogwarts, Hogwarts, Hoggy Warty
Hogwarts,/ Nos ensine algo por favor,/ Que sejamos velhos e calvos / Quer moços de pernas raladas,/ Temos as cabeças
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interessantes, independentemente de suas idades, que atribuem a tarefa de facilitar-lhes esta


aprendizagem à escola, pois suas cabeças estão cheias de ar e solicitam: “Nos ensine o que
vale a pena / Faça lembrar o que já esquecemos / Faça o melhor, faremos o resto/
Estudaremos até o cérebro se desmanchar”. Esta perspectiva de escola parece muito próxima
da concepção moderna de escola: conteudista, disciplinadora de corpos e almas (Veiga-Neto,
2001), representada por Morin (2000) pela imagem da “cabeça cheia” – que vê nos seus
estudantes, alumnos, pessoas que estão nas trevas da ignorância e de lá serão retiradas pela
iluminação dos saberes por parte da escola – em contraposição à idéia de uma escola que
trabalhe o conhecimento como reflexão, dentro de uma perspectiva humanista – não
antropocêntrica como proposto pela razão iluminista, e como possibilidade de resolução de
problemas concretos, projetada na imagem da “cabeça bem feita”.
Apesar de o Hino deixar transparecer a idéia de uma escola que preenche cérebros
vazios, os seis livros já publicados por J. K Rowling, no Brasil através da editora Rocco,
contando as histórias dos seis aos dezesseis anos de Harry Potter em Hogwarts, e os quatro
filmes produzidos pela Warner/UK4, parecem mostrar o contrário. As narrativas sobre a vida
do pequeno bruxo e de seus amigos contam, através de múltiplas formas de mídia que se
interelacionam, das possibilidades de uma escola que foi, é e poderá ser o mundo lá fora, onde
depois de sermos tocados magicamente por ela, nada será como antes, como afirma Hermione
Granjer ao final do filme Harry Potter e o cálice de fogo(2005).
Se aceitarmos a idéia de Kellner (2001) de que há uma cultura da mídia e que esta
atua através do que Giroux (2001), Steinberg e Kincheloe (2001) entre outros autores
denominam pedagogia cultural, designando este processo de aprendizagem a partir dos
artefatos culturais em uma diversidade de espaços sociais, cabe considerar os
questionamentos de Costa(2003, 2005) e Veiga-Neto(2000) sobre a necessidade de as
crianças ainda irem à escola, sobre qual será a escola do futuro e quem são, o que querem, e o
que fazer com os jovens e crianças do século XXI que chegam à escola.Cabe também buscar
compreender que representações de escola estão ali convocando jovens à leitura de “grossos
volumes”, a esperarem ansiosamente pelo “próximo filme” e a agendarem tópicos relativos às
tramas de Rowling nas suas conversas cotidianas. O que estes vários aspectos envolvidos no

precisadas de idéias interessantes / Pois estão ocas e cheias de ar, /moscas mortas e fios de cotão / Nos ensine o que vale a
pena / Faça lembrar o que já esquecemos/ Faça o melhor, faremos o resto/ Estudaremos até o cérebro se desmanchar
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Os seis livros já publicados no Brasil através da Editora Rocco são: Harry Potter e a pedra filosofal (2000); Harry Potter e
a câmara secreta (2000), Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2000) e HarryPotter e o cálice de fogo(2001),
HarryPotter e a Ordem da Fênix (2003) e HarryPotter e o enigma do príncipe (2005), e os quatro filmes produzidos pela
Warner/UK, apresentados nos cinemas e disponíveis em fita VHS e DVD são: HarryPotter e a pedra filosofal (Columbus,
2001); Harry Potter e a câmara secreta (Columbus, 2002), HarryPotter e o prisioneiro de Azkaban (Cuarón, 2004) e
HarryPotter e o cálice de fogo (Nowell, 2005)
3

consumo de artefatos culturais ligados a Harry Potter como marca poderiam nos dizer desde
as práticas cotidianas sobre a escola e seus personagens.
Atualmente, são inúmeros os estudos em que, através do conceito de pedagogia
cultural, a noção de pedagogia se vê alargada, possibilitando uma melhor compreensão das
articulações dos saberes adquiridos e vivenciados nas escolas com a cultura contemporânea,
atuando na produção de identidades e de representações de escola, família, juventudes,
professores, estudantes. É nesta perspectiva que situo o cinema, através dos filmes como
artefatos culturais, e a literatura, através de livros e e-books – livros em formato digital –,
também como artefatos culturais, dentro de suas especificidades – o audiovisual e a mídia
gráfica e digital, na perspectiva de serem parte de um dispositivo pedagógico midiático que,
através das suas narrativas, coloca em circulação representações de escola, de professoras e
professores, e de alunas e alunos que os constituem de tal ou qual forma.
Um outro fato já havia capturado a minha atenção relativamente : por que razão,
contrariamente à maioria dos livros e filmes infanto-juvenis com os quais tenha tido contato, a
escola, como coloca Costa( 2003), roubava a cena? Também foi o título de um livro, escrito
nos anos 1970 por Bruce Coville, que fez com que meu olhar se voltasse para a literatura
infanto-juvenil, o cinema e o fenômeno Harry Potter, com todas as discussões que têm
acompanhado cada novo livro ou filme. Na lombada de uma edição datada de 1976, muito
manuseada por mãos infantis, estava escrito: My teacher is an alien. Peguei o livro, fisgada
pela relação imediata com o texto de Green e Bigun (2002), Alienígenas na sala de aula.
Levei o livro comigo. Na capa, um ser com forma humana e pele verde, terno e gravata,
dentro de uma sala de aula, e dois meninos olhando pelo lado de fora muito assustados. A
leitura foi positiva. Ele é atual, quase 30 anos depois da sua edição: aborda as representações
de professoras e professores, alunas e alunos como diferentes em sala de aula. Aquele
professor era um alienígena para os estudantes e para a instituição, porque ousou conectar os
saberes que invadem cotidianamente a escola a partir da cultura da mídia e do consumo com
aqueles que a escola está programada para ensinar.
A partir deste olhar e mais uma vez interpelada pelas discussões em torno do
lançamento do sexto livro de J.K. Rowling, no verão norte-americano de 2005, fui à festa que
estava marcada para às 24 horas, com direito a fogos e fantasias. Ali, como uma alienígena,
um outro, pude constatar em que intensidade a literatura infanto-juvenil e o cinema integram
o circuito cultural proposto por Hall (1997) e nele atuando como uma importante pedagogia
cultural, ao lado da televisão, dos videogames, dos filmes, dos jornais, das revistas, todos eles
vistos como locais pedagógicos nos quais o poder se organiza e exercita. Ali, no parque de
estacionamento, crianças, jovens e adultos de todas as idades foram se acomodando como
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podiam e alheios aos fogos, fantasias e outras promoções mercadológicas, iniciaram a leitura
das 682 páginas do livro, esperado como um presente de Natal muito desejado.
O resultado proclamado pela imprensa diária norte-americana não poderia ser outro,
como não o foi neste mês de novembro com o lançamento mundial do filme Harry Potter e o
cálice de fogo – as vendas haviam batido todos os recordes. Analistas comentavam que, desde
o lançamento do primeiro livro, Harry Potter e a pedra filosofal, pesquisas têm mostrado que
a leitura entre os jovens de 10 a 19 anos cresceu em 19%, e não se restringe às histórias do
pequeno bruxo inglês (Hallett, 2005). As escolas haviam se tornado o local de encontro dos
jovens leitores que passavam a se organizar num misto de fã-clubes e clubes de leitura para
discutir, recontar e reescrever as histórias de Harry. A notícia publicada no site da Warner
Brasil, em 29 de novembro de 2005, destaca esta situação:
Lá na Inglaterra, as lojas abrem de madrugada cada vez que um novo livro da série
Harry Potter é lançado, sinal que a franquia continua fazendo muito sucesso na terra
da Rainha. Por aqui, não é muito diferente. No último fim de semana, Harry Potter e
O Cálice de Fogo, adaptação do quarto livro da série, levou 1,115 milhão de
espectadores aos cinemas, maior bilheteria de estréia no país em 2005 (superando em
77% a segunda maior bilheteria: Guerra dos Mundos), recorde que provavelmente não
será batido até o final do ano – mesmo porque esta é a segunda maior abertura de
todos os tempos no país. Só para se ter uma idéia do sucesso do filme no resto do
mundo, o longa já acumulou mais de US$ 402 milhões em dez dias de exibição. E isso
porque o filme ainda nem foi lançado em países como Austrália e Japão. Nos Estados
Unidos, a produção é a mais vista no dois últimos finais de semana. J.K Rowling,
autora dos livros, pode continuar comemorando o sucesso de suas obra.

Voltando às perguntas que Veiga Neto e Costa se fazem, é possível vislumbrar a


escola como um cenário do espetáculo do consumo no contexto da cultura pós-moderna
(Costa, 2005) e, simultaneamente, um produto que necessita ser lançado e relançado
periodicamente. É a própria Costa que enfatiza este roubo da cena midiática pela escola, mais
do que como cenário, como personagem, na mídia cinematográfica e televisiva mundial, a
partir de Hollywood, e brasileira desde as produções adaptadas ou originais colocadas em
circulação pelas redes de televisão.
As vidas de Harry, Hermione e Rony, nos seis livros já publicados, nos quatro filmes
distribuídos e nos produtos já licenciados – jogos, mochilas, estojos, borrachas, indumentária,
óculos... – começa e se desenvolver no ambiente da escola – um mundo que desde a
Modernidade vem sendo gestado, culturalmente, como o lugar da infância e da juventude. A
vida familiar, as relações de classe, de gênero, etnias se cruzam dentro da escola a partir das
representações de professoras e professores adultos, que são mágicos, de alunas e alunos
brilhantes, de alunas e alunos marcados por conflitos, de craques de quadribol, da figura do
supervisor disciplinar, da presença do outro, do diferente, porque é gordo e forte, mas se
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subordina ao magro, pequeno e fraco, que detém o poder por ter nascido em uma família de
linhagem puramente bruxa e ter muito dinheiro no banco de Gringotes.
Em Hogwarts, como em muitas escolas espalhadas pelo mundo, convivem as
representações dos alunos pobres e honestos, dos filhos de servidores públicos – o Ministério
da Magia é uma instância de poder regulatório de estado sobre a população bruxa –, dos
alunos de traços orientais, dos alunos ricos e desonestos, dos alunos esforçados na
contraposição dos alunos inteligentes. Contudo, mas fundamentalmente, existe a
representação de um diferente/outro que é especial, porque foi destituído de família, mas é
interpelado pela escola a utilizar sua capacidade de resiliência. Que tem poderes, porém
precisa estudar para aprender a usá-los de forma técnica e eticamente adequada. Que é
ameaçado a todo o momento pelo mal – representado pelo mau uso dos conhecimentos de
bruxaria, e para quem a escola é ao mesmo tempo o lar e o mundo lá fora: Harry Potter.
Na obra de Rowling, a escola também é representada como um lugar onde a tradição,
a tecnologia e a intuição são preservadas, desenvolvidas, qualificadas, corporificando a noção
de escola, comentada por Morin (2000), um lugar onde o passado, o presente e o futuro se
cruzam incessantemente a partir do ensinar o conhecimento já produzido, depositado nos
livros (a tradição); do repensar estes conhecimentos desde as práticas culturais
contemporâneas (a tecnologia) e da produção de solução de problemas que aliam os
conhecimentos aprendidos às reflexões (o conhecimento novo). Hogwarts é a representação
de uma escola que privilegia a cabeça bem-feita em detrimento da cabeça cheia, um lugar da
memória, da experiência e da utopia.
Todavia, a escola representada é simultaneamente um lugar pós-moderno do “tudo ao
mesmo tempo agora” que cruza, desde a narrativa proposta ao imaginário infanto-juvenil, um
conjunto de elementos que capturam pessoas/consumidores de todas as gerações: apesar de
muitos países como o nosso não terem o modelo da escola em tempo integral, cada vez mais
crianças, jovens e adultos têm a escola como a grande referência, o lugar de sua experiência
cotidiana.
Mas Hogwarts tem peculiaridades: mistura a escola da experiência e a escola do
desejo. Como escola/experiência mostra um mundo onde varinhas mágicas salvam vidas e são
elementos de identidade, vassouras voam e tem a mesma lógica de mercado de qualquer
produto. Há professores que ensinam com base no conhecimento já adquirido dentro de uma
lógica da complexidade e progressividade, há uma rede de discursos de autoridade e
hierarquia e poder que aparece através das falas e relacionamentos regulados pela tradição,
pelo Ministério da Magia e Bruxaria e pelo fator econômico e há, fundamentalmente, o
trabalho físico e intelectual dos aprendizes através do ato de estudar traduzido nas escritas dos
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pergaminhos a partir de longas e profundas pesquisas que são explicitadas nos espaços
coletivos de convivência – nas salas das comunidades e na biblioteca –, na leitura, no
experimento e na pesquisa pura e aplicada.
Neste cenário, convive também a escola/utopia onde o estudante, ainda que
magicamente pela ação de um chapéu seletor, é selecionado de acordo com suas
potencialidades individuais e tem respeitado o seu direito a desenvolvê-las; onde o
questionamento, ainda que permeado pelo medo da autoridade, pelo sentimento de amizade e
confiança, pelo constrangimento da possibilidade do ridículo, tem lugar e é um caminho para
o novo; onde professores admitem que não sabem tudo, falham, não são super-homens que
existem num imaginário globalizado, já construído através do século XX pelas grandes
corporações de entretenimento, como alargamento do espaço pedagógico na cultura
contemporânea marcada pelo consumo, com grande participação da mídia e da indústria do
entretenimento.
Todos, bruxos e “trouxas”5, estão constituídos pelos conflitos de bem e mal, da ética,
da honestidade e da desonestidade, da relação entre meios e fins. Perguntam-se sobre seus
atos e são responsabilizados pelas suas condutas, fugindo a uma perspectiva do bem e do mal
como componentes de um destino inescapável, mas como conseqüência de um código de
conduta compartilhado através da cultura e da tradição, que não é evocado na sua forma
escrita, exceto quando se trata do manual sobre Animais fantásticos e onde habitam, escrito
por Scamander6, que serve de base à disciplina lecionada pelo gigante Hagrid, em O
prisioneiro de Azkaban (2000).
Hogwarts, como escola, também aparece como o espaço da aventura, do gozo de
correr riscos, da confraternização onde os rituais comuns à cultura, principalmente ocidental,
cristã são rememorados – o Natal, a Páscoa, o Dia das Bruxas –, assim como aniversários de
amigos e fantasmas, a chegada dos alunos no outono e a sua despedida no início do verão. A
narrativa de Rowling, em Harry Potter, não parece propor um discurso de “terra do nunca e
Peter Pan”, onde os meninos não crescem e a eles é dado o direito à aventura, à agressividade.
As meninas são espécie de fadas bem comportadas, princesas. Meninos e meninas crescem e
crescer dói, gera conflitos, separações e novas cumplicidades, que muitas vezes, têm
5
A população não bruxa, na tradução para a língua portuguesa é chamada de “trouxa” a partir do inglês “muggle”,
coloquialmente também dito “fool”, que na Inglaterra não está investido de carga semântica negativa, a semelhança da
utilização da palavra “trouxa” em português, no Brasil.
6
O Manual Criaturas Fantásticas e onde habitam foi escrito por J. K. Rowling sob o pseudônimo de Newt Scamander. É um
dos produtos chamados spin-off ( Heilman, 2003) ou licenciados como itens comercializáveis, originados a partir de um
produto âncora, no caso os livros sobre as aventuras de Harry Potter, que podem incluir materiais de uso escolar,
indumentária, brinquedos e outros produtos que o mercado identifique como consumível. Esta publicação, assim como
Quadribol através dos séculos, ficticiamente escrita por Kennilworthy Whisp, foram traduzidos por Lia Wyler para a Ed.
Rocco, a mesma que detém os direitos autorais da série Harry Potter. A renda obtida com a comercialização destas
publicações é destinada a Comic Relief, uma organização não governamental que mantém “ projetos de ajuda às populações
mais pobres e vulneráveis, nos países mais carentes do mundo”. www.comicrelief.com/harrysbooks
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desagradado os pottermaniácos que, através dos funficctions7, blogs e listas de discussão


hospedados no cyberespaço através da Internet, buscam reconstituir as dinâmicas relacionais
desejadas. Principalmente os adolescentes discutem as relações amorosas, fazem e desfazem
os pares. Já os mais jovens tecem novos finais para as aventuras, inventam diferentes
campeonatos de quadribol e de xadrez bruxo8.
Este crescimento é comentado por Vargas (2005) como um dos elementos de
identificação dos jovens e não tão jovens leitores de Harry Potter. Cada menino ou menina,
garoto ou garota, homem ou mulher, integrante da sociedade contemporânea passou pela
experiência de estar na escola, da camaradagem gerada entre os integrantes da turma, já
passou pela situação de ser calouro e veterano. Ao ler a cada ano uma nova etapa da vida de
Harry Potter, revivem por identidade ou diferença, na comparação com um elemento externo
que é a história de um outro, as suas experiências do processo de deixar a infância, para
transformar-se em adolescentes com suas características mais marcantes e tornar-se adulto.
Como assinala Sarlo (2003, p. 255), não é usual nos recordarmos de escolas com a
nostalgia do amor. Mesmo em Harry Potter, como um conto de fadas moderno,(Aguiar,
2005), os personagens não falam de seu tempo de estudantes de Hogwarts, desde uma
perspectiva saudosista, de um discurso geracional nostálgico de um tempo passado,
representado como melhor que o presente.O passado perpassa a narrativa como uma forma de
conhecer a história para resolver problemas propostos por uma realidade presente e,
simultaneamente, preencher a história que justifica o comportamento dos personagens no
presente com relação a Harry Potter. Hogwarts é colocada como uma escola onde os desejos
de colocação em um mercado de trabalho e conhecimentos bruxos permeia a narrativa. A
perspectiva dada a estes tópicos é atualizada: há concorrência e não basta ser bruxo “puro
sangue” para conseguir a colocação desejada. É preciso ser competente, intuitivo, ter
iniciativa, respeitar a hierarquia e viver os ritos de passagem, tais como assistir às aulas,
cumprir as tarefas extraclasse, ler livros complementares disponíveis – e, às vezes, nem tão
disponíveis assim – na biblioteca, estudar, prestar exames e concursos para alcançar uma vaga
no “ melhor centro de estudos sobre dragões na Hungria”, como um dos irmãos de Rony
Weasley.
Nas representações tecidas da escola e da juventude, as relações de gênero também
estão presentes. As mulheres são apresentadas com todas as suas características ambivalentes.
A professora Minerva MacGonagall é uma pessoa aparentemente rígida em seus princípios,
inflexível no posicionamento dos limites, e cuja autoridade está sempre subordinada ao seu
7
Funfictions são narrativas veiculadas através de blogs e comunidades virtuais que refazem , contradizem,
(re)constroem as tramas produzidas pelos autores em seus livros.
8
Quadribol e xadrez bruxo são dois jogos, um de campo e outro de salão, muito praticados em Hogwarts.
8

amigo e diretor Dumbledore. Contudo, quando o professor Dumbledore é afastado da direção


da escola, em Harry Potter e a câmara secreta (2000), ela assume a direção da escola, não se
intimida com as pressões feitas por Severo Snape – professor de porções e diretor da casa
Sonserina, o lado mau da magia e dominada por Lord Valdemort – e Lúcio Malfoy – também
integrante da casa Sonserina e presidente do Conselho Diretor da Hogwarts. MacGonagall é
afetuosa, justa e, em uma partida de quadribol na casa que dirige, a Grifinória, está para
perder a Taça das Casas mais uma vez, e chega a dizer impropérios.
Neste mundo do feminino, ainda encontramos Hermione Granger, o elemento
feminino do triângulo central da trama, como uma menina forte, inteligente e estudiosa, mas
não aceitaria assim tão fácil a argumentação de Zoppas, Todeschini e Wortmann ( 2005), de
que ela “... é “trouxa” (filha de pais “trouxas”), mas, apesar disso, ela é representada nas
histórias como “gênio”. Uma das características de Hermione é seu esforço para aprender,
mas uma timidez, comum nas meninas de sua idade, faz esconder-se atrás de uma arrogância
intelectual de “sabe tudo”, até mesmo quando erra e coloca um pelo de gato em sua porção
pensando estar colocando um fio de cabelos de uma garota da casa Sonserina, adquirindo as
características do felino, virando motivo de brincadeira para o fantasma de Murta que geme –
a menina morta pelo basilisco no banheiro feminino, quando a Câmara Secreta é aberta pela
primeira vez. Hermione é corajosa e vaidosa, é uma amiga de Harry e Rony, atuando como
estrategista e como uma espécie de consciência nos momentos de maior perigo.
Mas não só de professores honestos e “cientistas” é composta a Escola de Magia e
Bruxaria de Hogwarts. Existem professores que ensinam “ciências menores, sem tanta
credibilidade” como Adivinhações, cuja professora e conhecimentos são colocados sob
suspeita, ou professores desonestos que editam livros contando experiências vividas por
outros bruxos como se fossem suas somente pela fama, utilizando-se depois de um feitiço que
apaga a memória. Neste caso, Rowling brinca com a imaginação e maldade do leitor ao deixá-
lo sem memória, ou seja, confirmando o dito popular de que “o feitiço virou contra o
feiticeiro”.
Hogwarts, como um personagem de um conto de fadas gótico, de múltiplas camadas
de tempo e espaço como considera Shavit, em recente conferência proferida na Universidade
de Braga, em Portugal, parece ser a escola de todos nós e, ao mesmo tempo, aquela que,
talvez,nos indique caminhos para tocar a experiência e a memória fluida de cada um,
constituídas e constituintes da cultura contemporânea.
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Referências Bibliográficas

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11-22 .
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