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– Blog da Boitempo
O que é o precariado?
(h ps://boitempoeditorial.files.wordpress.com/2013/07/13-07-22_giovanni-alves_o-que-c3a9-o-
precariado.jpg)Noite (Max Beckmann, 1918)
Tenho utilizado o conceito de precariado num sentido bastante preciso que se distingue, por exemplo,
do significado dado por Guy Standing e Ruy Braga. Para mim, precariado é a camada média do
proletariado urbano constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária
nas relações de trabalho e vida social.
Para Guy Standing, autor do livro The Precariat: The new dangerous class, o precariado é uma “nova
classe social” (o título da edição espanhola do livro é explicito: Precariado: una nueva clase social). Ruy
Braga o critica, com razão, salientando que o precariado não é exterior à relação salarial que
caracteriza o modo de produção capitalista, isto é, o precariado pertence sim à classe social do
proletariado, sendo tão-somente o “proletariado precarizado”.
https://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/ 1/9
02/11/2018 O que é o precariado? – Blog da Boitempo
Na verdade, a história é outra: o salariado, a parcela estável do mundo do trabalho nos países
capitalistas centrais, parcela da classe trabalhadora inserida na cidadania industrial, não deixou de
ser proletariado, tornado-se tão-somente uma camada social distinta (os proletários estáveis e com
garantias, segundo Alain Bihr). O proletariado estável, organizado em grandes sindicatos
corporativos e burocratizados, tornaram-se o lastro das políticas social-democratas que cultivavam as
ilusões do consumo e os projetos de realização do bem-estar social nos marcos do capitalismo
afluente. Mas, é importante observar que, mesmo naquela época de ascensão histórica do capital, o
proletariado era constituído não apenas pela camada social estável e com garantias, mas também por
uma camada social precarizada, uma massa flutuante de trabalhadores instáveis, constituída por uma
série de categorias sociais precarizadas (trabalhadores terceirizados, temporários, por tempo parcial,
estagiários, trabalhadores da “economia subterrânea etc). Enfim, havia sim um proletariado
precarizado nos países capitalistas mais desenvolvidos no auge do fordismo-keynesianismo.
Outra coisa: no período de ascensão histórica do capital no imediato pós-guerra, vigorava sim o
modo de produção capitalista no interior da qual existiam duas classes sociais fundamentais:
capitalistas e trabalhadores assalariados. A luta de classes nunca deixou de existir naquela época,
assumindo, pelo contrário, formas candentes (e ocultas) nas lutas operárias e movimentos sociais das
camadas inquietas do proletariado precarizado e pobre. O era do fordismo nunca foi um paraíso ou
golden age para a toda a classe do proletariado. E para concluir: a crise do fordismo ou a crise da
social-democracia que se desenvolve a partir da década de 1970, foi, de fato, a crise do capitalismo
em sua etapa de desenvolvimento fordista-keynesiano.
Ao considerá-los “nova classe social perigosa”, oculta-se a importância das alianças políticas no
interior da classe do proletariado como tarefa crucial da alternativa radical capaz de enfrentar o
neofascismo em ascensão. Isolar a camada social do precariado no plano categorial seria condená-lo à
ineficácia política efetiva, tornando-o, deste modo, mero sujeito receptor das políticas da economia
solidária. Na verdade, a política radical deve deixar claro, como pressuposto necessário, a
importância crucial da unidade política e programática da classe do proletariado clivado de
segmentações sociais que impedem sua eficácia histórica no plano da práxis política.
Por outro lado, embora Ruy Braga (no livro A política do precariado
(h ps://blogdaboitempo.com.br/2012/11/27/lancamento-boitempo-a-politica-do-precariado-do-
populismo-a-hegemonia-lulista-de-ruy-braga/)) esteja correto em sua crítica do precariado como
classe social exterior à relação salarial, ele equivoca-se quando identifica o precariado meramente
com o “proletariado precarizado”, perdendo, deste modo, a particularidade heurística do conceito
capaz de dar visibilidade categorial às novas contradições do capitalismo global. Pars ele, o
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02/11/2018 O que é o precariado? – Blog da Boitempo
“proletariado precarizado” existiria desde os primórdios do capitalismo histórico. Ruy Braga remete-
se inclusive a Karl Marx para delimitar o conceito de precariado como sendo a “superpopulação
relativa”, excluídos tanto o lumpemproletariado quanto a população pauperizada. O que significa
que, para Ruy Braga, o precariado, nas suas origens históricas, confunde-se com o próprio conceito de
proletariado industrial, que é o coração do próprio modo de produção capitalista.
Deste modo, dos operários da construção civil em Jirau aos infoproletários dos call-center em São
Paulo, o conceito de precariado se dissolveria no impressionismo sociológico crítico das relações
salariais no Brasil. A particularidade histórica da camada social do precariado perderia sua
efetividade heurística (lembremos que metodologicamente, a categoria de particularidade é o coração
da própria dialética histórico-materialista).
Portanto, a distinção categorial de precariado, que não poderia ser considerado tão-somente como
proletariado precarizado, não é insignificante no plano heurístico: ampliar categorialmente o conceito
de precariado, reduzindo-o a “proletariado precarizado”, seria emascular o conceito de sua
capacidade de expor as novas contradições da ordem burguesa hipertardia que não se circunscreveria
hoje tão-somente à dinâmica política do lulismo, mas sim, à própria dinâmica do próprio modo de
produção capitalista na etapa de crise estrutural do capital.
Portanto, em nossas intervenções criticas, procuramos salientar o precariado como sendo, não uma
nova classe social, mas sim uma nova camada da classe social do proletariado com demarcações categorias
bastante precisas no plano sociológico: precariado é a camada média do proletariado urbano
precarizado, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção precária nas
relações de trabalho e vida social.
Deste modo, num plano sociológico, o precariado como camada social média do proletariado urbano
precarizado seria constituído, por exemplo, por um conjunto de categoriais sociais imersas na condição
de proletariedade como, por exemplo, jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho
no Brasil, jovens empregados ou operários altamente escolarizados, principalmente no setor de
serviços e comércio, precarizados nas suas condições de vida e trabalho, frustrados em suas
expectativas profissionais; ou ainda os jovens-adultos recém-graduados desempregados ou inseridos
em relações de emprego precário; ou mesmo estudantes de nível superior (estudantes universitários
são trabalhadores assalariados em formação e muitos deles, estudam e trabalham em condições de
precariedade salarial).
Deste modo, a construção categorial do conceito de precariado como camada social da classe dos
trabalhadores assalariados implica delimitá-lo, num primeiro momento, pela variável salarial: trata-se
sim do “proletariado precarizado”, mas é preciso salientar: um proletariado jovem, altamente
escolarizado, frustrado em suas expectativas de ascensão profissional e sonhos, anseios e expectativas
de consumo. O que significa que, torna-se importante e fundamental incorporar, nesse caso, na
delimitação da nova camada social do proletariado precarizado, as variáveis etárias e as variáveis
educacionais propriamente ditas. Este recorte sociológico – juventude, precariedade salarial e nível
educacional superior – torna-se crucial para apreendermos as contradições radicais da ordem
sociometabólica do capital no século XXI. Enfim, existe algo de podre no reino do capitalismo do
século XXI.
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médias do proletariado urbano. É importante salientar que a nova dinâmica do mercado de trabalho
no Brasil na década de 2000 faz com que um contingente de jovens altamente escolarizados fique
desempregado ou inserido em relações salariais precárias tendo em vista a degradação do estatuto
salarial (por exemplo, contrato precário de trabalho e baixa remuneração salarial). Por exemplo,
segundo o jornal “O Estado de São Paulo” de 30/06/2013, o salário médio mensal dos trabalhadores
com mais anos de escolaridade recuou entre 2002 e 2011 no Brasil. A média de salário dos
profissionais com 12 anos ou mais de estudo caiu 8% nesse período, de R$ 3.057 para R$ 2.821 (a
variação já desconta a inflação do período). Isso significa que o poder aquisitivo desse grupo caiu em
10 anos.
O Brasil é um celeiro do precariado há algumas décadas – pelo menos desde a década de 1980. O
precariado como camada social da classe do proletariado não surgiu na década de 2000, embora
tenha assumido dimensões expressivas por conta do choque do capitalismo na era do
neodesenvolvimentismo. Por exemplo, desde a década de 1980 tornou-se perceptível a inflexão do
padrão desenvolvimentista de inserção ocupacional.
É o que observa Adalberto Cardoso no livro A construção da sociedade do trabalho no Brasil: “Em 30 anos
(1976-2006), ocorreu uma deterioração das chances de inserção ocupacional dos mais qualificados. Isto é, se
até 1976 a maior escolaridade abria as portas das melhores ocupações urbanas, em 2006 esse já não
parecia o caso. É a isso que denomino inflexão do padrão desenvolvimentista de inserção ocupacional,
resultante da operação de três vetores principais: o adiamento da entrada dos jovens no mercado de
trabalho; o desemprego no início das trajetórias de vida; e o consequente aumento da competição
pelas posições de mercado. Ou seja, a escola adquiriu cada vez maior centralidade nas chances de
inserção dos jovens, mas essas chances tornaram-se muito mais restritas e de acesso mais lento em
comparação com os jovens de gerações anteriores.”
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O precariado constituiu a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras que
ocorreram em junho de 2013. Na medida em que cresceram por conta da exposição midiática, o corpo
das manifestações massivas que atingiram as cidades brasileiras incluíram outras camadas sociais,
frações e categorias de classe que ocuparam as ruas. Mas o que eu tenho salientado é que a espinha
dorsal da multidão massiva que ocupou as ruas era constituída pelo precariado.
De repente, o Movimento do Passe Livre (MPL) deu visibilidade nas ruas brasileiras à camada social
média do proletariado precarizado urbano (em contraposição, por exemplo, ao “subproletariado
pobre” que André Singer utilizou para caracterizar a nova base social do lulismo). O precariado seria,
deste modo, o filho prodigo do neodesenvolvimentismo que exige mudanças sociais na pauta do
novo padrão de desenvolvimento brasileiro. Por exemplo, no artigo “Que juventude é essa”,
publicado no jornal “Folha de São Paulo” de 23/06/2013, o sociólogo Marcelo Ridenti descreveu a
juventude que ocupou as ruas nas manifestações do Outono Quente do seguinte modo: “Ao que tudo
indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como
despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade. Parece tratar-se de uma
juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras
diante de suas conseqüências e com pouca formação política” (o grifo é meu). O que Marcelo Ridenti
descreve, sem o saber, é o precariado.
Numa pesquisa feita pelo IBOPE sobre o perfil social dos manifestantes de junho de 2013 no Brasil
tornou-se claro a presença massiva do precariado nas ruas. Por exemplo, 63% dos manifestantes
tinham de 14 a 29 anos e 18% de 30 a 29 anos; 93% dos manifestantes tinham o colegial completo e
nível superior incompleto/completo; 76% dizem que trabalham, sendo 15% disseram que ganham até
2 (dois) salário-mínimos (S.M.); 30% disseram ganhar de 2 a 5 S.M. e 26%, de 5 a 10 S.M.
Além disso, é importante observar, no plano cultural, que o corte geracional torna a camada social do
precariado susceptível à utilização das redes sociais (facebook e twi er). O precariado é constituído
pela proletários nascidos na era digital. Ao mesmo tempo, tendo em vista que o precariado assumiu
dimensões expressivas na era do neoliberalismo, que aprofundou nas últimas duas décadas, a
imbecilização cultural, a despolitização e o irracionalismo social na sociedade brasileira, o precariado
tornou-se bastante susceptível às atitudes anarco-liberais, anarco-punks, neofascistas e esquerdistas
tout cort, isto é, atitudes “extremistas”, manipuladas tanto à esquerda como à direita, principalmente
numa conjuntura social instável e polarizada politicamente. Na verdade, partidos e sindicatos que
representam as camadas organizadas do proletariado urbano têm dificuldades em absorver as
insatisfações sociais, demandas radicais e formas de organização do precariado.
Enquanto camada média da classe social do proletariado, o precariado tem uma cultura e psicologia
social própria. Por um lado são movidos pela profunda insatisfação social. O que significa que a
rebeldia do precariado é expressão das novas dimensões da precarização do trabalho que ocorre no
Brasil. Não se trata apenas da precarização salarial tendo em vista o desemprego, baixos salários,
rotatividade do trabalho, contratos salariais precários e frustração de expectativas de carreira
profissional; mas trata-se também da precarização existencial que ocorre com a precariedade dos
serviços públicos nas cidades brasileiras – transporte público, saúde, educação, espaços públicos – e o
modo de vida just-in-time (discuto isso no meu último livro “Dimensões da Precarização do Trabalho
no Brasil”).
Por outro lado, a camada social do precariado é movida por carecimentos radicais – utilizando o
conceito de Agnes Heller. Enfim, a juventude proletária escolarizada torna-se vulnerável ao desalento
e angústia intrínsecos ao prosaísmo da vida burguesa e a incapacidade da sociedade das mercadorias
na etapa de capitalismo manipulatório em permitir uma vida plena de sentido. Enfim, o precariado
representa, em si e para si, a carência de futuridade intrínseca à ordem do capital. É por expressarem
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A tarefa política da esquerda radical é constituir a aliança interna das camadas sociais do proletariado
urbano – o que não ocorre nem na Europa onde as novas dimensões da luta de classes alcançou maior
desenvolvimento social. De um lado, os movimentos sociais do precariado; e de outro, as
manifestações das centrais sindicais e sindicatos do proletariado organizado com deformação
burocrática. Por um lado, as misérias do esquerdismo, e por outro lado, a miséria do burocratismo
impedindo a unidade política do proletariado como classe social capaz de fazer história. Divide et
impera torna-se hoje, mais do que nunca, nas condições da proletariedade universal, o lema da ordem
sociometabólica do capital.
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Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor
da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e
coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de
pesquisa reunidos em seu site giovannialves.org (h p://www.google.com/url?
sa=D&q=h p://giovannialves.org/&usg=AFQjCNGUmSl68nXCYYQnEcFZg1RCbMkKtg). É autor de
https://blogdaboitempo.com.br/2013/07/22/o-que-e-o-precariado/ 6/9
02/11/2018 O que é o precariado? – Blog da Boitempo
vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo
do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=85-85934-58-1) (Boitempo Editorial, 2000)
e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório
(h p://www.boitempoeditorial.com.br/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-169-7) (Boitempo Editorial,
2011). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.
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Publicado originalmente no Blog da Boitempo Blog no WordPress.com.
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