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BUROCRACIA: GÊNESE, CONCEPÇÃO, EXEMPLOS, CRÍTICA E

CONTROLE

1- BUROCRACIA – CONCEITO E GÊNESE

O termo burocracia foi cunhado por um economista e político francês do século


XVIII, chamado Jean-Claude Marie Vincent. Esse nome advém da junção dos termos
bureau e cracia.
Bureau é o nome em francês para “mesa”. Nesse contexto, ele é usado para
designar escritórios de setores da administração ou agências (geralmente
governamentais) de vários tipos, em alusão clara às mesas de trabalho. Muitos
escritórios e agências em países estrangeiros têm bureau no nome, como, por exemplo: o
Federal Bureau of Investigation, o famoso FBI, a agência de inteligência e investigação
criminal do governo norte-americano; o bureau de vote, termo em francês que designa o
local onde se realizam eleições; o Bureau of the European Parliament, uma espécie de
órgão consultivo para assuntos de gestão, orçamento, planejamento e pessoal, formado
por líderes de países do Parlamentum Europaeum; o Citizens Advice Bureau, entidade de
caridade britânica que acolhe pessoas em suas necessidades e dúvidas; o Student Travel
Bureau, instituição privada que organiza viagens de intercâmbios para estudantes e
emite carteiras de identidade estudantil internacionais, ou, ainda, o Bureau Veritas,
instituição responsável por avaliações e emissão de certificados de qualidade em várias
áreas.
O sufixo cracia é derivado da palavra grega κράτος, nome de um titã, personagem
da mitologia, conhecido por sua enorme força. Daí, o nome krátos, que se relaciona ao
conceito de poder e dominação – como visto nas palavras cráton, nome de uma
estrutura geológica que tem como principal característica sua resistência; democracia,
ou o poder do povo; meritocracia, a primazia do mérito, dentre vários outros exemplos.
Literalmente, então, o termo burocracia poderia ser interpretado como “poder
dos escritórios”. O sociólogo e jurista alemão Max Weber se debruçou sobre essa
temática, e seu nome é hoje atrelado à noção de burocracia quase que imediatamente.
No seu famoso texto intitulado “Política como vocação”, um de seus escritos
acerca da sociologia política, Weber descreve as formas de dominação. Segundo o autor,
há três delas: (i) a forma carismática, baseada no carisma, na veneração, no caráter
exemplar ou heróico de alguém; (ii) a forma tradicional, baseada na santidade da
tradição, comum, por exemplo em monarquias; e, por fim, (iii) a forma racional-legal,
baseada na crença da legitimidade das ordens daqueles que, em virtude das próprias
ordens, sejam nomeados para exercer a dominação. Nesse sentido, pode-se afirmar que
a burocracia é uma forma racional-legal de dominação, produto do contexto sócio-
econômico em que está inserida (WEBER, 2006).
O mundo lida com um processo histórico de racionalização. Avançando, ao
passar pelos egípcios, pelo principado romano, pela modernização da Igreja Católica,
pela China, pelos Estados europeus do século XIX e pelas grandes empresas capitalistas
(WEBER, p. 21), há uma linearidade à qual se soma um número cada vez maior de ações
sociais. Em vez de ações cujas motivações encontram-se na moral, na emoção, no
costume, na tradição ou no carisma, a racionalização, o cálculo e a busca por eficiência
têm estado presente no ideário humano de modo crescente.
Weber mostra isto de uma maneira muito clara na sua obra “A Ética Protestante e
o Espírito do Capitalismo”: principalmente no mundo ocidental, há uma realidade de
secularização. A ação motivada por princípios éticos-religiosos passa a ser dominada
por princípios financeiros-racionais, a base do capitalismo. A racionalização institui-se
através da chamada “gaiola de ferro”. A partir daí, o mercado capitalista torna-se cada
vez mais forte, o Estado passa a ser – de modo gradativo – racionalmente administrado,
além do fato de a ciência e as tecnologias se desenvolverem (WEBER, 2001).
Desenvolve-se também o que é chamado de Economia Monetária, a partir da
presença de um orçamento racionalmente fixo. Assim, pode-se fixar e atuar
racionalmente através de despesas afixadas e receitas previstas. Segundo Weber, “a
burocracia como estrutura permanente está ligada à pressuposta existência de certas
receitas constantes que permitam a sua sustentação” (WEBER, p. 27).
As taxas e impostos deixam de ser pagos aos senhores feudais e passam a ser
destinadas ao Estado, que administra esse orçamento. Além disso, cresce a atuação do
aparelho estatal – como no caso das polícias e dos exércitos, exemplos usados por
Weber. Para atuar, o Estado moderno precisa de funcionários, e esses funcionários têm
de obedecer à forma da estrutura burocrática. Segundo o autor: “De um ponto de vista
técnico, é óbvio que o grande Estado moderno depende totalmente de uma estrutura
burocrática. Quanto maior for o Estado, mais necessariamente estará nesse caso.”
(WEBER, p. 32).
Nesse cenário de racionalização, os servos passam a ser funcionários,
remunerados por suas atividades – ou seja, há a “substituição do antigo procedimento
processual, fundado na tradição ou em casos irracionais, pelo perito especializado e
preparado racionalmente” (WEBER, p. 40).
Há, em síntese, um aumento qualitativo e quantitativo no âmbito das tarefas
administrativas. De tal modo, somando-se ao crescimento e melhoramento das
comunicações, a burocracia encontra um substrato fértil para seu crescimento.
Outrossim, essa sociedade racional não é mais capaz de se deixar dominar
facilmente de maneira tradicional ou carismática. Resta, então, a dominação legal, onde
se insere o exemplo da estrutura burocrática.
A caracterização de burocracia proposta por Max Weber, tida com seu “tipo
ideal”, será feita no próximo tópico. Sumariamente, as principais características da
burocracia, essa estrutura baseada na racionalidade típica do seu contexto de inserção,
são: sua vinculação às normas, seu princípio de hierarquia, sua base em documentos
escritos, sua primazia à expertise, seu foco na total capacidade de trabalho e sua
administração de cargos regida por normas.

2- O MODELO WEBERIANO – CONCEPÇÃO, EXEMPLOS E CRÍTICA

Como já foi dito no tópico acima, o modelo weberiano de burocracia se baseia em


seis pressupostos básicos (WEBER, pp. 9-12):

1. As atividades são feitas seguindo leis ou ordenamentos administrativos;


2. Há uma subordinação ferrenhamente organizada, na qual a hierarquia de cargos e de
diversos níveis de autoridade é presente e regulada oficialmente;
3. A administração baseia-se em documentos escritos arquivados;
4. O funcionário não detém a propriedade do meio de produção;
5. Demanda-se especialização (ou expertise) para se ocupar determinado cargo;
6. A atividade requer total capacidade de trabalho do funcionário;
Além disso, Weber ainda cita a estima social que os burocratas têm (WEBER, p.
14) e a função da vitaliciedade da posição do funcionário (WEBER, p.18), que atua no
sentido de garantir uma certa renda durante velhice e de proteger o funcionário de
demissões arbitrárias (WEBER, p. 19).
Todavia, antes da discussão de cada um desses pressupostos weberianos e de
suas implicações no âmbito das organizações, passa-se à discussão de o que é, para Max
Weber, um “modelo”.

2.1- MAX WEBER E SEUS “TIPOS IDEAIS”

Frequentemente, na literatura de Weber, encontram-se os termos “modelo” e


“tipo ideal”. Weber era um anti-positivista. Ele refuta uma visão holística, como a que
tinha Durkheim, e focava nas ações pessoais, bem como nas motivações para tais ações.
Assim, para poder comparar seus objetos de estudo, Weber considerava “tipos ideais”,
uma acentuação de determinadas características de um modo que nem sempre (quiçá
nunca) é encontrada na realidade.
Os modos de dominação (carismática, tradicional e racional-legal) são “tipos
ideais” – pode ser que eles se misturem na realidade –, bem como a própria burocracia
aqui estudada é um “tipo ideal”. Dessa forma, os pressupostos citados acima
correspondem à burocracia tida como “tipo ideal” – e ela pode variar em conformidade
às suas particularidades.
Feita essa explicação, pode-se passar às explicações e exemplificações dos
pressupostos básicos de uma burocracia do “tipo ideal”.

I. SUBMISSÃO DAS ATIVIDADES ÀS NORMAS


Como dito por Weber, “As atividades normais exigidas pelos objetivos da
estrutura organizada burocraticamente dividem-se de forma estável como deveres
oficiais” (WEBER, p. 9). De modo semelhante, “O cumprimento normal e continuado
desses deveres [...] é assegurado por um sistema de normas” (WEBER, p. 9).
Tal obediência às regras escritas permite a padronização e continuidade de
processos dentro das organizações, visando à racionalidade e à busca por eficiência.

II. SUBORDINAÇÃO FERRENHA À HIERARQUIA


Outro pressuposto presente no “tipo ideal” de burocracia weberiana é a forte
subordinação à hierarquia, o qual está também imbricado ao primeiro pressuposto. Os
membros das organizações burocráticas – sejam elas privadas ou públicas – estão
dispostos hierarquicamente de acordo com suas atribuições e capacidades, ditadas pelas
tais normas.
Os cargos, definidos por tais regras específicas, são subordinados à supervisão de
um superior. Ainda, a disposição de cargos se dá no correr de uma carreira (WEBER, p.
19), regulada por leis e normas, como disposto pelo primeiro pressuposto.

III. ANTEPOSIÇÃO AOS DOCUMENTOS ESCRITOS


Talvez esse seja o traço que mais motive deboches à burocracia. Entretanto, a
burocracia está ligada aos arquivos e documentos escritos. Esse princípio também liga-
se aos demais, de forma que os documentos são legalmente exigidos, para documentar
todas as atividades da administração e garantir o acesso aos dados e informações
quando necessário para auxiliar nas tomadas de decisão.
IV. IMPESSOALIDADE E SEPARAÇÃO DO PATRIMÔMIO
A burocracia é uma atividade puramente racional e impessoal. Segundo Weber, “a
burocracia considera a atividade oficial como um âmbito independente da vida privada”
(WEBER, p. 11).
Assim, a fim de racionalizar o emprego de recursos e aumentar a eficiência das
ações das organizações, o “tipo ideal” de burocracia weberiana preconiza a separação
entre propriedade privada do funcionário e propriedade da organização. Weber, ainda,
exalta a necessidade de uma ação baseada no princípio do sine ira et studio, que implica
em certa desumanização da burocracia – que despoja os assuntos oficiais do amor, do
ódio, e demais fatores emocionais; sem ira nem preconceito (WEBER, p. 40).

V. DEMANDA POR EXPERTISE


“Administrar um cargo, e administrá-lo de forma especializada, implica,
geralmente, uma preparação cabal e experta” (WEBER, p. 11). O modelo weberiano de
burocracia demanda conhecimento específico do funcionário; conforme estabelecido
legalmente para dada atribuição ou cargo.
Nesse sentido, Weber trata do que ele chama de “exames especiais”, uma forma
do que se chama hoje de “concurso público” (WEBER, pp. 79-81). Assim, o teórico
mostra a relação entre racionalização da educação e da instrução. Pode-se afirmar que
há uma grande extemporaneidade entre o que Weber disse anos atrás e a situação em
que o ensino superior moderno se dá. A demanda burocrática por uma educação perita
molda – em termos – vários cursos superiores à forma desses exames.

VI. REQUERIMENTO DE TOTAL CAPACIDADE


O “tipo ideal” weberiano de burocracia fixa a jornada obrigatória de trabalho nos
escritórios, como uma forma de racionalizar as ações dos funcionários e garantir a total
capacidade deles. Além disso, requer-se primazia e preferência do employé de bureau à
sua função.
A atividade no contexto de uma organização burocrática requer toda a
capacidade, todo o foco, do funcionário. Expõe-se, assim, a concepção de
profissionalismo da burocracia: o funcionário dá seu trabalho à organização; que por seu
turno o compensa com um salário (WEBER, p. 13).
Weber faz o contraponto a esse pressuposto com o exemplo de como as tarefas
administrativas eram deixadas num segundo plano na antiguidade.

2.2- A SUPERIORIDADE DO “TIPO IDEAL” WEBERIANO

Seguindo à risca todos esses pressupostos, o “tipo ideal” de burocracia proposto


por Max Weber se aproxima de o que o autor chama de “superioridade puramente
técnica” (WEBER, p. 37).
Weber afirma que a burocracia possui progresso em relação às outras formas de
estrutura organizacional – ele inclusive relaciona sua importância e inovação ao
comparar o papel da burocracia ao de uma máquina no processo produtivo.
Isso se deve, segundo o estudioso alemão, porque:

Precisão, velocidade, certeza, conhecimento dos arquivos, continuação, direção,


subordinação estrita, redução de desacordos e de custos materiais e pessoas
são qualidades que, na administração burocrática pura [...] atingem o seu nível
ótimo. (WEBER, p. 37)
A burocracia, enfim, oferece uma resposta totalmente voltada à produção e à
eficiência, uma possibilidade ótima de praticar relações e tarefas administrativas
impessoais, especializadas, calculadas e objetivas.

2.3- AS CRÍTICAS À BUROCRACIA

Apesar das alegações da superioridade do modelo weberiano, algumas criticas


estão atreladas à burocracia. Não é raro encontrarmos anúncios que publiquem dizeres
como “contrato sem burocracia”, “financiamento sem burocracia”, “faz-se algo sem
burocracia”, assim como não são raras as expressões de repúdio a certas ocorrências no
âmbito das organizações burocráticas, como as já citadas piadas acerca de carimbos,
montes de papéis – mostradas desde sitcoms (por exemplo, o brasileiro “Os Aspones” e o
norte-americano “Parks and Recreation”) e obras musicais comuns ao cancioneiro
nacional popular (como “Carimbador Maluco”, cantada por Raul Seixas, com o marcante
verso: “Tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado, se quiser voar”).
O sociólogo americano Talcott Parsons, aluno e amigo de Weber, denuncia a
possibilidade da burocracia engendrar o que se chama de “incapacidade treinada”. O
“tipo ideal” de burocracia exige uma preparação rígida dos funcionários, os quais
repetem suas atividades a fim de ganhar expertise cada vez maior. Contudo, diante de
uma mudança nas condições de trabalho ou nas necessidades da organização ou do
ambiente ao seu redor, o desempenho desse tipo de employé de bureau torna-se ineficaz
e, muitas vezes, esse indivíduo tem uma resposta exageradamente rígida a essas
mutações, no sentido de oferecer dificuldades no aprendizado e na percepção da nova
situação e mudanças às quais todas as organizações, em geral, estão submetidas na atual
conjuntura, uma época marcada por inúmeros incrementos e avanços tecnológicos e de
informações em várias áreas.
Robert Merton, famoso sociólogo conterrâneo de Parsons, aponta ainda algumas
outras criticas, como o que ele chama de psicose organizacional, o fato de os
funcionários desenvolverem preferências, antipatias, discriminação e ênfases em
determinadas atividades ou pessoas (MERTON, 1966).
Outra questão interessante é a necessidade de reforço da disciplina gerada bela
burocratização. A estrutura burocrática e sua afeição pelas normas formam pessoas
demasiadamente metódicas e prudentes, geralmente padronizadas. Assim, o
comportamento organizacional no seio de uma estrutura burocrática pode levar a o que
Merton chama de transferência dos objetivos da organização para minúcias particulares
das regras que regulam o comportamento. Nesse caso, a normatização dos meios
administrativos se vê traspassada. O objetivo finalístico da organização se substitui por
suas atividades meio.
A estrutura burocrática afasta organizações, clientes (ou público alvo) e
ambiente. A sua impessoalidade, muitas vezes, esconde uma desumanização perigosa,
que se faz insensível às idiossincrasias do ser humano e de tudo o que é por ele feito ou
formado – como é o caso das organizações.
Como um subproduto do reforço da disciplina, Merton elenca a disfunção
chamada de “espírito de corpo”. Ele vai além na explicação, condicionando a ocorrência
desse fato à dependência emocional que o funcionário cria a símbolos e status
promovidos no âmbito dos ambientes burocráticos, bem como o envolvimento afetivo
que o empregado tem com a autoridade e a hierarquia e a exibição de sinais de
autoridade e status. Esse outro lado da disfunção pode causar aquilo que o antropólogo
Roberto DaMatta apresenta como o “sabe com quem está falando?” (DAMATTA, 1997).
Ainda, há um excesso no formalismo e no papelório, o que reduz o tempo de
operação dos processos e aumenta gastos em geral – como impressão, compra do
material e armazenamento do mesmo.

3- O CONTROLE NA BUROCRACIA

A burocracia “tipo ideal” de Weber é uma forma de dominação do tipo racional-


legal, como explicitado em “Política como vocação”, do mesmo autor. A formulação de
poder da estrutura burocrática é nítida. Nesse contexto, têm poder as normas, os
processos, os cargos mais elevados, o tempo (haja visto que ocupam os cargos mais
elevados os possuidores de maior tempo de serviço à mesma organização, numa
carreira), o método e os documentos escritos e arquivados. Além disso, a superioridade
técnica da burocracia, alegada por Weber, é, assim, uma maneira de dominar o cenário
das organizações.
A burocracia weberiana também é uma forma de controle. Além do próprio
Estado, o controle exercido pela burocracia espelha-se em sua capacidade de criar
ideais, costumes, imagens, normas e respostas.
No caso da administração pública, por exemplo, no Brasil, a Constituição Federal
de 1988, no caput de seu artigo 37, dispõe que a administração tem de levar em conta os
seus princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além
disso, ela atrela a ocupação de cargo à aprovação em concurso público (inciso II). O
Estado tem de visar ao interesse público, sendo legitimado por esse mesmo demos
resguardado por um entrelaçar de checks and balances.
O primeiro pressuposto da burocracia weberiana citado aqui diz que, nessa
estrutura de organização, as atividades são feitas seguindo leis ou ordenamentos
administrativos. A esse pressuposto está ligado o princípio da legalidade, que, com a
finalidade de romper com as características de mandonismo e patrimonialismo
herdadas de nossos colonizadores, vincula todas e quaisquer atividades administrativas
à autorização por lei. A primazia dada às normas exerce fortíssimo controle sobre o
indivíduo dentro dessa organização. Ele só pode fazer aquilo para que foi contratado,
sempre com vistas à lei. Tudo das suas atividades está regulado. Além disso, a lei cria
obstáculos às arbitrariedades – por exemplo, um funcionário não pode ser demitido de
forma autocrática em uma organização burocrática.
Em certa medida afetado por esse princípio da ação administrativa, o apego da
burocracia weberiana aos documentos também confere controle à ação do Estado. Os
documentos podem ser relatos minuciosos dos atos da administração pública, a fim de
controlar seu vínculo à busca do interesse público e da legalidade. No entanto, o que se
chama aqui de “anteposição aos documentos escritos” não pode se dar como um fim em
si mesmo – de modo que se esqueça dos processos e de dar eficácia aos seus fluxos. Para
tanto, a expertise preconizada por Weber pode ser bem empregada.
Quanto ao princípio constitucional da impessoalidade, ele preconiza o tratamento
igual a todos, com base no artigo 5o de nossa Constituição. A instituição do concurso
púbico, o tal “exame especial” citado por Weber, é uma maneira de garantir a
impessoalidade: assume determinado cargo aquele indivíduo que tem as características
desejáveis com relação a formação, disponibilidade e expertise. Nas estruturas não
burocráticas, é comum que os laços familiares ou os relacionamentos tomem conta
dessa distribuição de cargos. Todavia, sob a vigência de certa tentativa de encontrar a
burocracia “tipo ideal” de Max Weber, o artigo 5o da Constituição Federal Brasileira de
1988, ao instituir a igualdade de tratamento a todos, também atrela a ocupação de um
cargo a essa igualdade – o que controla a ação da Administração Pública no sentido de
garantir isonomia, além de conferir certo impedimento a decisões ad hoc sobre
contratações e demissões, uma vez que o indivíduo no âmbito da administração pública
não é dotado de vontade subjetiva.
Outro princípio que figura na lista do artigo 5o é a moralidade. Segundo essa
norma, as ações da administração têm de ser feitas com probidade, em consonância com
a lei, a ética, a moral e os bons costumes. Isso vai ao encontro do “tipo ideal” weberiano
de burocracia, que traz à tona a necessidade de obedecer à lei e, simultaneamente, visar
à eficiência – a maximização do uso de recursos na produção de bens e na prestação de
serviços à sociedade. A estabilidade dos servidores públicos está alinhavada à
moralidade, no sentido de garantir que o servidor possa recusar propostas ou pedidos
que contrariem a ética, a moral e os bons costumes sem ser prejudicado por algum de
seus superiores.
Quando à publicidade, ou a divulgação de atos e contratos, visa à finalidade de
controlar as tomadas de decisão dos gestores públicos. Inclusive, o próprio uso de
documentos escritos pode ajudar a lançar luz sobre certas informações de interesse
público. Tornando públicos os seus atos, além de possibilitar que o cidadão se interesse
por esses temas e exerça algum tipo de controle, os gestores públicos sujeitam-se à
controladoria e auditoria internas e externas – por exemplo, de órgãos como os
Tribunais de Conta e o Ministério Público.
O último desses princípios trazidos pelo artigo 37 da carta constitucional
brasileira é o princípio da eficiência, que impõe à administração a obrigação de ser
rápida e perfeita, respeitando sempre a lei. Esse princípio está atrelado ao processo de
racionalização do mundo, como explicitado nas primeiras páginas deste texto. Se
conforme disse Weber, a organização burocrática possui superioridade técnica às outras
formas de organização, isso se deve à sua busca por eficiência. Essa vinculação dos
processos aos resultados, somada aos outros princípios da administração pública, serve
como uma forma de checks and balances à ação do gestor. Os administradores (como
disse Weber, preferencialmente expertos) têm de conhecer os trade-offs que serão
encontrados, e têm de saber como tomar decisões diante da escassez de recursos.
A demanda da burocracia weberiana pela total capacidade dos indivíduos nela
envolvidos encontra base, também, nesse mesmo artigo 37. Sobre os cargos dos
servidores públicos, o inciso XVI veda a acumulação remunerada de cargos públicos,
salvas algumas exceções. Isso faz com que o indivíduo foque em sua atividade principal –
o serviço numa organização –, separando trabalho e vida privada; como diria, também,
Roberto DaMatta, separando os domínios da casa e da rua (DAMATTA, 1985).
O controle, então, que os pressupostos da burocracia weberiana (bem como os
princípios da administração) impõem sobre os indivíduos atua no sentido de garantir a
racionalidade da alocação de recursos e investimentos, submissos às regras e à
hierarquia disposta pelas normas, baseada na formação de expertos e na
impessoalidade.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo histórico de racionalização e secularização do mundo, como mostra


Weber em sua obra, tem resultados enormes na maneira como as mais diversas
organizações se estabelecem.
A religiosidade transformou-se na busca por status e riquezas. O zelo nas tarefas,
que outrora era motivado pelo trato com coisas transcendentes, torna-se a “gaiola de
ferro”; a jaula e o julgo da imanência.
Junto dessa racionalização, tudo se transforma. Nos termos weberianos, emerge
daí um enorme desencanto. Modificam-se práticas e ideias; valores e padrões. Essas
questões, que estão na base dos indivíduos, transformam consigo todo o imaginário e as
atividades de uns e de outros. Por isso, o capitalismo subordina, exerce influência, cria,
tensiona, modifica, recobre ou mesmo dissolve outras formas de se organizarem as
atividades produtivas e a vida social e cultural. Surgem nesse cenário a apropriação dos
bens materiais de produção, a liberdade de mercado, a técnica racional, o direito
racional, o trabalho livre – pessoas que vendem seu trabalho –, e a comercialização da
economia.
Dessa forma, a racionalização invade a Igreja, as empresas, as famílias, os
mercados, a produção, o exército, a polícia e o Estado (que vem se solidificando nesse
processo).
Nesse contexto, cresce a administração, o planejamento e as atividades a eles
vinculadas – um terreno fecundo para a burocracia. O “poder dos escritórios” se faz
marcante. O mundo jamais seria o mesmo.
O “tipo ideal” de burocracia (tipo puro ou modelo, representação que exacerba
certas características para poder estipular modelos e esquematiza, a partir daí,
comparações), para Weber, é traçado. As principais características dessa forma de
organização seriam: subordinação das atividades às normas, que permite a
padronização e a continuidade; subordinação à hierarquia, mantida por determinações
legais e por meritocracia; gosto por documentos escritos, exigidos para a documentação
legal dos atos administrativos; impessoalidade, manifesta na separação entre o
patrimônio da organização e o patrimônio de seu funcionário, focada na maximização da
racional utilização dos recursos, além de certa desumanização das relações, que deixam
de ter “ira e preconceito”; a demanda por especialização, maneira de externalizar e
garantir uma prestação de serviços que seja ótima; e o requerimento da total
capacidade, ou da prioridade, do funcionário, que abdica de quaisquer funções para
assumir seu cargo e fazer jus ao recebimento de um salário.
Conforme preconiza Weber, deve ser atribuída à burocracia – ou melhor, ao “tipo
ideal” de burocracia weberiana – superioridade técnica. Esse modelo de organização
“ideal” seria abarrotado de qualidades: precisão, velocidade, certeza, conhecimento,
continuação, celeridade, dentre outros, que contribuiriam à maximização da eficiência.
Contudo, críticas à burocracia surgem. Muitas das burocracias espalhadas pelo
mundo fogem à regra do modelo ideal weberiano. Muitas disfunções, como as que são
citadas acima, emergem da realidade das organizações burocráticas.
Nesse contexto, é necessário um olhar atento e crítico para a burocracia. A
realidade da gestão pública brasileira confunde-se com a realidade da burocracia –
nesse caso, a forma “tipo ideal” é avistada à distância pelos gestores da coisa pública de
nosso país. Como diz Fernando Abrúcio,

Entre os fatores institucionais que mais impactam a ação estatal, os estudos em


administração pública destacam o peso do sistema de governo, da variável
partidário-eleitoral, das características da burocracia e do papel do Judiciário.
(ABRUCIO, F; FRANZESE, C., 2007, p. 1)
Para entender melhor o peso dessa variável, remete-se o estudo à formação
social brasileira, a qual é repleta de exemplos e fatos que nos fazem questionar a
burocracia brasileira.
Sérgio Buarque de Holanda, numa análise que se aproxima da metodologia weberiana –
que elenca “tipos ideais” –, mostra a dicotomia entre os colonizadores portugueses (que
chegaram ao nosso país) e os colonizadores espanhóis; respectivamente, os “tipos
ideais” aventureiros e trabalhadores. O historiador conclui, então, que o brasileiro herda
os traços de seus colonizadores: aversão ao trabalho regular, personalismo, confusão
entre os âmbitos doméstico e público, ausência de respeito à hierarquia e exaltação do
prestígio social. À luz de tudo o que já foi dito neste texto, nota-se que todos esses traços
atribuídos às raízes do Brasil são avessos à burocracia weberiana, que prega o trabalho
regular, a impessoalidade, a separação entre casa e rua e o respeito às hierarquias e às
normas (WEGNER, 2009; RICUPERO, 2007; DAMATTA, 1985).
Para Raymundo Faoro, o próprio expansionismo português foi motivado por
razões pessoais a fim de satisfazer os interesses do grupo no poder – em total
contradição aos pressupostos de impessoalidade e racionalidade do “tipo ideal” de
burocracia cultivado por Max Weber. Assim, seguindo a tese desse autor, os donos do
poder no Brasil utilizaram a burocracia para a criação de seus estamentos – focados
sempre na acumulação de riquezas por parte dos que detêm o poder (RICUPERO, 2007;
VIANNA, 2009).
Esse status de privilégios que o Estado brasileiro suporta nos seus primeiros
séculos de existência não se desfaz quando o Brasil se torna independente. Mesmo após
15 de novembro de 1889, pouco muda nesse sentido. Desde a Proclamação da República
até meados do século XX, nosso país vive o que se chama de “política dos governadores”,
ou política do “café com leite”, e o coronelismo. As oligarquias estaduais ocupavam a
burocracia estatal, e assim manejavam o acesso ao poder a fim de manter a prevalência
de seus interesses, alternando entre São Paulo e Minas Gerais. Os pressupostos
weberianos de burocracia continuavam distantes da realidade do Estado brasileiro,
onde continuavam reinando o personalismo, a desobediência a normas, a informalidade
das relações de trabalho e o trato com o cargo público como algo secundário.
Tentativas de derrubar o poder das elites mineiras e paulistas e de moralizar a
política brasileira se deram, como a política de “salvação nacional”, a “Reação
Republicana”, o Tenentismo e a Coluna Prestes. Na Revolução de 30, Getúlio Vargas
ascende ao poder. Vargas extingue os partidos políticos, fecha o Legislativo e centraliza
os poderes. O state building varguista traz consigo a ideia de reformar o serviço público
e de trazer o sistema de mérito ao Estado brasileiro. Com isso, ocorre o que Edson Nunes
chama de insulamento burocrático, que no Brasil veio acompanhado de favores e
corporativismo (NUNES, 2010). Apesar de ter “burocrático” no nome e de tentar trazer a
necessidade de expertise ao serviço público, esse processo de centralização das decisões
na forma do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público – ainda não se
aproxima tanto do modelo weberiano de burocracia. Faltavam a submissão às normas e,
principalmente, a impessoalidade (contrariada pelos favores). Sobravam as disfunções.
No período histórico subsequente, o governo democrático devolve os direitos
cerceados por Vargas. Mas, em sua busca por racionalidade, num embate do tipo
técnicos versus políticos, a tecnoburocracia vence. A concentração de decisões e
processos causa lentidão. O foco de muitos dos servidores não estava, evidentemente, no
interesse público.
Essa cena de nossa história já se distancia dos dias atuais em mais de seis
décadas. No entanto, nossa organização burocrática ainda está longe do “tipo ideal”
weberiano. Ainda falta o apego às normas e ainda há problemas no estabelecimento de
hierarquias. Quanto à impessoalidade, é desrespeita com frequência pelos nossos
“burocratas” que insistem em hábitos idosos de centenas de anos. O afinco com relação
aos documentos escritos contrasta com a lentidão com que os processos e seus fluxos se
dão no interior das organizações.
Por seu turno, a demanda por expertise têm sido melhor alcançada, com a
instituição de concursos públicos como forma de ingresso no serviço público. O
requerimento de total dedicação ao serviço é assegurada por lei, mas há certo atraso – a
produtividade conflita com a necessidade de permanecer por determinada quantidade
de horas dentro do escritório. As disfunções da burocracia superabundam o Estado
brasileiro.
Com vistas a tudo o que foi exposto, no Estado brasileiro, ainda há muito o que se
fazer na direção dos pressupostos tidos, por Max Weber, como “tipo ideal” de
burocracia. Num Estado democrático de direito, a burocracia tem de ser sensível a
muitas variáveis e às vicissitudes que o trato com o demos, grupo de humanos com
interesses e necessidades distintos, apresenta.
A burocracia preconizada por Weber pode, sim, ser um instrumento muito eficaz
para trazer democracia, inclusão social e eficiência. Como diz o autor, ela teria vantagens
quando comparada a quaisquer outras formas de organização. Para tanto, é importante
maximizar de fato sua eficiência, reduzindo custos e reduzindo o tempo gasto para
certos processos – o que pode ocasionalmente advir da observância irrestrita e
exacerbada às leis e aos formalismos, que contrasta também com a falta de habilidade
para tomar decisões e ausência de empowerment nos gestores. Falta, ainda, participação
do povo, soberano – no Brasil, além de incipiente, ela é muito restrita a orçamentos
pequenos e cases bem distantes de issues de interesse relevante.
A administração pública brasileira viu sua ação ser vinculada à observação dos
cinco princípios, o que consta no artigo 37 da nossa Constituição Federal. Legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – bem como os demais princípios
que advém desses – servem para controlar a ação do Estado e para trazer o gestor
público mais próximo do modelo idealizado por Weber.
Enfim, é muito difícil deixar de notar ao eco das palavras de Luiz Carlos Bresser-
Pereira, ex-ministro da Fazenda e ex-ministro do MARE – Ministério da Administração e
Reforma do Estado. O eminente economista e cientista social antecipou em quase duas
décadas o grito que o povo brasileiro tem levado às ruas de todo o país como condição
sine qua non para a ação do aparato estatal. Suas palavras de extensa relevância
encerram este trabalho:

Compromissos, acordos e concessões mútuas sempre serão necessários. Afinal,


a política é a arte do compromisso. Mas os compromissos e as permutas (trade-
offs) serão outros. Através das “agências autônomas” e das “organizações
sociais” o Estado brasileiro poderá contar com instituições muito mais flexíveis,
eficientes e voltadas para resultados. [...] À eficiência somar-se-á, assim, a
demanda por responsabilização (accountability). Por outro lado, o controle da
ação das agências autônomas e das organizações sociais não ocorrerá apenas
através de contratos de gestão [...], mas, de forma crescente, através de
mecanismos de participação social, em que os cidadãos controlem os serviços
prestados pelo Estado (NUNES, 2010, p. 29).
REFERÊNCIAS
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intergovernamentais no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Fátima Infante; BEIRA, Lígia. (Org.).
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In: BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). Um enigma chamado Brasil: 29
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WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira


Thomson Learning, 2001. 233p

. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2006

. O que é a burocracia. Brasília: CFA, 2012. 85p. Disponível em


<http://www.cfa.org.br/servicos/publicacoes/o-que-e-a-
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SCHWARCZ, Lilia Moritz (Orgs.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país.
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