Вы находитесь на странице: 1из 15

UMA POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DO HORROR VIVIDO PELOS

EXTERMINADOS NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NAZISTA SEGUNDO A


PERSPECTIVA DE HANNAH ARENDT

Marcos Bruno Silva

Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás

RESUMO

O presente artigo busca conhecer as ideias de Hannah Arendt sobre o horror decorrente da
violência perpetrada contra os judeus nos campos de concentração. Arendt buscou a
compreensão do totalitarismo e como as fábricas da morte o engendravam. Os campos de
concentração, apesar de não ser uma invenção do totalitarismo, são os mecanismos
fundamentais que garantiram ao nazismo a efetivação de sua principal ideologia: a de que
tudo é possível. Os campos de concentração eram lugares destinados àqueles considerados
pelo partido nazista e pelo Führer indesejáveis. No começo dos confinamentos iam
criminosos, críticos do nazismo, mas depois centenas de milhares de pessoas inocentes, de
origem judaica, foram colocadas nessas fábricas da morte. Preparada a maquina de destruição
e amparada por ideologias racistas, científicas, preconceitos e discriminações o destino dos
judeus estava selado na Alemanha nazista: o Holocausto. O artigo busca compreender como
Arendt entendia a razão por trás da violência do totalitarismo contra os judeus, os processos
de transformação do ser humano em coisa, por meio da destruição de sua espontaneidade e
liberdade ocorrida nos campos de concentração. A obra de referência para essa pequena
reflexão é As origens do totalitarismo: Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo, mais
especificamente a parte III do livro que se refere ao Totalitarismo. Alguns comentadores
também foram selecionados para a compreensão de suas ideias principais acerca do horror
decorrente da violência totalitária.
Palavras chave: Horror, Totalitarismo, Violência, Espontaneidade.

ABSTRACT

His article seeks to know the ideas of Hannah Arendt on the horror of the violence perpetrated
against Jews in the concentration camps. Arendt sought an understanding of totalitarianism
and how the death factories engendered it. Concentration camps, although not an invention of
totalitarianism, are the fundamental mechanisms that guaranteed to Nazism the realization of
its main ideology: that everything is possible. The concentration camps were places intended
for those considered by the Nazi party and by the undesirable Führer. At the beginning of the
confinements were criminals, critics of Nazism, but then hundreds of thousands of innocent
people of Jewish origin were placed in these factories of death. Prepared for the machine of
destruction and supported by racist, scientific ideologies and prejudices and discriminations
the fate of the Jews was sealed in Nazi Germany: the Holocaust. The article seeks to
understand how Arendt understood the reason behind the violence of totalitarianism against
the Jews, the processes of transforming the human being into something, through the
destruction of his spontaneity and freedom in the concentration camps. The reference work
for this small reflection is The origins of totalitarianism: Antisemitism, imperialism,
totalitarianism, more specifically the third part of the book that refers to Totalitarianism.
Some commentators have also been selected to understand their main ideas about the horror
of totalitarian violence.
Keywords: Horror, Totalitarianism, Violence, Spontaneity

INTRODUÇÃO

Falar sobre algo que causa medo, apreensão, pânico, temor é algo comum no
cotidiano das pessoas, pois fatos como mortes, suicídios, acidentes, assassinatos, roubos,
linchamentos, estupros e genocídios estão quase que ubiquamente presentes nos diversos
meios de comunicação. Todas essas manifestações são objetos de destaque desses veículos de
informações, uma vez que aumenta o ibope justamente por despertar várias sensações
contraditórias nas pessoas. Dessa forma é praticamente impossível que os indivíduos não
tenham contato com essa dimensão macabra da realidade. O horror é uma das sensações
vivenciadas pelas pessoas quando estão em contato, direta ou indiretamente, com situações
que envolvem a possibilidade de graves danos à vida ou que levam à morte de fato; sejam de
si mesmos, ou de seus entes queridos ou de alguém qualquer.

A verdade é que o horror sempre parece querer dizer ou mostrar alguma coisa.
Mas o que se acompanha na história, apesar de Kant (2011 [1724/1804]), em sua obra Ideia
de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita ter enunciado que o ser
humano melhorou muito devido ao aprimoramento de sua sociabilidade, pela razão, devido a
um maior domínio sobre a nossa insociabilidade, o que parece verdadeiro é que ainda há
muito a ser melhorado no que se referem aos impulsos hostis presentes e emanados por esses
seres contra si, os outros e ao mundo. A insociabilidade e o Estado de natureza parecem ainda
reger a conduta do homem, a despeito de suas conquistas racionais e aprimoramento de sua
moralidade.

Não podemos atribuir horror à natureza, pois a natureza não comete erros; por
uma simples razão: ela não pensa, não produz juízos e tampouco delibera sobre suas ações.
Não tem como condenar o céu carregado de relâmpagos, raios e trovões pela morte de alguém
que passa na rua no momento do temporal e é atingido em cheio por um raio. O homem pode
se proteger dessas situações. Contudo, chamaremos atenção aqui para o horror decorrente do
arbítrio, da intencionalidade e violência contra algo escolhido como objeto. Uma das
experiências mais nefastas envolvendo essa concepção de horror e que levou à morte centenas
de milhares de pessoas ocorreu no século XX: o extermínio em massa de judeus nos campos
de concentração na Alemanha, durante o regime nazista.

Como se sabe, os campos de concentração nazista eram os lugares onde ocorriam


as diversas atrocidades contra aqueles considerados inimigos do regime. O horror era
decorrente de uma perpetração da violência extrema contra indivíduos e grupos considerados
perigosos aos olhos do partido nazista e do Führer. Aliada a violência existia uma subjugação
cabal, a qual os prisioneiros dos campos estavam sujeitos. Assim, subjugação e violência
eram as regras imprimidas aos prisioneiros dos campos de concentração, para dar vazão a um
mote ideológico que os colocavam como inimigos da Alemanha.

Mas tudo o que está escrito acima não é novidade. Muitos meios de informações
já levaram ao conhecimento dos diversos tipos de públicos várias imagens, relatos e
conhecimentos sobre esse fato macabro da história. O que este artigo pretende é explorar os
meandros dessa experiência horrorosa efetivada pelos nazistas sobre os judeus nos campos de
concentração durante o regime, considerando o pensamento de Hannah Arendt acerca desse
fato. Para dar conta desse objetivo o estudo buscou caracterizar aspectos essenciais do
totalitarismo, os campos de concentração e a que se destinavam. Para isso, foram
considerados alguns trechos do livro Origens do Totalitarismo: Antissemitismo, imperialismo
e totalitarismo da filósofa Hannah Arendt. Outros textos de comentadores sobre o tema foram
utilizados para aprofundar o que estava em jogo na utilização dos campos de concentração
para perpetração e produção do horror contra os judeus.

O horror produzido nos campos de concentração durante o nazismo

O horror produzido nos campos de concentração durante o nazismo deriva do


emprego racional e sistemático da violência para a aniquilação gratuita de corpos e psiques de
pessoas inocentes. Este acontecimento é um trauma para o ocidente, uma vez que pensadores
até hoje se questionam sobre como foi possível tamanha atrocidade. O nazismo é
compreendido como expressão de um sistema totalitário. O totalitarismo é um sistema
político diferente de tudo o que se viu até então. De acordo com Koshiba e Pereira (2004) esse
sistema possui as seguintes características fundamentais: 1) ideologia oficial, 2) terror policial
e 3) partido único de massa, 4) controle monopolizado da comunicação.
A ideologia oficial do nazismo buscou criar e propagar crenças transformadas em
verdades absolutas, das quais ninguém podia duvidar. A polícia do governo garantia por meio
da intimidação e da violência um controle radical sobre a população, a fim de mantê-la dócil
ao sistema totalitário. Quando Hitler chegou ao poder, o seu partido, o nazista, passou a ser o
único considerado, todos os outros foram extintos. Tudo isso visava o controle absoluto do
partido sobre a população para guiar essa aos seus interesses. Para ajudar nesse controle, o
governo se valia da propaganda, que alimentando o imaginário social alemão deste período,
conseguia penetrar nas mentes e corpos para solidificar o regime e conseguir apoio irrestrito
da população, agora massa, para a execução dos objetivos nazistas.

Um exemplo de crença desse período, a da “superioridade racial” alemã, serviu


de critério para legitimar a diferenciação entre superiores e inferiores, permitiu ação policial
com suas intervenções violentas sobre os inferiores com o apoio da massa, assim como serviu
como conteúdo de propagandas para consolidar junto à massa a aceitação de tudo o que estava
sendo feito. Isso possibilitou o confinamento dos judeus nos campos de concentração. De
acordo com Koshiba e Pereira (2014, p. 327):

a ideologia nazista era irracionalista, anti-humanista e nacionalista. Tendo


em vista a superioridade racial, os nazistas buscavam a dominação das
“raças inferiores”, por meio do uso sistemático da violência, da sistemática
falsificação da verdade, da propagação da mentira e do estrito controle da
informação pela censura estatal, tendo como objetivo final a transformação
dos homens em autômatos, esvaziados de pensamento e de sentimentos
próprios.

Indo ao encontro com o pensamento acima Correia (2003, p. 203) o corrobora


afirmando que “com o totalitarismo, são postos em questão alguns dos traços mais
fundamentais da condição humana: a espontaneidade, ou a capacidade de agir, instaurar o
inesperado, iniciar uma nova cadeia de eventos.”. Desse modo, a única coisa que o
totalitarismo produz é o horror, uma vez que ele destrói sistematicamente a espontaneidade, a
capacidade de inventar e a liberdade de homens e mulheres. Ao destruir pessoas física e
psiquicamente, para a produção de um ambiente extremamente controlado com um fim bem
preciso, a aniquilação, o totalitarismo nada mais é do que uma das manifestações mais
patentes do horror.

Perpetrado contra um grupo de pessoas, os judeus, o horror decorrente do


totalitarismo foi a instauração das piores práticas e técnicas de violência nos corpos e psiques
daqueles que estavam sujeitos aquela atrocidade. Desejando o domínio total, o regime
totalitário buscou um meio conhecido desde a Guerra dos Bôeres, para a eliminação dos
elementos considerados indesejáveis de uma dada sociedade: os campos de concentração.
Estes segundo Arendt (2012), não foram invenções do fascismo, nazismo ou do estalinismo,
mas sim de estratégias de guerras no continente africano que, a despeito disso, serviram
perfeitamente ao regime nazista. No contexto totalitário serviu como laboratórios de produção
sistemática de horror, onde o humano era objeto de toda a sorte de experimentos.

Ao instaurarem o horror, os campos de concentração reproduziam ad nauseam a


ideologia totalitária de que, segundo Arendt (2012) tudo era possível. A eliminação da
espontaneidade e liberdade humanas e a transformação da personalidade humana numa coisa,
desejando a alteração da natureza humana são fatos que ocorreram dentro dos campos de
concentração e permitem o vislumbre da ausência de limites dessa ideologia totalitária. O
regime totalitário por meio dos campos de concentração era uma fábrica de horror, pois não
levava em consideração a vida, mas sim a morte desumana do grupo considerado indesejáveis
pelos nazistas e, cegamente, devido ao estado de hipnotismo coletivo, pela massa da
sociedade alemã, pois “o verdadeiro segredo – os campos de concentração, esses laboratórios
onde se experimenta o domínio total – os regimes totalitários ocultam dos olhos do seu
próprio povo e de todos os outros povos.” (ARENDT, 2012, p. 580).

Portanto, a destruição da conduta espontânea do ser humano e a sua


transformação em objeto para a satisfação de ideologias irracionais, para um domínio total de
grupos de indivíduos considerados inferiores, diz respeito à efetivação do horror produzido
nos campos de concentração.

Características do horror perpetrado pelo terror totalitário nos campos da morte

O horror produzido nos campos de concentração nazista tem algumas


características que merecem ser destacadas. Segundo Arendt (2012) o domínio total do grupo
escolhido pelos nazistas objetiva uma sistematização completa da infinita pluralidade e
diferenciação dos seres humanos para reduzi-los a uma mesma identidade de reações. Para se
conseguir isso, os operadores dos laboratórios do horror não mediram esforços para
produzirem experiências atrozes contra os infelizes merecedores de toda essa violência.
Destruir a espontaneidade do indivíduo e de seu grupo era o meio para o regime nazista
conseguir seres abjetos e legitimar contra eles toda a sorte de experiências bizarras.
O lema principal desse regime totalitário tudo é possível permitia a existência
desse tipo de experiência desumana. Afinal, era preciso a existência de grupos inimigos que
bateriam de frente com os projetos de superioridade da nação alemã (judeus), ou de pessoas
que por apresentarem comportamentos diferentes da tradição conservadora alemã
(homoafetivos) eram vistas como ameaça à moral sexual e aos bons costumes da sociedade
alemã. Outros grupos como os negros, estrangeiros e deficientes foram levados aos campos de
concentração, pois o ideal ariano de uma raça superior, livre de deformidades fenotípicas e
genotípicas, exigia uma purificação da população alemã.

Conhecidos os inimigos a serem dizimados pelos nazistas, passava-se agora a


caça incansável deles, pois eram perigosos aos interesses nefastos do Führer, Hitler.
Capturados, ou levados, sem agressividade, ao trágico destino que os aguardavam, os grupos
que representavam a diferença, o Outro, em relação à suposta mesmidade dos alemães, foram
colocados nos campos de concentração. Esse horror que era representado e efetivado por
esses lugares da morte foi descrito por Arendt (2012) da seguinte maneira:

Os campos destinam-se não apenas a exterminar pessoas e degradar seres humanos,


mas também servem à chocante experiência de eliminação, em condições
cientificamente controladas, da própria espontaneidade como expressão da conduta,
e da transformação da personalidade humana numa simples coisa, em algo que nem
mesmo os animais são; pois o cão de Pavlov que, como sabemos, era treinado para
comer quando tocava um sino, mesmo que não tivesse fome, era um animal
degenerado. (ARENDT, 2012, p. 582).

Se as vítimas conheceram algo de novo e concreto nesses lugares sombrios foi o


pesadelo de uma realidade brutal construída por uma racionalidade instrumental movida por
um ódio cego contra o outro. Os campos de concentração levaram às últimas consequências
as ações de extermínio e controle absoluto sobre os “indesejáveis”, por meio de um horrível
processo de desumanização, daqueles que supostamente são diferentes.

Dessa maneira percebe-se a inexistência de leis nos campos de concentração,


excetuando-se aquelas perpetradas mediante violência sobre os grupos de judeus nos campos
da morte. Durante o regime nazista e a vigência das fábricas da morte, enquanto projeto
sistemático de eliminação, o que conhecemos por direitos do homem, nada mais pareciam do
que ficções ou utopias. O que prevalecia era o desejo e a vontade do führer e o que ele achava
melhor para o seu país, seguida como uma verdade absoluta encarnada na ideologia nazista.

Outra característica dessa experiência dos campos de concentração é a fabricação


da superfluidade. O que significa uma produção de superfluidades? Produzir algo de natureza
superficial implica na destruição de uma complexidade ou na sua redução a um elemento
desejável por aqueles que a operam com finalidades específicas. A superfluidade é um
elemento fundamental para a vigência de regimes totalitários. Correia (2003, p. 202) afirma
que a produção da superfluidade envolve a abolição da “distinção entre o legal e o ilegal e
entre ação e o comportamento” para a dissolução da “distinção mais fundamental entre o
natural e o artificial.”.

Uma vez abolida as diferenças, seja no âmbito legal ou entre o natural e o


artificial, o programa totalitário ao fomentar a superfluidade do ser humano visa a sua
completa utilização e posteriormente o seu descarte, quando não servirem para mais nada de
interesse no que tange as experiências de horror propagadas nos campos de concentração.
Pode-se pensar aqui, por exemplo, nas experiências médicas realizadas com os judeus.
Aplicava-se doenças em seus corpos para se acompanhar a evolução e o desenvolvimento do
mal em seus organismos. Realizar esses tipos de “experiências” desconsiderando o outro e a
sua vida apenas para vislumbrar descobertas para o aprimoramento de uma raça superior diz
muito sobre o horror vivenciado pelos judeus nas mãos de pessoas que estavam prontas para
qualquer tipo de atrocidade.

Para que o horror vigore é necessário que seus proponentes estejam lidando com
coisas e não com seres humanos, pois considerando que “a destruição programada e gratuita
de indivíduos inocentes” era o mote central do regime totalitário, todos aqueles vistos como
indesejáveis deveriam ser eliminados de uma vez por todas pelos apologistas da nova raça ou
do novo homem, pois de acordo com Arendt (2012, p. 588) “no mundo concentracionário
mata-se um homem tão impessoalmente como se mata um mosquito”. O que parecia justificar
tamanha brutalidade é que “o interno do campo de concentração não tem preço algum, porque
sempre pode ser substituído; ninguém sabe a que ele pertence, porque não é visto.”
(ARENDT, 2012, p. 590).

O uso dessa violência programada racionalmente contra aqueles, ora considerados


meras coisas, ora como invisíveis, busca esvaziar e aniquilar o diferente, o singular, de suas
potencialidades, sua liberdade, sua espontaneidade, sua esperança, e, mais ainda, a sua
imprevisibilidade. Considerando esse uso, Correia (2003, p. 204) comenta esse aspecto do
horror produzido pelo terror totalitário nos campos de concentração:

É a espontaneidade e a imprevisibilidade da ação que o terror totalitário tem em mira


e é propriamente este um dos aspectos essenciais da novidade totalitária: a pretensão
de instauração de uma dominação total, intrinsecamente anti-política, na medida em
que busca eliminar as condições pré-políticas que tornam possíveis a ação e a
instauração de um espaço público. Não por acaso, o controle das potencialidades e
possibilidades de cada nascimento foi uma das metas das „experiências médicas‟ nos
campos de concentração. (CORREIA, 2003, p. 204).

O controle absoluto da vida de indivíduos e grupos pelos nazistas nos campos de


concentração retirava daqueles todas as condições de possibilidade de existirem. É verdade,
contudo, que existiram sobreviventes ao Holocausto. Mas, quando falamos do horror nos
referimos à violência perpetrada contra os indesejáveis, judeus, que não sobreviveram para
contar suas histórias. O humano presente em cada indivíduo vítima das experiências
concentracionárias foi destruído para a consolidação do que eram homens em coisas, em
objetos, que seriam usados, testados e descartados logo que os resultados dos experimentos
executados pelos agentes do nazismo estivessem disponíveis. Assim, as características do
horror presente nos campos de concentração eram as de reduzir a pluralidade humana a uma
identidade única orientada pela crença de que tudo é possível, a fabricação da superfluidade
pela devastação da espontaneidade e das condições de possibilidade existenciais, daqueles
considerados como ameaça ao regime totalitário, para a sua coisificação e descarte.

A violência e o nonsense do horror no processo de desumanização perpetrado nos


campos de concentração

A violência, ao que parece, sempre esteve presente na vida humana, em diferentes


épocas históricas e articuladas a sentidos bem precisos dependendo dos contextos as quais
estavam inseridas. Contudo, no caso dos regimes totalitários, por meio das enormes
atrocidades verificadas contra alguns grupos humanos, a tônica que rege a violência parece
ser a do nonsense e do exagero. Por mais que tenhamos uma constatação histórica de como foi
organizado esse mecanismo e toda essa arquitetura da destruição, parece que o entendimento
esmaece diante de tamanha barbárie frente à gratuidade e a imensa desproporcionalidade
atingida durante o nazismo.

Arendt (2012) comenta sobre a perplexidade sentida por aqueles que não
entendem tamanha vileza, crueldade e horror imprimidos a seres humanos considerados
suspeitos pelos nazistas, mas que não possuíam indícios concretos de terem cometido crime
algum. A violência e o horror gratuitos contra esses humanos assentam-se fundamentalmente
no momento de necessidade do regime totalitário e também na possibilidade de descarte da
massa de coisas ali presentes, prontas para serem usadas ou destruídas, conforme as metas do
sistema, pois “uma pessoa pode morrer em decorrência de tortura ou de fome sistemática, ou
porque o campo está superpovoado e há necessidade de liquidar o material humano
supérfluo.” (ARENDT, 2012, p. 588). Assim percebe-se a arbitrariedade e o imenso poder
daqueles que detinham o poder de centenas de milhares de vidas em suas mãos e o que delas
poderiam fazer caso desejassem.

Então, tamanha violência não possui explicação? Arendt e muitos outros filósofos
tentaram dar explicações para o que aconteceu. Refletindo sobre uma possível explicação
Arendt (2012) escreve:

Tudo o que se faz nos campos tem o seu paralelo no mundo das fantasias malignas e
perversas. O que é difícil entender, porém, é que esses crimes ocorriam num mundo
fantasma materializado num sistema em que, afinal, existiam todos os dados
sensoriais da realidade, faltando-lhe apenas aquela estrutura de consequências e
responsabilidade sem a qual a realidade não passa de um conjunto de dados
incompreensíveis. Como resultado, passa a existir um lugar onde os homens podem
ser torturados e massacrados sem que nem os atormentadores nem os atormentados,
e muito menos o observador de fora, saibam que o que está acontecendo é algo mais
do que um jogo cruel ou um sonho absurdo. (ARENDT, 2012, p. 591-592).

Um jogo cruel ou um sonho absurdo, mais um pesadelo infernal, o problema é que


a desmesura existente entre o que foi praticado e o que se acreditava não foi bem assimilada
pela racionalidade daquele tempo. A não assimilação talvez se deva à incredulidade resultante
de um encanto mórbido que tomou conta das consciências e sensibilidade humanas,
produzidos pelas propagandas nazistas junto à população alemã, fazendo ecoar em suas
mentes e corações “isso não é verdade” apesar de todas as evidências de uma barbárie
acontecendo ali, bem debaixo de seus narizes. O impacto dessa perversidade foi tão visceral,
que levou Arendt a proferir um lamento acerca dessa bizarrice: que os homens que praticaram
tamanha atrocidade não deveriam ter nascido.

O processo de destruição da condição humana do indivíduo nos campos de concentração

O regime totalitário por meio dos campos de concentração tinha como objetivo a
aniquilação da condição humana do indivíduo. O que caracteriza essa condição e o que leva o
indivíduo a perdê-la? De acordo com Braga (2018) a condição humana pode ser considerada
como a pluralidade de formas e maneiras que os homens e seus agrupamentos estabelecem
quanto à organização de seu viver, para a produção de sua existência num dado tempo e lugar.
De acordo com Braga (2018) Arendt considera a condição humana em três eixos: Labor,
Trabalho e Ação. Ao organizar a vida humana nesses eixos, a filósofa alemã empreende uma
tentativa de esboçar como o ser humano e seus próximos se organizam individual e
coletivamente, considerando os suas necessidades naturais e culturais, para darem sentidos às
suas existências.
Esvaziar os grupos dessa organização existencial é produzir a superfluidade
necessária aos propósitos do totalitarismo e das crenças dos agentes nazistas, que buscavam a
transformação da natureza humana: indivíduos sem humanidade, vazios, para assumirem o
estatuto de mera coisa, que servirá a uma função qualquer. É a retirada abrupta da
pessoalidade, da espontaneidade do homem e da mulher para colocá-los no mundo do terror,
do horror da impessoalidade. Mas como se dá essa passagem da pessoalidade à
impessoalidade? Arendt (2012, p. 593) comenta sobre o início do processo de desumanização
daqueles considerados perigosos: “a desvairada fabricação em massa de cadáveres é precedida
pela preparação, histórica e politicamente inteligível, de cadáveres vivos.”.

O passo inicial, segundo a filósofa alemã, é a morte da pessoa jurídica do homem.


Com isso, ela quer dizer que os grupos de pessoas escolhidos pelo regime totalitário foram
considerados fora da lei. Segundo Arendt (2012, p. 598) “a destruição dos direitos de um
homem, a morte da sua pessoa jurídica, é a condição primordial para que seja inteiramente
dominado”. Assim, ao perderem a proteção legal, ou seja, seus direitos, aqueles indivíduos e
agrupamentos humanos estavam desprotegidos, desamparados, excluídos da proteção do
Estado.

O segundo passo é a morte da pessoa moral do homem e a aniquilação da


individualidade e singularidade do homem. Arendt (2012, p. 600) a esse respeito comenta
sobre a morte da pessoa moral do homem nos campos de concentração:

Os campos de concentração, tornando anônima a própria morte e tornando


impossível saber se um prisioneiro está vivo ou morto, roubaram da morte o
significado de desfecho de uma vida realizada. Em certo sentido, roubaram a própria
morte do indivíduo, provando que, doravante, nada – nem a morte – lhe pertencia e
que ele não pertencia a ninguém. A morte apenas selava o fato de que ele jamais
havia existido. (ARENDT, 2012, p. 600).

Percebe-se acima a transformação da pessoalidade em impessoalidade. Aniquilar


o indivíduo e seu grupo, destruindo sua história, suas relações, extirpando-os de suas raízes,
em suma, fazer desaparecer suas consciências e vivências e os deixando na mais absoluta
solidão, eis o tratamento sistemático dado aos grupos de inimigos escolhidos pelos nazistas.
Outra estratégia para fomentar a produção do horror sistemático é misturar aos grupos,
criminosos, políticos e inocentes. Isso daria uma roupagem legal, legitimando, às atrocidades
direcionadas aos indivíduos e grupos pelos nazis. O controle era tão absoluto, diz Arendt
(2012, p. 597), devido às estratégias de manipulação sobre os grupos, que os indivíduos
respondiam cegamente às “categorias que lhes eram imputadas.”.
No que tange a outra etapa do processo, a destruição da singularidade dos
indivíduos, essa etapa se mostrou mais difícil. Contudo, foram muitas as formas que os
nazistas imprimiram o horror totalitário aos indivíduos. Os seus corpos foram os territórios
mais atingidos pelos ataques dos agentes da destruição. Os métodos utilizados para a
manipulação desses corpos objetivavam imprimir-lhes infinitas possibilidades de dor e
conseguir a destruição daqueles tão inexoravelmente quanto algumas doenças mentais de
cunho orgânico fazem. (ARENDT, 2012, p. 601). A tortura era a estratégia de intervenção
utilizada pelos agentes do nazismo sobre esses corpos. O que a motivava, de acordo com
Arendt (2012, p. 602), parecia ser “um profundo ódio e ressentimento contra os que eram
social, intelectual ou fisicamente melhores que eles, e que estavam agora à sua mercê, como
numa realização dos seus mais loucos sonhos.”

Os grupos selecionados para a morte pelos nazistas eram tratados como se fossem
inferiores. Foram rotulados arbitrariamente como “indesejáveis” para dar vazão aos impulsos
totalitários para a consolidação do domínio total sobre as ameaças almejado pelo nazismo.
Foram utilizados como bodes expiatórios, como animais de sacrifício, para que o plano do
führer se tornasse realidade: “a destruição absolutamente fria e sistemática de corpos,
calculada para aniquilar a dignidade humana”. Característica que na verdade nem era levada
em consideração, pois o biologismo supérfluo que embasava ideologicamente uma das
perspectivas do movimento totalitário considerava que na verdade, “todos os homens são
essencialmente animais.” (ARENDT, 2012, p. 602).

Morte jurídica, morte moral, e a destruição da singularidade retira do homem sua


condição humana. Retira-o desta uma vez que desloca grandes contingentes humanos de seus
contextos de origem, de suas vivências naturais, de seus relacionamentos habituais, enfim, de
suas existências construídas de acordo com suas crenças, valores, trabalho e necessidades para
dar a eles o destino do matadouro. Ao retirar a pessoalidade, e colocar em seu lugar a
superfluidade, os que eram antes homens e mulheres concretos, com histórias, desejos e
singularidades próprias passam agora a ser objetos, coisas, destinadas à morte. Sobre isso
lamenta Arendt (2012, p. 603) “nada é mais terrível que essas procissões de seres humanos
que vão para a morte como fantoches”. Fantoches, porque até mesmo a morte era algo
possível se somente se os nazistas assim desejassem.

Destituídos de sua condição humana, mas possuídos pelo horror da violência


totalitária e pelo anonimato da impessoalidade, Arendt (2012, p. 603) aponta a justificativa
para a produção de fantoches: “porque destruir a individualidade é destruir a espontaneidade,
a capacidade do homem de iniciar algo novo com seus próprios recursos, algo que não possa
ser explicado à base de reação ao ambiente e aos fatos.”. Imaginemos a dizimação de um ser e
de seu ambiente circundante para a utilização daquele com um fim eminentemente pragmático
e utilitário. É isso o que o regime totalitário desejou e realizou com as massas humanas
presentes nos campos de concentração.

O horror perpetrado pelos campos de concentração objetivou a transformação da


natureza humana por meio da destruição da condição humana, ou seja, do homem concreto,
suas formas de vida e de suas raízes culturais. Isso foi possível porque foi instaurado um
processo de destruição sistemática do indivíduo e do seu grupo, considerado subversivo pelos
nazistas, para a sua transformação em um mero feixe de reações, tipo o cão degenerado de
Pavlov, que perdeu sua natureza de cão para se tornar algo que meramente responde estímulos
artificiais emitidos por um testador. O destino do cão depois de realizados os experimentos foi
à morte, assim como o contingente de humanos transformados em coisas descartáveis.

O que essa experiência instaurada de forma racional, sistemática, utilitária e


pragmática pelo totalitarismo deixou como legado foi à apreensão e a perplexidade. Nunca
acreditaríamos que tal absurdo executado contra outros seres humanos fosse possível. Os
impactos das experiências dos campos de concentração deixaram a civilização ocidental
traumatizada. Arendt (2012, p. 609) alerta contra o esquecimento desses eventos, pois
reconhece que “as soluções totalitárias podem muito bem sobreviver à queda dos regimes
totalitários sob a forma de forte tentação que surgirá sempre que pareça impossível aliviar a
miséria política, social ou econômica de um modo digno do homem”.

Sabendo que a essência do totalitarismo é o terror, o horror, perpetrado por uma


violência racionalizada contra o homem espontâneo a fim de se criar um arremedo de
respostas tudo que for dito por um superior, Arendt (2012, p. 609) conclui:

O perigo das fábricas de cadáveres e dos poços de esquecimento é que hoje, com o
aumento universal das populações e dos desterrados, grandes massas de pessoas
constantemente se tornam supérfluas se continuamos a pensar em termos utilitários.
Os acontecimentos políticos, sociais e econômicos de toda parte conspiram
silenciosamente com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens
supérfluos. (ARENDT, 2012, p. 609).

Assim, a eliminação das raízes, da individualidade e da espontaneidade dos


homens e mulheres, da condição humana, constitui o horror perpetrado pelo totalitarismo, em
nome de uma ideologia niilista de que tudo é possível. O resultado do emprego da violência
instrumental contra alguns grupos humanos durante o totalitarismo nazista resultou na
descoberta de que é possível desumanizar o homem e transformá-lo em coisa; dar ao homem
um estatuto de superfluidade tornando-o algo a ser descartado. Os campos de concentração
destruíram a ideia de inerência entre dignidade e humanidade, mostrando que o homem é
apenas um corpo que pode ser modelado conforme os interesses do Estado, ou dos desejos
perversos de quem detém o controle, no caso, o führer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos como se processou o horror vivenciado pelos indesejáveis e principalmente


pelos judeus nos campos de concentração nazista. O horror nessa experiência, que talvez
tenha sido a mais traumática produzida pelo homem até os dias de hoje, não é apenas algo
envolvendo uma sensação. O horror era a regra. E junto com o terror regiam todas as
manifestações do regime totalitário. A destruição sistemática do indivíduo e de grupos de
pessoas consideradas ameaças; a ausência absoluta de leis, como lei máxima do regime
totalitário; a efetivação do princípio “tudo é possível”, inclusive a destruição da
espontaneidade e singularidade do indivíduo, que o caracteriza como humano, e a colocação
da superfluidade no lugar de algo que envolve raízes são apenas alguns dos traços do horror
verificado contra os “indesejáveis”.

Arendt se debruçou sobre esse fenômeno e realizou uma análise moral da barbárie
perpetrada pelos nazistas contra judeus, homoafetivos, negros e deficientes. Sentidos como
ameaça pelos nazistas, estes ao buscarem o ideal da raça superior, não mediram esforços para
empregar sistematicamente um processo de eliminação. A perplexidade e a desmesura dos
atos empregados pelos nazistas colocaram em xeque os valores que até então eram
invioláveis, como, por exemplo, o da dignidade humana. Os nazistas provaram que esta nada
mais é do que apenas um nome. Eles viam apenas corpos, massa, a serem manipulados
conforme as decisões dos agentes da destruição.

Nenhum ser humano ou grupo humano aceitaria passivamente uma tentativa de


domínio total sobre suas vidas. As perdas das condições geradoras de vida são fortemente
sentidas com intensa resistência por qualquer pessoa com consciência de suas raízes
históricas. Contudo, se houve resistência por parte da maioria dos grupos exterminados, essa
deve ter ocorrido na mente; devem ter buscado lugares em sua imaginação onde não houvesse
tanto terror e horror. Mas, o que ficou registrado foi o sucesso do programa de extermínio
nazista conhecido como solução final, onde milhares de vidas foram sacrificadas em nome de
uma racionalidade brutal.

Até hoje se pergunta o que teria levado os nazistas a realizar tamanha barbárie
contra muitos inocentes. Mesmo se não fossem inocentes, as pessoas mereceriam tal
desfecho? Arendt realizou uma análise sóbria da fabricação de cadáveres vivos para fazer
valer o projeto totalitário: o domínio total do humano. Domínio brutal, a custa de muita
violência e horror para efetivar na realidade projetos ideológicos oriundos da mente
ensandecida de Hitler. Deste modo, o que é o horror produzido nos campos de concentração?
É a destruição intencional operada pelos nazistas contra indivíduos e grupos em nome de
projetos ideológicos e perversos de poder, que visavam uma sociedade da “raça superior”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São


Paulo: Companhia das Letras, 2012.
BRAGA, T. “A Condição Humana” de Hannah Arendt. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/praxis/171/A%20condi%C3%A7%C3%A3o%20h
umana.doc?sequence=1&isAllowed=y Acesso em:29/08/2018.
CORREIA, A. Os campos de concentração e a fabricação da superfluidade. Fragmentos de
Cultura. Goiânia, 2003.
FERREIRA, H, B, A. Novo Aurélio Século XXI: O dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
KANT, I. Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.
KOSHIBA, L; PEREIRA, F, M, D. História Geral e Brasil: trabalho, cultura, poder. São
Paulo: Atual Editora, 2004.

Вам также может понравиться