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II CONGRESSO BRASILEIRO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL

Realização
Sindicato dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo de
Minas Gerais (SINDESP-MG)

Produção e Organização
Andrey Morais Labanca
Leonardo Nunes de Souza
Lunna Rachel Gusmão Campos
Rafael Maia Nogueira

Fotografia
Leandro Nunes de Souza
Lunna Rachel Gusmão Campos

Apoio Técnico
Bruno Carlos da Silva Porto
Cleidiane Figueiredo da Silva
1 - Resumo

Nos dias 4 e 5 de maio de 2017 aconteceu na cidade de Belo Horizonte - MG o II


Congresso Brasileiro de Políticas Públicas e Gestão Governamental (II ConPública). A
abertura do evento foi realizada no auditório Juscelino Kubitschek da Cidade
Administrativa do Governo de Minas Gerais. A segunda edição do congresso foi
organizada pelo Sindicato dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental do Governo de Minas Gerais e teve presente em sua mesa de abertura
além do presidente do SINDESP-MG, secretários estaduais e representantes do poder
público do município de Belo Horizonte. Em todas as falas foi destacado o papel
relevante desempenhado pelas carreiras de gestão pública na consecução dos
objetivos estatais, bem como o desafio de adequar a atuação desse corpo burocrático
a cada novo governo democraticamente eleito. O evento marcou também a
solenidade de assinatura do estatuto da Federação Nacional das Carreiras de Gestão
de Políticas Públicas (FENAGESP). A solenidade no primeiro dia foi encerrada com um
coquetel de recepção ao público presente.

As seguintes entidades enviaram representantes para a assinatura do Estatuto


e composição da primeira diretoria da FENAGESP:

 Associação dos Gestores Públicos do Estado do Rio - GestRio


 Associação dos Especialistas de Políticas Públicas do Estado de São Paulo -
AEPPSP
 Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia - AGGeb
 Associação dos Gestores Governamentais do Estado do Mato Grosso –
AGGEMT
 Associação dos Gestores Públicos do Distrito Federal – ADESPDF
 Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental – ANESP
 Associação dos Gestores Administrativos de Pernambuco – AgadPE
 Associação dos Gestores Governamentais de Planejamento, Orçamento e
Gestão do Estado de Pernambuco – AGPOG
 Sindicato dos Gestores Governamentais de Goiás – SindGestor
 Sindicato dos Gestores de Políticas Públicas e dos Técnicos em Gestão Pública
do Estado do Acre – SinteGesp
 Sindicato dos Integrantes da Carreira de Gestão Pública do Estado de Sergipe -
SINGEPS
 Sindicato dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do
Governo de Minas Gerais - SINDESP-MG

Durante a solenidade foi escolhido o gestor público Eduardo Aires Berbert Galvão do
SindGestor de Goiás para presidir a primeira diretoria da entidade.

A 2ª edição do Congresso teve mais de 350 inscritos e um público rotativo nos


dois dias de mais de 400 pessoas entre inscritos, estudantes, palestrantes, autoridades
e técnicos convidados. A atual edição veio reforçar o reconhecimento do evento
perante o público especializado como espaço de integração entre o meio
governamental e acadêmico propício para a discussão de soluções e problemas da
área de gestão pública, bem como para a troca de experiências entre profissionais.
Este ano o evento teve como temática principal “os desafios do gestor público em um
cenário de limites e amarras legais”, assunto apropriado para se pensar o atual o
contexto da gestão pública, em meio à crise fiscal por que passam a maioria das
administrações dos entes federados no país.

No segundo dia de evento, os trabalhos ocorreram no Campus Brasil da


Fundação João Pinheiro e, além de debates sobre a Reforma da Previdência e Dívida
Pública, teve também a apresentação de trabalhos nas áreas de políticas sociais,
eficiência dos gastos públicos, controle interno da administração pública e temas
transversais.
2 – Carta de Belo Horizonte

O II ConPública, realizado nos dias 04 e 05 de maio, foi o ponto alto de


uma história na qual a Federação Nacional de Carreiras de Gestão de
Políticas Públicas (Fenagesp) se consolida como entidade nacional de
defesa das carreiras de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental. A entidade, que surgiu como ideia, em Brasília, no ano
de 2013, ganhou contornos e uma presidência interina na cidade de
Goiânia, no ano de 2015; atingiu a maturidade com a escolha, por
aclamação, do Conselho Executivo para o biênio 2017/2018 no evento
de Belo Horizonte.

Na oportunidade ficou definido que a assembleia de posse do próximo


Conselho Executivo da Federação, aclamado durante o evento, será
realizada em Brasília, no dia 05 de julho, durante o Congresso do
Consad. O novo Conselho Executivo terá o presidente do SindGESTOR,
Eduardo Aires, na Coordenação Geral, contando com representantes da
Anesp, do Sintegesp-AC, do Sindesp-MG, da GestRio-RJ, da AGGEMT-
MT e da AgadPE-PE, e já tem uma série de desafios para enfrentar.
Entre eles, a definição de uma nomenclatura unificada para as
carreiras, consagrar na Constituição as carreiras como típicas de
Estado e ações coordenadas de valorização das mesmas nos Estados,
no Distrito Federal e na União.
3 – Programação Completa do Evento

Dia 04/05/2017

16:00 - 16:30
Credenciamento
Local: Auditório JK

16:30 - 19:30
ABERTURA - DISCURSO DOS MEMBROS DA MESA DIRETORA
1. Alvimar Tito - Presidente do SINDESP-MG
2. André Reis - Secretário Municipal de Planejamento e servidor de carreira de EPPGG
3. Eloísa Pereira - Secretária de Estado Adjunta da Secretaria de Cidades e de
Integração Regional
4. Gabriel Azevedo - Vereador da Câmara Municipal de Belo Horizonte e Ex-
Subecretário de Juventude
5. Helvécio Magalhães - Secretário de Estado de Planejamento e Gestão
6. Epaminondas Pires de Miranda – Secretário de Estado de Desenvolvimento e
Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais
Local: Auditório JK

19:30 - 20:00
ATO SOLENE
Assinatura do Estatuto da Federação Nacional de Carreiras de Gestão de Politicas
Públicas e filiação das entidades presentes.
Local: Auditório JK

20:00 - 00:00
Coquetel de abertura
Local: Auditório JK

Dia 05/05/2017

09:00 - 10:00
ABERTURA DOS TRABALHOS
1. César Cristiano de Lima - Secretário adjunto de Planejamento e Gestão
2. Onofre Alves Batista Júnior - Advogado-Geral do Estado
3. Roberto do Nascimento Rodrigues - Presidente da Fundação João Pinheiro
4. Leonardo Nunes de Souza - Diretor Jurídico SINDESP-MG
Local: Auditório FJP

10:00 - 12:30
TEMA A - POLÍTICAS SOCIAIS - 4 ARTIGOS
- Impactos das políticas de regularização fundiária urbana no Brasil. Autores: Rafael
Lara Mazoni Andrade, Claudio Burian Wanderley, Germana de Campos Gonçalves.
- Explorando resultados do projeto fortalecimento da agricultura familiar para o
abastecimento alimentar. Autores: Marina Coimbra Ferreira Batista e Fernanda
Peixoto Petrocchi da Costa.
- Regularização Fundiária em Minas Gerais: avanços recentes e a possibilidade de
atuação consorciada. Autores: Matheus Guimarães Novais, Breno Longobucco, Thaís
Cristina Lopes de Araújo Vilas Boas e Leonardo Luis Avendanha Gabrich Ferreira.
- Sistema previdenciário na Suécia: subsídios para um debate. Autores: Rafael Lara
Mazoni Andrade, Gutenberg Brandon Viana de Andrade e Pedro Henrique Bragança
dos Santos.
Local: Sala FJP A

10:00 - 12:30
TEMA B - EFICIÊNCIA NOS GASTOS PÚBLICOS
- Monitoramento: uma análise do ciclo do Plano Plurianual de Ação Governamental
2012-2015. Autores: Daniel Henrique da Cunha Campos, Carolina Fonseca Moreira e
Sarah Cristina de Sales Mourão.
Local: Sala FJP B

10:00 - 12:30
TEMA C - CONTROLE INTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
- Desafios para a construção de uma cultura de monitoramento analítico em políticas
sociais. Autores: Vitor Sousa Gonçalves e Victor Antunes Leocádio.
- A organização do aparato de controle político-administrativo do Brasil e da Espanha:
diferenças e similaridades do controle interno. Autor: Bruno Massayuki Nakano.
Local: Sala FJP C

10:00 - 12:30
TEMA D - TEMAS TRANSVERSAIS
Coordenador: João Marcelo de Souza Gomes - Diretor da Associação dos Especialistas
em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP)
- O dilema paulista: patrimonialismo versus profissionalização das carreiras de estado.
Autor: Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
(AEPPSP)
- Juventudes e vulnerabilidade social nos territórios urbanos: uma análise das
juventudes em territórios urbanos vulneráveis da região metropolitana de belo
horizonte. Autores: Alexandre Mário de Freitas e Bruno Lazzarotti Diniz Costa.
- Aspectos comparativos da nova lei de finanças públicas. Autora: Leila de Castro
Bezerra de Andrade.
- O Processo de Recrutamento e Seleção para o Centro de Serviços Compartilhados do
Estado de Minas Gerais: estudo de caso. Autores: Julio Guimarães Barata e Amanda
Cristina Bento Braga.
Local: Sala FJP D

10:00 - 12:30
TEMA ESPECIAL - TECNOLOGIA E EFICIÊNCIA NOS GASTOS PÚBLICOS
- Como a ciência de análise de dados e a tecnologia podem otimizar os recursos
públicos.
Autor: Helberth Cavalcante
Sócio Diretor da BHS Kriptos
Especialista em soluções de análise de dado
Local: Sala FJP E

13:30 - 15:30
PALESTRA 1 - REFORMA DA PREVIDÊNCIA
1. Marcus Vinícius de Souza – Diretor de Previdência do IPSEMG
2. Milton Vasques Thibau de Almeida - Professor Associado de Direito do Trabalho e
Previdência Social da UFMG. Desembargador do Trabalho do TRT da 3ª Região.
3. Alex Canuto - Presidente da ANESP
4. Alvimar José Tito – Presidente SINDESP-MG
Local: Auditório FJP

15:30 - 16:00
COFFEE BREAK

16:00 - 17:30
PALESTRA 2 - DÍVIDA PÚBLICA E SUSTENTABILIDADE FISCAL
1. Paulo Kliass - Doutor em Economia pela Université de Paris e Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental
2. Eduardo Aires Berbert Galvão – Presidente SindGestor Goiás e FENAGESP
3. Bruno Alencar – EPPGG, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Desenvolvimento
Regional
4. Rafael Maia Nogueira – Secretário-Geral SINDESP-MG
Local: Auditório FJP

17:30 - 18:00
ENCERRAMENTO
1. Fernanda Medeiros Azevedo Machado - Diretora da CODEMIG
2. Eduardo Aires Berbert Galvão – Presidente do SindGestor-GO e da FENAGESP
3. Alvimar José Tito - Presidente do SINDESP-MG
Local: Auditório FJP
4 – Fotos do Evento
5 – Trabalhos Aprovados para apresentação
Políticas Sociais

 Sistema previdenciário na Suécia: subsídios para um debate. Autores: Rafael Lara


Mazoni Andrade, Gutenberg Brandon Viana de Andrade e Pedro Henrique Bragança
dos Santos
 Impactos das políticas de regularização fundiária urbana no Brasil. Autores: Rafael
Lara Mazoni Andrade, Claudio Burian Wanderley, Germana de Campos Gonçalves.
 Explorando resultados do projeto fortalecimento da agricultura familiar para o
abastecimento alimentar. Autores: Marina Coimbra Ferreira Batista e Fernanda
Peixoto Petrocchi da Costa.
 Regularização Fundiária em Minas Gerais: avanços recentes e a possibilidade de
atuação consorciada. Autores: Matheus Guimarães Novais, Breno Longobucco, Thaís
Cristina Lopes de Araújo Vilas Boas e Leonardo Luis Avendanha Gabrich Ferreira.

Eficiência nos gastos públicos

 Monitoramento: uma análise do ciclo do Plano Plurianual de Ação


Governamental 2012-2015. Autores: Daniel Henrique da Cunha Campos,
Carolina Fonseca Moreira e Sarah Cristina de Sales Mourão.

Controle interno na Administração Pública

 Desafios para a construção de uma cultura de monitoramento analítico em


políticas sociais. Autores: Vitor Sousa Gonçalves e Victor Antunes Leocádio.
 A organização do aparato de controle político-administrativo do Brasil e da Espanha:
diferenças e similaridades do controle interno. Autor: Bruno Massayuki Nakano.

Temas transversais

 O dilema paulista: patrimonialismo versus profissionalização das carreiras de


estado. Autor: Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São
Paulo (AEPPSP)
 Juventudes e vulnerabilidade social nos territórios urbanos: uma análise das
juventudes em territórios urbanos vulneráveis da região metropolitana de belo
horizonte. Autores: Alexandre Mário de Freitas e Bruno Lazzarotti Diniz Costa.
 Aspectos comparativos da nova lei de finanças públicas. Autora: Leila de Castro
Bezerra de Andrade.
 O Processo de Recrutamento e Seleção para o Centro de Serviços
Compartilhados do Estado de Minas Gerais: estudo de caso. Autores: Julio
Guimarães Barata e Amanda Cristina Bento Braga.
ARTIGO – Políticas Sociais

Impactos das políticas de regularização fundiária urbana no Brasil

Autoria: Rafael Lara Mazoni Andrade, Claudio Burian Wanderley, Germana de Campos
Gonçalves

RESUMO: A partir da constatação de um cenário de crise urbana e da imperiosa necessidade


de ação do Estado brasileiro nessa seara, este trabalho busca apresentar resultados de
avaliações de impacto de políticas de regularização fundiária – políticas públicas usadas para
dar títulos de propriedade a posseiros, simplificando a aquisição de terras, bem como dando-
lhes melhores condições de vida através de melhores moradias, urbanização e recuperação
ambiental. Para robustecer o argumento apresentado, de que políticas de regularização
fundiária podem impactar positivamente a fruição de direitos e as finanças públicas,
impactando assim o desenvolvimento regional, o trabalho empreendeu uma pesquisa
bibliográfica em busca de resultados de pesquisas empíricas relacionadas à regularização
fundiária. Os resultados estudados mostram que essas políticas têm impacto positivo sobre
indicadores de bem-estar social, sendo chave determinante do desenvolvimento econômico
impactando também a oferta de trabalho, o rendimento do trabalho, o investimento
domiciliar das famílias beneficiárias de baixa renda e a arrecadação dos municípios, reduzindo
sua dependência de transferências intergovernamentais e possibilitando melhores respostas
aos problemas específicos de sua jurisdição. Por fim, discutem-se soluções para os desafios das
cidades brasileiras, a partir do uso de políticas de regularização fundiária, no bojo de uma
política urbana responsável e capilarizada.

PALAVRAS-CHAVE: planejamento urbano; desenvolvimento regional; avaliação de impacto


de políticas públicas.

ABSTRACT: Based on the analysis of a scenario of urban crisis and the imperative need for
action of the Brazilian State in this area, this paper seeks to present results of impact
evaluations of land regularization policies - public policies used to give land titles to squatters,
acquisition of land, as well as giving them better living conditions through better housing,
urbanization and environmental recovery. In order to strengthen the argument that land
tenure regularization policies can positively impact the enjoyment of rights and public
finances, thus impacting regional development, the work has undertaken a bibliographical
research in search of empirical research results related to land regularization. The results show
that these policies have a positive impact on social welfare indicators, being a key determinant
of economic development, impacting labor supply, work income, household investment of low
income families and the collection of municipalities, reducing their dependence on
intergovernmental transfers and enabling better responses to the specific problems of their
jurisdiction. Finally, solutions to the challenges of Brazilian cities are discussed, based on the
use of land regularization policies, within the framework of a responsible and capillary urban
policy.

KEY WORDS: urban planning; regional development; public policies impact evaluation.
1- INTRODUÇÃO

As cidades expressam hoje um cenário de crise. Paralelamente às economias de


aglomeração que justificam o crescimento das cidades, a urbanização é acompanhada de
vários problemas. No Brasil, como afirma Raymundo Faoro (2001), as cidades já surgem como
expressão de conflitos entre a metrópole e os colonos. Dentre vários defeitos de um processo
de urbanização rápido, intenso e predatório, observam-se problemas como poluição
ambiental, carências habitacionais, precariedade de assentamentos, irregularidade fundiária,
trânsito caótico, violência e carências na acessibilidade (BRASIL; CARNEIRO, 2014).
Tudo isso soma-se a problemas nas finanças públicas municipais – o que acaba
retroalimentando tais defeitos advindos do próprio processo de urbanização brasileiro. A baixa
dinamicidade e as dificuldades em arrecadar tributos próprios faz com que as finanças públicas
municipais dependam fortemente de transferências de valores vindos de outros entes. Isso
enrijece os orçamentos e reduz a margem de manobra dos gestores municipais, o que
engendra dificuldade em atender às demandas especificas de cada jurisdição – incluindo aí os
próprios problemas relacionados à urbanização.
A irregularidade fundiária é um dos recorrentes problemas que desafiam a gestão
pública brasileira neste início do século XXI. No Brasil, na virada do século passado, já se
estimava que mais de 20% da população dos grandes centros urbanos viviam em áreas
informais (MARICATO, 1999). Ainda, essa irregularidade não se restringe às áreas mais pobres
– antes, espalha-se pelas cidades, desde os morros até os luxuosos condomínios fechados.
Como uma tentativa de reverter esse quadro, a Constituição de 1988 traz em seu
artigo 183 um instrumento de regularização fundiária. Promulgado em 2011, o Estatuto da
Cidade regulamenta esse artigo e constitui um paradigma inovador no que diz respeito à base
fundiária e imobiliária urbana (MARICATO, 2003).
Num estudo inédito no país, dados para o estado de Minas Gerais mostram que 36%
dos domicílios próprios do estado estão em situação irregular do ponto de vista fundiário
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2016). De acordo com os dados da Pesquisa por Amostra de
Domicílios em Minas Gerais (PAD-MG) 2013, em áreas classificadas como subnormais – áreas
caracterizadas por ocupações ilegais e urbanização fora dos padrões vigentes ou precariedade
de serviços públicos tidos como essenciais (energia, coleta de lixo e redes de água e esgoto) -
as estatísticas são ainda mais alarmantes: mais de 38% dos domicílios próprios são irregulares.
As razões para tal irregularidade são diversas, desde a indefinição da origem da terra,
fraudes em documentos, invasões, dentre outras. Embora esses problemas fundiários sejam
praticamente invisíveis aos olhos da maioria das pessoas, eles acionam uma grande cadeia de
efeitos negativos sobre os padrões de vida nas cidades (ÁVILA; FERREIRA, 2016).

1.1- Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é descrever a problemática relacionada à regularização


fundiária no Brasil, destacando o impacto que essas políticas públicas possuem sobre a
garantia de direitos e as finanças públicas municipais e, assim, sobre o desenvolvimento
regional.
Para atingir esse objetivo, este trabalho buscará também:
• Proceder uma breve pesquisa bibliográfica acerca de planejamento e gestão de cidades,
política urbana, relações intergovernamentais, federalismo e temas correlatos;

• Apresentar o tema da regularização fundiária, sua base legal e suas práticas;

• Apresentar resultados de pesquisas empíricas relacionadas à regularização fundiária;

• Apresentar o caso da regularização fundiária no município de Belo Horizonte.

1.2- JUSTIFICATIVAS

À maneira ensinada por Laville e Dionne (1999), a justificativa para a realização deste
trabalho assenta-se em quatro aspectos: sua importância, sua relevância, sua contribuição e as
vantagens em fazê-lo. Em primeiro lugar, a importância do tema é crucial para ampliar o olhar
dos gestores sobre o atual da gestão pública – sobretudo a administração municipal – no
Brasil, de efervescência de movimentos buscando maior qualidade da resposta do Estado aos
problemas urbanos. Ainda, o crescimento e o desenvolvimento econômico tanto almejados
pelo Estado brasileiro demandam soluções eficientes para seus problemas estruturais, e a tese
aqui defendida é de que a regularização fundiária – no bojo de uma política urbana
responsável – seria, ao mesmo tempo, solução para esses dois problemas.
Quanto à sua relevância, pode-se afirmar que há uma lacuna na produção acadêmica.
A literatura menciona várias avaliações do impacto trazido pelas ações de regularização
fundiária. No entanto, nenhuma publicação discutia – em linhas gerais – os resultados desses
trabalhos.
Quanto à sua contribuição, atentando à lacuna na produção acadêmica, este trabalho
– especialmente no contexto em que serão feitas as revisões dos Planos Diretores dos
municípios brasileiros – busca ser um subsídio à tomada de decisões e um incentivo à
cooperação entre prefeituras e os outros níveis de governo. Por fim, sua vantagem relaciona-
se ao fato de ser realizada por um estudante que atua no âmbito do desenvolvimento local,
favorecendo a adoção de avanços e melhorias nas políticas relacionadas a esse tema.

2- REFERENCIAL TEÓRICO

Para buscar um entendimento mais abrangente dessa problemática das políticas de


regularização fundiária no Brasil, serão aqui reunidas algumas discussões de conceitos e
temas.

2.1- Irregularidade fundiária nas cidades: crise e demandas

Alguns autores afirmam que a crise seria um aspecto intrínseco às cidades, posto que
elas sejam “o lugar onde há mais mobilidade e mais encontros” (SANTOS, 2006, p. 159). Fato é
que as urbes surgem a partir de um processo de implosão-explosão, descrito por Lefebvre
(1986). O crescimento das aglomerações para cima – na verticalização – e para os lados – na
periferização – acarretaria a exacerbação de seus problemas e a deterioração das condições de
vida nas cidades.
No Brasil, as cidades já surgem como reflexo de conflitos. Como disse Faoro (2001), as
urbes surgiriam sob a égide do pelourinho – e o instrumento de tortura lembraria a todos que
havia um poder, e que ele estaria pronto a intervir em caso de recalcitrâncias.
Ao passo em que o Brasil tornou-se um país majoritariamente urbano, esses
problemas se amplificaram. Os grandes movimentos populacionais em direção aos centros
urbanos encontraram cidades incapazes de prover adequadas condições de vida (MARICATO,
2003). A análise de dados dos censos demográficos realizados pelo IBGE mostra que há um
crescimento explosivo da população urbana no Brasil. Houve momentos em que o crescimento
populacional chega à casa dos 412%, como em Belo Horizonte em seus anos iniciais, no
período posterior à Primeira Guerra Mundial, entre 1900 e 1920; e que passa dos 360% em
São Paulo, entre 1890 e 1900. Como padrão, observa-se forte incremento populacional nos
municípios analisados no ínterim 1920-2000, sobretudo a partir do término da Primeira Guerra
Mundial, entre 1940 e 1950.
Todavia, a população que evade os campos em direção aos centros urbanos depara-se
com cidades problemáticas. Assim, o crescimento desenfreado das cidades gerou vários
problemas que se fazem presentes nessa crise das cidades brasileiras. No Brasil, dentre vários
defeitos de seu processo de urbanização, podem-se citar a poluição ambiental, as carências
habitacionais, a precariedade dos assentamentos, a irregularidade fundiária, o trânsito caótico,
a violência e as carências na acessibilidade (MAZONI ANDRADE, 2016).
Se não fosse o bastante, as ações do Estado em suas políticas urbanas acabaram
agravando tais deficiências. As premissas de saneamento e embelezamento das cidades
acabaram resultando em segregação socioespacial, desigualdades e concentração da pobreza
nas periferias (MARICATO, 2013):
as deficiências e mesmo a omissão do poder público no enfrentamento da
problemática urbana no curso histórico da urbanização brasileira resultaram
num quadro socioespacial precário, caracterizado por desigualdades e
processos de exclusão, e pela magnitude do déficit habitacional e da
informalidade de ocupação, dentre outros aspectos (BRASIL; CARNEIRO,
2009, p. 13).

A irregularidade fundiária é um dos recorrentes problemas que desafiam a gestão


pública brasileira neste início do século XXI. Sobre isso, Edésio Fernandes assinala que “Hoje,
cerca de 40% das cidades brasileiras com menos de 20 mil habitantes têm loteamentos
clandestinos. Isso não é um mero sintoma de um modelo de desenvolvimento, mas o próprio
modelo. Não estamos falando de uma exceção, mas da regra” (FERNANDES, 2006, p. 16).
Nessa mesma vertente, estima-se que, no fim do século passado, no mínimo 20% da
população dos grandes centros urbanos brasileiros viviam em áreas informais (MARICATO,
1999). Concentradas, mas não restritas às áreas mais pobres, as irregularidades na titulação
das moradias nas áreas urbanas podem afetar toda a área de um município. Embora esses
problemas fundiários sejam praticamente invisíveis aos olhos da maioria das pessoas, eles
acionam “uma larga cadeia de efeitos negativos sobre a vida dos cidadãos, suas famílias e a
cidade como um todo” (ÁVILA; FERREIRA, 2016, p. 198). Além disso, do ponto de vista da
prestação de serviços públicos, a incerteza sobre o domínio da terra pode frear investimentos,
posto que a provisão pública de equipamentos urbanos tenha como condição a comprovação
da dominialidade das terras (ÁVILA; FERREIRA, 2016).
Outra face da irregularidade fundiária diz respeito àquilo que Maricato (2003, p. 158)
chama de “ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental”. Para além do
desrespeito ao direito à moradia digna1, há um comprometimento de recursos fundamentais
de toda a sociedade – como o caso dos mananciais de água. Ainda, problemas de drenagem,
riscos ambientais resultantes de movimentos de massa e outros efeitos geomorfológicos e
obstáculos à cobertura por rede de água e esgotos, nas palavras da urbanista “torna[m]
inviável ou extremamente cara a urbanização futura” (MARICATO, 2003, p. 158.). Assim,
A legalização da posse deve ser entendida como uma das condições
mínimas necessárias para a resolução integral do problema social nos
assentamentos irregulares. A falta de titulação dos imóveis aprofunda o
imenso fosso que separa seus moradores dos direitos inerentes ao titular de
um imóvel regularmente inscrito no Cartório de Registro de Imóveis, como,

1
Conceito trazido pela Lei Federal 11.124/2005, considerado “como direito e vetor de inclusão social”.
por exemplo, o acesso às fontes de financiamento habitacional, pleno
exercício do direito sucessório, valorização da propriedade (D’OTTAVIANO;
SILVA, 2009, p. 210).

2.2- Planejamento urbano e seus instrumentos

Toda essa problemática relativa às questões urbanas no Brasil gera fortes demandas
em relação ao setor público. Estes graves problemas que impactam fortemente o bem-estar
dos cidadãos impõem ao Estado brasileiro a necessidade de implantar políticas que os
resolvam.
Nesse sentido, o conceito de planejamento urbano pode ser descrito como “a
disciplina que lida com as escolhas políticas voltadas para uma mudança social construtiva em
ambiente urbano – dotado de especificidades e complexidades” (MAZONI ANDRADE, 2016, p.
74). O urbanista Flávio Villaça (2010, p. 179) caracteriza-o como a “ação planejada do Estado
sobre o espaço urbano”. Souza (2010, p. 73) o resume como “estratégias de desenvolvimento
urbano, alimentadas por pesquisa social básica, tanto teórica quanto empírica”. Para Deák
(2010, p. 13), esse planejamento seria o “conjunto das ações de ordenação espacial das
atividades urbanas que, não podendo ser realizadas ou sequer orientadas pelo mercado,
tinham de ser assumidas pelo Estado”.
Para buscar essa mudança social construtiva, o planejamento urbano dispõe de
institucionalidades específicas. No Brasil, a legislação urbanística – cujas peças principais são a
Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade – prevê condições para o uso de vários
instrumentos. De modo genérico, esses instrumentos podem ser divididos entre os mais
tradicionais, como zoneamentos e índices urbanísticos, passando por incentivos na forma de
tributos – como o IPTU progressivo no tempo e o solo criado –, até instrumentos ditos mais
modernos, como operações urbanas consorciadas e regularização fundiária (MAZONI
ANDRADE, 2016).
A partir dessa constatação, nesta seção busca-se apresentar sumariamente o tema da
regularização fundiária. As próximas partes dessa seção versarão sobre a gênese e o conceito
da regularização fundiária, seus princípios, seus instrumentos e o envolvimento dos diferentes
entes.
A cartilha do Ministério das Cidades que trata sobre a Lei Federal nº 11.977/2009,
afirma que

Morar irregularmente significa estar em condição de insegurança


permanente; por esse motivo, além de um direito social, podemos dizer que
a moradia regular é condição para a realização integral de outros direitos
constitucionais, como o trabalho, o lazer, a educação e a saúde (MINISTÉRIO
DAS CIDADES, 2013, p. 12).
A regularização fundiária é uma resposta a reivindicações formuladas no âmbito dos
pensadores da Reforma Urbana no Brasil, buscando solucionar adequadamente o problema
dos assentamentos irregulares (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). Dessa forma, entende-se por
regularização fundiária um processo que visa a integrar assentamentos irregulares à cidade
legal, garantindo o direito constitucional à moradia aos seus ocupantes e assegurando às
famílias a segurança da posse.
Do ponto de vista da dimensão jurídica, a regularização fundiária busca um
enfrentamento para a irregularidade dominial – ou, em outras palavras, busca dar segurança
jurídica ao ocupante de uma terra pública ou privada. As dimensões urbanística e ambiental
dizem respeito ao licenciamento, ao respeito à legislação urbana e à proteção do meio
ambiente.
Do ponto de vista da dimensão social, a regularização fundiária “é especialmente
importante nas ocupações de baixa renda, de forma a ampliar o direito à cidade, o exercício da
cidadania e assegurar sustentabilidade a todo o processo de regularização fundiária”
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013, p. 16). Fernandes elucida essa discussão em um de seus
textos mais citados sobre regularização fundiária:
a regularização é um processo multidimensional que deve combinar uma
dimensão jurídica de legalização das áreas e titulação dos lotes com uma
dimensão urbanística, ambiental e social, é crucial que medidas efetivas
sejam tomadas nesse sentido por meio de programas e políticas
compreensivas de regularização (FERNANDES, 2006, p. 16).

A regularização fundiária traz consigo melhoria na qualidade de vida da população


através da segurança jurídica, entendendo esse princípio como a imposição de “limites à
retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos
legislativos” e no que tange “à proteção, à confiança das pessoas no pertinente aos atos,
procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação” (COUTO E
SILVA, 2004, p. 36).
Assim sendo, pode-se afirmar que a regularização fundiária amplia a segurança de
posse em face de despejos. A grande tolerância que o Estado brasileiro tem para com as
ocupações, não é uma garantia contra despejos – que podem ocorrer a qualquer instante para
implantação de um empreendimento lucrativo (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007). Nesse
sentido, a regularização fundiária garante a segurança de posse e assegura o direito à moradia,
evitando arbitrariedades na aplicação da lei no direito urbano brasileiro.
A regularização fundiária também garante o direito a um nível adequado de vida, o
direito à renda e ao trabalho. Isso ocorreria porque
quando um terreno numa favela ou loteamento é legalizado, ele se valoriza
muito, gerando renda para a família. Além disso, um terreno regularizado
pode ser dado como garantia de um empréstimo, seja para melhorar ou
ampliar a moradia, seja para abrir ou ampliar um negócio (MINISTÉRIO DAS
CIDADES, 2007, p. 13).

Essa ideia defendida pelo Ministério das Cidades apresenta grande consonância às
ideais defendidas por Hernando De Soto (2001), Acemoglu e Robinson (2012), dentre outros. A
regularização fundiária teria o potencial de agir contra a dependência dos municípios sob a
óptica das finanças públicas. Isso ocorreria porque a segurança ao direito de propriedade –
fundamental para que haja investimento, produtividade e, por conseguinte, desenvolvimento
econômico – destravaria o capital morto, latente nos imóveis, transformando-o em capital
ativo para a produção.
Acemoglu e Robinson utilizam-se de vários exemplos na história do desenvolvimento
econômico para provar que “Os direitos de propriedade são cruciais, uma vez que somente
quem os tiver assegurados vai se dispor a investir e aumentar a produtividade” (ACEMOGLU;
ROBINSON, 2012, p. 59). Enfim, sua tese é de que faltam incentivos para investimentos, que
viria a partir da segurança da propriedade provida pelo Estado.
A opinião de Hernando De Soto, por sua vez, é de que
el capital muerto existe porque hemos olvidado […] que convertir un activo
físico em uno generador de capital, valerse de la casa para obtener dinero
en préstamo y financiar una empresa, por ejemplo, supone un proceso muy
complejo. Este processo no se diferencia mucho del que Albert Einstein nos
enseñó, mediante el cual un solo ladrillo puede liberar una inmensa
cantidad de energía mediante una explosión atómica. Por analogía, el capital
es el resultado de descubrir y desencadenar la energia potencial de los
millones de millones de ladrillos que los pobres han acumulado em sus
edificaciones (DE SOTO, 2001, p. 29).

Na mesma seara, Engerman e Sokoloff (2005, p. 21) afirmam que “Although the
prevalence of land ownership was markedly lower in the South [...] the overall picture is one of
a series of liberal land policies, leading up to the Homestead Act of 1862, providing broad
access to this fundamental type of economic opportunity”.
Além disso, estima-se que os municípios passariam a arrecadar mais impostos –
principalmente o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão
de bens inter vivos (ITBI), diretamente relacionados à propriedade de imóveis –, o que pode
trazer-lhes maior capacidade de investir ou gastar, independentemente das transferências de
outros entes e suas vinculações, que reduzem substancialmente o poder discricionário da
administração pública municipal (REZENDE; LEITE; SILVA, 2015).
Ainda, a regularização fundiária garante o direito à saúde, ao lazer, ao trabalho – e, por
conseguinte, à cidade. Isso pode ocorrer a partir da inclusão da área nas rotinas
administrativas ou a partir da mudança do status. Sobre o primeiro ponto, o Ministério das
Cidades afirma que, após a legalização, faz-se mister ao Poder Público prover serviços básicos
– água, esgoto, pavimentação, transporte, educação, dentre outros – sem que isso seja
meramente um “favor” ou moeda de troca de políticos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013).
Sobre o segundo ponto, Maricato diz que
A regularização jurídica completa a melhoria das condições sociais já que
confere mais estabilidade e segurança ao morador que pode até passar a
livrar-se de uma condição penosa de morador de favela, condição essa que
interfere nas chances de obtenção de emprego, crediário e até salários
(MARICATO, 2003, p. 163).

O Ministério das Cidades (2007, p. 14) resume essa problemática:


Nesses 500 anos de história do Brasil, nunca se quis concretizar e enraizar a
cidadania dos pobres com o título de propriedade da terra que ocupavam.
Fechou-se a porta para eles já na entrada das cidades: negou-se a eles
acesso a uma terra segura, infraestruturada e legalizada. A regularização
fundiária, concretizada no registro do título, simboliza uma mudança no
curso dessa história. O título representa um reconhecimento de fato e de
direito dos pobres como cidadãos.

Por fim, a regularização fundiária garante a igualdade de direitos, concretizando a


noção de cidadania como a conjugação de direitos civis, direitos políticos e diretos sociais,
ligados à participação na riqueza e na provisão de serviços (MARSHALL, 1967).

2.3- A prática da regularização fundiária no Brasil

A despeito de todos esses impactos que podem ser trazidos pela regularização
fundiárias, poucos municípios no Brasil possuem legislação municipal concernente ao tema –
dados da pesquisa MUNIC, do IBGE, de 2015, mostram que apenas 26,14% dos municípios
brasileiros dispõem de norma sobre isso. A experiência na prática mostra que a razão para a
pequena aderência se respalda em dificuldades técnicas por trás do processo – os processos
de regularização fundiária demandam a atuação de uma equipe multidisciplinar bem
preparada e com experiência de campo.

2.3.1- Etapas e processos

É importante notar que cada ente possui sua própria política e sua própria legislação
para tratar sobre a regularização fundiária urbana. Todavia, um manual do Ministério das
Cidades (2009) apresenta um modelo de melhores práticas:
• caracterização do assentamento, a partir do levantamento de “aspectos físicos, urbanísticos,
dominiais e sociais do assentamento e da comunidade que ali vive” (MINISTÉRIO DAS CIDADES,
2009, p. 29), dando à sociedade participação efetiva, desde a mobilização até a informação
sobre o processo (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009);

• definição, dentre a legislação atinente ao tema, do instrumento de regularização a ser


utilizado, de forma participativa com a comunidade (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009);

• elaboração do projeto de regularização fundiária, a partir da caracterização do assentamento


e complementado por outras informações relevantes2, avaliação das condições de
infraestrutura e equipamentos urbanos existentes, avaliação dos projetos de infraestrutura já
existentes e caracterização das áreas de preservação ambiental, caracterização das áreas de
risco e avaliação da necessidade do sistema viário e de circulação (MINISTÉRIO DAS CIDADES,
2009);

• depósito em cartório do projeto de regularização fundiária, após a aprovação do projeto de


regularização fundiária pela prefeitura, mediante a verificação da compatibilidade das
informações (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009);

• elaboração dos memoriais descritivos individuais, a partir da “elaboração individual da peça


técnica que contém as medidas perimétricas e área de cada um dos lotes implantados no
núcleo” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, P. 95);

• elaboração dos termos administrativos; e

• entrega dos títulos, após a assinatura dos termos administrativos, que devem ser entregues
aos beneficiários para que eles providenciem o registro (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009).

Quando a regularização fundiária é feita em terras da União, há cinco passos: (i)


abertura do processo, depois de um pedido de algum ente ou de moradores, e seguido do
envio de documentos; (ii) instrução do processo, que ocorre de maneiras diferentes em cada
ente ou secretaria, em geral levantando documentos e informações e identificando a situação
cadastral dos imóveis; (iii) transferência da área, mediante ato do órgão responsável pela
administração do patrimônio do ente; (iv) elaboração do projeto de regularização fundiária e
do cadastro físico-social, que devem ser elaborados a partir da caracterização do
assentamento e complementado por outras informações relevantes, avaliação das condições
de infraestrutura e equipamentos urbanos existentes, avaliação dos projetos de infraestrutura
já existentes e caracterização das áreas de preservação ambiental, caracterização das áreas de
risco e avaliação da necessidade do sistema viário e de circulação; (v) regularização dos lotes
em nome dos moradores, cadastrando os lotes e seus respectivos ocupantes no registro de
administração patrimonial do ente, seguido de registro no cartório de registro de imóveis de
uma certidão emitida pelo órgão responsável pela administração do patrimônio.

2
Como equipamentos existentes no entorno e no próprio assentamento (escolas, postos de saúde,
centros comunitários, hospitais, praças, parques e transporte público).
Quando a regularização é feita em áreas privadas, o legítimo proprietário pode dispor
do seu imóvel utilizando estes instrumentos: Concessão de Direito Real de Uso, passível de
utilização entre particulares ou no caso de terrenos pertencentes a sociedades de economia
mista, como o caso das COHABs; alienação; doação; dação, principalmente nos casos de
dívidas fiscais para com municípios; e direito de superfície. Nos casos em que a transferência é
operada a despeito do proprietário – quando ele abandona o imóvel e a área é ocupada por
terceiros –, pode-se usar a usucapião, reconhecida em juízo. A usucapião especial urbana,
conforme instituem a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade, pode ocorrer através de
usucapião individual, quando o requerente é um só, e quando o terreno puder ser
individualizado, com limites, dimensões e confrontantes definidos; usucapião plúrima, quando
o requerente é um grupo e o terreno pode ser individualizado – o que “simplifica sua
tramitação, gerando economia processual e agilizando o processo de regularização”
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, p. 109); e a usucapião coletiva, usada quando o requerente é
um grupo e a área não pode ser individualizada, dada a situação de composse. Nesse último
caso, a sentença deve instituir um condomínio indivisível formado pelos ocupantes.

3- RESULTADOS DE PESQUISAS EMPÍRICAS SOBRE IMPACTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA


SOBRE A FRUIÇÃO DE DIREITOS, DESENVOLVIMENTO HUMANO E FINANÇAS PÚBLICAS
MUNICIPAIS

Seguindo o exemplo das proposições elencadas por Lefebvre (1999), Corrêa (2002),
Caldeira (2000), Maricato (1999; 2013), Jesus et al. (2010) e Brasil e Carneiro (2010), o
mainstream dos estudos acerca de política e planejamento urbanos e regularização fundiária
enfoca as assimetrias de acesso à terra urbanizada e à moradia – mormente pela população de
baixa renda.
Sabe-se de partida que as políticas urbanas têm impacto positivo sobre a
produtividade (GALLUP; GAVITIA; LORA, 2007). A explicação por trás disso seria a facilidade
trazida por investimentos públicos em infraestrutura urbana sobre a movimentação de
mercadorias, bens e pessoas.
Para além desses trabalhos já citados, vários estudos empíricos reforçam algumas das
teorias consoantes às desigualdades de acesso à terra e as políticas relacionadas à
regularização fundiária. Andrade e Pero (2011), mostram impacto positivo de um programa de
regularização fundiária sobre indicadores de bem-estar social. Para isso, foi utilizado o método
de propensity score matching para o estudo do caso do Programa de Regularização Fundiária
implementado pela Prefeitura do Rio de Janeiro na comunidade da Quinta do Caju. Para as
autoras, o programa avaliado tem impacto positivo e estatisticamente significativo na renda
domiciliar per capita dos domicílios beneficiados pelo programa. Esses achados refletem a
afirmação de que direitos de propriedade bem definidos, atribuídos e garantidos se refletem
em menores custos de transação e, consequentemente, maior será o valor do ativo e da renda
dos proprietários destes ativos. Além disso, a partir da segurança dos direitos de propriedade,
os moradores de comunidades de baixa renda são incluídos na cidade formal e passam a ter
mais acesso a diversos mercados.
Em artigo publicado pelo World Bank, Moura, Bueno e Leoni (2009) mostram que a
segurança dos direitos de propriedade é uma chave determinante do desenvolvimento
econômico. A partir do uso de técnicas econométricas com famílias escolhidas de maneira
randômica em dois bairros distintos – um que recebeu um programa de regularização
fundiária e outro, vizinho a este, que não o recebeu –, os autores estimam que a posse do
título reduz a participação de crianças na força de trabalho.
Por seu turno Dantas (2013) mostra, em sua dissertação de mestrado, que a
regularidade fundiária urbana possui impacto positivo sobre a oferta de trabalho, o
rendimento do trabalho e o investimento domiciliar das famílias beneficiárias de baixa renda.
Para poder afirmar esse impacto, tal qual Andrade e Pero (2011) fizeram, esse autor utiliza-se
do método de propensity score matching.
Em consonância àquilo que propõem Ávila e Ferreira (2016), a segurança da posse e o
reconhecimento de uma moradia pela administração local são instrumentos de inclusão e de
cidadania – nos termos descritos por Marshall (1967) e, depois, Carvalho (2011): a conjugação
de direitos civis, ligados à ideia de liberdade; direitos políticos, atinentes à participação no
governo, por exemplo, a partir do voto; e diretos sociais, ligados à participação na riqueza e na
provisão de serviços.
Outros achados de extrema relevância são as obras de Acemoglu e Robinson e De
Soto. Acemoglu e Robinson (2012) destacam a segurança ao direito de propriedade como
ponto central para estimular a atividade econômica e o crescimento econômico – posto que
aqueles que não possuam tal segurança não estariam dispostos a investir e aumentar a
produtividade. Ainda, seguindo as ideias desses autores, instituições econômicas inclusivas
requerem a garantia ao direito de propriedade e oportunidades econômicas para toda a
sociedade. Por seu turno, De Soto (2001) afirma são necessários mecanismos para destravar o
capital morto acumulado em imóveis, transformando o seu potencial econômico em capital
ativo para a produção:
Un paseo por las calles del Oriente Medio, de la antigua Unión Soviética o de
América Latina le mostrará muchas cosas: casas en las que vive la gente;
parcelas de tierra em labranza, siembra o cosecha; mercaderías que se
compran y se venden. En los países en desarrollo y en los que salen del
comunismo los activos sirven sobre todo para estos propósitos físicos
inmediatos. En cambio, en Occidente, esos mismos activos llevan además
una vida paralela, como capital externo al mundo físico. Pueden ser usados
para aumentar la producción, atendiendo a los intereses de otras partes
como “garantía” de una hipoteca, por ejemplo, o asegurando el suministro
de otras formas de crédito, así como de servicios públicos (DE SOTO, 2001,
p. 29 – grifo nosso).

Para ele, como afirmam Ávila e Ferreira,


não é o valor em si dos imóveis que importa, mas como eles
interrelacionam-se no sistema legal gerando capital, isto é, como o sistema
de propriedade legal possibilita que se estabeleça uma rede efetiva de
ativos, a partir da articulação adequada das leis oficiais com a ordem social
(ÁVILA; FERREIRA, 2016, p. 199).

Isto ocorreria porque os proprietários poderiam utilizar tais imóveis como garantias de
empréstimos; que é a única garantia possível para as parcelas mais pobres da população, e em
cuja ausência os agentes seriam excluídos do mercado financeiro. Ou seja, a regularização
fundiária serviria como instrumento de combate à exclusão financeira das parcelas mais
pobres da população.
Ao utilizar o método de propensity score matching3 para testar esses efeitos da
regularização fundiária sobre as receitas municipais, utilizando-se dados de 2001 a 2011,
Mazoni Andrade (2016) aferiu que a arrecadação de IPTU é impactada em R$ 7,01 per capita.
Ou seja, municípios que fizeram ações de regularização fundiária no período pesquisado
arrecadaram pouco mais de R$ 7 por habitante a mais que os demais municípios com
características iguais – levando em consideração uma série de variáveis disponíveis em bases
de dados de pesquisas municipais, como a MUNIC, do IBGE. Por sua vez, a arrecadação de ISS é
impactada em R$ 20,42 per capita; e a arrecadação de ITBI, a despeito de não ser um resultado
estatisticamente significativo aumenta R$ 2,68 per capita (MAZONI ANDRADE, 2016).

4- O CASO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (MG)

A municipalização das políticas urbanas, empreendida desde a década de 1980 e


formalizada com a Constituição de 1988, é um fenômeno que trouxe vários desafios à
consecução dessas políticas. Em verdade, o federalismo brasileiro produz municípios
sobrecarregados e com poucas receitas próprias, o que dificulta sua capacidade de
implementar políticas públicas (MAZONI ANDRADE, 2016).

3
Esse método seleciona, dentre os mais de 5.550 municípios brasileiros, aqueles que têm características
econômicas e demográficas semelhantes, ao ponto de sua única diferença ser o fato de ter recebido
ações de regularização fundiária ou não.
As dificuldades são amplificadas no caso de municípios pertencentes a regiões
metropolitanas: as dinâmicas econômicas e demográficas próprias desses espaços dificultam
ainda mais as tomadas de decisão. Por exemplo, esses municípios geralmente têm
movimentos populacionais pendulares – quando um indivíduo reside em um e trabalha ou
estuda em outro –, o que os pressiona a prover serviços a um número maior de pessoas.
A despeito de todas essas dificuldades, Belo Horizonte, capital do estado de Minas
Gerais, tem conseguido atingir resultados dignos de nota na seara das políticas de
regularização fundiária. Como nas demais cidades de grande porte no Brasil, a formação do
espaço urbano belo-horizontino se deu num processo desordenado de urbanização. O
resultado desse processo está presente nos morros da capital: dados do Censo de 2010, do
IBGE, mostram que Belo Horizonte possuía à época 169 vilas e aglomerados. Nessas áreas
desprovidas de vários serviços e equipamentos públicos moravam quase 13% da população da
cidade. Estima-se que boa parte dessa população habite domicílios irregulares do ponto de
vista fundiário.
Em meio a tantos desafios, de Belo Horizonte veio um dos primeiros programas de
regularização fundiária do Brasil. Na contramão da política nacional, em 1983, o programa Pró-
Favela trouxe como principal avanço a luta pela permanência da população nos seus
assentamentos originais. À época, o que acontecia por todo o país era a retirada dessa
população, que era então alocada em novos assentamentos em áreas mais distantes dos
centros urbanos e menos providas de equipamentos e serviços públicos – e essa inadequação
justifica o insucesso dessas políticas:
O PRÓ-FAVELA (Programa Municipal de Regularização de Favelas) foi criado
pela Prefeitura em 1983, e é considerado pioneiro em todo o Brasil por ter
sido a primeira ação pública que reconhecia a especificidade da favela e o
direito de seus habitantes à moradia e aos bens e serviços básicos. [...] Entre
1986 e 1992, o PRÓ-FAVELA havia atuado em 17 favelas, abrangendo um
universo de 62.000 pessoas (URBEL, 1991). Desde então, este tem sido o
paradigma exportado para as outras grandes cidades do Brasil como modelo
ideal de regularização de favelas (TONUCCI FILHO; ÁVILA, 2008, p. 14).

Mesmo sem contar com significativo apoio de outros níveis de governo, especialistas
afirmam que a Prefeitura de Belo Horizonte vem alcançando efetividade em seus programas
de urbanização de favelas, atendimento à população em áreas de risco e construção
habitacional (CARDOSO, 2006). Por exemplo, o Programa Municipal de Regularização de
Favelas se tornou parte integrante da política de habitação no município, já trabalhando desde
a década passada com o conceito de regularização fundiária plena – que vai além do sentido
jurídico e da entrega dos títulos de posse, mas lança um olhar sobre variáveis ambientais e
urbanísticas, promovendo sua adequação para, enfim, o consequente alcance do direito à
cidade.
Há ainda que se destacarem dois pontos fortes da política de regularização fundiária
em Belo Horizonte. O primeiro é o grande esforço em busca da autogestão da construção
habitacional nesses programas: as próprias famílias beneficiadas fazem mutirões
administrados por elas mesmas (CARDOSO, 2006). Ainda, diferentemente do que acontece no
Direito Urbanístico brasileiro – no qual prevalece o descolamento entre a lei, seus
instrumentos e a prática –, o case de Belo Horizonte revela uma forte integração entre a
política urbana e os seus instrumentos normativos (CARDOSO, 2006).
Tais avanços são inegáveis. Contudo, ainda há muito a se evoluir. A legislação
urbanística vem evoluindo ao longo dos últimos anos – incluindo a promulgação de uma lei a
tratar especificamente sobre regularização fundiária urbana –, e volumosos recursos vêm
sendo reservados para essas políticas (por exemplo, vindos do governo federal). Para que
esses avanços não fiquem no passado, é necessário repensar a aplicação dos instrumentos de
política urbana. As gestões públicas municipais carecem de maior qualificação e inteligência
aplicada ao planejamento para o alcance de resultados ainda melhores (MAZONI ANDRADE,
2016).

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa que gerou este trabalho propôs-se a uma discussão dos impactos das
politicas de regularização fundiária no Brasil. Para tanto, partindo das premissas da
importância do tema – dada a crescente e efervescente busca por melhores respostas do
Estado brasileira frente aos desafios da gestão pública –, sua relevância – posta a lacuna
explicitada na produção acadêmica –, sua contribuição e suas vantagens, este trabalho buscou
descrever a problemática relacionada à regularização fundiária no Brasil, destacando o
impacto que essas políticas públicas possuem sobre a garantia de direitos e as finanças
públicas municipais.
Para tanto, propôs-se uma breve pesquisa bibliográfica sobre temas relacionados à
política urbana e ao planejamento urbano, revelando a problemática das cidades brasileiras e
a imperiosa necessidade de ação do poder público para saná-la. A partir disso, apresenta-se a
regularização fundiária como uma proposta de solução desses problemas.
Para robustecer o argumento apresentado, de que políticas de regularização fundiária
podem impactar positivamente a fruição de direitos e as finanças públicas, impactando assim o
desenvolvimento regional, o trabalho buscou resultados de pesquisas empíricas relacionadas à
regularização fundiária.
Utilizando-se métodos quantitativos, Andrade e Pero (2011), mostram impacto
positivo de um programa de regularização fundiária sobre indicadores de bem-estar social. Por
seu turno, Moura, Bueno e Leoni (2009) mostram que a segurança dos direitos de propriedade
é uma chave determinante do desenvolvimento econômico. Nesse mesmo sentido, Dantas
(2013) mostra que a regularidade fundiária urbana possui impacto positivo sobre a oferta de
trabalho, o rendimento do trabalho e o investimento domiciliar das famílias beneficiárias de
baixa renda. Por fim, com base na obra de Acemoglu e Robinson (2012) e De Soto (2001),
Mazoni Andrade (2016) mostra a regularização fundiária pode impactar significativamente a
arrecadação dos municípios, reduzindo sua dependência de transferências
intergovernamentais e possibilitando melhores respostas aos problemas específicos de sua
jurisdição.
Por fim, a partir de discussões encontradas na literatura, o trabalho apresenta
sucintamente o caso da regularização fundiária no município de Belo Horizonte, apontando
para o seu sucesso e suas especificidades, no que diz respeito à luta pela permanência da
população nos seus assentamentos originais e a aplicação do conceito de regularização
fundiária plena – que vai além do sentido jurídico e da entrega dos títulos de posse, mas lança
um olhar sobre variáveis ambientais e urbanísticas, promovendo sua adequação para, enfim, o
consequente alcance do direito à cidade.

Enfim, faz-se necessário grande esforço de pesquisa e estudo para o melhor


entendimento dos traços marcantes da política urbana brasileira. Faz-se mister conhecer bem
sua formação e suas características – sejam elas positivas, pensadas como vocações, ou
negativas, pensadas como problemas e entraves ao desenvolvimento.

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ARTIGO – Políticas Sociais

Explorando resultados do projeto fortalecimento da agricultura


familiar para o abastecimento alimentar
Autoria: Marina Coimbra Ferreira Batista e Fernanda Peixoto Petrocchi da Costa

RESUMO

Esse artigo faz a avaliação de resultados do Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar para
o Abastecimento Alimentar, dentro do Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar -
PECNE, executado pelo governo de Minas Gerais de 2012 a 2014. A metodologia empregada é
quantitativa, utilizando-se testes de hipóteses para analisar se o Projeto atingiu seu objetivo,
sendo este: elevar o percentual de aquisição de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar
por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.

Palavras-chave: Agricultura Familiar, Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar,


Programa Nacional de Alimentação Escolar, Governo de Minas Gerais.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo busca fazer uma breve avaliação de resultados de um programa do


governo de Minas Gerais, considerado prioritário na agenda política à época de sua
implementação. Nesse sentido, busca-se analisar se a iniciativa alcançou o objetivo esperado,
podendo assim contribuir para a formulação de outras políticas públicas voltadas à
comercialização da agricultura familiar.

2. A AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL

A conceituação de Agricultura Familiar consta na Lei Federal nº 11.326/2006, qual seja


Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e
empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos
fiscais;
II – utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas
atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida
pelo Poder Executivo;
IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família
(BRASIL, 2006).

A problemática da agricultura familiar se centra na insuficiência de renda, baixa


escolaridade, baixo acesso ao mercado, restrito acesso à terra, baixo grau de especialização, e,
portanto, baixa produção individual. A sub-ocupação de mão de obra também se mostra uma
preocupação no meio do agricultor familiar, o que faz com que as pessoas, sobretudo os
jovens, migrem para a cidade em busca de trabalho, ainda que este se dê em condições
precárias. Faz-se necessária, então, a adoção de políticas que tornem o campo mais atrativo a
esse público. O acesso a terras é apenas uma dessas condições, sendo necessário que tal
acesso seja produtivo e possa competir em renda com o trabalho no meio urbano
(ABRAMOVAY, 1999).
Segundo dados do Censo Agropecuário realizado em 2006 pelo Instituto, os
estabelecimentos rurais de agricultura familiar ocupam cerca de 85% do total no país. No
entanto, a porcentagem de área rural dos agricultores familiares corresponde a apenas 24%.
Isso significa que as propriedades não familiares representam apenas 15% do total, mas
ocupam uma área superior a 75% das terras rurais. Percebemos os reflexos dos vários
problemas enfrentados pelos agricultores familiares – falta de capital, estrutura fundiária
altamente concentrada, baixo acesso aos mercados, etc. – na produção alimentícia, conforme
explicitado na tabela abaixo:

A tabela reforça que, apesar da maioria dos estabelecimentos de plantio desses


produtos serem da agricultura familiar, a área de colheita e o valor da produção ainda não são
maioria em grande parte dos casos. Desse modo, apesar de a Agricultura Patronali possuir
menor percentual de estabelecimentos produtores desses alimentos, seu valor de produção
ainda supera, na maioria dos casos, o da agricultura familiar. Ainda assim, percebe-se por meio
da Tabela 1 que a agricultura familiar possui uma considerável fatia do mercado, o que
demonstra o grande potencial que ela tem na oferta de alimentos, potencial esse que deve ser
explorado mais a fundo. Em termos de valor em reais, no ano de 2006, a agricultura familiar foi
responsável por 31%, enquanto a agricultura patronal fica com a fatia de quase 70% dos
rendimentos. Cenários como esse apontam para a necessidade de políticas públicas voltadas
ao incentivo da produção e acesso aos mercados por parte dos agricultores familiares.
No cenário mineiro, prevalecem as estruturas de concentração fundiária observadas
no Brasil: os estabelecimentos da agricultura familiar correspondem a 79% da totalidade, mas
ocupam apenas 27% de toda a área. No que diz respeito ao Produto Interno Bruto – PIB –
gerado no meio rural, a agricultura familiar era responsável por 5,78% do total do PIB de Minas
Gerais no ano de 2004. Nesse mesmo ano, o Agronegócio Patronal produziu 18,83% do PIB
mineiro (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2007).

3. O PROGRAMA ESTRUTURADOR CULTIVAR, NUTRIR E EDUCAR

Antes de discorrer sobre o PECNE e sua concepção faz-se necessário tratar do


Programa Nacional de Alimentação Escolar e entender sua operacionalização. Esse programa
foi implementado em 1955 – denominado, à época, de Campanha de Merenda Escolar (CME).
Seu objetivo é fornecer alimentos para os alunos matriculados nas escolas públicas e atuar na
educação alimentar e nutricional dos mesmos. São atendidos os alunos de toda a educação
básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos)
matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com
o poder público), por meio da transferência de recursos financeiros (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2015).
O PNAE é responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação –
FNDE – (EVANGELISTA et al. 2012), o qual atua por meio de transferências financeiras às
secretarias de educação dos estados e Distrito Federal e aos municípios, os quais passam,
então, a ser também encarregados de realizar a operacionalização do PNAE – elaborar os
cardápios, realizar as licitações, efetuar os pagamentos aos fornecedores, etc. (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2015).
Outro marco legal importante no âmbito do PNAE, e essencial para compreender esse
estudo, é a Lei Federal nº 11.947/2009, a qual designa que o mínimo de 30% dos recursos pelo
FNDE para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser usado na compra de
alimentos provenientes da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas
organizações, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais
indígenas e as quilombolas. Além disso, essas aquisições poderão ser realizadas por meio de
chamadas públicas, de modo que fica dispensado o processo licitatório, desde que os preços
sejam compatíveis com os de mercado (BRASIL, 2009).
Essa mudança institucional fortalece a agricultura familiar a partir do momento em
que ela recebe tratamento diferenciado, uma vez que são conhecidas suas dificuldades de
acessar o mercado, incluindo-se, aí, o mercado institucional do PNAE. Segundo Evangelista et
al. (2012) a referida lei incentiva a organização dos agricultores, uma vez que o fornecimento
ao PNAE requer planejamento, gestão eficiente, visão de longo prazo e produção organizada
(EVANGELISTA et al., 2012), contribuindo para a consolidação da agricultura familiar no
ambiente econômico.
O estado de Minas Gerais encontra-se na segunda posição de estados que recebem o
maior aporte de recursos do PNAE: cerca de R$ 82 milhões (EVANGELISTA et al. 2012, p.1),
além de ter parcela considerável do número de agricultores familiares do país – em 2006 esse
número era de 437.415 estabelecimentos, empregando um total de 1,1 milhões de
trabalhadores (IBGE, 2006). Esses dados ressaltam o potencial que o mercado do PNAE tem
para os agricultores familiares no estado.
No entanto, apesar dessa obrigação legal, sabe-se que diversos municípios não
conseguem cumpri-la devido a variadas razões: dificuldades logísticas, altos padrões de
exigência dos produtos pelo PNAE, carência de assistência de técnica aos agricultores
familiares em aspectos da gestão do empreendimento e da organização desses em torno de
associações ou cooperativas, a falta de adequação sanitária dos estabelecimentos familiares,
dentre outros.
A seguir, apresenta-se uma tabela com o percentual de aquisição de produtos da
agricultura familiar para o PNAE com recursos do FNDE para as instituições de ensino estaduais
de Minas Gerais, dos anos de 2010 a 2015, excetuando-se o ano de 2013 por ausência de
dados.

Pode-se perceber um claro aumento dos percentuais de compras institucionais pelo


PNAE de alimentos da agricultura familiar. No entanto, até 2014 o estado ainda estava aquém
do percentual exigido pela Lei 11.947/2009.
Isso evidencia a problemática do acesso a esse mercado pela agricultura familiar em
Minas Gerais. Considerando-se os dados de 2010 e 2011 – período antes da implementação do
PECNE – fica evidente a necessidade de ações que fortaleçam os agricultores familiares e
contribuam para que sua produção seja vendida para o mercado do PNAE em Minas Gerais.
Nesse âmbito foi criado pelo governo mineiro o Programa Estruturador Cultivar Nutrir e
Educar.
O Programa Estruturador Cultivar, Nutrir e Educar foi implementado no ano 2012 e
tem como objetivo geral garantir o direito humano à alimentação saudável, adequada e
solidária, contemplando o binômio educação e nutrição para os alunos das escolas públicas
estaduais de educação básica, potencializando a alimentação escolar, fortalecendo a
agricultura familiar e promovendo a educação alimentar e nutricional.
A existência do PECNE se justifica, então, pela possibilidade de cobrir a lacuna deixada
pela Lei Federal nº 11.947/2009 e pelo fato da alimentação escolar ser uma política pública de
extrema importância, existindo desde a década de 50. Considera-se ainda que o PECNE
reafirma a competência do Estado de promoção da educação alimentar e nutricional, o
fomento da consciência sanitária e ambiental e monitoramento da vigilância sanitária dos
municípios.
O PECNE possui uma estratégia intersetorial em sua concepção. Ele está vinculado à
Secretaria Geral da Governadoria (SGG) e sua gestão geral é executada pela Secretaria
Executiva do Comitê Temático de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (SE-CTSANS),
em conjunto com as Secretarias de Estado de Educação, de Saúde e de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. O Programa é composto por um processo, chamado Processo de Alimentação
Escolar, cuja gestão é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais (SEE), e por dois projetos, o Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar para o
Abastecimento Alimentar, de responsabilidade da Secretaria de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (SEAPA)ii, e o Projeto Estratégias Nutricionais de Promoção à Saúde,
sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde (SES).
Este estudo se concentra no PECNE, porém com destaque para o Projeto
Fortalecimento da Agricultura Familiar para o Abastecimento Alimentar e seus subprojetos sob
responsabilidade da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (anteriormente sob
responsabilidade da SEAPA).
O objetivo do Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar para o Abastecimento
Alimentar é fortalecer a agricultura familiar, qualificando e tornando aptos os agricultores
familiares e os estabelecimentos agroindustriais rurais de pequeno porte aptos para o
fornecimento de alimentos para os mercados institucionais, prioritariamente para o
abastecimento da Rede Pública Estadual de Ensino em atendimento ao PNAE. O público alvo é
composto, portanto, de agricultores familiares de Minas Gerais que necessitem das ações
executadas pelos subprojetos. Os seus três subprojetos são apresentados a seguir:
Quanto ao subprojeto I, suas principais ações incluem a identificação de potenciais
agricultores familiares fornecedores de alimento para o mercado institucional, capacitação e
prestação de assistência técnica a esses agricultores e o fornecimento de insumos para
produção. Os atores responsáveis pela sua coordenação e execução são SEAPA, EMATER e a
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG.
O subprojeto II atua selecionando agricultores familiares que sejam agroindustriais
rurais de pequeno porte que sejam potenciais fornecedores de produtos agroindustrializados
para o mercado institucional, prestando orientação técnica para os agricultores familiares em
processamento de alimentos, boas práticas de fabricação e habilitação sanitária, elabora
laudos de inspeção, acompanha inspeções, etc. Os órgãos responsáveis por esse subprojeto
são a SEAPA, EMATER e o IMAiii, mas necessita de coordenação com as secretarias de saúde
municipais e estadual, bem como com a vigilância sanitária, para auxílio nas agroindústrias de
produtos vegetais.
O subprojeto III possui como principais ações identificar potenciais agricultores
familiares fornecedores de alimento para o mercado institucional, capacitar e prestar
orientação técnica em organização e mercado, apoiar a elaboração do projeto de venda dos
agricultores. Os órgãos responsáveis pelo subprojeto são a SEAPA, EMATER e a Fundação Rural
Mineira – Ruralminas.
Na operacionalização do programa nos municípios, inicialmente, constitui-se o Comitê
Gestor Local composto por membros representantes do governo – EMATER, Instituto Mineiro
de Agropecuária (IMA), escolas estaduais, Secretaria Municipal de Saúde – e da sociedade civil
– conselhos municipais de políticas públicas sociais, sindicatos de trabalhadores rurais,
associações e cooperativas da agricultura familiar, dentre outros. O objetivo do Como
atribuições desses Comitês pode-se citar: articular os diversos parceiros envolvidos no
município; elaborar Plano de Ação do Comitê, devendo para isso considerar as atividades
previstas no PECNE e enviá-lo para análise da gestão estadual; auxiliar no acompanhamento e
na implementação das ações, fornecendo informações das ações executadas no município à
gestão estadual do Programa.

4. OS RESULTADOS DO PROJETO FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR PARA O


ABASTECIMENTO ALIMENTAR

A respeito da contribuição do projeto para o aumento das compras institucionais do


PNAE de agricultores familiares, foram comparados os resultados da aquisição da agricultura
familiar em Minas Gerais para municípios que foram contemplados pelo Projeto
Fortalecimento da Agricultura Familiar e para aqueles que não foram, a partir de dados
obtidos junto ao site do FNDE. A seguir uma breve explicação dos procedimentos feitos e dos
resultados obtidos. Uma exposição detalhada dessa análise estatística encontra-se no
Apêndice A.
Foram realizados quatro procedimentos estatísticos, sendo todos eles testes de
hipóteseiv. A realização de todos esses testes se justifica pela abrangência do banco de dados
obtido junto ao FNDE, onde se conseguiu o percentual de aquisição para todos os anos de
execução do PECNE, de modo que se têm várias possibilidades de análise. Buscou-se, ao
efetuar quatro testes, examinar a relevância do programa de várias formas diferentes, de
modo a comprovar a importância do programa em Minas Gerais.
No primeiro teste foram comparadas as médias porcentuais de aquisição da
agricultura familiar no PNAE em 2013 para municípios que participaram do projeto e para os
que não o receberam. Esse teste permite saber se há grandes diferenças nas médias de
aquisição da agricultura familiar na merenda escolar entre os municípios que recebem o
PECNE e os que não o receberam. Se a diferença for significativa, isso sinaliza que o programa
foi importante para aumentar o percentual de vendas da agricultura familiar para o PNAE,
demonstrando o alcance de seu objetivo. A hipótese nula (H0) é que essas médias seriam
iguais, e a hipótese alternativa (H1) é que elas são diferentes. Concluiu-se que há uma
diferença significativa entre as médias de aquisições do grupo de municípios que receberam o
projeto e do grupo que não foi beneficiado. O projeto mostrou-se, então, como fator que
contribui efetivamente para o aumento da aquisição de produtos da agricultura familiar em
2013.
No segundo procedimento foi comparado o percentual de aquisições da agricultura
familiar pelo PNAE nos períodos de 2011 e de 2013 para uma amostra de municípios que
recebeu o projeto em 2013. Foram comparados, então, os dados da aquisição da agricultura
familiar entre os anos de 2011 (t0ou tempo zero, antes do projeto) e em 2013 (t1ou tempo
um, após ser beneficiado pelo projeto). Os resultados mostraram uma diferença significativa
nas médias do percentual de aquisições antes do projeto e depois dele, o que indica que ele
surtiu efeitos para o aumento desse percentual para o ano de 2013.
No terceiro procedimento foi comparado o percentual de aquisições da agricultura
familiar pelo PNAE nos períodos de 2011 e de 2014 para uma amostra de municípios que
recebeu o projeto em 2014. Foram comparados, então, os dados da aquisição da agricultura
familiar entre os anos de 2011 (t0ou tempo zero, antes do projeto) e em 2014 (t1ou tempo
um, após ser beneficiado pelo projeto). Os resultados não mostraram uma diferença
significativa entre as médias do percentual de aquisições antes do projeto e depois dele, o que
indica que ele não surtiu efeitos para o aumento desse percentual no ano de 2014.
No quarto teste foi comparado o percentual de aquisição da agricultura familiar de
amostra de municípios que foram beneficiados pelo programa em 2013, no tempo t0 e no
tempo t1. No entanto, os dados percentuais utilizados para comparação foram os do ano de
2014, de modo que foram comparadas as aquisições em 2011 (t0) com 2014 (t1). Esse
procedimento se justifica pelo fato de que os agricultores familiares que são contemplados
pelo Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar para o Abastecimento Alimentar em um
determinado ano podem vir a fornecer para o PNAE somente no ano seguinte, devido ao
aspecto temporal das chamadas públicas – elas ocorrem, muitas vezes, somente no início do
ano e no final. Os resultados mostraram que há uma diferença significativa entre as médias do
percentual de aquisição da agricultura familiar no PNAE entre os anos de 2011 e 2014 para os
municípios atendidos pelo PECNE em 2013, o que demonstra que o programa foi relevante
para o aumento desse percentual.

5. CONCLUSÃO

O Projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar para o Abastecimento Alimentar


mostra-se como elemento substancial para o aumento do percentual de compras da
agricultura familiar pelo PNAE, como se constatou com os procedimentos estatísticos
realizados. Nesse sentido, os municípios que receberam o projeto aumentaram seu percentual
de aquisições comparando-se o cenário antes do projeto e o depois, excetuando-se o ano de
2014. Para melhor entender esse baixo resultado na execução desse ano, seriam necessários
maiores estudos que elucidem os motivos para tal, questão que vai além dos objetivos do
presente artigo. Por fim, tem-se que é significativa a diferença desse percentual entre
municípios que fizeram parte do projeto e os que nunca o receberam, o que mostra que o
projeto cumpriu com seu objetivo, exceto em 2014.

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APÊNDICE A – Testes de hipóteses

Serão apresentados a seguir as descrições dos procedimentos estatísticos utilizados para


verificar se os resultados do projeto são relevantes. Para tanto, foram selecionadas amostras
aleatórias de tamanho n=40 para todos os testes realizados.

a) No primeiro procedimento realizou-se o teste t para amostras independentes, ou seja,


buscou-se comparar duas amostras de mesmo tamanho n, porém de municípios diferentes.
Para fins deste cálculo, assume-se a normalidade da população uma vez que n1 = n2 > 30. A
amostra 1 contém municípios não atendidos pelo Projeto em 2013, e a amostra 2 contém
municípios contemplados pelo Projeto no mesmo ano. Como condição para a validade do teste
procedeu-se, primeiramente, ao teste f, de modo a descobrir se as variâncias dessas duas
populações de onde foram retiradas as respectivas amostras são iguais.

a.1) Teste f

H0: σx2 = σy2

H1: σx2 ≠ σy2

α = 0,05, sendo:

H0 a hipótese nula a ser testada;

H1 a hipótese alternativa;

σx2 o variância da amostra 1;

σy2 a variância da amostra 2 e

α o nível de significância1.

Resultados:

F crítico: 1,6928

F teste: 1,1427

Como F crítico ≥ F teste, não se rejeita a hipótese nula, ou seja, as variâncias das duas
populações são iguais. Isso significa que o Teste t será válido.

a.2) Teste t para amostras independentes

Considerando um nível de significância de 95% (ou seja, α = 0,05), será efetuado o teste t para
duas amostras de municípios no ano de 2013. A amostra 1 contém municípios que
participaram do projeto no referido ano, e a amostra 2 contém municípios que não fizeram
parte do projeto em 2013. Com base nos dados da aquisição de produtos da agricultura
familiar frente ao PNAE, iremos testar se a variação entre as médias é significativa.

H0: μx = μy

H1: μx ≠ μy
α = 0,05, sendo:

H0 a hipótese nula a ser testada;

H1 a hipótese alternativa;

μx a média populacional no grupo 1;

μy a média populacional no grupo 2 e

α o nível de significância.

Resultados:

T crítico: 1,99

T teste: 12,05

Como T crítico ≤ T teste, rejeita-se a hipótese nula. Desse modo, conclui-se que há uma
diferença significativa entre as médias de aquisições do grupo de municípios que receberam o
projeto e do grupo que não foi beneficiado. O projeto mostrou-se, então, como fator que
contribui efetivamente para o aumento da aquisição de produtos da agricultura familiar em
2013.

b) No segundo procedimento, realizou-se o Teste t pareado, o qual se aplica para comparar


uma mesma amostra em dois momentos diferentes. Desse modo, foi selecionada uma
amostra aleatória de municípios que receberam o programa em 2013. Foram comparados os
dados da aquisição da agricultura familiar em dois períodos diferentes, quais sejam os anos de
2011 (t0, antes do PECNE) e em 2013 (t1), a um nível de significância de 95% (ou seja, α =
0,05). Será testado se a variação entre as médias de aquisição em 2011 e 2013 foram
significativas.

H0: μt0 = μt1

H1: μt0 ≠ μt1

α = 0,05, sendo:

H0 a hipótese nula a ser testada;

H1 a hipótese alternativa;

μt0 a média amostral no tempo t0;

μt1 a média amostral no tempo t1 e

α o nível de significância.

Resultados:

T crítico: 2,04
T teste: 163,48

Como T crítico ≤ T teste, rejeita-se a hipótese nula. Desse modo, temos que a diferença de
aquisição da agricultura familiar no PNAE entre os anos de 2011 e 2013 foi significativa, o que
comprova que o PECNE teve papel significativo no aumento das médias de aquisição entre
esses anos.

c) No terceiro procedimento, realizou-se o Teste t pareado, comparando os valores de


aquisição da agricultura familiar para um mesmo grupo de município no t0 (2011) e t1 (2014).
Será testado se a variação entre as médias de aquisição em 2011 e 2014 foram significativas.

H0: μt0 = μt1

H1: μt0 ≠ μt1

α = 0,05, sendo:

H0 a hipótese nula a ser testada;

H1 a hipótese alternativa;

μt0 a média amostral no tempo t0;

μt1 a média amostral no tempo t1 e

α o nível de significância.

Resultados:

T crítico: 2,042

T teste: - 0,0432

Como T crítico ≥ T teste, deixa-se de rejeitar a hipótese nula. Então, pode-se concluir que a
diferença das médias de aquisição da agricultura familiar entre 2011 e 2014 não foram
significativas, o que representa poucos efeitos do PECNE nesse ano de intervenção.

d) No quarto teste foi realizado um Teste t pareado comparando o percentual de aquisição da


agricultura familiar de amostra de municípios que foram beneficiados pelo programa em 2013.
No entanto, os dados percentuais utilizados para comparação foram os do ano de 2014, de
modo que foram comparadas as aquisições em 2011 (t0) com 2014 (t1) a um nível de
significância de 95% (ou seja, α = 0,05). Esse procedimento se justifica pelo fato de que os
agricultores familiares que são contemplados pelo Projeto Fortalecimento da Agricultura
Familiar para o Abastecimento Alimentar em um determinado ano podem vir a fornecer para o
PNAE somente no ano seguinte, devido ao aspecto temporal das chamadas públicas – elas
ocorrem, muitas vezes, somente no início do ano e no final. Nesse sentido, será testada a
hipótese de que as médias de aquisição desses anos são iguais.

H0: μt0 = μt1

H1: μt0 ≠ μt1


α = 0,05, sendo:

H0 a hipótese nula a ser testada;

H1 a hipótese alternativa;

μt0 a média amostral no tempo t0;

μt1 a média amostral no tempo t1 e

α o nível de significância.

Resultados:

T crítico: 2,04

T teste: 406,06

Como T crítico ≤ T teste, rejeita-se a hipótese nula (H0). Então, temos que as médias entre
2011 e 2014 de aquisições da agricultura familiar no PNAE para municípios atendidos pelo
PECNE em 2013 são significativamente diferentes, o que aponta para uma relevância do
programa no sentido de aumentar a venda da agricultura familiar para o PNAE.

i Agricultura patronal é outro termo existente para designar a agricultura não familiar.

ii Em março de 2015 a Subsecretaria de Agricultura Familiar e Regularização Fundiária (SUAF),


que integrava a estrutura organizacional da SEAPA, ganhou status de Secretaria, a partir da
criação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA). O Projeto Fortalecimento
da Agricultura Familiar para o abastecimento Alimentar ficou, a partir de então, sob
responsabilidade da SEDA. No entanto, não houve execução dele neste ano.

iii O IMA foi incluído nessa atividade pelo fato de esse órgão ser responsável pela regularização
das agroindústrias familiares que processem produtos de origem animal

iv Teste de hipótese é um procedimento estatístico que possibilita decidir entre a hipótese


nula (H0) e a hipótese alternativa (H1). Na estatística, uma hipótese é uma alegação que se faz
sobre a característica de uma população, uma explicação potencial que procura levar em conta
fatos observados em situações onde existem algumas incógnitas. Nesse sentido, a diferença
entre o valor alegado de um parâmetro populacional e o valor de uma estatística amostral
pode ser razoavelmente atribuído à variabilidade das amostras ou a discrepância é demasiado
grande para ser considerada como mera variação das amostras.
ARTIGO – Políticas Sociais

Regularização Fundiária em Minas Gerais: avanços recentes e a


possibilidade de atuação consorciada
Autoria: Matheus Guimarães Novais, Breno Longobucco, Thaís Cristina Lopes de Araújo Vilas
Boas e Leonardo Luis Avendanha Gabrich Ferreira.

RESUMO: A informalidade urbana decorre do processo de urbanização brasileira, que foi


pautado por dinâmicas de especulação imobiliária e exclusão. Por várias décadas, a negligência
estatal permitiu a ocupação irregular de áreas impróprias ou sem a devida segurança dominial,
acarretando hoje os principais problemas urbanos atualmente enfrentados. Recentemente, o
Governo do Estado de Minas Gerais investiu recursos institucionais e políticos para tratar
especificamente da regularização fundiária, atuando em um primeiro momento,
prioritariamente, nos municípios do Norte de Minas para, em seguida, capilarizar suas ações
no restante do Estado. O propósito do presente artigo é detalhar a evolução da política
mineira de regularização fundiária nos últimos anos, apresentar as principais ações que estão
sendo desenvolvidas pelo Estado e apresentar uma proposta de atuação que envolva os
consórcios públicos como agentes ativos, capazes de trazer maior efetividade na realização da
política pública em análise.

PALAVRAS-CHAVE: regularização fundiária urbana; consórcios públicos; políticas públicas;


inovação.

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno da informalidade urbana é uma realidade incontestável e expressiva no


panorama da urbanização brasileira, sendo possível afirmar que a menor parte das habitações
apresenta conformidades fundiárias e urbanísticas (CARVALHO, 2007; FERNANDES, 2007;
MARICATO, 1996; ROLNIK, 2007).
A combinação de fatores como a lógica especulativa do mercado imobiliário, associada
à conivência estatal para com as ocupações informais em áreas de risco ao longo da ditadura
militar (CALDAS, 2015; DENALDI, 2003), bem como aos déficits de inclusividade das políticas
urbanas acarretaram os problemas fundiários atuais, que são um desafio a ser enfrentado
pelos três níveis de governo, cada qual com sua competência e âmbito de atuação.
O Estado de Minas Gerais assistiu, durante muito tempo, a certa paralisia na política de
regularização fundiária, limitada à emissão de títulos, sem que houvesse aderência a uma
proposta estruturada. Somou-se a isso a intervenção realizada pela Polícia Federal em 2011,
junto ao órgão estadual então responsável pela temática da regularização fundiária, que
culminou na paralização de suas atividades e no consequente acúmulo de um passivo de
processos a serem analisados para a regularização de imóveis em todo o território do Estado.
Para contornar a problemática instaurada, o Governo atual vem, desde 2015, abrindo
as portas para iniciativas no âmbito da estruturação de uma política de regularização fundiária.
As primeiras evidências dessas iniciativas podem ser constatadas por meio dos recentes
projetos conduzidos pela Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional – SECIR que
sucedeu, em 2016, a antiga Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política Urbana
e Gestão Metropolitana – SEDRU, até então responsável pela pauta no Estado.
O propósito do presente artigo é detalhar a evolução da política mineira de
regularização fundiária nos últimos anos. Para tanto, será traçado um breve histórico dos
acontecimentos que culminaram na acumulação do passivo atual de imóveis aguardando
regularização, complementado pela demonstração dos dados atuais relacionados à temática.
Em seguida, serão apresentadas as principais ações que estão sendo desenvolvidas pelo
Estado, por meio da SECIR, para a retomada das ações dessa política pelo governo. Por fim,
pretende-se apresentar uma proposta de atuação que envolva os consórcios públicos como
agentes ativos, capazes de trazer maior efetividade na realização da política pública em
análise.

2. O PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM MINAS GERAIS

A regularização fundiária urbana deve ser entendida como um conjunto de medidas


jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de núcleos urbanos
informais. A Medida Provisória 759, de 2016, instituiu normas gerais e procedimentos
aplicáveis nesta temática, que devem ser interpretados complementarmente às normas
municipais e estaduais.
A regularização de áreas devolutas1 urbanas é, conforme Lei Estadual nº 22.257 de
2016, competência da SECIR.
Para promover uma regularização fundiária efetiva e, consequentemente, atender ao
princípio da função social da cidade, as ações adotadas pela SECIR estão agrupadas em três
macroetapas, cada qual com critérios específicos de aceitação.
Primeiramente, busca-se a regularização da base imobiliária, junto ao Cartório de
Registro de Imóveis (CRI) competente, da área na qual o assentamento irregular está inserido.
No caso das áreas públicas e devolutas, utiliza-se de mecanismos legais variados a depender
das peculiaridades do caso concreto: demarcação urbanística, conforme Lei Federal nº
11.977/20092, art. 195-B da Lei Federal nº 6.015/1973 ou ainda o procedimento
administrativo discriminatório previsto na Lei Estadual nº 11.020/1993.
A peça técnica que viabiliza a conclusão desta etapa é a planta cadastral
georreferenciada. Esta contém os limites do assentamento e deve indicar os confrontantes
diretamente interessados. Com a abertura da matrícula em nome do Estado de Minas Gerais,
parte-se para a segunda etapa.
A fim de regularizar o parcelamento e integrá-lo formalmente à cidade, elabora-se, a
partir da planta cadastral georreferenciada, o projeto de regularização fundiária que deve
conter, no mínimo3:
a. As áreas ou lotes a serem regularizados e, quando for o caso, as edificações a serem
realocadas;

b. As vias de circulação existentes ou projetadas e, quando possível, outras áreas


destinadas a uso público;

c. As medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e


ambiental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais
previstas em lei;

d. As condições para promover a segurança da população em situações de risco;

e. As medidas previstas para adequação da infraestrutura básica.

Após conclusão do projeto, emissão da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e


registro destes no CRI, parte-se para regularização da posse das famílias ocupantes da área.
Nesta etapa, colhe-se toda a documentação necessária para comprovação do tempo de
ocupação e do cadastro socioecômico dos beneficiários. Os instrumentos legais de
reconhecimento da posse e/ou transferência de propriedade são diversos e a opção do gestor
por cada um deles depende da caracterização do domínio fundiário da área, dos dados obtidos
a partir do cadastro e da análise dos efeitos produzidos. O quadro abaixo apresenta uma
sistematização dos principais instrumentos considerados para regularização de áreas públicas
ou devolutas.
3. A ATUAÇÃO DA SECIR PARA A RETOMADA DA POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

O Instituto de Terras – ITER era o órgão que detinha a competência para promover a
regularização fundiária no Estado, tanto urbana quanto rural, de 2001 até setembro de 2011,
quando então foi deflagrada a “Operação Grilo” da Polícia Federal, que investigou
irregularidades em grilagem de terras por agentes públicos estaduais (NEIVA, 2014). Tal
episódio levou à interrupção de todas as ações de regularização fundiária, suspeitas ou não,
conduzidas pelo Estado, incluindo o cancelamento dos títulos até então emitidos e ainda não
registrados.
A crise no Instituto culminou em sua extinção na reforma administrativa de 2013,
transferindo as competências de regularização fundiária para a então Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana – SEDRU e a Secretaria de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – SEAPA, cada qual, respectivamente,
devendo atuar em imóveis urbanos e rurais (MINAS GERAIS, 2013). Todavia, a despeito das
competências institucionais remanescerem, a SEDRU nunca chegou a executar políticas
relevantes nesse aspecto.
A interrupção dessas ações contribuiu para a geração de um passivo de imóveis com
irregularidade fundiária em Minas Gerais que veio a atingir patamares insustentáveis,
sobretudo no que se refere às áreas institucionais instaladas em terras devolutas. Até 2015,
existiam cerca de 2.800 processos paralisados na SEDRU, herdados do ITER. Em avaliação
recente realizada pela Superintendência de Infraestrutura, da SECIR, constatou-se que grande
parte da instrução desses expedientes é inconsistente, em especial documentos e declarações
vencidos e levantamentos planialtimétricos imprecisos.
À época, já se verificava por meio de pesquisas nessa temática a dimensão da
insegurança dominial de imóveis próprios. Dados da Pesquisa de Amostragem de Domicílios
mostram que 665.015 domicílios em Minas Gerais contam com alguma inconformidade
dominial, dentre os quais a grande maioria consiste na tipologia “casa” (92,5%).

Um dos avanços demandados pela nova gestão, como mostra Leite (2015), é a
possibilidade de que as ações do Estado no tocante à regularização fundiária não se limitem à
titulação somente, podendo abarcar, além da necessária segurança jurídica referente à posse
do imóvel, um conjunto de medidas que ofereçam aos beneficiários as mínimas condições de
urbanidade. Trata-se de garantir às famílias beneficiadas não apenas o acesso ao título, mas,
de forma mais ampla, o direito à cidade. Tais ponderações sugerem uma vontade política de
que as estratégias de regularização fundiária sejam planejadas e executadas à luz do conceito
de “regularização fundiária plena” (BRASIL, 2012), que envolve não só a titulação, mas também
melhorias urbanísticas destinadas a promover qualidade de vida urbana.
A SECIR realizou diagnósticos fundiários e contratou serviços de georreferenciamento
no Norte de Minas, onde já iniciou, em parceria com os municípios, a instrução de processos
de titulação de áreas irregulares. Também foram selecionados 473 imóveis do passivo deixado
pelo ITER, ocupados por órgãos da administração municipal ou estadual, em diversos
municípios mineiros, para conclusão e regularização dominial.
Em paralelo, também atua em outras frentes, como a capacitação municipal e criação
de ferramentas de gestão que possibilitem os administradores municipais a tomarem
iniciativas independentes, como a habilitação de empresas através do Sistema de Registro de
Preços –SRP – para execução de serviços de levantamento planialtimétrico georreferenciado,
fundamental para conclusão da primeira etapa do processo de regularização.
O SRP permite maior eficiência administrativa e maior economia de escala uma vez
que diversos municípios podem participar da mesma Ata de Registro de Preços, a um custo
menor do que aquele usualmente praticado em licitações isoladas com quantitativos
reduzidos. Além disso, a solicitação de serviço ocorre somente a partir da concretização da
necessidade do poder público, ou seja, quando identificadas as áreas irregulares nos diversos
municípios participantes. A adesão de municípios à ata e a contratação das plantas cadastrais
permite a tomada de ações tanto independentes quanto colaborativas. No que se refere à
primeira hipótese, já foram efetuados contatos com municípios que estudam levar à cabo, por
conta própria, ações de regularização fundiária.
No que se refere ao estudo e desenvolvimento de políticas futuras no âmbito da
regularização fundiária, a SECIR avalia formas inovadoras para aumentar a efetividade de suas
ações, como o fomento à colaboração entre cooperativas habitacionais, associações de
moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse
público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de
desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana.
Outra possibilidade de inovação seria fomentar a atuação dos consórcios públicos na
política de regularização, de modo a garantir ganhos de escala e maior eficiência nessas ações.
Essa alternativa permite ao Estado capilarizar as ações de regularização fundiária sem
comprometer a capacidade de trabalho da SECIR, que naturalmente possui limitações em
termos de quantidade de técnicos. A Secretaria estuda desenhos e estruturas de experiências
análogas em outros estados da federação para assessorar os municípios mineiros futuramente
nessa questão. Na seção seguinte serão apresentadas as principais considerações e conclusões
acerca do novo modelo proposto.

4. PROPOSTA DE UM NOVO MODELO

A Constituição Federal de 1988 aprimorou o modelo federativo do país, conferindo aos


municípios a qualidade de entes federativos, e redistribuindo o poder da União para os
estados e municípios, com base na premissa de melhoria do gerenciamento do setor público.
No entanto, ainda hoje o que se observa é que, face ao molde do pacto federativo do país, a
maioria dos municípios brasileiros não possui condições efetivas de exercer as competências
que lhes foram atribuídas.
De modo a superar as dificuldades no cumprimento das diversas obrigações recebidas,
muitos municípios recorreram a formatos cooperados de atuação, compartilhando
responsabilidades na medida em que passaram a adotar soluções conjuntas para o tratamento
de temas que ultrapassam limites locais, as chamadas funções públicas de interesse comum.
Surgiram, assim, os consórcios, um novo instrumento de “federalismo cooperativo”.
Aos poucos, as relações intergovernamentais foram sendo aperfeiçoadas e
fortalecidas, até culminarem na criação figura do consórcio público, pessoa jurídica formada
exclusivamente por entes da Federação nos termos da Lei Federal nº 11.107/05. O novo
diploma trouxe normas gerais acerca do consorciamento público e foi regulamentado pelo
Decreto Federal nº 6.017/07. No âmbito estadual, foi editada a Lei nº 18.036/2009 que dispõe
acerca dos consórcios públicos.
Os consórcios públicos podem optar por personalidade jurídica de direito privado ou
de direito público, quando então irão constituir uma associação pública, de natureza
autárquica, que irá compor a administração indireta de todos os entes consorciados. Cabe
ressaltar que, mesmo adotando personalidade de direito privado, o consórcio estará sujeito a
normas de direito público para situações como realização de licitação, prestação de contas aos
tribunais de contas, admissão de pessoal via concurso público, etc. Os consórcios públicos de
direito público têm, no entanto, algumas prerrogativas em relação aos de direito privado,
como patrimônio e receita próprios, imunidade tributária e prazos judiciais especiais, por
serem considerados como fazenda pública.
Os consórcios públicos são, em sua maioria, intermunicipais, ou seja, formado
exclusivamente por municípios, embora legalmente seja possível a participação de Estados e
da União. Podem atuar em determinado serviço público específico, como saúde, iluminação
pública, saneamento básico, etc., ou se dedicarem a uma atuação multifinalitária, ou seja,
executar ações em diversas áreas temáticas.
Para fazer jus à grande quantidade de consórcios públicos existentes no Estado,
atuando em diversas finalidades, é possível pensar sobre a possibilidade de execução de ações
relacionadas a programas e projetos do Estado por estes entes, contribuindo para a redução
de custos e para o aumento da capacidade de prestação do serviço público pelos municípios
consorciados, gerando ganhos de escala.
Nesse sentido, tendo em vista que a política de regularização fundiária plena se
constrói por meio de um conjunto de ações articuladas entre diversos atores, entre os quais se
destaca o papel dos municípios, a atuação consorciada surge como uma solução viável na
busca de maiores padrões de eficiência e otimização dos resultados no âmbito da referida
política pública.
Conforme expõe Filho (2013), o Decreto Federal nº 6.017/07 trouxe, não de maneira
taxativa, algumas atividades para os quais os entes federados poderiam consorciar-se. Todos
os objetivos detalhados fazem parte de uma finalidade genérica que se traduz como a base da
política de consorciamento: a gestão associada de serviços públicos e a transferência de
serviços. Assim, no rol exemplificativo do art. 3º do referido Decreto é possível destacar
algumas finalidades específicas que legitimam a proposta de gestão associada das atividades
de regularização fundiária, quais sejam:
Art. 3º Observados os limites constitucionais e legais, os objetivos dos
consórcios públicos serão determinados pelos entes que se consorciarem,
admitindo-se, entre outros, os seguintes:
...........................................................................................................................
II - a prestação de serviços, inclusive de assistência técnica, a execução de
obras e o fornecimento de bens à administração direta ou indireta dos entes
consorciados;
III - o compartilhamento ou o uso em comum de instrumentos e
equipamentos, inclusive de gestão, de manutenção, de informática, de
pessoal técnico e de procedimentos de licitação e de admissão de pessoal;
IV - a produção de informações ou de estudos técnicos;
...........................................................................................................................
IX - a gestão e a proteção de patrimônio urbanístico, paisagístico ou turístico
comum;
...........................................................................................................................
XI - o fornecimento de assistência técnica, extensão, treinamento, pesquisa
e desenvolvimento urbano, rural e agrário;
XII - as ações e políticas de desenvolvimento urbano, sócio-econômico local
e regional; e
XIII - o exercício de competências pertencentes aos entes da Federação nos
termos de autorização ou delegação (BRASIL, 2007, grifos nossos).

A SECIR realizou um panorama do consorciamento no Estado de Minas Gerais e


identificou cerca de 136 consórcios públicos constituídos. Deste total, cerca de 50 são os
chamados consórcios multifinalitários, ou seja, aqueles que podem atuar em diversos setores
simultaneamente. Nesse sentido, vê-se como uma opção viável o aproveitamento da estrutura
destes consórcios para agregar atividades no âmbito da regularização fundiária.
O que se propõe é a estruturação de um núcleo centralizado de regularização
fundiária, com técnicos e equipamentos especializados, que seria responsável pela execução
da política no âmbito dos municípios consorciados. Os custos seriam rateados entre os
municípios, seguindo a dinâmica administrativa dos consórcios, que poderiam, inclusive,
receber profissionais cedidos das prefeituras consorciadas, que já estão envolvidos em
atividades de regularização fundiária em âmbito local.
Ressalta-se que a incorporação das atividades de regularização fundiária nos chamados
consórcios multifinalitários se mostra como uma das opções viáveis, uma vez que já se parte
de uma estrutura consorciada definida. No entanto, aqueles consórcios que atuam em uma
finalidade específica, tal qual na área de resíduos sólidos, por exemplo, podem migrar para um
formato multifinalitário, caso haja interesse dos entes consorciados, passando a abarcar, por
exemplo, atividades de regularização fundiária4. Ainda assim, caso as municipalidades vizinhas
interessadas no consorciamento para fins de regularização fundiária não tenham interesse em
aproveitar a estrutura de nenhum dos consórcios já formatados no Estado, tem-se a opção de
criação de um novo consórcio público para atender a esta demanda específica.
A título de exemplo, o Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de
Desenvolvimento Rural, lançou, em 2015, iniciativa nesse sentido no intuito de garantir
agilidade e eficiência na emissão de títulos de terras rurais para agricultores familiares. Foram
celebrados convênios com oito consórcios públicos de territórios distintos do Estado, por meio
do qual o Estado se responsabilizou pelo repasse de recursos e pela capacitação técnica das
equipes dos consórcios referente ao cadastro, georeferenciamento dos imóveis e análises de
cerca de 17 mil peças técnicas que foram elaboradas para emissão de títulos de posse (BAHIA,
2015).
O modelo proposto no âmbito da SECIR, por sua vez, prevê somente a transferência
das atividades de competência municipal ao consórcio público, permanecendo o Estado
responsável pelo georeferenciamento5, emissão de títulos e providências cartoriais, de
maneira que não se faz necessário o repasse de recursos via convênio. Desta forma, ficariam a
cargo do consórcio as seguintes atividades:

Uma forma de manter unidade na execução das ações sem afastar o conhecimento
dos técnicos municipais já envolvidos nos processos de regularização fundiária anteriormente
à opção pela atuação consorciada se dá por meio da cessão destes servidores ao consórcio,
nos termos do art. 23 do Decreto Federal nº 6.017/07.
Os benefícios esperados com o modelo proposto perpassam pelas vantagens inerentes
ao consorciamento, dentre os quais se destacam os ganhos de escala oriundos da
centralização das atividades em uma unidade, permitindo a redução de custos e maiores
agilidade e capacidade de oferta de serviço. O modelo propicia a formação de um corpo
técnico com maior expertise na área de desenvolvimento urbano e regularização fundiária,
cujos custos serão repartidos entre os municípios, que poderão, inclusive, realizar a cessão de
servidores para a entidade. Este capital humano poderá ser capacitado para atender às
demandas regionais de serviços de levantamento planialtimétrico e elaboração de projetos de
regularização fundiária, dispensando a necessidade de contratação. Tem-se ainda a
possibilidade de aquisição compartilhada de equipamentos a serem utilizados nas atividades, o
que também enseja a redução de custos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As competências estatais a serem executadas por meio de políticas públicas são muitas
e, a cada ciclo, algumas são priorizadas em detrimento de outras. A política de regularização
fundiária em Minas Gerais foi desempenhada aquém da necessidade social que se
apresentava. Somam-se a isso fatores externos ao governo, que podem ser perenes, como a
natureza especulativa do mercado imobiliário, ou pontuais, como a intervenção sofrida em
2011, que paralisou os trabalhos da pauta, contribuindo para o acúmulo do passivo de
processos a serem analisados pelas equipes técnicas do Estado.
Recentemente, teve início um novo ciclo, onde a temática da regularização fundiária
ganhou fôlego novo para recuperar o tempo de paralisia e retomar com novos processos de
trabalho, novos atores e novos rumos.
Os processos de trabalho estão sendo ampliados, indo além da mera titulação, e
integrados, a exemplo das contratações via Sistema de Registro de Preços, capazes de gerar
eficiência administrativa para o Estado e para os municípios, que podem participar da mesma
Ata de Registro de Preços.
A possibilidade do envolvimento de novos atores no processo de regularização
fundiária surge como alternativa alinhada a uma estratégia adotada por diversos governos no
país. Os consórcios públicos apresentam-se, assim, como uma alternativa efetiva na solução de
problemas congruentes entre as municipalidades, pautada na redução de custos e ganhos em
resultados.
No âmbito da administração estadual, a formatação de parcerias com consórcios
também traz vantagens, uma vez que se atinge um universo consideravelmente superior de
municípios e cidadãos beneficiados quando se opta pelo investimento de esforços técnicos e
financeiros na implementação de políticas públicas via consórcios públicos.
Destacam-se, ainda, os benefícios alcançados frente ao público alvo das ações de
regularização fundiária, uma vez que se espera alcançar maior agilidade na entrega de títulos,
garantindo o direito social à moradia e a segurança jurídica dos beneficiados.
Por fim, para iniciar a formatação de parcerias entre Estado e consórcios com esta
finalidade, verifica-se a necessidade de priorização de regiões de maior vulnerabilidade, como
o norte do Estado, que apresenta grande quantidade de terras devolutas e, por consequência,
maior demanda por ações de regularização fundiária. Prima-se, assim, pela prestação efetiva
do serviço público ao cidadão que mais precisa.

NOTAS

1 Áreas devolutas podem ser definidas como aquelas que não possuem registro ou
transcrições cartorárias, ou seja, não foram incorporadas ao patrimônio público ou particular
por título legítimo. Essas áreas, por direito, podem pertencer à União ou aos Estados. As
pertencentes à União são aquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e
construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental. Todas as
outras são de domínio estadual.

2 Para processos de regularização já iniciados quando da edição da Medida Provisória 759 de


2016.

3 Conforme Lei Federal nº 11.997/2009.

4 No caso dos consórcios públicos que atuam na área de saúde, não se recomenda a
incorporação de outras finalidades, tendo em vista que os recursos oriundos do Sistema Único
de Saúde – SUS devem ser aplicados exclusivamente nesta finalidade. A atuação em áreas
distintas à saúde poderia ocasionar confusão na aplicação dos recursos do SUS.

5 Apesar de considerada uma responsabilidade do Estado, há possibilidade de adesão do


consórcio à ARP.

REFERÊNCIAS

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<http://www.sdr.ba.gov.br/2015/12/581/Governo-assina-convenios-de-regularizacao-
fundiaria-e-inspecao-sanitaria-com-Consorcios-Publicos.html>. Acesso em: 10 abr. 2017

BRASIL. Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida
– PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o
Decreto-Lei n 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis n 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015,
de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e
a Medida Provisória n 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Brasília,
2009. Disponível em:
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______. Ministério das Cidades. Regularização Fundiária Urbana: Como Aplicar a Lei Federal nº
11.977/2009. 2012. Disponível em:
<http://www.capacidades.gov.br/media/doc/acervo/5712d63cc8cf1dae400ed6ba4fd87c7c.pd
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CALDAS, M. F. Política urbana, ação governamental e a utopia da reforma urbana no Brasil.
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DENALDI, R. Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. 242f. Tese (Doutorado


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MARICATO, E. Metrópole na Periferia do Capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência.


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ROLNIK, R. Apresentação Geral: curso a distância em regularização fundiária de assentamentos


informais urbanos. In: BRASIL. Ministério das Cidades. Regularização Fundiária Plena:
referências conceituais. Brasília: Ministério das Cidades, 2007. p. 6-10.
ARTIGO – Políticas Sociais

Sistema Previdenciário na Suécia: subsídios para um debate


Autoria: Rafael Lara Mazoni Andrade, Gutenberg Brandon Viana de Andrade e Pedro Henrique
Bragança dos Santos

RESUMO: Este trabalho busca fazer uma análise do funcionamento do sistema previdenciário
da Suécia, a fim de permitir debates acerca das propostas de reforma no caso brasileiro. Para
atingir tal objetivo, feita uma pesquisa acerca da dinâmica socioeconômica em que esse país
está inserido, bem como uma extensa revisão bibliográfica acerca da trajetória recente das
políticas sociais nos países nórdicos e acerca dos diferentes modelos de welfare states. O
sistema previdenciário sueco está inserido num contexto sui generis, no cerne de um país
nórdico com grande influência de ideais da socialdemocracia – sobretudo a universalidade de
direitos. No entanto, devido a mudanças nas relações de mercado e até mesmo à própria crise
do welfare state, o sistema previdenciário sueco precisou se reinventar. Com a crescente taxa
de desemprego da década de 1990, houve o estrangulamento do sistema em questão. Há de
se salientar também o envelhecimento populacional e o acirramento da competição
internacional. O Estado então passou a diminuir o seu papel como provedor de renda para os
idosos (população que cresceu muito devido o envelhecimento). Foram tomadas medidas,
então, que visaram à diminuição do déficit público, sem a diminuição drástica dos direitos
sociais, mas sob efeito da preocupação com o desenvolvimento sustentável, que também
passa pela desconcentração de renda e com o menor impacto ambiental possível. Essas e as
demais especificidades aqui demostradas revelam que a previdência sueca reproduz o sistema
socioeconômico em que está inserido – reprodução essa que ainda sofre influencia
internacional, mas não é totalmente dependente dela.

PALAVRAS-CHAVE: previdência social; Suécia; welfare states; reforma na previdência.

1. INTRODUÇÃO

Muitas são as discussões em vários países atualmente sobre os seus sistemas de


previdência, dadas as várias mudanças sociais que estão levando a uma maior qualidade de
vida. Qualidade essa que também está influenciando a expectativa de vida populacional, de
forma que essa tem aumentado. Outro fator importante é a chamada inversão da pirâmide
etária. Essa inversão ocorre em vários países e está mais ou menos avançada de acordo com as
características de cada uma dessas nações. Contudo, esse fenômeno é certo e tem feito com
que as populações do meio da pirâmide (considerados adultos e economicamente ativos,
contribuintes do sistema previdenciário) fiquem estáveis ou até diminuam, ao passo que o
topo da pirâmide (idosos, principais beneficiários das políticas previdenciárias) vem
aumentando. Assim, déficits vêm aparecendo e aumentando em vários sistemas
previdenciários pelo mundo.
Dessa forma, este trabalho busca fazer uma análise do funcionamento do sistema
previdenciário da Suécia, a fim de permitir debates acerca das propostas de reforma no caso
brasileiro. Para atingir tal objetivo, é necessário entender a dinâmica socioeconômica em que
esse país está inserido. Assim, ele é dividido em alguns itens que visam exatamente a facilitar
ao leitor o entendimento dos processos sociais e econômicos que perpassam a cultura sueca.
E essa divisão passa por um capítulo destinado à caracterização da Suécia,
apresentando características históricas e geográficas suecas que ajudam a entender o perfil do
Estado de bem-estar social nesse país; um capítulo destinado à exposição dos diferentes
modelos de bem estar social e a posição da Suécia dentro de tais modelos; um capítulo a tratar
da evolução das políticas sociais nos países nórdicos; e, então, um capítulo atinente à
explicação do funcionamento do sistema previdenciário na Suécia (o cerne da presente
análise, que busca mostrar como é tal modelo que está inserido na socialdemocracia sueca).

2. CARACTERIZAÇÃO DA SUÉCIA
Não é possível compreender o fenômeno do welfare state sueco sem compreender
suas vertentes histórica e geográfica. Ainda, a caracterização do sistema previdenciário sueco
depende do entendimento de sua economia e das implicações do desenvolvimento dessa
economia sobre o seu estado de bem-estar social (STEPHENS, 1995; ABRAHAMSON, 2012).
Fisicamente, a Suécia se caracteriza por ter a terceira maior área da União Europeia –
são 450.295 km2 – na península escandinava, extremo norte do continente europeu, fazendo
fronteira com Noruega a Oeste e Finlândia a Leste. Boa parte dessa área está sobre uma
geologia uniforme e senil. Seu clima é temperado, com área de clima polar. Há grande
amplitude térmica anual e índice pluviométrico entre 700 e 1.000 mm por ano. Sobre esse
território espalham-se pouco menos de 9,5 milhões de habitantes – o que significa uma baixa
densidade demográfica.
Considera-se um diferencial dos países nórdicos em geral, e especialmente da Suécia, a
relativa homogeneidade da população em termos de etnia e religião. Fugindo de qualquer
determinismo geográfico, parece que as características do meio físico transbordam para a
cultura daquele povo:
Durante muitos anos, a versão luterana do cristianismo teve um status
hegemônico em todos os países nórdicos [...] talvez a explicação mais
importante das similaridades entre os Estados nórdicos e, em particular,
do(s) tipo(s) nórdico(s) de bem-estar que eles defendem (CHRISTIANSEN &
MARKKOLA, 2006, p. 10, apud ABRAHAMSON, 2012).

Outro fator de diferenciação é sua longa tradição de democracia e respeito por direitos
humanos e pelo estado de direito. Sua cultura política se baseia num grau de participação
popular bem alto. Além disso, há um certo consenso em torno da busca por soluções pacificas
para conflitos de ordem social e política (ABRAHAMSON, 2012).
Outra descrição desse povo diz haver uma explicação para o desenvolvimento de
programas sociais de caráter universal na:
combinação de estruturas sociais relativamente igualitárias; populações
pequenas e relativamente homogêneas em termos de etnia, religião e
língua; e uma longa tradição histórica de responsabilidade pública/comunal
para assuntos de bem-estar social (KUHNLE & HORT, 2004, p. 13, apud
ABRAHAMSON, 2012).

A Suécia, que possui uma das maiores rendas per capita do mundo, tem uma
economia de mercado bem desenvolvida e baseada em serviços, indústria pesada e comércio
internacional – o que talvez se justifique pelo reduzido tamanho de sua economia, que impôs à
Suécia uma dependência da existência de um setor externo competitivo. O capital humano
sueco é forte, e vem crescendo – o que é importante para a competitividade internacional do
país (STEPHENS, 1995). 4% do PIB sueco são investidos em ciência e tecnologia, o que se
reflete no padrão sueco de inovação, patentes, publicações e desenvolvimento técnico.
Talvez a característica mais distintiva da Suécia seja o caráter de seus negócios.
Enquanto a Suécia compartilha com Finlândia e Noruega um alto grau de concentração da
economia no setor secundário, com particular ênfase em exportações de produtos que não
são da agricultura, a Suécia difere deles na sua indústria, dominada por um pequeno número
de indústrias oligopolísticas de propriedade privada, internacionalizadas e internacionalmente
competitivas. A despeito de ter entrado mais tardiamente no rol das nações industrializadas, a
Suécia conseguiu transitar do status de exportadora de matéria prima para o exportadora de
bens de capital mais rapidamente que os demais países nórdicos(STEPHENS, 1995;
ABRAHAMSON, 2012).
Por fim, outra característica distintiva da economia sueca é o alto grau de
intervencionismo estatal. Como mostra a tabela abaixo, o welfare state sueco é conhecido por
suas políticas de gasto público com emprego, treinamento e subsídios, se destacando inclusive
quando comparado com os demais estados de bem-estar social dos países nórdicos
(STEPHENS, 1995). O país possui ainda, no cerne de suas preocupações com um
desenvolvimento igualitário, “considerável controle político sobre processos externos e
domésticos a fim de evitar um crescimento da exportação que torne a sociedade mais
oligárquica” (SENGHAAS apud ABRAHAMSON, 2012).
3. A SUÉCIA E OS MODELOS DE WELFARE STATE
Em meio às ciências sociais, é bem comum a tipificação dos welfare states em modelos
distintos, visto que dentre estes pode-se distinguir características que os diferenciam. Segundo
a tipologia cunhada por Titmuss em 1971, a qual, diga-se de passagem, era diferente da visão
reducionista de convergência dos modelos, amplamente divulgada à época, os Estados de
Bem-Estar Social poderiam ser caracterizados em “3 tipos puros”. São eles os Estados de Bem-
Estar Residual, Produtividade e Desempenho Industrial; e Redistributivo. O primeiro tipo se
refere aos países em que o Estado tem um papel marginal na provisão de políticas públicas
diretamente às famílias. O seu maior exemplo são os EUA, onde cabe ao mercado, estimulado
por políticas fiscais governamentais, prover o acesso a esses serviços de que a sociedade
necessita. Da política fiscal preconizada pelo governo, tem-se a necessidade do pleno emprego
para que a população em geral, atinja, via mercado, o acesso a políticas de previdência social,
educação, saúde, etc. Outra característica advinda deste tipo é a política social focalizada, isto
é, principalmente os mais pobres recebem ajuda do governo, no entanto, não para sempre,
somente até este conseguir sair da situação em que se encontra e retornar ao mercado de
trabalho. Nas palavras de Carlos Aurélio de Faria:
O Estado é encarregado de proporcionar um nível mínimo de proteção
social a uma pequena parcela da população, qual seja, aos muito pobres. Os
mecanismos de redistribuição implementados administram um fluxo
relativamente pequeno de recursos da coletividade para a assistência social
pública, e a concessão de benefícios depende da comprovação de carência.
Porém, a assistência pública só é fornecida àqueles que se disponham a
“ajudar a si mesmos”. (FARIA, 1998, p. 54)
O segundo tipo é o chamado Modelo de Produtividade e Desempenho Industrial, onde
apesar do mercado ter um papel predominante, os mecanismos do Estado de provisão das
políticas sociais são complementares àquelas. No entanto, para se ter o acesso às políticas de
proteção social, necessita-se cumprir alguns requisitos baseados no mérito, produtividade e
desempenho no serviço. Neste sentido, como escreve Esping–Andersen em sua tipologia de
welfare state, este modelo, chamado por ele de Conservador ou corporativista, tende a
reforçar muito o bias de classe, isto é, os direitos sociais estão condicionados fortemente ao
emprego do cidadão (ESPING-ANDERSEN, 1991; FARIA, 1998).
O último tipo, chamado de Estado Redistributivo por Titmuss ou Social Democrata por
Esping–Andersen preconiza uma ação estatal mais efetiva na provisão das políticas sociais às
famílias, isto é, elas têm por característica o universalismo delas, procurando, segundo Esping–
Andersen, a desmercadorização dos indivíduos. Neste sentido, é característico deste welfare a
sua equidade e sua não focalização, isto é, diferentemente da concepção meritocrática e
estratificante do regime conservador, e diverso ainda do caráter focalizador do regime liberal
ou residual, as políticas sociais no modelo social democrata seriam a todos ofertados pelo
Estado. Porém, para que o Estado sustente o alto gasto público em políticas sociais, tem-se a
necessidade de uma tributação altamente progressiva em torno dos cidadãos, o que só seria
possível com um país no pleno emprego, fator que induz até mesmo o caráter de equidade das
políticas sociais.
A Suécia é um bom exemplo de Estado Redistributivo ou Social-Democrata. A partir
dessa contextualização do Estado sueco, pode-se compreender melhor a evolução de suas
políticas sociais, bem como seu sistema previdenciário – objetos de estudo das posteriores
seções deste trabalho.

4. EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NOS PAÍSES NÓRDICOS


Os modelos de bem-estar social passaram por três momentos distintos durante o
século XX. E a evolução das políticas sociais nos países nórdicos está inserida dentro desses
períodos. O primeiro período é chamado de Extensão dos Direitos Sociais (1919/1950). Como o
próprio nome diz, houve a extensão dos direitos sociais para as populações mais pobres nos
países em questão. Houve um fluxo de poder dos fazendeiros e burgueses para os que
possuíam menos renda. O apoio popular aos sociais democratas levou a abrangentes acordos
entre associações de empregadores e sindicais nacionais, também havia alta organização entre
todos assalariados (ABRAHAMSON, 2012).
O segundo período é considerado como a Era de Ouro do Bem-estar (1950/1970).
Nele, houve a consolidação de vários direitos sociais, passando pela dermercadorização deles.
Assim, ficaria a cargo do Estado prover políticas que atendessem a tais direitos. Em áreas como
educação e saúde, já havia a tradição de provimento público de tais serviços com qualidade a
todos os cidadãos nos países nórdicos. Em outras, como o próprio sistema de previdência,
houve grande mudança e expansão. Depois da Segunda Guerra, o parlamento sueco aboliu o
foco no sistema básico de pensão. Foram criadas novas pensões de seguridade de caráter
universal. Contudo, há quem considere tais mudanças como um desvio do próprio modelo
socialdemocrata, porque havia maior mercadorização no provimento dos benefícios de
pensão. Vale destacar que, para a manutenção da saúde desse sistema, é fundamental a
presença do pleno emprego, ou seja, de baixas taxas de desemprego. Politicas de previdência
e de seguridade são muito caras e necessitam que quase toda população economicamente
ativa esteja trabalhando, de forma a aumentar a arrecadação para o provimento de tais
benefícios (ABRAHAMSON, 2012). Para se dar conta da importância do pleno emprego,
STEPHENS (1995) mostra como eram baixas as taxas de desemprego na Suécia, Dinamarca e
Finlândia:
In 1970, when all four countries were enjoying very low levels of
unemployment, Sweden spent 1.1 per cent of GDP on active labour market
measures while the other three countries spent no more than 0.3 per cent.
In 1987, when unemployment rates were 5.1 per cent in Finland, 8 per cent
in Denmark and only 1.9 per cent in Sweden, Sweden nevertheless spent 1.9
per cent of GDP on active labour market measures, compared to only 0.9
per cent and 1.1 per cent in Finland and Denmark respectively. (STEPHENS,
1995, p. 8)

Já na década de 1960, outras questões também passaram a fazer parte das políticas
sociais nesses países, como desenvolvimento sustentável, proteção ambiental, energias
sustentáveis e alimentação saudável (ABRAHAMSON, 2012).
A partir da década de 1970, os estados de bem estar social passaram por crises
(DRAIBE, 198; ESPING-ANDERSEN, 1995). As políticas sociais providas pelo Estado passaram
por várias reformas, aumentando o papel do mercado e diminuindo o papel estatal. A crise
fiscal levou a necessidade de diminuição dos gastos públicos, reformas previdenciárias,
administrativas. Contudo, os efeitos das medidas defendidas pelos neoliberais não tiveram um
efeito muito forte nos países nórdicos, isso porque a população rechaçava quaisquer
mudanças muito significativas. Assim, houve países como Inglaterra que migraram
drasticamente do modelo em que a presença do Estado como provedor era muito forte para o
modelo residual. Mas tal mudança drástica não ocorreu nos países aqui analisados. Assim, as
políticas sociais estatais continuaram com grande importante e representatividade neles.
Contudo, com mudanças incrementais de retração, pois essas foram necessárias para a
manutenção do sistema socialdemocrata de bem estar social, com o aumento da
mercadorização das políticas sociais. (ABRAHAMSON, 2012).

5. O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NA SUÉCIA


Como se infere, o welfare state representou em seu auge no pós-guerra mais do que
uma alternativa ao capitalismo puro de mercado, isto é, representou mais do que apenas um
incremento dos direitos sociais. Foi de fato, um esforço pela reconstrução econômica, moral e
política, tudo isso possibilitado pelo acordo inter-classes sociais que foi feito posteriormente à
2ª Guerra Mundial (ESPING-ANDERSEN, 1995). Como se mostra no argumento em construção
neste trabalho, a Suécia é o arquétipo de um welfare state universalista. Nesse sentido, o
sistema previdenciário sueco guarda forte relação com o próprio estado de bem-estar sueco
(PALME, 1990, apud STEPHENS, 1995), como se pretende mostrar aqui.
Se um dia o welfare state sueco beneficiava apenas àqueles comprovadamente pobres
e idosos, uma reforma em 1946 ampliou os alcances desse sistema para todos as pessoas
acima de 65 anos, com benefícios financiados por fontes federais. No entanto, esse sistema,
que não dependia de contribuições salariais, se tornou prontamente insustentável. Além disso,
o boom de crescimento econômico da Suécia pressionava os salários e intensificou um
descolamento entre os ganhos dos trabalhadores e suas aposentadorias (CORREA, 2013).
Essa problemática culminou em uma reforma em 1959, caracterizada pela introdução
de uma aposentadoria complementar chamada de Plano ATP. Esse modelo introduzido
dependia de contribuições salariais – desenhado conforme o princípio Pay As You Go, ou
modelo de repartição, que se baseia em solidariedade intergeracional – posto que os
trabalhadores ativos paguem os benefícios dos aposentados. Para perceber esse complemento
integral, era necessário ter 65 anos ou mais e ter contribuído por, no mínimo, 30 anos. O
benefício é calculado com base em 60% da média simples dos quinze melhores salários anuais
do trabalhador, corrigidos pelo índice de preços, com um teto equivalente a 1,5 vezes o salário
médio sueco (SUNDÉN, 2006, apud CORREA, 2013).
Em 1967, esse arranjo se tornou ainda mais redistributivo. Nesse ano, foi introduzida
uma pensão adicional para os indivíduos que receberam baixos rendimentos ou nenhum
salário ao longo da vida. Ao longo do tempo, esse suplemento foi gradativamente se tornando
mais inclusivo e, em 1994, 79% dos aposentados recebiam algum benefício complementar. A
soma entre a Pensão Popular e a previdência suplementar garantia um benefício mínimo
equivalente a 30% do salário médio sueco.
O sistema de pensões na Suécia se caracteriza pela combinação de “basic security” e
“income security”. Na prática, combinam-se uma parte da pensão que se dá a titulo de “direito
de cidadania” e outra parte relacionada aos ganhos individuais (PALME, 1990, apud STEPHENS,
1995). Suas principais características são o universalismo, benefícios direcionados à cidadania,
condições de qualificações liberais e estatismo. Percebe-se que, a partir da década de 1960, o
sistema de previdência público sueco era formado por dois componentes principais bastante
redistributivos: uma aposentadoria universal independente da renda ou tempo de
contribuição e um segundo componente dependente da contribuição do trabalhador, mas
extremamente favorável para os trabalhadores com baixa renda. Esses sistemas combinados
eram equivalentes a 75% de toda renda de aposentadoria do país – a parcela restante vinha de
acordos ocupacionais entre patrões e empregados e aposentadorias individuais privadas
(CORREA, 2013).
Em outras palavras, esse modelo de welfare state combina os benefícios de cidadania
– iguais para todos os cidadãos que estejam vivendo ou trabalhando na Suécia – com garantia
de renda para os trabalhadores que porventura passem por casos de interrupção do trabalho
temporária (doença ou desemprego) ou permanente (aposentadoria por idade ou por
invalidez). Os programas de transferência de pensões, “sick pay”, invalidez, desemprego,
compensações e licença para pais são desenhados para prover garantia de renda. Soma-se a
isso a outra parte dos benefícios, universais, que visam a prover seguridade básica, dos quais
todos os residentes fazem jus, não sendo necessárias comprovações de renda ou carência – os
benefícios são direitos constitucionais (REGERINGSKANSLIET, 2015; ABRAHAMSON, 2012;
NOGUEIRA, 2008). Para poucos casos – como suplementos de pensões em casos especiais –
esses testes e comprovações são exigidos (STEPHENS, 1995). Como afirmou a atual ministra
sueca de seguridade social, Annika Strandhäll, revelando traços fundamentais da filosofia
política sueca: “People with secure social insurance and pensions are able to make their own
decisions in life.”
Sabe-se, contudo, das turbulências econômicas vividas nos anos 90’s do século
passado, que resultaram em altas taxas de desemprego e crescente redução da capacidade
fiscal dos Estados no sentido de estrangular os sistemas de seguridade social – o que recaiu
com especial peso sobre a Suécia (KUHNLE, 2007). Os chamados rolos-compressores típicos de
reformas administrativas foram evitados até o ponto crítico dessa crise – quando o aumento
do desemprego e o aumento das demandas do sistema de welfare se somaram à queda das
receitas para engendrar uma condição insustentável. Nesse ponto, alguns benefícios foram
cortados, condições de qualificação cresceram e serviços foram cortados (STEPHENS, 1995).
No entanto, sabe-se que os gastos com previdência são os gastos mais volumosos nos países
nórdicos (CORREA, 2013). Soma-se a isso o envelhecimento da população – tendência quase
que mundial – e o acirramento da competição internacional engendrado pela ampliação dos
mercados asiáticos. Ademais, no plano político, o partido Social Democrata foi derrotado nas
eleições de 1991 por uma coligação que, em face de um iminente desequilíbrio fiscal – devido
ao crescimento reduzido de salários frente ao aumento das aposentadorias e tendência de
diminuição da população economicamente ativa devido ao envelhecimento da população
(CORREA, 2013) – apontou a reforma da previdência sueca como prioridade do governo
(CORREA, 2013).
Deliberando acerca de uma proposta de reforma, os partidos governistas defendiam a
instalação de um sistema inteiramente privado. A nova legislação aprovada propunha duas
principais mudanças no sistema de pensões sueco: (i) a substituição do sistema de benefício
determinado por um sistema de contribuição definida – a fim de evitar o déficit do sistema por
meio da inclusão de variáveis da economia real e expectativa de vida no cálculo do benefı ́cio e
minimizar o impacto de crises econômicas e mudanças demográficas nos gasto com pensões
(BONOLI, et al., 2000, apud CORREA, 2013) – e (ii) a instituição de um sistema privado de
aposentadoria.
Essa reforma, no entanto, não substituiu o sistema Pay As You Go (PAYG) por um
sistema de capitalização – caracterizado pela individualidade –, apesar das desvantagens desse
sistema de solidariedade intergeracional em situações de envelhecimento populacional e
estagnação dos salários.
A despeito dessas mudanças e da tendência à privatização dos serviços, muitos autores
consideram difícil afirmar que houve uma mudança fundamental no welfare state sueco
(STEPHENS, 1995; MYLES & PIERSON, 2001, apud CORREA, 2013): não houve mudança do
sistema PAYG, e a taxa de cobertura da previdência era maior em meio à crise do que nas
décadas anteriores (HAGEN, 1992, apud STEPHENS, 1995). Foram introduzidas novas fontes de
contribuição – como as devidas pelos empregadores – com alvo na busca por uma base
autofinanciada para os programas de transferência (STEPHENS, 1995).
Outra ideia associada à continuidade de certos serviços e benefícios tem a ver com a
manutenção da competitividade internacional da Suécia, dentre outros fatores:
Ultimately, maintaining a generous welfare state, like maintaining high
wages, depends upon maintaining international competitiveness. A high
social wage and a high market wage are made possible by high levels of
labour productivity — by low unit labour costs. [...]
the competitive advantage of low wages will be more important than the
advantage of capital intensity and highly qualified labour [...]
Scandinavian welfare states are particularly resistant to changes induced by
international competition because they were built around welfare
state/labour market/growth models in which the competitiveness of the
manufacturing export sector was central. [...]
Finally, the political coalitions supporting the welfare state at both the party
level and the level of public opinion are very broad, extending far beyond
the strata and parties that originally supported the reform (STEPHENS, 1995,
p. 30).

A reforma modificou as bases da provisão pública de aposentadoria, posto que o


Estado reduza sua responsabilidade para com a provisão de renda aos idosos (CORREA, 2013).
Estes passam a ter de planejar sua própria aposentadoria – hoje não há mais uma idade fixada
para aposentadoria. Os cidadãos suecos podem começar a receber pensão no mês em que
completam 61 anos, e podem continuar trabalhando enquanto o desejar. Quanto mais tarde o
sueco se aposentar, maior a pensão que vai receber – por causa do tempo de rendimento do
montante. O sueco aposentado pode escolher receber o benefício inteiro ao aposentar ou
fazê-lo em parcelas mensais (REGERINGSKANSLIET, 2015).
Além disso, a busca por sustentabilidade do sistema fez com que fosse abolida a
Pensão Popular, que não dependia de contribuições e era inteiramente financiada por recursos
fiscais (CORREA, 2013).
De forma geral, o novo sistema de previdência social sueco funciona da seguinte
maneira: anualmente 16% do salário são depositados em uma conta. Esses depósitos são
corrigidos pela taxa de crescimento dos salários, semelhantemente a uma poupança. Hoje,
“The amount a person receives as their pension depends on how much they have earned, how
long they have worked and how incomes in Sweden have grown” (REGERINGSKANSLIET, 2015).
Ainda, a reforma introduziu um sistema privado de previdência, tal que 2,5% do salário
do trabalhador são compulsoriamente destinados a um fundo privado sob o sistema de
capitalização, a fim de financiar, individualmente, a aposentadoria futura. A escolha desse
fundo se dá a critério do cidadão (CORREA, 2013; RIBEIRO, 2007). Ainda há muitos
empregadores que fornecem pensões, bem como há os que recorrem a pensões privadas de
bancos ou companhias de seguros além da previdência pública (REGERINGSKANSLIET, 2015).
Reduz-se, assim, o gasto público – ou, como alguns autores preferem, há uma
mudança nos gastos públicos, posto que essa redução possa ser meramente uma postura
pontual a ser revertida (BONOLI, et al., 2000, apud CORREA, 2013). Percebem-se certas
mudanças no público alvo das políticas públicas, redução da quantidade ou qualidade do
benefício, alteração no mecanismo de indexação do benefício e introdução de parceiros
privados na política. Enfim, há o aumento da mercantilização – nos termos descritos por Esping
Andersen (1991) –, o que se traduz em maior risco para o cidadão, uma vez que revele a
redução do suporte que o Estado fornece aos indivíduos em casos de vulnerabilidade.
Piersen enriquece o repertório de críticas a essas reformas do sistema previdenciário
sueco em meio à crise do welfare state. Neste sentido, Correa (2013) aponta alguns aspectos
das medidas de retração nas décadas de 80’s e 90’s, que possibilitariam a retração dos direitos
sociais nos campos previdenciários. Segundo a autora, são três estratégias para conseguir
tomar essas medidas, são elas:
A primeira delas é a estratégia de ofuscamento, que consiste na
manipulação da informação durante o processo de mudança da política de
forma a deixar obscuro o processo de retração. Outra maneira possível de se
realizar a retração é através da estratégia de divisão, que envolve a
fragmentação dos potenciais grupos de oposição de modo a impedir a
criação de uma oposição forte e organizada em torno da mudança.
Finalmente, há a estratégia de compensação, que consiste em oferecer algo
de positivo para as principais vítimas da retração de forma a minimizar o
viés negativo da medida (PIERSON apud CORREA, 2013, p. 20).

Outra estratégia que a autora cita é a da justificação, preconizada por Green-Pedersen,


já que a sociedade e o eleitorado estariam dispostos a aceitar retrações incrementais no
referido welfare state em nome da estabilidade econômica. Assim sendo, fica evidente como
se dá a diminuição de direitos sociais, os quais, normalmente, são impopulares e geram crises
de governabilidade. No entanto, em tempos de crise essas estratégias se tornam bem eficazes,
e seu controle se torna mais difícil (CORREA, 2013).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema previdenciário sueco está inserido num contexto sui generis, no cerne de um
país nórdico com grande influência de ideais da socialdemocracia – sobretudo a universalidade
de direitos. No entanto, devido a mudanças nas relações de mercado e até mesmo à própria
crise do welfare state, o sistema previdenciário sueco precisou se reinventar. Com a crescente
taxa de desemprego da década de 1990, houve o estrangulamento do sistema em questão. Há
de se salientar também o envelhecimento populacional e o acirramento da competição
internacional. O Estado então passou a diminuir o seu papel como provedor de renda para os
idosos (população que cresceu muito devido o envelhecimento). Foram tomadas medidas,
então, que visaram à diminuição do déficit público, sem a diminuição drástica dos direitos
sociais.
Há de se levar em conta as especificidades de cada país ao se analisar toda a sua
estrutura de políticas sociais. Suas características culturais, históricas, políticas e geográficas
são elementos essenciais para se fazer tal análise. A dinâmica internacional também é
importante, pois os fenômenos da economia globalizada, da alta velocidade e amplo acesso a
informação e a crescente necessidade de maior competitividade fazem com que os países se
adaptem exatamente para não se tornarem isolados dos demais, perdendo recursos e
oportunidades.
A Suécia é um dos países com indicadores sociais mais avançados do mundo, com
baixo Coeficiente de Gini, o que demostra que há baixa desigualdade de renda. Também é
indicado como um dos países mais democráticos, com um governo que tem alta participação
popular. A preocupação com o desenvolvimento sustentável é outra caraterística desse país,
sustentabilidade essa que também passa pela desconcentração de renda e com o menor
impacto ambiental possível. Essas e as demais especificidades aqui demostradas revelam que a
previdência sueca reproduz o sistema socioeconômico em que está inserido – reprodução essa
que ainda sofre influencia internacional, mas não é totalmente dependente dela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CORREA, J. C. B. Retração do Welfare State na Suécia e Dinamarca. Dissertação de mestrado.


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ARTIGO – Eficiência nos gastos públicos

Monitoramento: uma análise do ciclo do Plano Plurianual De Ação


Governamental 2012-2015
Autoria: Daniel Henrique da Cunha Campos, Carolina Fonseca Moreira e Sarah Cristina de Sales
Mourão

RESUMO: O presente trabalho pretende verificar se os resultados obtidos na etapa de


verificação (monitoramento e avaliação) do Plano Plurianual de Gestão Governamental (PPAG)
estão sendo aproveitados nas etapas seguintes do ciclo de gestão do Plano. Para, tanto se
verificou o comportamento dos indicadores de programa, desempenho físico e orçamentário e
índice de eficiência das ações durante o ciclo de gestão do PPAG, nos anos de 2012-2015.

PALAVRAS-CHAVE: Monitoramento; Indicadores; Plano Plurianual de Ação Governamental.

1. INTRODUÇÃO

O desafio imposto às administrações públicas pelas demandas sociais ascendentes,


face à limitação de recursos, demonstra a importância da qualidade do gasto público e do zelo
pela melhor aplicação e execução do gasto. Para tanto, um planejamento governamental bem
gerenciado torna-se condição indispensável para a superação do dilema dos recursos escassos
versus demandas crescentes, aumentando a eficiência do setor público.
O principal instrumento de planejamento governamental brasileiro é o Plano
Plurianual (PPA). Advindo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF -
88), o PPA é considerado um guia para a gestão pública, em estreita articulação com a
programação orçamentária. Seu método de gerenciamento é baseado no ciclo PDCA, cuja
etapa de verificação (check) será o foco deste trabalho.
Diante disso, o presente trabalho pretende verificar se os resultados obtidos na etapa
de verificação estão sendo aproveitados nas etapas seguintes, objetivando aperfeiçoar o
processo a partir de lições aprendidas, assim melhorando a qualidade e tornando a gestão do
plano mais efetiva.
A referência para a análise supracitada será o ciclo de gestão do PPA mineiro, durante
os anos de 2012-2015. A mensuração do desempenho do PPA mineiro é realizada a partir da
utilização de indicadores, sendo eles os indicadores de programa, as taxas desempenho físico e
orçamentário das ações, bem como o índice de eficiência das mesmas. Analisando os
resultados obtidos na apuração de tais indicadores, pretende-se verificar se os mesmos são de
fato utilizados como orientadores das demais etapas do ciclo de gestão do plano. A gestão do
PPA mineiro ocorre por meio do Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento
(SIGPLAN). Para atender a esse objetivo, realizou-se, inicialmente, revisão de literatura, análise
de documentos oficiais, levantamento e análise de dados referentes ao processo de
verificação, tendo em perspectiva sua aplicação ao planejamento mineiro.

2. PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL NO BRASIL E EM MINAS GERAIS

A promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF - 88) é uma divisora de


águas na trajetória do planejamento governamental do país, pois até então, o planejamento
estava voltado à promoção do desenvolvimento econômico. Pode-se afirmar que os planos até
então criados, que visavam o crescimento econômico nacional, eram desvinculados do
orçamento e tinham um caráter indicativo. A CF - 88 marca a virada do pensamento acerca do
planejamento, que tenta deixar de ser meramente voltado ao desenvolvimento econômico e
pensado para atender as necessidades sociais, além de articulado com o orçamento, o que
ganha força nos anos 1990.
O novo texto constitucional previu a elaboração do planejamento governamental para
a União, Estados e Municípios. Para isso, propôs três peças que passaram a constituir o sistema
de planejamento e orçamento nacional, sendo elas: o Plano Plurianual (PPA), a Lei
Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Além dessa inovação,
determinou também que esses três instrumentos estivessem articulados entre si, ou seja,
tanto a LOA quanto a LDO deveriam estar compatibilizadas com as diretrizes estabelecidas no
PPA (FERRARI, 2012).
Além da União, tanto estados quanto municípios produzem seu plano plurianual
levando em consideração a estrutura adotada pela União. Vale ressaltar que a ausência de
legislação para a regulamentação do PPA faz com que os entes elaborem seus respectivos
instrumentos de planejamento segundo o entendimento do §1º do artigo 165 da Constituição
Federal(GARCIA, 2012). Logo, a falta de delimitação do campo de atuação do PPA, da
uniformização dos conceitos e da estrutura do plano, permite que os entes da federação
apresentem diferentes interpretações quanto à abrangência e atuação do plano plurianual
(GONTIJO, 2012).
Os estados e municípios podem legislar devido à atribuição constitucional do artigo 24
da Constituição Federal de 1988. Os estados seguem o modelo federal, mas há diferenças
devido a essa autonomia dada pela CF- 88. De acordo com o artigo 24:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário,
econômico e urbanístico; II - orçamento; [...]
§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitarse-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. (BRASIL,
Constituição Federal de 1988).

A partir de tal atribuição, o governo mineiro estabeleceu as características de sua LOA,


LDO e Plano Plurianual; inclusive Minas Gerais tem uma peculiaridade de chamar seu PPA de
Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). Além disso, há a institucionalização de um
planejamento de longo prazo, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI):
Art. 231 – O Estado, para fomentar o desenvolvimento econômico,
observados os princípios da Constituição da República e os desta
Constituição, estabelecerá e executará o Plano Mineiro de Desenvolvimento
Integrado[...]. (MINAS GERAIS, Constituição do Estado de 1989).

O PMDI, atualmente, é o balizador das estratégias do governo mineiro, sendo


considerado o planejamento de longo prazo para a administração pública mineira. Portanto,
ele orienta a elaboração dos demais instrumentos de planejamento, como será descrito
adiante.

3. O CICLO DE PLANEJAMENTO DO PLANO PLURIANUAL DE AÇÃO GOVERNAMENTAL

O Ciclo PDCA, que também atende pelos nomes de Ciclo de Shewhart, Ciclo da
Qualidade ou Ciclo de Deming, é uma metodologia que auxilia no diagnóstico, análise e
prognóstico de problemas organizacionais, sendo útil para a solução de problemas (PACHECO
et al, 2013, p. 3).
Campos (1996, p. 262, apud Andrade, 2003, p. 10) define que: “PDCA é um método de
gerenciamento de processos ou de sistemas. É o caminho para se atingir as metas atribuídas
aos produtos dos sistemas empresariais.” Para Andrade (2003, p.4) “O método PDCA reúne os
conceitos básicos da administração, na forma de um ciclo, apresentado de uma forma simples
e clara de ser entendida e aplicada por qualquer organização”. Esse método “É utilizado pelas
organizações para gerenciar os seus processos internos de forma a garantir o alcance de metas
estabelecidas, tomando as informações como fator de direcionamento das decisões.”
(MARIANI, PIZZINATTO, FARAH, 2005, p. 3). O Ciclo PDCA é composto pelas etapas Plan
(planejar), Do (executar), Check (verificar) e Act (atuar).
Em Minas Gerais, o ciclo de gestão do PPAG foi pensado tomando como referência o
ciclo PDCA. Seu ciclo apresenta cinco etapas: planejamento, execução, monitoramento,
avaliação e revisão. A etapa adicional em relação ao ciclo PDCA resulta do desmembramento
da etapa “check” em “monitorar” e “avaliar” (VASCONCELOS, 2012), pois, em se tratando de
políticas públicas, o monitoramento é essencial para o controle, acompanhamento e
intervenções nos programas de governo. Já a avaliação verificará os resultados do programa
no final do exercício, mostrando-os à sociedade bem como suas respectivas análises.
Na fase de “planejamento”, o PPAG é elaborado. Nessa etapa, são instituídos e
detalhados todos os programas e ações da administração pública estadual para um período de
quatro anos, de forma regionalizada. As atividades de planejamento são realizadas durante os
meses de julho a setembro e culminam com o envio do projeto de lei do PPAG à Assembleia
Legislativa até o dia 30 de setembro. É nesta fase que os indicadores de programa são criados.
A existência de indicadores não é obrigatória, mas a sua criação é recomendada por se tratar
de uma importante ferramenta de mensuração de desempenho frente às metas estabelecidas.
A etapa de “execução” ocorre após a aprovação dos projetos de lei do PPA e da LOA
pela Assembleia Legislativa. A LOA confere operacionalidade ao PPAG e por meio dela são
especificados os recursos e as despesas que serão realizados para cada conjunto de programas
e ações do PPAG (UFV, 2013). Sendo assim, os dois instrumentos são colocados em prática
com o início do exercício financeiro do ano posterior à sua elaboração.
O monitoramento se inicia concomitantemente à fase de execução. Ele tem caráter
técnico, sendo o acompanhamento da execução do plano. Visa identificar riscos, contingências
e oportunidades que possam afetar o andamento e execução das metas traçadas. Para Bozzi
(2001, apud GAMBI, 2010) o monitoramento é uma medição do desempenho ligada à criação
de um sistema de indicadores e ferramentas, em uma dimensão mais técnica. Essa etapa é
realizada com o objetivo de:
[...] tornar mensuráveis os objetivos dos programas por meio de indicadores
de desempenho, relacionando as ações e os recursos necessários para o seu
atingimento, bem como comparando, por meio da coleta sistemática de
dados, os resultados obtidos com as metas propostas, de forma que
assegure ao gestor as informações sobre os progressos obtidos e os
problemas encontrados (SERPA, 2011, p. 48).

Em Minas Gerais, o monitoramento é realizado bimestralmente sob coordenação da


Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). O processo de monitoramento tem
como principal ferramenta o SIGPLAN, que reúne as informações qualitativas e quantitativas
sobre a programação e a execução física e orçamentária de todos os programas e ações que
compõem o PPAG, evidenciando o desempenho do plano até período monitorado. Entende-se
por desempenho do plano, a evolução física e orçamentária de suas metas.
Os indicadores de desempenho das ações são três: a taxa de execução física, a taxa de
execução orçamentária e o índice de eficiência da ação. Os dois primeiros medem o
desempenho físico e orçamentário das ações frente às metas programadas. Já o índice de
eficiência mede a correlação entre o desempenho físico e orçamentário até o período
monitorado. Destaca-se que os possíveis desvios são refletidos nos indicadores de
desempenho físico e orçamentário das ações e devem ser justificados pelos gestores dos
programas e ações.
A Avaliação do PPAG é uma etapa necessária para a o aperfeiçoamento contínuo da
formulação e da gestão dos programas que compõem o PPAG e a LOA. Sobre a importância da
avaliação destaca-se que:
[...] a avaliação fortalece o planejamento e a aprendizagem nos órgãos e
entidades governamentais, por meio da geração de informações qualitativas
sobre as metas alcançadas, contribuindo para a melhoria da qualidade do
gasto público, e, principalmente, para o atendimento das demandas da
sociedade (MINAS GERAIS, Relatório Anual de Avaliação do PPAG 2012-
2015, 2016, p. 9).

Por fim, o processo anual de revisão é similar ao de planejamento. Na revisão podese


criar ou excluir ações e programas, visando tornar o PPAG mais condizente com a realidade. Os
problemas observados durante o monitoramento e avaliação devem ser sanados nessa nova
fase, sendo uma importante oportunidade de melhoria e aperfeiçoamento do plano.

4. INDICADORES
Neste tópico do trabalho serão abordados o conceito, as características e a utilidade
dos indicadores, bem como apresentado os indicadores do PPAG, que serão alvo de posterior
análise de dados.
Os indicadores constituem uma relação de grandezas relevantes para a compreensão
da situação do programa e são geralmente exteriorizados na forma de quocientes. São
utilizados para diversos fins, dentre eles: demonstrar a relevância e o impacto de políticas,
planos e programas; estabelecer o marco zero da situação atual; localizar oportunidades e
problemas; estudar comportamentos e inter-relações; monitorar processos para garantir a
eficácia das metas e a utilização dos recursos; avaliar os resultados alcançados e a efetividade
dos trabalhos; alertar para a necessidade de redirecionamentos; comunicar resultados.
(MINAS GERAIS, Manual de Monitoramento do SIGPlan, 2017).
Nesse sentido, o PPAG possui quatro tipos de indicadores que auxiliam na mensuração
da qualidade do plano, a saber: os indicadores de programas, as taxas de execução física e
orçamentária das ações e o índice de eficiência destas. Todos eles são orientados para aferir o
desempenho dos programas e ações governamentais, a fim de orientar os gestores na tomada
de decisões.
A apuração dos indicadores de programa acontece na etapa de avaliação do PPAG,
sendo de responsabilidade dos órgãos e entidades estaduais o lançamento das apurações no
sistema. Destaca-se que caso o órgão ou entidade não tenha possibilidade de apurar o
indicador naquele momento, por motivos diversos, tais como: periodicidade superior a um
ano, dados disponibilizados pela fonte após o período de apuração, é possível atribuir ao
indicador o status de “em apuração”.
Além disso, é possível que o órgão ou entidade, no decorrer da execução do plano,
constatem a inviabilidade de apuração de determinado indicador. Diante dessa situação, o
status conferido ao indicador é o “em revisão”, indicando que o mesmo será reestruturado ou
excluído do plano nas próximas revisões. Ressalta-se, por fim, que os status “em apuração” e
“em revisão” são exceções. A regra é que uma vez criado, os órgãos e entidades tenham
condições técnicas e operacionais de apura o indicador no tempo necessário.
Por sua vez a mensuração do desempenho da ação, envolve três indicadores e
acontece durante o monitoramento. Os dois primeiros, denominados Desempenho Físico e
Desempenho Orçamentário, conforme estabelecido no Manual de Monitoramento do SIGPlan
– 2017, analisam a execução até o período monitorado, permitindo aferir o desempenho físico
e orçamentário da ação em confronto com a meta estabelecida no PPAG. O terceiro indicador
é denominado Índice de Eficiência. De acordo com o Manual de Monitoramento do SIGPlan, o
indicador:
[...] mede a correlação entre o desempenho físico e orçamentário até o
período monitorado, oferecendo uma comparação entre o custo unitário
direto médio planejado e executado. Nesse sentido, esse índice não informa
se o custo planejado ou executado é alto ou baixo, mas apenas se o custo
apurado no momento da execução foi maior ou menor que o custo
programado. A faixa de 0,7 a 1,3 é considerada um intervalo razoável de
variação, fora do qual há uma distorção desproporcional entre as taxas de
execução física e orçamentária (MINAS GERAIS, Manual de Monitoramento
do SIGPlan, 2017, p.42).

5. ANÁLISE DOS DADOS DE INDICADORES E MONITORAMENTO


Os dados analisados nessa sessão são oriundos do SIGPLAN. A análise será subdividida
em duas frentes. A primeira trata dos indicadores de programa e a segunda referese ao
desempenho da ação. Destaca-se que não foi o foco deste artigo a análise a respeito da
qualidade dos indicadores de programa.

5.1. ANÁLISE DOS INDICADORES DE PROGRAMA


Partindo dos pressupostos que a existência de indicadores de programa não é
obrigatória, porém recomendável por se tratar de importante ferramenta de aferição do
sucesso da política pública ao quantificar a situação que o programa tem por fim modificar. E
que sua ausência nos estágios de elaboração e implementação de políticas, planos e
programas, prejudica o monitoramento da evolução de uma determinada realidade e a
geração de subsídios para a avaliação do plano. A análise que se segue verificou o quantitativo
de programas com pelo menos um indicador vinculado durante o ciclo de gestão do PPAG
2012-2015.

O quadro 1 mostra uma visão geral dos indicadores dentro do planejamento mineiro.
Percebe-se, que, ao longo dos anos, a média de programas com pelo menos um indicador é de
149,25. Como a média de programas ao longo dos anos é de 233,75, durante o quadriênio
63,81% dos programas cadastrados tiveram pelos menos um indicador cadastrado. Ademais,
como pode haver mais de um indicador por programa, existem anos (2012 e 2013) em que o
número de indicadores ultrapassa o número de programas.

Além disso, outra análise que se depreende do quadro 1 pode ser melhor vista no
gráfico 1. Percebe-se que, ao longo dos anos, o percentual de programas com pelo menos um
indicador decresceu. Todavia, mesmo com um quantitativo menor constatou-se que durante
os anos, o percentual de indicadores apurados aumentou, enquanto os percentuais de
indicadores “Em Apuração” ou “Em revisão” diminuíram, conforme demonstrado no quadro 2.
A variação constatada é positiva, uma vez que um indicador em revisão ou em apuração não
pode fornecer informações úteis para a revisão do programa no ano seguinte, não
contribuindo com aperfeiçoamento do plano.

Outra importante variável de análise diz respeito à polaridade dos indicadores de


programa. A polaridade indica o sentido favorável de comportamento do indicador, cabendo
duas possibilidades: maior melhor ou menor melhor. Tomando como referência que durante o
ciclo do PPAG 2012-2015, 58 indicadores foram efetivamente apurados, ou seja, criados em
2012, apurados nos quatro anos de vigência do plano, sendo que em nenhum dos anos obteve
o status em apuração ou revisão, o quadro 3 evidencia se a polaridade deles foi confirmada.

Nota-se que 67,24% dos indicadores tiveram a sua polaridade confirmada durante o
ciclo de gestão do PPAG 2012 – 2015. Sendo que em 34 deles a variação do valor apurado, nos
quatro anos, foi do tipo maior melhor, enquanto em cinco a variação foi menor melhor. Por
outro lado, 16 indicadores do tipo maior melhor tiveram uma variação negativa, ou seja,
durante os quatro anos de vigência do Plano o valor apurado em determinado ano foi menor
do que o apurado no ano anterior, contrariando a tendência esperado de incremento. Já em
relação à tendência de redução dos indicadores do tipo menor melhor, três deles não tiveram
a polaridade confirmada.
O resultado acima revela que aqueles programas em que os indicadores não tiveram a
sua tendência confirmada, possíveis falhas no planejamento ou na execução de suas metas
prejudicaram a geração da mudança de realidade esperada a partir da criação do programa.
Para tanto, analisaremos no próximo tópico o desempenho das ações que se mantiveram
vigentes durante os quatro anos do plano, a fim de identificar o padrão de execução física e
orçamentária dessas ações.

5.2. ANÁLISE DO DESEMPENHO FÍSICO E ORÇAMENTÁRIO DO PPAG


Nessa sessão, é examinado o desempenho das ações do PPAG, ou seja, a execução em
comparação as metas físicas e orçamentárias programadas. Para as análises de desempenho é
necessária a definição dos seguintes conceitos sobre os intervalos ou status de desempenho
da ação:
Status satisfatório: dimensões física ou orçamentária do desempenho da
ação caracterizadas por taxa de execução compreendida no intervalo entre
70% e 130% frente à meta programada até o período monitorado.
Especificamente para o índice de eficiência, a faixa de desempenho
satisfatório situa-se igual ou acima de 0,7 e igual ou abaixo de 1,3.[...].
Status crítico: dimensões física ou orçamentária do desempenho da ação
caracterizadas por taxa de execução menor do que 70% da meta
programada até o bimestre monitorado. Quanto ao índice de eficiência, o
desempenho será crítico se a apuração for inferior a 0,7. [...].
Status subestimado: dimensões física ou orçamentária da ação
caracterizadas por taxa de execução acima de 130% perante a meta
programada até o último mês monitorado. Quanto ao índice de eficiência, o
desempenho será subestimado se o respectivo valor for superior a 1,3. [...].
Status a avaliar: a ação não apresenta meta programada até o período
avaliado, seja para a dimensão física ou orçamentária. Assim, quando
qualquer dessas dimensões apresentar desempenho a avaliar, o índice de
eficiência também demonstrará o mesmo status [...]. (MINAS GERAIS,
Manual SIGPlan de Monitoramento do PPAG, 2017, p. 37).

A análise de desempenho é feita para verificar, ao longo dos anos, se o percentual de


ações com desempenho físico e orçamentário classificado como satisfatório é crescente. O
aumento do quantitativo de ações com desempenho satisfatório durante os anos de vigência
do plano evidenciam o caráter assertivo do planejamento e revisão das metas, bem como da
realização efetiva do monitoramento, enquanto etapa do ciclo de gestão capaz de identificar
riscos, contingências e oportunidades que possam afetar o andamento e execução das metas
traçadas. Nesse sentido, a tabela 1, demonstra o desempenho físico de todas as ações válidas.
Entende-se por ações válidas aquelas que tiveram programação de meta física ou
orçamentária.
Pela tabela 1, é possível observar que o desempenho físico “satisfatório” do PPAG
durante os anos de 2012 a 2015 decresceu, contudo, esse desempenho é o mais expressivo
dentre os desempenhos analisados em todos os anos. Já na tabela 2, verifica-se o desempenho
orçamentário para todas as ações válidas do PPAG.

Afere-se, da Tabela 2, que o desempenho orçamentário “satisfatório”, caiu entre os


anos de 2012 a 2014, elevando-se, em uma análise horizontal, no ano de 2015. Dentro todos
os anos analisados, exceto no de 2014, este intervalo obteve o maior percentual dentre os
outros status.
Destaca-se que em o Estado de Minas Gerais encerrou o ano de 2014 com um déficit
de pouco mais de R$ 2 bilhões, conforme balanço orçamentário divulgado no dia 30 de janeiro
de 2015, no Diário Oficial pela Secretaria da Fazenda. Fato que prejudicou a execução das
despesas estaduais, haja vista que o déficit apresentado está relacionado a frustração de
receita conforme, informado à época pelo diretor do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita
Federal de Minas Gerais (Sindifisco-MG), Wertson Brasil “Teve um furo na receita com algumas
ações ou imóveis que o Estado esperou vender e por algum motivo não se confirmaram e
viraram dívida [...]”. (SCOFIELD, 2015)
Ademais, para permitir uma análise comparativa no tempo, realizou-se um recorte
apenas daquelas ações que foram frequentes em todos os anos, tomando como referência o
ano de 2012. O objetivo é verificar se o monitoramento contínuo, desde 2012 até 2015, foi
diferencial na qualidade do planejamento e da execução do PPA mineiro. Os dados dessas 857
ações podem ser vistos na Tabela 3.

Similar à análise global, o desempenho físico “satisfatório” reduziu a cada ano. As


ações sem execução física tiveram o mesmo padrão que na análise global, tendo um aumento
na quantidade de ações a cada ano, com picos de queda em 2014 e 2015. Ainda assim, o status
“Satisfatório” foi o maior em cada ano do PPAG. Já a tabela 4 mostra os dados referentes ao
desempenho orçamentário das ações.

Assim como no desempenho físico, as ações sem execução tiveram um aumento ao


longo dos anos, reafirmando as restrições orçamentárias. No tocante ao status “satisfatório” a
verificação foi a mesma da análise global, contudo, em 2014 esse intervalo também obteve o
maior percentual dentre os analisados.
O desempenho das ações que permaneceram ao longo dos anos, mesmo com um
monitoramento constante, seguiu de certa forma, a mesma tendência do restante das ações
no orçamento. Percebe-se, também, que o desempenho “Crítico” teve um pequeno aumento
em relação à análise das ações da tabela 2. Isso demonstra que resultados fiscais negativos ou
mudanças orçamentárias bruscas provocam um efeito negativo na execução.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo teve como objetivo analisar o desenvolvimento dos indicadores e mecanismos
de controle do monitoramento previstos no SIGPLAN para verificar se os resultados se
mostraram efetivos para melhorar o planejamento ao longo dos anos. Assim, por meio dos
indicadores, o planejamento físico e orçamentário pode ser visualizado por critérios objetivos
que permitem sua avaliação.
Foi realizada uma análise bibliográfica do histórico do planejamento brasileiro e
mineiro, demonstrando as etapas e evoluções que resultaram na promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 e na implementação do Plano Plurianual. Após isso,
os estados instituíram seus próprios planos e, Minas Gerais, instituiu o Plano Plurianual de
Ação Governamental para coordenar suas ações do decorrer dos seus quatro anos de vigência.
Com institucionalização do PPAG, bem como de sua ferramenta de gestão, o SIGPlan,
pôde-se analisar as ações e programas que compõem este plano. Assim, depreendese da
referida análise que, as ações que passaram por um processo mais longo de monitoramento
conseguiram, de fato, um percentual “Satisfatório” maior do aquele observado no plano como
um todo.
Em relação aos indicadores de programas, percebe-se que, apesar da quantidade de
indicadores por programas ter diminuído ao longo dos anos, o percentual de indicadores que
foram apurados aumentou, além de ter diminuído o número de indicadores “em revisão” e
“em apuração”. Essas constatações são consideráveis, uma vez que vez que um indicador em
revisão ou em apuração não contribui com aperfeiçoamento do plano. Percebe-se, portanto,
uma evolução no que se trata da utilização dos indicadores como forma de mensuração de
resultados de ações e programas, e melhoria destes por parte dos gestores ao longo dos anos.
Por fim, observa-se que apesar das ações constantes em todos os anos analisados
seguirem a mesma tendência dos resultados obtidos com todas ações do PPAG, as primeiras
tiveram um melhor resultado, considerando o desempenho satisfatório físico e orçamentário.
Assim, o monitoramento e os indicadores presentes nos programas e nas ações auxiliam na
melhoria desta etapa do ciclo, uma vez que as ações melhoraram seu desempenho e,
principalmente, diminuíram a quantidade de indicadores que não auxiliavam neste processo.

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ARTIGO – Controle Interno na Administração Pública

A Organização do Aparato de Controle Político-Administrativo do


Brasil e da Espanha: Diferenças e Similaridades do Controle Interno
Autoria: Bruno Massayuki Nakano

RESUMO: O presente trabalho visou identificar a importância da estrutura burocrática


governamental que permeia as atividades de controle e defesa do Estado. Num estudo
comparado entre os órgãos de controle interno do Brasil e da Espanha, aplicou-se o enfoque
neo-institucionalista na revisão histórica de ambos os órgãos até os primórdios dos seus
respectivos surgimentos e consequente montagem dos primeiros aparatos estatais de gestão e
controle nacional. Capazes de induzirem uma gestão pública mais eficiente e racional, a
abordagem dos organismos de controle interno é uma parte fundamental na compreensão das
próprias administrações públicas melhorarem os seus serviços oferecidos aos cidadãos.
Conclui-se ao final que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da
União (CGU), no Brasil, e a Intervención General de la Administración del Estado (IGAE), na
Espanha, apresentam objetivos semelhantes, ou seja, de controle de contas e auditoria
pública. Todavia, cada órgão adota metas distintas, uma vez que no caso brasileiro visa-se,
sobretudo, o combate à corrupção, enquanto no caso espanhol, procura-se a produção de
informações estratégicas aos gestores acerca do cumprimento da legalidade na gestão
econômica. Ou seja, ambos realizam e atingem os propósitos comuns de promoção do
controle interno (probidade, legalidade e transparência) governamental em seus níveis
nacionais, apesar do enfoque diferenciado. Ademais, vale indicar que o modelo gerencial é
aspecto difundido na melhoria da capacidade de atuação estatal, veemente associadas às
inserções e fortalecimentos destes órgãos de controle político-administrativos ao longo de
suas trajetórias.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Interno; CGU; IGAE; Desenvolvimento institucional.

1. INTRODUÇÃO

Visando identificar a importância da estrutura burocrática governamental que permeia


as atividades de controle e defesa do estado, este trabalho buscou realizar um estudo
comparado entre os órgãos de controle interno do Brasil e da Espanha. Justificada pela
capacidade de induzir uma gestão pública mais eficiente e racional, a abordagem dos
organismos de controle interno é uma parte fundamental na compreensão das próprias
administrações públicas melhorarem os seus serviços oferecidos aos cidadãos.
Essa aproximação da sociedade com o Estado é um fato positivo na democratização do
poder público. Este implica, por sua vez, em uma reorientação do Estado às novas atividades
para atender a crescente demanda. Sendo a burocracia o garantidor da plena aplicação das
regras e normas legais, é também o aparato que sustenta o funcionamento e o aparelho
político- administrativo governamental (OLIVIERI, 2011) e sua lógica de funcionamento.
Em vários aspectos, a burocracia é parte fundamental da estruturação dos órgãos de
defesa do Estado. Independente dos sistemas políticos adotados por nações, os governos e
seus procedimentos sempre são conformados por estruturas administrativas. De acordo com
O’Donnell (1998), que discorre sobre a “poliarquia” (a interação de três componentes de um
sistema político – conceituado em liberalismo, republicanismo e democracia) a relação dessas
correntes são combinadas de modo a oferecerem aos cidadãos o direito de participarem nas
tomadas de decisões políticas, afirmando o império das leis sobre todos, inclusive aos
governantes, e a salvaguarda das liberdades e garantias básicas (O’DONNEL, 1998).
Assim, a principal questão levantada por O’Donnell (1998) é a construção de poderes –
com características liberal e republicana – fortes o suficiente para coibir as usurpações de
forças, e propiciar um governo democrático com poderes igualmente distribuído. Inseridas na
estrutura de governo, a democracia é fortalecida pela accountability horizontal (O’DONNEL,
1998), como uma organização administrativa, em que instituições e órgãos trabalham pela
efetivação da legalidade e controle das políticas públicas, independente dos níveis de governo.
O’Donnell (1998) define que a necessidade da accountability horizontal se faz
importante, pois pressupõe a existência de órgãos públicos capazes de promover a supervisão
administrativa, além de aplicar sansões aos gestores e sua responsabilização. Logo, a
“accountability política é, portanto, uma relação entre um ator ou órgão de controle e um
agente público (seja político ou burocrata). Essa relação se caracteriza pela obrigação legal do
agente público de responder ao ator ou órgão de controle”. (OLIVIERI, 2011, p. 1398)
Não obstante, esse desenvolvimento da burocracia em governos democráticos implica
o fortalecimento da relação de fiscalização e prestação de contas entre o servidor/funcionário
e o órgão de controle (OLIVIERI, 2011). Inseridos nesse sistema de accountability, o controle
interno governamental é responsáveis pela fiscalização e avaliação da administração pública. A
função de controle dos gastos vai além, na medida em que estes órgãos assumiram também a
responsabilidade de acompanhar o desempenho e desenvolvimento das políticas,
promovendo a correção de eventuais problemas.
Visando controlar e acompanhar a devida utilização e destinação dos recursos, a
probidade administrativa pode ser vista como um importante avanço no fortalecimento da
democracia. Ou seja, para além das normas, a atuação correta e honesta – com probidade –
são um dos princípios éticos seguidos pelos órgãos governamentais de controle interno.
Como esses órgãos são parte fundamental na promoção da democracia, ao propiciar a
transparência e responsabilização da ação governamental (OLIVIERI, 2011), pode-se considerar
a existência do controle interno em diversos países como positivo. Nesse âmbito, traz-se ao
estudo o enfoque “neo-institucionalista” de análise descritiva e comparada das estruturas
administrativas do Brasil e da Espanha. A fim de caracterizar os sistemas de controle político-
administrativo – especificamente o controle interno governamental de ambos –, far-se- á uma
investigação dos aspectos legais e políticos para melhor compreender a diversidade de
configuração do controle institucional dos dois países.
Sendo estes órgãos de controle uma instituição munida de normas e regras, além de
valores e processos, o enfoque neo-institucionalista frisa a interferência do entorno
organizacional no desenvolvimento institucional. Logo, para a compreensão destes, é preciso
considerar as variáveis que culminaram cada uma das iniciativas de mudança.
Nesse sentido, Joaquim Araújo (2013) identifica também que os constantes desafios
emergidos da sociedade, tendo ainda os problemas oriundos das ideologias da Nova Gestão
Pública, a necessidade e surgimento de novas formas de organização do poder público. De
maneira a preservar as suas autonomias, estas integram-se racionalmente às estruturas,
observando com isso a coordenação estratégica das atividades num modelo crescente
identificado como “Nova Governação Pública” (ARAÚJO, 2013, p. 54).
O recente desenvolvimento do controle interno governamental, para além do controle
de contas, pode ser originário dessa Nova Governação Pública. Isso porque essa nova corrente
tem como foco a correção das “limitações teóricas e práticas dos modelos que a precederam,
abrangendo a complexidade atual” (LYNN, 2010, apud ARAÚJO, 2013, pp. 55), administrando
todas as pluralidades de atores e serviços do Estado atual. É, portanto, um “Estado que é
pluralista, onde múltiplos processos informam o sistema para a formulação das políticas
públicas” (ARAÚJO, 2013, pp 55), relacionados por sua vez, numa relação de network e de
crescente interdependência inter e intra-organizacional.

2. DO CONTROLE INTERNO
Nesse contexto, o controle interno governamental desempenha, entre outros, a
função de ajudar a modernizar o aparato burocrático, promovendo sua probidade, legalidade
e transparência. Como atua fortemente em funções que impactam diretamente na qualidade
da gestão e na democratização das relações do Estado com a sociedade (OLIVIERI, 2010), sua
atuação, portanto, tem potencial de gerar impacto muito positivo sobre a qualidade das
políticas públicas.
Assim, a compreensão da estrutura e atuação dos órgãos de controle interno é aspecto
fundamental para analisar a capacidade das próprias Administrações de melhorarem seu
desempenho e, consequentemente, a qualidade dos serviços públicos.
Favorecido pelo conceito de modernização da administração pública para melhorar a
eficiência, importantes medidas foram empreendidas nesse sentido, principalmente no que diz
respeito ao monitoramento das políticas públicas. É função do controle interno – auditando,
fiscalizando, orientando e normatizando – democratizar o poder público fazendo prestar
contas à população e responsabilizando possíveis desvios de condutas. Sendo assim, os
organismos de controle interno devem auxiliar na condução de uma melhor administração do
Estado (SPECK & FERREIRA, 2012).
Enquanto órgãos responsáveis pelas auditorias das contas públicas e avaliação da
gestão governamental, estes atuam por meio das fiscalizações da atuação estatal e de
orientações aos gestores. Por isso esses mecanismos de controle interno são importantes para
a promoção da responsabilidade governamental. Mesmo com estruturas e realidades
completamente diversas, Brasil e Espanha possuem atualmente organismos específicos de
controle da gestão pública nacional. Por isso, o presente trabalho buscou estudar e
compreender a atuação destes instrumentos de defesa do Estado para saber se estruturas
diversas atingem os mesmos objetivos do controle interno governamental.

3. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL BRASILEIRA E ESPANHOLA


Apesar de alguns autores remontarem o início das atividades de controle interno no
Brasil ainda no século XIX, principalmente após a Proclamação da Independência, em 1822, o
órgão abordado pelo presente trabalho só veio a surgir em 2001, denominado à época de
Corregedoria-Geral da União. É fato que em 1979 já havia sido criado uma unidade
especializada no controle, as Secretarias de Controle Interno (Ciset), tendo, ainda em 1831, o
seu predecessor Tribunal do Tesouro Público Nacional, responsável pela contabilidade do
Estado. Mas neste período o foco de atuação era o acompanhamento e controle financeiro das
contas públicas.
Compondo o princípio da formação do estado brasileiro, a primeira estrutura
burocrática orientada à devida utilização do erário é atrelada ao controle de contas. A
instituição mais sólida nesse âmbito foi criada em 1890 com o Tribunal de Contas da União,
uma esfera julgadora das operações financeiras do Brasil. Deste período para os dias atuais,
assistiu-se a uma evolução e ampliação das competências de controle, passando a abarcar não
somente os aspectos orçamentários, como a qualidade destes gastos.
Inicialmente, todas as estruturas ligadas ao controle interno eram unidades alocadas
dentro de pastas da área econômica. As próprias Cisets (Secretarias de Controle Interno, 1979
até 1986), mesmo sendo uma das primeiras iniciativas de descentralizar o controle – então
presentes em cada um dos ministérios civis e respondendo diretamente ao acompanhamento
dos seus respectivos orçamentos ministeriais – foi substituído pela Secretaria do Tesouro
Nacional (STN), pertencente à estrutura do Ministério da Fazenda (MF) do Brasil.
É pertinente relembrar que a Medida Provisória nº 480/1994, que criou a SFC
(Secretaria Federal do Controle Interno), separou também as competências relativas às
finanças das atividades de auditoria e controle interno na administração federal. Tal mudança,
segundo informa no portal eletrônico da STN, contribuiu para o aperfeiçoamento das
atribuições e assim evitando a sobreposição de funções entre órgãos e unidades.
No caso da Espanha, a Intervención General de la Administración del Estado (IGAE), ou
Intervenção Geral da Administração do Estado (em tradução livre para o português), surgiu
igualmente em meados do século XIX, na figura das Contadorias Gerais de Valores e
Distribuições, tendo já em 1874 – por meio do Decreto Echegaray – a instituição da IGAE. Não
obstante, assim como na experiência brasileira, as atividades de controle e acompanhamento
das contas públicas remontam um período anterior, sendo este identificado pelo Sexenio
Democrático.
Apesar de ter a severa crise econômica que antecedeu 1868 como estopim para a
destituição da Rainha Isabel II e assim melhorar o controle orçamentário do Reino da Espanha,
o processo de melhoria da fiscalização do erário é antigo e sempre esteve na pauta da
organização do aparato estatal espanhol. Visando o controle, foi instituído já em 1812 a
Constituição de Cádiz que discorreu acerca do controle das atividades financeiras nacionais;
um marco importante, pois normatizou as modalidades de controles necessários ao
desempenho da atividade pública.
É relevante identificar que todas as iniciativas de controle interno da Espanha sempre
tiveram as suas estruturas e atuações relacionadas ou inteiramente inseridas nas áreas de
operações econômicas. De modo geral, todas as iniciativas que permeiam a vanguarda da
organização do Estado para se evitar os desvios de recursos estão inseridas de alguma forma
nos diversos ministérios de assuntos fazendários já existentes. Atualmente, a IGAE mantém-se
inserida na estrutura do Ministério da Fazenda e Administrações Públicas (MINHAP), apesar
dos grandes avanços que a incumbiram de promover a eficiência e eficácia na utilização dos
recursos públicos.
Em suma, é possível verificar que as origens do acompanhamento e controle
governamental da administração estiveram relacionadas à gestão orçamentária de cada país.
O controle interno como avaliador da eficiência e efetividade é recente, e têm suas raízes em
órgãos da área econômica. No caso brasileiro, antes atribuído ao Tesouro Nacional, unidade do
Ministério da Fazenda, o controle se restringia na verificação dos aspectos legais e financeiros;
tal como na Espanha, o qual tem na figura do seu Ministério da Fazenda o principal articulador
da gerência econômica, instituiu-se a IGAE para este fim.
Em ambos os casos, o controle interno foi fruto da necessidade de melhor controlar os
gastos e o erário nacional, estruturando com isso duas autênticas unidades de fiscalização e
prestação de contas. Para tanto, a accountability ainda é parte importante, pois outorga a
responsabilidade de acompanhar o desempenho e desenvolvimento das políticas,
promovendo a correção de eventuais problemas. Apesar de algumas diferenças – cujo será
discorrido ao longo dos próximos itens – Brasil e Espanha apresentam uma formação histórica
semelhante, independentemente dos distintos períodos a que ocorreram, baseando-se na
preocupação com o desempenho das arrecadações e gastos do Estado.

3.1. Aspectos Institucionais em Perspectiva Comparada


O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) do
Brasil é um órgão do primeiro escalão da administração federal, responsável pelo controle
interno. Concebido como órgão central do sistema de controle e correição, ela realiza, por
meio de auditorias, a avaliação da gestão pública, de modo a promover a prevenção, correição
e ouvidoria pública. Já a Intervenção Geral da Administração do Estado da Espanha é um
organismo inserido no Ministério da Fazenda e Administrações Públicas, encarregado de
promover igualmente o controle interno no âmbito nacional. Tido como principal gestor dos
assuntos orçamentários, ela é a mais importante unidade no desempenho do controle
econômico e financeiro espanhol.
Vale registrar que o atual Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-
Geral da União precedeu a Controladoria-Geral da União, então um órgão pertencente à
Presidência da República. A antiga CGU, uma vez que o Ministério continua a utilizar a sigla
“CGU”, apresentava uma posição privilegiada no exercício de suas atividades, pois possuía,
além da legitimidade jurídica, o aval do chefe do Poder Executivo Federal para conduzir as
operações de acompanhamento e assessoramento nos assuntos pertinentes de apoio ao
gabinete e da administração federal.
A recente extinção da CGU e criação do Ministério da CGU, em 2016, ainda não
possibilitou a sua avaliação no tocante à atuação. Não obstante, afirma-se que este absorveu
toda a estrutura e funções do órgão antecedido, sendo agora o Ministério responsável por
implementar, além do controle, a transparência pública, o acesso à informação e a ouvidoria
da União.
Como discorre o Inc. X do Art. 27 da Lei 13.341/16, é de responsabilidade do Ministério
da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) intervir nos
procedimentos “atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria
pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao
incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal” (LEI Nº
13.341/16) – competências idênticas ao da antiga CGU constantes na Lei nº 10.683/03.
No caso espanhol, a IGAE subordina-se diretamente ao Ministro de Estado da Fazenda
e Administrações Públicas, o qual lhe figura como organização direta do Governo Geral do
Estado. Mesmo alocada internamente à Secretaria de Estado de Orçamento e Gastos, e
configurando uma unidade especializada, esta tem garantida a condição de subsecretaria pelo
Real Decreto 1887/2011, desempenhando com isso o controle interno da gestão financeira e
dos atos da administração do Estado, ou seja, a implementação da eficiência e eficácia na
utilização dos recursos públicos.
É importante registrar que a IGAE, diferentemente da CGU no Brasil, não é o órgão
responsável pela implementação e fiscalização da transparência pública e acesso à informação.
Tais atividades são desenvolvidas por conselho específico – criado pela Lei 19/2013 – e alocado
no Ministério da Fazenda e Administrações Públicas. O Conselho de Transparência e Bom
Governo está localizado na Secretaria de Administrações Públicas, independente das Direções
e Secretarias Gerais da unidade. Para tanto, é dotado de personalidade jurídica própria e plena
capacidade de atuar autônoma e independentemente, garantido pelo artigo 33 da mesma lei.
Considerando a localização da própria IGAE e do conselho de transparência na
estrutura do mesmo ministério, pode-se, desde já, depreender que algumas das principais
atividades de avaliação da atuação estatal na Espanha estão dispersas na figura do MINHAP,
fazendo deste uma pasta de grande potencial de decisão e controle do Estado. Ainda assim, o
presente trabalho não o avalia em correlação com a CGU, pois o MINHAP congrega todas as
competências de política fazendária do Estado espanhol.
Outro ponto a ser ressaltado é a subordinação do Reino da Espanha às normativas
acordados pela União Europeia (UE). Representando a junção voluntária de política e
economia entre os estados membros, partilha-se algumas responsabilidades determinadas
entre a UE e os países que a ratificaram. Nesse âmbito, lembra-se que a Espanha, como
membro titular, deve seguir as legislações do bloco, realizando, inclusive, reformas internas
para se adequar às normas de responsabilidade, eficiência e participação. Uma das principais
mudanças realizadas com essa finalidade foi a promulgação do Real Decreto 1418/2006 que
criou a Agência Estatal de Avaliação das Políticas Públicas e da Qualidade dos Serviços (AEVAL).
A União Europeia é, portanto, um órgão supranacional, cujo todos os membros se
uniram soberana e espontaneamente, e apoia-se no princípio do Estado de Direito em que
“toda a sua ação deriva de tratados voluntária e democraticamente aprovados por todos os
Estados- Membros” – segundo informa o portal oficial da UE.
O Brasil, apesar de congregar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), iniciativa de
cooperação intergovernamental entre os países associados da América do Sul, este não possui
instâncias ou poderes supranacionais. O maior avanço da iniciativa está, sobretudo, nos
acordos de comércio e circulação de pessoas.
Assim, em uma análise global, verifica-se os diferentes níveis de subordinação entre os
órgãos. No caso brasileiro, a CGU ocupa o primeiro escalão do governo federal, sendo a
unidade máxima na normatização dos assuntos pertinentes ao controle. Por outro lado, no
caso espanhol, a IGAE está alocada em um nível de secundário do governo, tendo ainda a
orientação por parte da União Europeia, a qual dita princípios para a condução dos governos
membros.

3.2. Dos Objetivos e Metas da CGU e IGAE


Com a competência de acompanhar permanentemente as contas do governo federal e
assim induzir uma administração pública ilibada e livre da corrupção, a CGU é o principal órgão
do sistema de controle interno do Brasil. Normatizada pela Portaria nº 1.215, de 25 de junho
de 2009, instituiu-se a criação do Observatório da Despesa Pública (ODP), unidade da CGU
responsável por auxiliar a gestão dos gastos federais com base em metodologia científica e uso
de inteligência para investigar e auditar comportamentos suspeitos no uso dos recursos.
Assim sendo, a principal missão da CGU é identificada em seu documento do Plano de
Integridade Institucional 2012-2015 como a prevenção da corrupção e consequente
aprimoramento da gestão do setor público. O estímulo ao controle interno por meio da
promoção da transparência pública e da participação popular pelo controle social são outras
importantes funções desta.
E para colocar em prática esse planejamento são identificados pela CGU os pontos
fundamentais de desenvolvimento dos processos internos para a consecução dos objetivos. De
início é defendido a consolidação da gestão integrada entre o controle interno, prevenção,
correição e o próprio enfrentamento da corrupção, aperfeiçoando com isso a desempenho das
atividades e da incorporação de novas tecnologias de gestão. Outra medida é o constante
fortalecimento da Lei de Acesso à Informação, estruturando o órgão para melhor receber e
processar as demandas da sociedade, zelando pela transparência e agilidade (CGU, PLANO DE
INTEGRIDADE INSTITUCIONAL 2012-2015).
É também indicado no Plano de Integridade Institucional como essencial o
desenvolvimento de rede de comunicação intra-organizacional para melhor integrar as
informações, conjuntamente com o impulso na área de pessoal e recursos humanos. Esse
último, parte indispensável no exercício da função, os servidores são contemplados por meio
da gestão do conhecimento (memória institucional) e valorização por treinamentos e planos
de carreiras.
Uma vertente de atuação da CGU, portanto, é deflagrar operações de inteligência em
conjunto com outras instituições de defesa do estado, tal como a Polícia Federal e o Ministério
Público Federal, a fim de apurar irregularidades e fraudes em programas públicos, além da má
utilização do erário. Ademais dessas ações de fiscalizações, pratica-se também a atuação
punitiva dos responsáveis e/ou envolvidos, responsabilizando civil e administrativamente, de
acordo com a Lei da Empresa Limpa (Lei nº 12.846/2013).
Como uma importante frente de atuação, o combate à corrupção, por meio de
auditorias, é um dos meios de se identificar irregularidades, possibilitando com isso a
punição e ressarcimento aos cofres públicos. Segundo informa o portal eletrônico da CGU,
todas as atividades desenvolvidas são importantes, tanto quanto o próprio resultado, uma vez
que são gerados informações capazes de recomendar e sugerir orientações futuras de
prevenção da corrupção. A disponibilização, portanto, de todos os procedimentos à população
é um fortalecimento do controle social e da transparência pública.
Em suma, o órgão brasileiro é uma área instituída para o combate à corrupção e
promoção da transparência. Responsável pelo controle interno federal, também é de sua
competência auditar os recursos da União diretamente aplicados pelo executivo, tal como os
recursos repassados aos estados, municípios e organizações não governamentais. Ou seja, a
CGU tem a legitimidade de acompanhar todos os valores que tiverem origem no nível federal,
até a sua destinação final.
Já no caso espanhol, a Intervenção Geral da Administração do Estado (IGAE) é o órgão
incumbido de realizar as auditorias de contas do setor público. Visando verificar de maneira
sistemática as atividades econômicas e financeiras, tem-se como objetivo, de acordo com a
Resolução de 30 de julho de 2015 do MINHAP, a execução de auditorias para proporcionar a
produção de informações estratégicas aos gestores e autoridades em relação ao devido
cumprimento da legalidade na gestão econômica e correta aplicação dos princípios da boa
gestão – equilíbrio, sustentabilidade e confiabilidade da contabilidade pública.
Segundo informa o documento de objetivos da IGAE 2015, um dos focos de sua
atuação é impulsionar a estratégia nacional de prevenção à fraude, intensificando a sua função
interventora nos processos de tomadas de contas, principalmente nos contratos de obras
(IGAE, OBJETIVOS 2015). A capacitação e formação de peritos especializados é outro ponto de
destaque do órgão.
Como centro dirigente e gestor, a IGAE é identificada como órgão central da gestão
econômico e financeira, não se aplicando às suas atividades a promoção da transparência
governamental e da ouvidoria pública. Apesar de sua obrigatoriedade de divulgar dados
estatísticos e informações produzidas, a transparência pública é gerenciada pelo Ministério da
Presidência, e controlada pelo Conselho de Transparência e Bom Governo – alocada por
aspectos meramente organizativos ao MINHAP. É seu dever, portanto, cumprir com o
equilíbrio da contabilidade pública e centralização de todas essas informações das entidades
integrantes do setor público estatal (LEY GENERAL PRESUPUESTARIA 47/2003).
Apesar da competência de gerenciar a contabilidade pública e de orientar os
mecanismos de cumprimento dos princípios da integridade, coerência e confidencialidade dos
informes contábeis, à IGAE não compete a avaliação de políticas e programas públicos. São de
sua responsabilidade o controle formal, de verificação do cumprimento dos requisitos legais, e
o controle material, o qual corresponde a análise da efetiva utilização dos recursos em questão
(REAL DECRETO 2188/1995, Art. 7.3).
No caso da Espanha, o acompanhamento e avaliação da qualidade das políticas e
programas governamentais são de competência da Agência Estatal de Avaliação das Políticas
Públicas e da Qualidade dos Serviços (AEVAL). Sua responsabilidade, portanto, é analisar o
impacto das intervenções, tendo em vista a sua qualidade e compromisso com a cidadania.
Como discorre o Real Decreto 1418/2006, de criação da Agência, a promoção da cultura de
avaliação e da gestão pública são objetivos da União Europeia, tendo a sua normativa como
orientadora para a instituição da referida unidade.
Em síntese, é possível identificar que a IGAE é uma unidade de avaliação da
contabilidade pública nacional, diferente da CGU que realiza auditorias de contas e
implementa a ouvidoria e ações de investigações. No caso da Espanha, todas as atividades
desenvolvidas pelo órgão brasileiro são igualmente realizadas, todavia, por unidades distintas
e distribuídas por toda a Administração Geral do Estado. Seja a implementação da
transparência pública, ou a avaliação da gestão governamental, estes estão em sua maioria
alocadas à estrutura do Ministério da Fazenda e Administrações Públicas, tais como a AEVAL e
o Conselho de Transparência.
A IGAE, portanto, é um órgão responsável pela defesa do patrimônio público por meio
do controle interno. Restringindo-se ao controle contábil do Estado espanhol, ela atua
realizando a gestão financeira e econômica do Reino da Espanha, de maneira a implementar a
eficiência e eficácia no uso do erário público.
Já no caso do Brasil, verifica-se um único órgão que centraliza todas as atividades de
democratização e defesa do estado. Como exposto, a CGU é o principal órgão gestor da
transparência pública, ouvidoria e do combate à corrupção. Por meio das auditorias que
avaliam a execução de programas e da avaliação da gestão dos administradores, ela é capaz de
empreender ações investigativas em conjunto com os demais órgãos de defesa do estado, e
assim propor orientações e melhor prever as condutas danosas ao governo.
4. Conclusão
Importante na formação e manutenção do poder público, a burocracia governamental
é parte fundamental na sistematização de todas as ações que o Estado oferece ao cidadão. A
essa organização administrativa está, entre todos os demais, os órgãos de defesa do estado,
responsáveis por implementarem as intervenções necessárias para a coibição de todos os atos
danosos à administração pública.
Assim como teorizou Faria e Meneghetti (2011) acerca da burocracia como
instrumento capaz de empreender a impessoalidade no cumprimento das ações, ela é, antes
de tudo, parte integrante de uma instituição regida e organizada por regras e normas. Sendo
estes órgãos de controle uma instituição munida de valores e processos, o enfoque neo-
institucionalista frisa a interferência do entorno organizacional no seu desenvolvimento
institucional. Nesse âmbito, Salvador Serna (2001) entende que no neo-institucionalismo as
tomadas de decisões são orientadas pelas estruturas; ou seja, é importante analisar toda a sua
conjuntura histórica e cultural para entender as mudanças assistidas ao longo de seu
desenvolvimento.
O enfoque neo-institucionalista, portanto, foi determinante na análise da trajetória de
cada um dos órgãos brasileiro e espanhol, pois corroborou com o presente trabalho na revisão
histórica de formação dos primeiros aparatos de controle governamental dos referidos países.
Para tanto, frisa-se que o controle interno governamental desempenha, entre outros,
a função de ajudar a modernizar o aparato burocrático, promovendo a sua probidade,
legalidade e transparência em todos os atos da administração. Como atua fortemente em
funções que impactam diretamente na qualidade da gestão e na democratização das relações
do Estado com a sociedade (OLIVIERI, 2010), sua atuação tem potencial de gerar impacto
muito positivo sobre a qualidade das gestões públicas em geral.
O estudo da formação histórica das burocracias de controle interno e de suas recentes
modernizações – frente às novas demandas da sociedade –, conjuntamente com a análise de
seus orçamentos e ações, permitiu concluir de início que Brasil e Espanha apresentam modelos
totalmente distintos de controle político-administrativos.
Portanto, as principais conclusões são:
 Estruturas institucionais de controle interno descentralizado na Espanha (repartição
em unidades especializadas) e centralizado no Brasil (único órgão);
 Recente desenvolvimento do controle interno como avaliador da eficiência e
efetividade em ambos os países;
 Os primórdios da criação dos dois órgãos estão relacionados ao controle de contas e
alocação institucional em áreas responsáveis pelas operações econômicas nacionais;
 Na Espanha houve a manutenção da posição institucional da IGAE até os dias atuais, a
qual continua inserida no MINHAP. Já no Brasil, houve o fortalecimento da SFC com a
criação da CGU no primeiro escalão do Executivo Federal, saindo da estrutura do
Ministério da Fazenda;
 CGU e IGAE apresentam objetivos semelhantes, ou seja, de controle de contas e
auditoria pública; todavia, com metas distintas, uma vez que no caso brasileiro visa-se,
sobretudo, o combate à corrupção, enquanto no caso espanhol, procura-se a
produção de informações estratégicas aos gestores acerca do cumprimento da
legalidade na gestão econômica;
 A CGU abarca as atividades de transparência pública e ouvidoria-geral, ao contrário da
IGAE, cujo se limita às análises contábeis e da legalidade fiscal;
 Aparente alinhamento das características dos órgãos com o modelo gerencial da Nova
Gestão Pública e reconhecimento do Estado plural e interdependente em direção à
Nova Governação Pública.
Em suma, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União
(CGU) é o principal órgão do sistema de controle interno brasileiro, responsável pelas
auditorias de contas e combate à corrupção no Governo Federal. Por outro lado, a Intervenção
Geral da Administração do Estado (IGAE) compõe a unidade estratégica de controle econômico
e financeiro do Governo do Estado espanhol, chefe da contabilidade nacional. Enquanto uma
autêntica pasta de controle interno, a IGAE atua de maneira a implementar a eficiência e
eficácia no uso do erário público. Apesar da semelhante atividade, o desempenho das
atividades se distingue em suas legitimidades e finalidades.
A CGU é um órgão capaz de articular operações especiais em conjunto com outras
instituições de defesa do estado, além de exercer poder de Ministério. Já a IGAE, subordinado
ao MINHAP, não possui autonomia e legitimidade para realizar operações investigativas. Sua
competência, portanto, é restrita essencialmente ao controle de contas e da legalidade,
classificada institucionalmente como subsecretaria no Ministério.
Com isso, conclui-se que Brasil e Espanha apresentam estruturas de controle político e
administrativa estruturalmente bem diferentes. Enquanto a CGU é um órgão centralizado e
pertencente ao primeiro escalão do Poder Executivo Federal, a IGAE é uma unidade
especializada e alocada secundariamente no governo do Estado. Todavia, é plausível afirmar,
apesar das diferenças institucionais, que ambos realizam e atingem os objetivos em comuns de
promoção do controle interno governamental (probidade, legalidade e transparência) em seus
níveis nacionais. Essa afirmação se torna possível, uma vez que as duas instituições realizam
auditorias de contas e o controle da legalidade nos atos da administração pública.
O combate à corrupção, veemente expressado nas atividades da CGU, é, portanto, um
desdobramento e/ou consequência do controle da contabilidade pública, igualmente realizado
pela IGAE. À vista disso, o que se considera como unidade centralizada no Brasil é a delegação
de implementar a transparência e ouvidoria pública, importantes canais de democratização do
poder público. Na Espanha, mesmo a transparência sendo competência do Conselho da
Transparência e do Ministério da Presidência, essa incumbência é cumprida, pois a IGAE é
obrigada por lei a dar publicidade aos informes e documentos por ela produzidas.
Nesse sentido, considerando toda a análise do desenvolvimento histórico e
institucional, nos limites deste trabalho, pode-se compreender que em ambas as experiências
há o esforço canalizado na modernização de seus órgãos de controle. Assim, entende-se que o
modelo gerencial é aspecto relevante na melhoria da capacidade de atuação estatal, aspecto
veemente associado à inserção e fortalecimento dos órgãos de controle político-administrativo
brasileiro e espanhol. Por meio da democratização dos serviços e da profissionalização desse
aparato estatal, tem-se como finalidade a inserção e impulsão da eficiência no âmbito da
administração pública, assistidas ao longo de suas trajetórias até os dias atuais.
Na perspectiva de Salvador Serna (2001), é possível avaliar que as mudanças pelas
quais os órgãos passaram, foram emergidas das pressões sociais e econômicas. Cooperando
com os avanços na gestão, os órgãos de controle interno, portanto, estão em consonância com
as mobilizações da Nova Gestão Pública, comprometidos com o modelo gerencial, e
possivelmente avançando ao que Joaquim Araújo (2013) teorizou como a Nova Governação
Pública – do Estado plural e dotado de múltiplos atores e atividades num network de crescente
interdependência.

REFERÊNCIAS
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emergentes da fragmentação das estruturas da Administração Pública. In: H. Silvestre & J. F.
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ARTIGO – Controle Interno na Administração Pública

Desafios para a construção de uma cultura de monitoramento analítico


em políticas sociais
Autoria: Vitor Sousa Gonçalves e Victor Antunes Leocádio.

RESUMO: Os instrumentos de Monitoramento e Avaliação (M&A) tem sido colocados como


alternativas fundamentais para aprimorar a eficiência, a eficácia e a efetividade das políticas
públicas. Contudo, é notável tanto na realidade brasileira, quanto na de vários outros países,
um enorme despreparo das capacidades estatais para a utilização dessas ferramentas,
sobretudo, com relação a carência de um enfoque para resultados. Nessa medida, este
trabalho irá discutir a importância de uma transformação da cultura organizacional, com foco
na investigação dos desafios para a construção de uma cultura de monitoramento analítico em
políticas sociais. Assim sendo, serão apresentados os principais desfechos das reformas
gerenciais da administração pública nos últimos anos no que se diz respeito a
responsabilização por resultados, demonstrando a importância do aprimoramento dos
mecanismos de M&A. Diante disso, serão exibidas as principais dificuldades e recomendações
para uma transformação na cultura das organizações, o que também envolve o
aprimoramento dos sistemas de M&A, que devem estar inseridos nesse contexto de mudança,
de modo a conter indicadores e gerar informações apropriadas ao exercício analítico sobre os
empreendimentos sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Monitoramento e Avaliação; Gestão para Resultados; Monitoramento


Analítico

1. INTRODUÇÃO

Os processos de M&A são elementos fundamentais para configurar maior eficiência,


eficácia e efetividade na ação governamental. De acordo com Porter e Goldman (2013), no
entanto, para que esses instrumentos possam fazer essa contribuição é necessário que os
governos sejam dotados de maior capacidade para orientar suas ações a partir de um
monitoramento voltado para resultados e para se fazer perguntas mais profundas de por que e
como, através de avaliações de políticas e programas.
O aprimoramento das capacidades governamentais envolve certamente a construção
de uma cultura gerencial aberta e flexível com capacidade de inovar e redefinir caminhos
(CARNEIRO, 2004). Esse trabalho abordará, então, os desafios para a estruturação de uma
cultura de monitoramento analítico em políticas sociais, demonstrando a importância da
configuração de um enfoque avaliativo nos vários níveis hierárquicos das instituições que
conduzem os empreendimentos sociais.
A configuração de uma cultura avaliativa nas políticas sociais envolve, também, a
constituição dos sistemas de M&A. Assim, serão exibidos os atributos para um bom sistema de
monitoramento e os aspectos desejáveis aos painéis de indicadores que compõem esses
sistemas.

2. GESTÃO ORIENTADA PARA RESULTADOS E MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO


Recentemente os instrumentos de M&A e a noção de gestão orientada para resultados
têm assumido papel central no setor público, especialmente com o advento das recentes
reformas gerenciais. Durante essa onda reformista conserva-se, contudo, o foco no
desempenho, sem grande preocupação com o impacto pretendido com a política.
Apesar da grande diversidade de iniciativas e resultados, a trajetória recente de
modernização administrativa sinaliza para uma continuidade das diretrizes que predominaram
nos últimos anos e um dos pontos mais substantivos dessa nova orientação é a gestão para
resultados orientados ao desenvolvimento (CLAD, 2010).
Nessa conjuntura, torna-se imperativo para a gestão pública contemporânea a
constituição de uma cultura organizacional orientada pelo desempenho, ou seja, a substituição
de um paradigma meramente procedimental para a construção de uma lógica voltada para
resultados. Assim, em consonância ao que foi observado pelo CLAD (2010), o grande obstáculo
para o alcance desse objetivo é o enorme peso que a visão de administração tradicional ainda
possui, o que dificulta a adesão dessa nova proposta pelos funcionários públicos e políticos.
O desafio posto para a gestão pública moderna (CLAD, 2010) é de não cair em um
“gerencialismo equivocado”, isto é, deve-se orientar não apenas pelo desempenho, mas pelos
resultados que se almejam alcançar. À vista disso, de acordo com a visão do Centro Latino de
Administracion para el Desarollo (CLAD, 2010, p. 12, tradução nossa), “[...] a proposição de
metas não é meramente uma tarefa gerencial, mas que deve estar ligada a objetivos políticos
mais amplos”.¹
As políticas públicas possuem objetivos múltiplos, conflitantes e ambíguos. Assim,
como é sabido que os recursos públicos são limitados e que não é possível atender a todos
esses interesses, cabe destaque ao enfoque para resultados, já que, através de esforços não
meramente técnicos, mas também políticos, ele pressupõe o estabelecimento de metas e
prioridades, o que funciona como um “norte” para as políticas, pois resulta em compromissos
concretos, viáveis e verificáveis para os gestores (MOKATE, 2006).
Além disso, os empreendimento sociais estão envoltos em um cenário de bastante
incerteza, não somente pela constante alteração do quadro socioeconômico, mas também
porque, em grande parte das vezes, depende de uma forte interação com o usuário (COSTA,
2004). Assim sendo, o estabelecimento de prioridades e o emprego de metas e indicadores são
importantes para minimizar os riscos advindos dessa conjuntura. Esses instrumentos, porém,
não garantem o alcance dos resultados propostos, já que dependem de diversos outros
fatores. Diante disso, Mora (2000, p. 6, tradução nossa) afirma que “[...] a liberdade e a
flexibilidade para tomar decisões são fundamentais, tanto para enfrentar os riscos, como para
aproveitar as oportunidades do entorno".²
Segundo o CLAD (2010), o aprimoramento no emprego de metas e indicadores
contribui não somente para o monitoramento e controle de uma política, mas também para
uma maior transparência quanto aos meios e objetivos que estão orientando a ação
governamental.
Portanto, a consolidação desse novo enfoque gerencial, baseado em uma orientação
para resultados, envolve o fortalecimento dos processos estratégicos de M&A, que atuando
em sinergia podem funcionar como catalisadores para evolução de outros importantes
processos gerenciais (MOKATE, 2004).
O modelo conceitual do ciclo de políticas e de programas públicos proposto por Januzzi
et al (2009) é um importante marco teórico para o entendimento da relevância das atividades
de M&A. Segundo esse modelo, inicialmente os problemas e demandas sociais provocam a
definição da agenda e uma percepção acerca das questões públicas. Subsequentemente, é
gerado um diagnóstico que apoiará o desenho e formulação de uma política pública. Depois
disso, esta será implementada, isto é, os processos planejados nas etapas anteriores serão
executados, gerando novos produtos ou oferta de serviços. Após a implementação dessa
política, ela será avaliada, de forma que os sistemas de monitoramento irão subsidiar a análise
de resultados e impactos para que se possa decidir sobre a continuidade desse ciclo. As
atividades de M&A, entretanto, não se restringem ao final desse processo, os instrumentos
investigativos podem ser empregados a qualquer momento desse ciclo.
Ilustração 1: O Ciclo de Políticas e Programas Públicos
Fonte: Januzzi et al (2009)

Para Mokate (2006), as atividades de M&A são um processo de exploração de


perguntas inteligentes para provocar reações e decisões gerenciais. Nos últimos anos surgiram
diversas interpretações para tentar diferenciar os conceitos de monitoramento e avaliação. No
entanto, existem alguns limites para o tratamento dessas informações de forma separada, pois
apesar da existência de certas diferenças metodológicas, o monitoramento e a avaliação são
processos complementares (MOKATE, 2006; BUVINICH, 1999) e que devem atuar de forma
sinérgica para apoiar uma gerencia por resultados.
De maneira geral, o que diferencia esses dois elementos é que a avaliação introduz
análises e juízos de valor, mas para isso ela depende das informações que são geradas pelo
monitoramento. Tal situação reforça, portanto, a relação de complementaridade entre esses
instrumentos de gestão, uma vez que enquanto a avaliação enriquece as informações geradas
pelo monitoramento, o monitoramento retroalimenta as informações demandadas pelos
processos avaliativos (MOKATE, 2006; BUVINICH, 1999).

3. MONITORAMENTO DE POLÍTICAS SOCIAIS


Os processos de monitoramento são imprescindíveis para o sucesso das políticas
sociais, pois fornecerão informações para a tomada de decisão e avaliação de uma política. De
acordo com Buvinich:
Monitoramento envolve a coleta de informações sobre insumos, produtos,
atividades e circunstâncias que são críticas e relevantes para a efetiva
implementação do programa ou projeto. Através dessa informação, o
monitoramento analisa e verifica, num processo contínuo, se os recursos e
as atividades se estão implementando segundo o programado e se as metas
sobre os resultados estão sendo alcançadas ou não, indicando ao mesmo
tempo, as razões de sucesso e insucesso (BUVINICH, 1999, p. 19).

Segundo classificação de Januzzi (2011), existem duas formas de monitoramento,


"gerencial" e "analítico". O monitoramento "gerencial" está voltado para o acompanhamento
de metas e prazos de ações; ao passo que o “monitoramento analítico” consiste na análise
comparativa e sistêmica dos indicadores que dizem respeito a uma determinada política
pública.
Apesar de algumas políticas sociais já se encontrarem em estágio maduro no que diz
respeito aos processos de monitoramento gerencial, grande parte das políticas empreendidas
no Brasil, sobretudo em âmbito estadual e municipal, ainda carecem de maior
desenvolvimento de uma cultura de monitoramento analítico. Em países europeus e Estados
Unidos essa cultura avaliativa já se encontra institucionalizada há pelo menos três décadas, ao
passo que no Brasil a temática de avaliação e monitoramento ainda é um campo de recente
desenvolvimento (JANUZZI, 2011).
O monitoramento analítico também pode ser chamado de monitoramento avaliativo,
na medida em que é uma forma de monitorar e avaliar a política simultaneamente. Assim, a
construção da cultura de monitoramento analítico é uma estratégia interessante para as
organizações que desejam avaliar de alguma forma o trabalho que desenvolvem, mas que não
tem condições institucionais para realizar uma avaliação ou não tem recursos para contratar
uma consultoria externa para tal finalidade.
Dada a incipiência no trato dessa questão em grande parte das políticas sociais no país,
para que se promova uma cultura de monitoramento analítico no âmbito de um programa ou
política, é necessário enraizar no cotidiano de técnicos e gestores das políticas e programas
sociais uma perspectiva analítica, em que os agentes envolvidos com a execução da política
possam ter uma visão mais crítica com relação à importância dos processos de
monitoramento, dos indicadores utilizados, do significado das metas propostas e das relações
de causalidade dos produtos com os resultados e impactos da política.
Diante disso, um dos primeiros desafios para a formação de uma cultura de
monitoramento analítico dentro de uma política é o de desconstruir a visão negativa que é
atribuída à avaliação. Os processos avaliativos, usualmente, não são vistos com bons olhos
pelos gestores que, em muitos casos, não compreendem a utilidade direta de se avaliar uma
política. Além disso, muitos gestores têm a falsa ideia de que os processos de avaliação são
meros instrumentos de controle e auditoria. No entanto, esses processos não podem possuir,
em hipótese alguma, esse caráter, pois o objetivo da avaliação não é o de punição e sim o de
se aprimorar as estratégias de intervenção (MOKATE, 2000).
À vista disso, é importante que se desmistifique a percepção da avaliação como um
“monstro”, termo que Mokate (2000) utiliza para designar essa visão míope sobre os
processos avaliativos. E, a partir de então, abrir um caminho novo para uma orientação mais
estratégica, em que as atividades de M&A contribuam com informações valiosas para o
processo decisório e passem a ser enxergadas como aliadas dos gestores sociais (MOKATE,
2000). Diante disso, Mokate apresenta quatro passos prioritários para o início dessa
transformação:

•A especificação de um marco conceitual da política, programa ou projeto


que visa monitorar e avaliar, para indicar claramente os resultados
esperados e explicitar as supostas relações causais.
•A superação da lacuna (tanto real quanto percebida) entre o quantitativo e
o qualitativo na especificação de objetivos e avaliação.
•A identificação e ajuste dos indicadores e informações relevantes, levando
em conta o marco conceitual e as diversas perspectivas e interesses
associados com os resultados e as relações causais esperados.
•A definição e gestão efetiva de fluxos da informação gerada pelo processo
avaliativo e a introdução de estratégias e incentivos que promovam o uso de
tais informações (MOKATE, 2000, p. 8, tradução nossa).³

De acordo com Carneiro (2004) o ponto de partida para a avaliação é justamente o


conhecimento do marco conceitual da política, ou seja, do entendimento das relações de
causalidade entre as atividades desenvolvidas, os produtos que serão entregues e os
resultados e impactos almejados. Essa clareza é necessária para minimizar os riscos, que são
inerentes à implementação de empreendimentos na área social, e para que se tenha uma
maior clareza quanto aos objetivos e aos resultados pretendidos (CARNEIRO, 2004; NOGUEIRA,
1998).

4. SISTEMAS DE MONITORAMENTO
Os sistemas de monitoramento são também um elemento crucial para a estruturação
do monitoramento analítico em uma política, já que a forma com que as informações estão
dispostas e os indicadores que são disponibilizados aos usuários podem desestimular a equipe
para o esforço de interpretação dessas informações. Logo, é imprescindível que os indicadores
estejam dispostos na forma de um painel, com interface simples e amigável, que permita aos
técnicos e gestores acessar os dados referentes à política, contribuindo para uma atitude mais
analítica sobre ela (JANUZZI, 2011).
Ainda segundo Januzzi (2001), é importante que os sistemas de monitoramento
disponham de indicadores relevantes e periodicamente atualizados para que se possa
acompanhar o andamento do programa ou política. A utilização de indicadores sociais ocorre
com a finalidade de enriquecer a interpretação empírica da realidade social e potencializar a
análise, formulação e interpretação das políticas. Apesar de um grande esforço de atualização
tecnológica para armazenamento, tratamento e consulta de indicadores, não se tem dedicado
com o mesmo afinco no aprimoramento analítico no uso desses indicadores para o processo
de formulação e avaliação das políticas sociais. Por conseguinte, impera-se a crença de que o
mero emprego dessas tecnologias, por si só, garantirá uma melhor gestão dos recursos e
programas sociais.
Segundo Mora (2000) a construção de indicadores e a fixação de metas para a
avaliação de desempenho não é um exercício fechado, mas sim um processo flexível e
dinâmico em que, a partir dos aprendizados adquiridos, com o tempo pode sofrer alterações.
Além disso, deve se adaptar às mudanças institucionais, à disponibilidade de informações e ao
cenário no qual a política ou programa está inserido.
A configuração de um painel analítico de uma política ou programa deve se apoiar em
um bom conjunto de indicadores, que “(...) deve ser suficiente para prover indicações da
“situação geral” do programa em seus componentes-chave, mas nem tão amplo que traga
ambiguidade, redundância e perda de objetividade no que é fundamental analisar” (JANUZZI,
2011, p.17).
É preciso ter atenção para que cada tipo de usuário receba informações adequadas ao
que necessita – aos usuários gestores de nível operacional devem estar disponíveis
informações que possibilitem o acompanhamento dos processos e atividades sob sua
responsabilidade e aos gestores mais estratégicos, indicadores que permitam acompanhar os
macroprocessos chave para o modelo lógico do programa ou política.
Januzzi ainda cita uma série de propriedades a que um indicador deve atender, tais
como:
ter um grau de cobertura populacional adequado aos propósitos a que se
presta; ser sensível a políticas públicas implementadas; ser específico a
efeitos de programas setoriais; ser inteligível para os agentes e públicos-alvo
das políticas; ser atualizável periodicamente, a custos razoáveis; ser
amplamente desagregável em termos geográficos, sociodemográficos e
socioeconômicos; gozar de certa historicidade para possibilitar comparações
no tempo (JANUZZI, 2001, p.56-57).
Como é muito difícil que um indicador apresente todas essas características, o analista
deve avaliar os trade-offs das diferentes possibilidades que podem ser obtidas, de forma a
selecionar os melhores indicadores para uma determinada situação. Além disso, a avaliação de
políticas públicas requer indicadores de diferentes naturezas. Portanto, é imprescindível que
se diferencie os indicadores quanto à natureza do ente indicado, tais como insumo, processo,
produtos, resultados e possíveis impactos (JANUZZI, 2011).
Os indicadores de insumo refletem a disponibilidade dos insumos básicos para a
execução da política, que podem envolver recursos humanos, financeiros, ou equipamentos.
Os indicadores de processo se prestam a indicar como esses recursos foram utilizados, ou seja,
os esforços empreendidos para a obtenção dos resultados propostos. Já os indicadores de
produto, objetivam apreender os resultados obtidos com os processos executados, isto é, o
alcance de metas físicas. Indo além da entrega de produtos, os indicadores de resultado se
propõem a mensurar os benefícios para o público-alvo, decorrentes das ações da política.
Enquanto, os indicadores de impacto voltam-se para os efeitos provocados por essa política
para a sociedade (BRASIL, 2014).
A partir da especificação de um marco conceitual, isto é, o arcabouço
teórico/normativo que norteará a implementação/condução de uma política pública, é
importante o enquadramento desse marco a partir de uma lógica de encadeamento, de forma
que cada parte desse processo se relacione com as demais.
Assim sendo, é importante observar esses aspectos para a definição de uma cadeia de
objetivos, que possibilite antever a lógica e a consistência interna das propostas, alternativas e
estratégias de intervenção.
Dada essa relação de interdependência e causalidade entre as fases desse ciclo, é
possível estabelecer análises comparativas e de correlação entre cada uma das partes por
meio dos indicadores envolvidos em cada uma delas.

Ilustração 1: Modelo-base para o marco conceitual


Fonte: Brasil, 2014, p. 11

O monitoramento com base no modelo acima pressupõe diferentes tipos de


indicadores para cada etapa desse fluxo. De tal modo que os recursos empreendidos em uma
política podem ser mensurados a partir de indicadores de insumo, as atividades por
indicadores de processos, os produtos por indicadores de produto, os resultados por
indicadores de resultado e os impactos por indicadores de impacto. É necessário pontuar,
entretanto, que não existe consenso no uso desses termos, mas a lógica que se mantém com
essas terminologias é a mesma (MOKATE, p.12, 2000).
Conforme destacado nesse modelo, nas primeiras três etapas predominam uma ótica
de monitoramento gerencial, e nas outras duas, a concepção de monitoramento analítico.
Contudo, ambos os tipos de monitoramento ocorrem em todas as etapas desse fluxo, assim,
tal esquema apenas chama a atenção para a predominância de uma dessas formas em cada
parte desse processo. Além disso, com essa representação fica-se clara a necessidade de
fortalecer os processos de M&A nas duas fases finais para se apoiar a construção de uma
cultura de monitoramento analítico.
Como os processos de M&A derivam de uma concepção de gestão orientada para
resultados, é fundamental o estabelecimento de metas, de forma a nortear a condução do
programa ou política por objetivos (BUVINICH, 1999). As metas irão indicar, justamente, onde
se quer chegar com tais empreendimentos, já os indicadores são as medidas para se auferir o
alcance desses objetivos (CARNEIRO, 2004). Apesar de em muitos casos o termo “meta” ser
tratado como um sinônimo de “objetivo”, na verdade, as metas são parâmetros de
quantificação dos objetivos. Segundo Buvinich é importante entender esses elementos de
forma separada, assim o primeiro passo para o estabelecimento desses parâmetros é
problematizar o que se quer alcançar com o programa, a partir disso é possível extrair os
objetivos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notável no Brasil uma grande carência de uma cultura avaliativa nas instituições que
lidam com as políticas sociais. Nas organizações em que os processos de M&A são mais
desenvolvidos no país, há o predomínio de uma concepção gerencial, enquanto a noção de
monitoramento analítico é bastante incipiente.
Faz-se necessário, então, que se avance na estruturação de uma cultura de
monitoramento analítico dentro das burocracias que conduzem as políticas públicas no país.
Para atingir tal objetivo, é importante se atentar às estratégias propostas por Mokate como
propulsoras desse processo de transformação, quais sejam: a especificação de um marco
conceitual, ajustes dos indicadores a esse marco, superação da lacuna entre o quantitativo e o
qualitativo, e a gestão efetiva dos fluxos de informação.
Retomando as duas primeiras recomendações de Mokate, é imprescindível que exista
um marco teórico bem definido para orientar a condução da política e que os indicadores
monitorados guardem correspondência com esse marco. No entanto é relevante destacar que,
em grande parte das vezes, essa correspondência não existe e que há uma enorme carência de
indicadores de resultado no contexto brasileiro.
Além disso, há um predomínio de indicadores de insumo, processo e, sobretudo, de
produto, o que evidencia uma excessiva preocupação com entregas e com o desempenho, mas
não necessariamente há um enfoque para resultados. Quando existem indicadores de
impacto, muitas vezes, tenta-se correlacionar esses indicadores com os de produto, no
entanto, essa ligação tende a ser falha, pois existe uma enorme distância entre uma coisa e
outra e vários outros fatores que devem ser levados em consideração.
Tratando-se da superação da lacuna entre o quantitativo e o qualitativo, quando se
restringe-se à abordagens quantitativas, é comum que se produza resultados ambíguos ou de
difícil interpretação. Dessa maneira, é interessante que se combine abordagens quanti e quali
de modo a se obter respostas mais assertivas em relação ao que se busca com as práticas
avaliativas.
Já com relação a gestão efetiva dos fluxos de informação, é fundamental a constituição
de fluxos que favoreçam e criem incentivos para o exercício analítico sobre as informações que
são monitoradas. Uma interessante alternativa é a inclusão de um importante ator dentro dos
fluxos informacionais, a sociedade civil. Para além de oportunizar o efetivo controle social da
política que está sendo monitorada, a publicização das informações geradas e a abertura de
espaços de diálogo com a população, atende às tendências contemporâneas para a gestão
pública, como o accountability e a participação social, até porque uma das principais funções
dos processos avaliativos se refere a sua aplicação como um recurso democrático.
Por fim, é relevante relembrar que a estruturação dessa lógica de resultados não se
deve restringir ao que o CLAD (2010) considera como “gerencialismo equivocado”, ou seja,
para além da melhoria no desempenho, é necessário que o trabalho seja norteado em função
dos resultados que se almejam alcançar. Só assim, será possível ultrapassar a lógica de
monitoramento gerencial dominante e avançar na construção de uma cultura de
monitoramento analítico.

NOTAS

1 [...] la proposición de metas no es meramente una tarea gerencial, sino que debe estar ligada
a objetivos políticos más amplios CLAD (2010, p. 12).
2 La libertad y la flexibilidad para tomar decisiones es fundamental, tanto para enfrentar los
riesgos como para aprovechar las oportunidades del entorno (MORA, 2000, p.6).

3 • La especificación de un marco conceptual de la política, programa o proyecto que se


propone monitorear y evaluar, para indicar claramente los resultados esperados y explicitar
las relaciones causales supuestas.

• La superación de la brecha --tanto real como percibida-- entre lo “cuantitativo” y lo


“cualitativo” en la especificación de objetivos y la evaluación.
• La identificación y concertación de indicadores e informaciones relevantes, tomando en
cuenta el marco conceptual y las diversas perspectivas e intereses asociados com los
resultados y las relaciones causales esperados.
• La definición y manejo efectivo de flujos de la información generada por el proceso
evaluativo y la introducción de estrategias e incentivos que promueven el uso de dicha
información (MOKATE, 2000, p. 8).

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ARTIGO – Temas transversais

Juventudes e vulnerabilidade social nos territórios urbanos: uma


análise das juventudes em territórios urbanos vulneráveis da Região
Metropolitana de Belo Horizonte

“Jovem, preto, novo, pequeno. Falcão


fica na laje de plantão no sereno.
Drogas, armas, sem futuro. Moleque
cheio de ódio invisível no escuro, puro. É
fácil vir aqui me mandar matar, difícil é
dar uma chance a vida” (MV Bill)

Autoria: Alexandre Mário de Freitas e Bruno Lazzarotti Diniz Costa

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar como estão distribuídos os fatores e
características que contribuem para a vulnerabilidade dos jovens dos centros urbanos, em
especial das juventudes em territórios urbanos vulneráveis da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Para alcançar este objetivo foi analisado o conceito de juventudes, vulnerabilidade
social e territorialidade de forma a compreender as conexões entre essas temáticas. Para
comprovar a tese de que as vulnerabilidades sociais são concentradas e sobrepostas em
territórios específicos da cidade, foi analisada a distribuição de jovens vítimas de homicídios
em Belo Horizonte e a distribuição de vulnerabilidades sociais relacionadas às temáticas de
trabalho, saúde, educação e pobreza na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O resultado
demonstrou que os 34 territórios com maior vulnerabilidade social em Belo Horizonte,
detentores de 8,56% da quantidade de jovens da cidade, concentram 17,25% do número de
homicídios consumados contra jovens de 14 a 29 anos de idade e que 85,1% das Unidades de
Desenvolvimento Humano possuem ao menos 9 das 11 das variáveis investigadas em situação
pior do que a média da Região Metropolitana, comprovando assim a tese enunciada.
Reconhecida essa realidade, o artigo parte para sua fase final em que discute as possíveis
estratégias e enfoques que as políticas públicas de/para/com juventudes e políticas territoriais
utilizam para superação de situações de exclusão social.

PALAVRAS-CHAVE: Juventude; Políticas Públicas; Região Metropolitana de Belo Horizonte;


Territorialidade; Vulnerabilidade.

1. INTRODUÇÃO
Segundo Waiselfisz (2014), Brasil é um “país sem disputas territoriais, movimentos
emancipatórios, guerras civis, enfrentamentos religiosos, raciais ou étnicos, conflitos de
fronteira ou atos terroristas”. E é neste país que tivemos, entre 2008 e 2011, um total de
206.005 vítimas de homicídio. Número superior às 169.575 vítimas dos 12 maiores conflitos
armados do mundo entre 2004 e 2007 e muito próximo aos 208.349 mortos nos 62 conflitos
armados deste período. Para além do elevado número absoluto de homicídios, o Brasil fica na
7º colocação mundial na lista de países com as maiores taxas de homicídios de jovens entre 15
e 29 anos de idade (WAISELFISZ, 2014).
A proporção de homicídios na juventude brasileira tem um grande peso na vida dos
jovens. A Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros – 2013, realizada pela
Secretaria Nacional de Juventude, demonstra que 51% dos jovens já perderam alguma pessoa
próxima por morte violenta e pouco mais de 20% dos jovens tiveram uma pessoa próxima
vítima de homicídio. Segundo a pesquisa (SNJ, 2013, p.25), as vítimas, no geral, “são amigos,
irmãos, primos ou tio desses jovens, ou seja, companheiros de geração”, pessoas que
desempenham um papel central na formação dos jovens enquanto indivíduo e que, ao
morrerem vítimas de homicídio geram uma experiência de alta dramaticidade para os jovens.
O impacto da violência na vida dos jovens é tão grande que nesta pesquisa a violência
foi citada por 43% dos jovens como sendo considerado o problema que mais preocupa os
jovens e corrobora “a constatação do quanto essa experiência se configura como constitutiva
dessa geração” (SNJ, 2013, p. 27).
Os dados apresentados demonstram que há um grupo historicamente excluído da
população que são as principais vítimas de homicídio no Brasil, fazendo com que as vítimas
tenham cor, idade, gênero e endereço, sendo elas “jovens negros do sexo masculino,
moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos” (WAISELFISZ, 2014, p.
9). São em sua maioria jovens que foram excluídos dos recursos materiais ou simbólicos, do
acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais, resultando em
“debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidades social dos atores” (VIGNOLI;
FILGUEIRA apud ABRAMOVAY, 2002, p. 13). Os homicídios estão intrinsecamente ligados à
vulnerabilidade social e aos espaços de sociabilidade dos quais o jovem utiliza para se
constituir enquanto sujeito. É no território em que o jovem vive, se relaciona, estuda, trabalha,
que os fatores materiais e simbólicos se tornam potencializadores das vantagens e
desvantagens.
Investigar a relação entre juventudes, vulnerabilidade social e territorialidade é
essencial para estruturarmos estratégias e enfoques para as políticas públicas de/para/com as
juventudes. E é com o objetivo de contribuir para o aprofundamento do debate sobre
juventudes, vulnerabilidade social e territorialidade e prospectar possíveis saídas para essa
realidade de exclusão social que este trabalho se propõe a realizar uma análise das juventudes
em territórios urbanos vulneráveis da Região Metropolitana de Belo Horizonte e responder a
seguinte pergunta: Como estão distribuídos os fatores e características que contribuem para a
vulnerabilidade dos jovens dos centros urbanos, em especial das juventudes em territórios
urbanos vulneráveis da Região Metropolitana de Belo Horizonte?
Para tanto precisaremos compreender o significado do que é ser jovem e do termo
“juventudes”; conceituar vulnerabilidade e territorialidade; investigar o impacto das
vulnerabilidades e da territorialidade na constituição do jovem enquanto sujeito; averiguar a
relação entre a vulnerabilidade social e a violência; analisar como as vulnerabilidades estão
distribuídas na Região Metropolitana de Belo Horizonte e como a violência está distribuída em
Belo Horizonte; e explorar possíveis estratégias e enfoques que as políticas públicas
de/para/com juventudes e políticas territoriais utilizam para superação de situações de
exclusão social.

2. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO
O conceito de juventude é definido por Dayrell (2003, p. 42) como “um momento
determinado da vida, cunhado por um processo extremamente influenciado pelo meio social
no qual o jovem se desenvolve e pela qualidade das trocas que esse meio proporciona”. Falar
sobre a juventude significa, portanto, compreender toda a realidade social, econômica e
cultural que influenciam nessa etapa da vida do indivíduo e reconhecer que “a idade é
também um fenômeno social, e não apenas biológico” (RODRIGUES, 2009, p. 41).
A juventude possui um caráter de formação para o indivíduo que faz com que essa
etapa transitória seja singular na vida humana. É durante esse período em que o indivíduo
estabelece sua identidade pessoal e um conjunto de crenças e padrões morais em que irá
basear suas ações. Essa etapa constitutiva do sujeito é impactada pelas mais diversas
formas de vulnerabilidade, exclusão social e isolamento, de forma a influir na construção e
definição do papel social a ser desempenhado pelo jovem. E é esse caráter formativo que dá
um sentido especial à heterogeneidade da juventude.
Definir juventude não é algo simples porque estamos falando de um fenômeno social
influenciado por fatores econômicos, históricos, sociais e culturais. Enquanto ser social, o
homem se constitui na relação com o outro, dentro de um meio social em que ele está
inserido. O ser humano é, portanto uma, construção em que faz parte de determinado grupo e
contexto social, sendo igual a muitos que compartilham da mesma realidade e singular
enquanto indivíduo. Nesta perspectiva, o jovem se constitui enquanto sujeito a partir das
potencialidades que o meio lhe apresenta, como apresentado por Dayrell (2003, p.43),
“podemos concluir que o pleno desenvolvimento ou não das potencialidades que caracterizam
o ser humano vai depender da qualidade das relações sociais desse meio no qual se insere”.
Pobreza e desigualdade fazem parte de um cenário de desumanização, em que o
jovem é “proibido de ser” e é “privado de desenvolver suas potencialidades”, fazendo com que
os jovens em situação de risco social vivenciam uma complexa dialética entre potencialidade e
vulnerabilidade. E é vivenciando e interpretando as relações e contradições de nossa
sociedade que os jovens vulneráveis constroem uma cultura própria e, “nos limites dos
recursos a que têm acesso, eles vivenciam processos riquíssimos de socialização, mesmo que
não sejam os tradicionais, elaboram valores, representações, identidades, constituem-se como
sujeitos, tão humanos quanto outros jovens ‘bem socializados’ com trajetórias de vida mais
‘normais’”. A diversidade de lugares, meios e contextos no qual o jovem se constitui enquanto
sujeito faz com que existam múltiplas formas de se vivenciar a juventude, e é reconhecendo
essa realidade que o termo “juventudes” foi cunhado (DAYRELL, 2001, p. 229).

3. JUVENTUDE E VULNERABILIDADE
Para discutirmos juventude e vulnerabilidade, partiremos da definição do termo
vulnerabilidade social, que é concebida como “o resultado negativo da relação entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou
grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do
Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou
desvantagens para o desempenho e mobilidades social dos atores” (VIGNOLI; FILGUEIRA
apud ABRAMOVAY, 2002, p. 13).
Nesse sentido, a vulnerabilidade social diz tanto sobre discrepâncias objetivas como o
acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais e a recursos materiais,
quanto sobre questões subjetivas como a diferença de recursos simbólicos entre os atores.
São fatores diferentes que dialogam entre si, tornando cada um potencializador do outro e
tendo como resultado final a exclusão social.
Dos mais diversos tipos de necessidades do indivíduo, tem um tipo que se relaciona
mais especificamente com a juventude, que é a necessidade formativa (específica do período
de formação do sujeito). Caso a necessidade formativa não seja suprimida ela pode provocar
um falimento no percurso de construção do indivíduo com consequências graves de “reações
marginalizantes, de agressividade, de fuga da realidade, de aceitação da condição
marginalizante” (CALIMAN, 2008, p. 94).
Estar em uma situação de marginalidade significa estar excluído dos espaços de poder
e do acesso aos recursos que o sistema possui. A marginalização, por outro lado, é “um
processo no qual indivíduos e grupos são expulsos e se encontram isolados no sentido
negativo dentro do sistema social ao qual pertencem e do qual continuam a depender”. O
objeto da marginalidade é “a exclusão dos direitos, das decisões, dos recursos e dos
privilégios” (CALIMAN, 2008, p. 112). A pobreza e a vulnerabilidade têm como características a
privação da renda; privações múltiplas; a multidimensionalidade e sobreposição de fatores de
exclusão social; o impacto nas relações sociais e trajetória dos indivíduos; e a redução da
autonomia, capacidades, ativos a resiliência dos indivíduos (BRONZO, 2005, p. 203).
A marginalização do jovem tem impacto estruturante, de forma que “a estrutura social
de subdesenvolvimento determina as condições de vida de setores absolutamente
majoritários da população latino-americana e impede a constituição da juventude no seu
sentido social” (RODRIGUEZ apud CALIMAN, 2008, p. 126).

4. TERRITORIALIDADE
A definição de território e territorialidade apresenta concepções heterogêneas. Seu
sentido pode ser delimitado de forma mais restrita como um “recorte no espaço”,
homólogo à regionalização (LEMOS apud BRASIL, 2004, p. 48) ou, de forma mais ampla, a
partir de dimensões mais relacionais e sociológicas.
É neste caminho que Lefebvre conceitua o espaço social como “produto, condição e
meio de reprodução das relações sociais” (Lefebvre apud Brasil, 2004, p. 49), neste sentido, o
espaço é envolvido por diversas dimensões como “as práticas espaciais materiais inscritas no
cotidiano vivido e as práticas espaciais simbólicas referidas às representações”. Conceito
próximo a este é trazido por Boaventura de Sousa Santos, que define o espaço da comunidade
como “constituído pelas relações sociais desenvolvidas em torno da produção e reprodução
dos territórios físicos e simbólicos, de identidade e identificações com referências as origens e
destinos comuns” (SANTOS apud BRASIL, 2004, p. 49).
Neste sentido, o espaço público tem sua importância intensificada na vida do jovem e
as relações que ultrapassam o âmbito familiar e seu respectivo controle constituem processos
de estruturação de sua identidade. É nos espaços em que o jovem está fora do controle
exercido pela sua família que ele cria amizades e “elos” entre grupos específicos. (JAYME,
ANDRADE E ALMEIDA, apud RODRIGUES, 2009, p. 55).
Segundo Saravi (2004, p.34), “assim como o espaço público é fator decisivo na
formação de identidades dos jovens, ele é também ‘potencializador’ de processos de
acumulação de vantagens ou de desvantagens” neste sentido, parte das vulnerabilidades
também é “fruto de relações sociais e de processos de segregação e marginalização
socioespacial” (BRONZO, 2010, p.126), tendo o território como influência direta para
“qualidade das trocas” e pela qualidade dos espaços de sociabilidade disponíveis (DAYRELL,
2003, p. 49).
O reconhecimento do território enquanto “potencializador” das vantagens e
desvantagens é reforçado por evidências empíricas. Bronzo (2015) explica o conceito.
“Em determinados territórios ou áreas espaciais, existem condições de
privações que se sobrepõem com um acúmulo de riscos e vulnerabilidades
que limitam as chances de superação da pobreza e impõem
constrangimentos não desprezíveis para a população que ali reside ou
trabalha” (BRONZO, 2015, p. 416).

É a partir dessa infraestrutura social, dessa relação entre o material e o simbólico, que
os territórios se tornam potencializadores de vantagens e desvantagens e constroem
diferentes “lealdades, códigos compartilhados, pertencimentos”. É a partir destes pedaços que
o jovem estrutura sua identidade pessoal e um conjunto de crenças e padrões morais em que
este irá basear suas ações. O espaço estrutura relações, sociabilidades, oportunidades e
vulnerabilidades.
Ou seja, o fenômeno da vulnerabilidade e, portanto, seu enfrentamento, não podem
ser compreendidos adequadamente de um ponto de vista estritamente individual, mas como
resultado e expressão de um conjunto de relações sociais e materiais que se articulam em
espaços determinados.

5. METODOLOGIA
O objetivo da pesquisa quantitativa é buscar a resposta para duas perguntas
essenciais: As vulnerabilidades sociais e os homicídios estão concentrados em territórios
específicos da cidade? Se sim, esses territórios estão suscetíveis a uma sobreposição de
vulnerabilidades?
Para analisar a distribuição territorial, a sobreposição das vulnerabilidades sociais e a
vitimização de jovens foram coletados dados secundários do Atlas do Desenvolvimento
Humano do Brasil e será apresentado e analisado o mapa da concentração de homicídios de
jovens entre 14 e 29 anos na cidade de Belo Horizonte durante o período entre 2012 e 2015.
A investigação sobre a concentração de vulnerabilidades sociais teve como enfoque a
Região Metropolitana de Belo Horizonte. Foram investigados dados relativos às Unidades de
Desenvolvimento Humano (UDH). Para a verificação, foram analisados 10% das UDHs mais
vulneráveis. O indicador base para a análise foi “% de pessoas de 15 a 24 anos que não
estudam, não trabalham e são vulneráveis, na população dessa faixa (2010)”. Este vetor foi
adotado para balizar a escolha dos territórios pelo fato de que, para um jovem não estudar e
nem trabalhar, ele deve estar sujeito a uma série de vulnerabilidades que os outros dados
estão menos sujeitos a variação. Para a análise, além do indicador base, foram escolhidos
outros 10 indicadores relacionados à questão do trabalho, saúde, educação e pobreza.
A partir da análise destes territórios foram extraídas duas tabelas. A Tabela 1 analisa a
proporção dos territórios analisados que está abaixo da média dos índices da RMBH nos
demais indicadores e a Tabela 2, que analisa a proporção dos territórios analisados que está
entre os 10% mais vulneráveis de cada um dos indicadores.

6. ANÁLISE DE RESULTADOS

A concentração de homicídios em territórios específicos nos centros urbanos é bem


colocada pela nota técnica do IPEA nº 18 “Indicadores Multidimensionais de Educação e
Homicídios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios”. Ela
faz uma análise da distribuição territorial dos homicídios na cidade do Rio de Janeiro, e
demonstra que 17 dos 174 bairros da cidade concentram metade do número de homicídios.
Belo horizonte não é diferente e, como podemos observar no mapa abaixo, há uma
concentração de jovens vítimas de homicídios em territórios específicos da cidade.

MAPA 1
O Centro Integrado de Informações de Defesa Social (CINDS), ao realizar uma análise
dos 34 territórios com maior vulnerabilidade social em Belo Horizonte escolhidos a partir de
uma análise multicritério elaborada por eles, demonstraram que esses territórios¹, detentores
de 8,56% da quantidade de jovens da cidade, concentram 17,25% do número de homicídios
consumados contra jovens de 14 a 29 anos de idade.
A relação entre violência e vulnerabilidade social é muito bem tratada por Daniel
Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho na Nota Técnica do IPEA “Redução da Idade de
Imputabilidade Penal, Educação e Criminalidade”. É durante este estudo que eles demonstram
que a probabilidade de um homem com menos de 7 anos de estudo ser vítima de homicídio é
15,7 vezes maior do que entre homens com mais anos de estudo. Para a análise, os autores
fizeram uma estimativa de qual seria a quantidade de homicídios caso todos os indivíduos de
15 anos ou mais tivessem ensino médio. O resultado é que o número de vidas poupadas seria
de 22.442, uma queda de 43,3% no número de homicídios no país. Constatou-se que, “para
cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos nas escolas, há uma diminuição de 2% na taxa de
homicídio do município” e “se estimou ainda que o aumento de 1% na taxa de desemprego
dos homens jovens (15 a 29 anos) contribui para o aumento da taxa de homicídio no município
em questão de 2,5%” (CERQUEIRA, COELHO; 2015).
Há uma grande desigualdade territorial na RMBH, enquanto que na média
metropolitana a taxa de jovens de 15 a 24 anos sem estudar e nem trabalhar é de 6,4%, esse
valor vai de 18,8% a 13,87% nas UDHs mais vulneráveis da RMBH; uma diferença de pelo
menos 216,7%.
Como apontado na Tabela 1, essa desigualdade também se reflete em todos os outros
indicadores, das 11 variáveis apresentadas, 85,1% das UDH‟s possuem ao menos 9 das 11
variáveis em situação pior do que a média da Região Metropolitana. Não bastasse a
concentração de vulnerabilidades sociais em territórios específicos, esse dado demonstra que
são múltiplas as vulnerabilidades às quais os jovens estão sujeitos e que há uma alta
sobreposição de vulnerabilidades nesses territórios.
A gravidade da sobreposição de vulnerabilidades sociais se agrava quando analisamos
a quantidade de indicadores das UDHs da RMBH dentro dos territórios mais vulneráveis de
cada um dos indicadores analisados. Como demonstrado na Tabela 2, das 11 vulnerabilidades
analisadas, 86,5% dos territórios analisados pertencem à lista dos territórios mais vulneráveis
de 3 ou mais indicadores. Não bastasse os territórios possuírem uma realidade inferior à média
da RMBH, eles ainda estão dentro da lista dos territórios com os piores indicadores.

Esses dados comprovam a tese de que os homicídios e as vulnerabilidades sociais são


concentrados em territórios específicos da cidade e da RMBH, gerando um acúmulo e
sobreposição de vulnerabilidades que impactam diretamente na construção do jovem
enquanto sujeito.

7. SUPERANDO BARREIRAS
Reconhecer essa realidade é fundamental para a construção de políticas públicas que
possam romper esse ciclo de exclusão social. E a relação entre juventudes, vulnerabilidade e
territorialidade dão pistas para possíveis caminhos que as políticas públicas de/para/com a
juventude poderiam percorrer e que foram muito bem estruturadas no livro “Políticas Públicas
de/para/com Juventudes” publicado em 2004 pela UNESCO e que serão apresentadas a seguir.
Os principais enfoques estratégicos que governos e entidades utilizam para a construção de
ações, projetos e programas se baseiam em 4 eixos centrais: “grupo de risco”; sujeitos de
direito; atores estratégicos no desenvolvimento; a construção do capital social e o seu
empoderamento.
Não obstante a contribuição dada pela publicação acima e reconhecendo a
importância da dimensão territorial no desenho de estratégias de superação da
vulnerabilidade social, é importante aprofundarmos um pouco mais na temática da
territorialidade, por isso, além das formas mencionadas de superação da vulnerabilidade
juvenil, incluiremos as proposições da Carla Bronzo (2010) construídas em seu artigo
“Intersetorialidade, autonomia e território em programas municipais de enfrentamento da
pobreza: experiências de Belo Horizonte e São Paulo” sobre territorialidade e que serão
baseadas em três eixos centrais: a centralidade do território para as políticas sociais; a noção
de infra-estrutura social; formas flexíveis de provisão dos serviços. É importante observar que
não se buscará eleger o melhor enfoque, mas compreendê-los para que possam ser utilizados
de forma combinada para a construção de políticas públicas.

Enfoques Estratégicos:

1. Jovens como “grupo de risco”: O reconhecimento dos jovens como “grupo de risco”
parte da “existência de amplos setores juvenis excluídos, vivendo em condições
extremamente precárias e enfrentando limitações” (UNESCO, 2004, p. 140). Os
dados relacionados à educação, ao trabalho e à violência reafirmam a compreensão
de que “esses atores sofrem um risco de exclusão social sem precedentes devido a
um conjunto de desequilíbrios provenientes do mercado, Estado e sociedade que
tendem a concentrar a pobreza entre os membros desse grupo e distanciá-los do
‘curso central’ do sistema social” (UNESCO, 2004, p. 140).

2. Jovens como sujeitos de direito: O reconhecimento dos jovens como sujeitos de


direito teve sua origem na Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1990 e
se concretizou mais profundamente com a aprovação de Códigos Nacionais da
Infância e da Adolescência. Este enfoque se baseia no princípio de que rede de bens e
serviços como saúde, educação, transporte entre outros, não são concessões do
Estado, e sim um direito a ser assegurado e materializado pelo Estado e pela
sociedade.
3. Jovens como atores estratégicos no desenvolvimento: Princípio que o Estado não deve
limitar “as políticas públicas de juventude ao acesso a serviços materiais e simbólicos
como um canal privilegiado para melhorar as condições estruturais da vida”
(UNESCO, 2004, p. 140), ele deve ir além e assegurar que o jovem faça parte da
construção da política pública enquanto ator central.
4. Jovens, a construção do capital social e o seu empoderamento: Este enfoque se baseia
em fortalecer ativos da comunidade e do indivíduo, ampliando desta forma as
oportunidades do indivíduo para que o jovem se empodere e tenha maior controle
sobre sua trajetória de vida e a trajetória de sua comunidade. O empoderamento é,
neste sentido, compreendido como o “processo quanto o resultado do
fortalecimento da capacidade de resposta dos indivíduos e grupos, e da ampliação da
capacidade destes fazerem escolhas efetivas e de transformarem escolhas em atos e
resultados” (BRONZO, apud, ALSOP, 2005).
A literatura sobre capital social relacionada à juventude a ser tratada aqui é baseada
no texto da UNESCO (2004 p.141) que divide o capital social entre o capital social
individual e o coletivo. O capital social individual traz a discussão da “capacidade
empreendedora dos jovens para enfrentar os diversos desafios de seu
desenvolvimento pessoal e social” (UNESCO, 2004) e “o lidar com o risco, autoestima,
sociabilidade, empoderamento, lidar com vínculos, apoio social e criatividade”
(UNESCO, 2004). O capital social coletivo se relaciona com os ativos comunitários, a
confiança e as normas sociais, os vínculos, serviços públicos, as relações familiares.
Essas duas dimensões “não são oferecidas naturalmente, que devem ser construídas
coletivamente” (UNESCO, 2004). A construção coletiva do capital social, tanto
individual quanto coletivo, garante aos jovens maiores oportunidades e capacidades;
fortalece-se o pertencimento, autoestima, a confiança e a capacidade de expressão.

Eixos territoriais:

1. A centralidade do território para as políticas sociais: É fundamental reconhecer o


território como “parâmetro para focalização” e “unidade de intervenção” de forma
a assegurar a importância do enfoque territorial e a valorizar o “âmbito local no
processo de formulação e implementação de políticas de inclusão” (BRONZO, 2005,
p. 186).
2. A noção de infra-estrutura social: Esse eixo carrega consigo duas dimensões. A
primeira é a infraestrutura social formal baseada no acesso a rede de bens e
serviços tais como saúde, educação, habitação, transporte entre outros, influindo
diretamente na construção do capital humano e social do jovem. A segunda é a
organização social, “identificada a partir da existência e da qualidade das trocas de
amizade, da existência de pequenos grupos informais e do desempenho dos
mecanismos de controle social, como regras e normas coletivamente partilhadas”
(bronzo), sendo esta representante da qualidade da sociabilidade e das trocas que o
meio possibilita ao jovem.
3. Formas flexíveis de provisão dos serviços: parte do princípio que a oferta de serviço
tem que ser ajustada “às necessidades, demandas e problemas identificados”
(BRONZO, 2005, p. 186). Neste sentido, reconhece-se as múltiplas vulnerabilidades
às quais os jovens estão sujeitos e reconhece que as políticas públicas têm que ser
flexíveis e “adaptadas às condições, capacidades e limitações locais” (BRONZO,
2005, p. 186) de forma a atender as demandas de grupos específicos das
juventudes.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como podemos observar pela teoria e análise realizada, os 34 territórios com maior
vulnerabilidade social em Belo Horizonte, detentores de 8,56% da quantidade de jovens da
cidade, concentraram 17,25% do número de homicídios consumados contra jovens de 14 a 29
anos de idade e 85,1% das Unidades de Desenvolvimento Humano possuem ao menos 9 das
11 das variáveis investigadas em situação pior do que a média da Região Metropolitana,
comprovando assim a tese enunciada de que “em determinados territórios ou áreas espaciais,
existem condições de privações que se sobrepõem com um acúmulo de riscos e
vulnerabilidades que limitam as chances de superação da pobreza e impõem
constrangimentos não desprezíveis para a população que ali reside ou trabalha” (BRONZO,
2015, p. 350). Ao reconhecermos o mosaico de oportunidades e desvantagens que a RMBH
apresenta, fica claro que territórios específicos da região apresentam cenários de
desumanização, em que o jovem é “proibido de ser” e é “privado de desenvolver suas
potencialidades” (DAYRELL, 2003, p. 43). Neste sentido, os jovens possuem fortes
constrangimentos e barreiras para seu desenvolvimento enquanto sujeito social.
As múltiplas e sobrepostas privações às quais os jovens de territórios vulneráveis estão
sujeitos impactam não só na redução da qualidade de vida, mas também na qualidade dos
espaços de socialização, integração e construção de capital social. Estes processos de
orientação e socialização dos jovens influenciam na participação ou não em atividades
criminosas de forma que os jovens em territórios vulneráveis possuem menores custos de
oportunidade para aderirem a essas atividades. As autoras Richard e Mumford, utilizadas pela
Carla Bronzo (2005, p. 183), caminham nessa direção ao colocar que a redução da capacidade
da infraestrutura social “aumentam atos de vandalismo, crimes e comportamentos
antissociais” e gera uma maior probabilidade do jovem ser vítima de homicídio.
Reconhecer a relação entre juventudes, vulnerabilidade social e territorialidade é
fundamental para que o Estado e a sociedade possam construir estratégias e enfoques para a
superação da exclusão social e possam enfrentar o extermínio que a juventude, em especial a
juventude negra, pobre e periférica, enfrenta no seu dia a dia.

NOTA

1. Territórios ranqueados pelo número absoluto de jovens vítimas de homicídio: Alto do


Vera Cruz, Taquaril e Granja de Freitas; Jardim Felicidade; Morro das Pedras; Sta Lúcia,
Sta Rita Cássia, Papagaio e Estrela; Primeiro de Maio, Minaslandia e Boa União; Novo
Aarão Reis e Novo Tupi; Conjunto Paulo VI; Universo; Apolônia; Conjunto Jatobá; Vila
Maria; São Gonçalo; Conjunto Minas Caixa; Novo Ouro Preto; Acaba Mundo;
Castanheira 1; Zilah Spósito; Vila Sumaré; Beira Linha; Conjunto Jardim Filadelfina; Vila
Real 2, Santa Rosa e Inestan; Biquinhas; Lagoa; São Gabriel; Vila Nova Cachoeirinha 1 e
Vila Maloca; Vila da Luz; São Benedito; Nossa Senhora Aparecida; Vila Nova; California;
Três Marias; Vila Coqueiral; Vila Antena Montanhês; Vila Jardim São José.

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ARTIGO – Temas transversais

Aspectos comparativos da nova lei de finanças públicas


Autoria: Leila de Castro Bezerra de Andrade.

RESUMO: Este artigo tem o propósito de analisar alguns aspectos da denominada “Nova Lei de
Finanças Públicas”, Projeto de Lei Complementar (PLC), que tramita atualmente no Congresso
Nacional. Objetivo desse estudo é analisar a forma e o conteúdo do PLC em comparação com
atos normativos nacionais e internacionais. Em termos metodológicos, o estudo constituiu
uma pesquisa exploratória, comparativa e qualitativa. Os resultados da análise demonstram
que a “Nova Lei” poderá promover uma reforma efetiva, no Brasil, se enfatizar as
características do modelo de orçamento-programa, que ainda não foi plenamente
implementado no país.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Financeiro; Orçamento Público; Administração Pública.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem o propósito de analisar alguns aspectos da denominada “Nova Lei de
Finanças Públicas”, Lei Complementar (LC) que, conforme o parágrafo 9º do artigo 165 da
Constituição Federal (CF) de 1988, deverá dispor, entre outros temas, sobre o exercício
financeiro, a organização e a vigência do plano plurianual (PPA), da lei de diretrizes
orçamentárias (LDO) e da lei orçamentária anual (LOA) e estabelecer normas de gestão
financeira e patrimonial, bem como normatizar as condições para a instituição e o
funcionamento de fundos públicos.
Esse estudo justifica-se por se tratar de um tema de alta relevância para efeitos das
reformas governamentais a serem conduzidas em matéria de gestão orçamentária e financeira
no Brasil. Além disso, trata-se de um assunto que vem sendo objeto de diversos projetos de lei
(PLs) discutidos e apreciados no âmbito do Congresso Nacional (CN), de modo que é válido, no
plano acadêmico, verificar a evolução temporal desses PLs e seus respectivos conteúdos.
Convém, ainda, examinar esse novo marco regulatório em comparação à vigente Lei
nº 4.320, de 17 de março de 1964, e a Lei nº 101, de 4 de maio de 2000 (a chamada Lei de
Responsabilidade Fiscal/LRF), bem como no que concerne às inciativas adotadas em países
desenvolvidos como Japão e Nova Zelândia. Nesse sentido, também é válido estudar as
diferenças e as similaridades da “Nova Lei” em relação às normas brasileiras e de outros países
em matéria de orçamentação e finanças públicas.
A proposição da “Nova Lei de Finanças Públicas” remonta à segunda metade da
década de 1990, quando teve início a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº
135, de 10 de dezembro de 1996, que visou instituir normas de direito financeiro para
elaboração, execução e controle dos planos, diretrizes, orçamentos e balanços da União, dos
estados, do distrito federal e dos municípios (BRASIL, 1996). Com o advento da LRF, esse PLC
tornou-se obsoleto (BRASIL, 2009), de acordo com publicação da Secretaria do Orçamento
Federal (SOF), órgão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG).
Por meio do PLC nº 135/1996, de iniciativa do Poder Executivo Federal, esperava-se
introduzir no ordenamento jurídico atual uma norma que pudesse substituir a Lei nº
4.320/1964, publicada na década de 1960, considerada defasada para os parâmetros
tecnológicos, financeiros e administrativos do final do século XX e do início do século XXI.
No ano de 2009, teve início a tramitação do PLC nº 229, de 28 de maio de 2009, que
objetiva, além de regulamentar o referido dispositivo constitucional, instituir normas gerais
sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, voltadas para a responsabilidade no
processo orçamentário e na gestão financeira e patrimonial. O PLC nº 229/2009, também,
deveria alterar alguns dispositivos da LRF e revogar a Lei nº 4.320/1964.

2. METODOLOGIA
O método de pesquisa adotado neste estudo, no que concerne aos meios técnicos de
investigação, foi o comparativo, ou seja, procedeu-se a investigação dos aspectos do PLC nº
295/2016 com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades desse ato normativo em
relação às leis de finanças públicas japonesa e neozelandesa. Sendo assim, objetivou-se
melhor conhecer as potencialidades e as deficiências desse PLC. Conforme Antonio Carlos Gil
(2009), o método comparativo concebido como aquele que:
O método comparativo procede pela investigação de indivíduos, classes,
fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades
entre eles. Sua ampla utilização nas ciências sociais deve-se ao fato de
possibilitar o estudo comparativo de grandes grupamentos sociais,
separados pelo espaço e pelo tempo. Assim é que podem ser realizados
estudos comparando diferentes culturas ou sistemas políticos. Podem
também ser efetivadas pesquisas envolvendo padrões de comportamento
familiar ou religioso de épocas diferentes (GIL, 2008, p.16-17)

O estudo consistiu, igualmente, em uma pesquisa exploratória que teve o propósito de


propiciar uma perspectiva geral da “Nova Lei de Finanças Públicas”.
Esse estudo, ainda, decorreu de uma análise qualitativa que, em consonância com Gil
(2009), se estruturou nas seguintes etapas: redução (seleção e simplificação dos dados de
acordo com os objetivos de pesquisa), apresentação (organização dos dados selecionados de
modo a possibilitar análises sistemáticas de diferenças e de semelhanças) e verificação
(interpretação dos dados coligidos). As principais fontes de pesquisa consultadas foram as
seguintes: livros acadêmicos, artigos científicos, atos normativos e documentos oficiais.
3. LEVANTAMENTO DO REFERENCIAL TEÓRICO
O orçamento público e as finanças públicas, no Brasil, caracterizam-se por um
conjunto de normas e de práticas de administrativas que visam, de modo geral, a previsão de
receitas e a fixação de despesas. Por meio de iniciativas que abrangem a arrecadação de
tributos e a execução de gastos com investimentos e com pessoal, a Administração Pública
federal, estadual e municipal implementa ações a fim de atender às necessidades sociais e
econômicas da população brasileira. James Giacomoni (2007) afirma que o orçamento público:
...vem sendo estudado no âmbito de três disciplinas principais: economia,
ciência política e administração pública. Constituindo-se em processo de
alocação de recursos escassos, a orçamentação é uma forma de economia
aplicada, interessando aos vários campos e orientações da disciplina:
macroeconomia, microeconomia, keynesianismo, monetarismo,
neoliberalismo (GIACOMONI, James, 2007, p. 12)

As práticas de gestão orçamentária e financeira, no nível federal, integram um sistema


de planejamento e orçamento que é formado por órgão central, órgãos setoriais e unidades
orçamentárias. Conforme a Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001, a SOF/MPDG é o órgão
central, que tem funções de supervisão, de coordenação e de estabelecimento de diretrizes
para todo o sistema. Os órgãos setoriais representam as unidades de planejamento e
orçamento que integram a estrutura administrativa dos Ministérios, cujas atribuições incluem
a implementação das diretrizes do órgão central. As unidades orçamentárias são setores
responsáveis pela execução das ações orçamentárias e que compõem as entidades da
Administração indireta (BRASIL, 2016, p.11).
No plano legal, são normas vigentes de direito financeiro a CF de 1988 (artigo 163 a
169), a Lei nº 101/2000, a Lei nº 4.320/1964 e os instrumentos de planejamento e de
orçamento (PPA, LDO e a LOA, que assumem a forma de leis ordinárias). A Nova Lei de
Finanças Públicas objetiva alterar alguns aspectos das LRF e extinguir a Lei nº 4.320/1964 do
ordenamento jurídico atual. De acordo com a SOF/MPDG, mencionam-se como as
circunstâncias que tornam defasada a Lei nº 4.320/1964 as seguintes:
a) implantação no País, a partir da década de 1970, de um mercado
financeiro relativamente sofisticado, o que permitiu ao governo utilizar
intensamente os mecanismos de financiamento junto ao setor privado,
tornando o serviço da dívida e a gestão de receitas e despesas financeiras
variáveis relevantes no processo de gestão das finanças públicas, matéria
que não foi adequadamente tratada na referida Lei;
b) evolução tecnológica, especialmente nas áreas de processamento de
dados e de telecomunicações, permitindo níveis de sofisticação antes
impensáveis na gestão pública, tornando obsoletas ou desnecessárias
algumas práticas previstas na Lei vigente;
c) evolução dos conhecimentos da ciência da administração, que
introduziu novas práticas de gestão, oferecendo oportunidades de
aperfeiçoamento da gestão pública (BRASIL, 2009, p.2)

Apesar de a Lei nº 101/2000 ter inovado ao trazer medidas de planejamento, de


transparência e de controle social para a gestão das finanças do país, a “Nova Lei de Finanças
Públicas”, se aprovada, não deverá alterar substancialmente as funções que a LRF vêm
desempenhado para efeitos de cumprimento das metas de gestão fiscal (resultado primário e
nominal). Na verdade, se se comparar a LRF com a “Nova Lei”, deve-se considerar que:
O projeto buscou dividir atribuições com a LRF, de tal forma que esta
praticamente não necessitará de modificações para se adaptar. Assim, as
regras fiscais propriamente ditas ficam com a LRF, e a nova lei cuida do
processo de gestão do ciclo orçamentário, do planejamento ao controle.
Trata-se de uma medida estruturante para as finanças públicas, que vai
justamente complementar a Lei de Responsabilidade Fiscal, objetivando
racionalizar a gestão das finanças públicas, melhorar a qualidade do gasto e
reforçar os princípios de responsabilidade fiscal (MACIEL, 2015)

No que concerne ao contexto internacional, é importante tomar como referência


comparativa as normas da Nova Zelândia e do Japão matéria de finanças públicas. Essa análise
comparada com os modelos japonês e neozelandês tem o mérito de verificar as limitações e as
potencialidades dos aspectos “reformistas” propostos pela Nova Lei brasileira. No contexto
neozelandês, destacam-se o Public Finance Act (1989) e, no japonês, a Fiscal Structural Reform
Act (1997).
Em geral, o Public Finance Act constitui um estatuto legal que trata do processo
orçamentário neozelandês e estabelece meios para garantir uma gestão responsável e
transparente das contas públicas. O Fiscal Structural Reform Act é um conjunto de normas que
engendrou reformas estruturais nas finanças nipônicas, criada para garantir uma intervenção
estatal por meio de políticas macroeconômicas voltadas a corrigir falhas de mercado. Essas
normas estrangeiras demonstram alguns aspectos passíveis de cotejamento com a “Nova Lei”
brasileira.

4. A “NOVA LEI DE FINANÇAS PÚBLICAS” COMPARADA À LEI Nº 4.320/1964 E À LEI Nº


101/2000
A Lei nº 4.320/1964 e a Lei nº 101/2000, apesar de terem acarretado
transformações importantes no campo das finanças públicas brasileiras, não solucionaram
alguns entraves inerentes ao processo orçamentário brasileiro, dificuldades que criam
dificuldades para melhoria da qualidade dos gastos públicos e ao estímulo de investimentos
em infraestrutura (NUNES, 2006). Em um contexto caracterizado pela escassez de recursos
financeiros e de créditos orçamentários, a “Nova Lei de Finanças Públicas” deveria
proporcionar uma reforma da administração orçamentária e financeira do país a fim de
garantir mais seletividade na alocação de recursos públicos e eficiência no gerenciamento de
programas governamentais.
Os desafios ou dificuldades que se impõem à atual gestão orçamentária e financeira do
Brasil estão relacionados à inadequação do PPA como instrumento de indutor do
desenvolvimento de médio prazo, ao aspecto “irrealista” da LOA em relação à política fiscal, à
baixa qualidade dos gastos públicos, ao acúmulo de restos a pagar, ao aspecto anual da LOA e
à incompatibilidade da legislação orçamentária com as normas internacionais (TOLLINI, 2017).
Com o propósito de solucionar essas dificuldades, o PLC nº 295/2016 estrutura-se nos
seguintes tópicos: Disposições Preliminares, Planejamento (PPA), Processo Orçamentário (LDO
e LOA), Execução da Despesa, Classificadores Orçamentários, Fundos, Contabilidade, Controle,
Custos e Avaliação e Disposições Finais e Transitórias. No quadro a seguir, pode-se constatar os
principais aspectos que cada tópico mencionado:
Quadro 1 – Resumo dos Tópicos da “Nova Lei de Finanças Públicas”
Tópicos Conteúd
Disposições Preliminares oooo e prazo do PPA,
Exercício financeiro e vigência
da LDO e da LOA
Gestão orçamentária, financeira e patrimonial
da Administração Pública.
Planejamento (PPA) Planejamento com foco no desenvolvimento
econômico, social e ambiental sustentável
PPA com base no plano de governo do
candidato eleito chefe do Poder Executivo
Processo Orçamentário (LDO e LOA) Abrangência e conteúdo da LDO e da
LOA. Apreciação e alteração da LDO e
da LOA
Execução da Despesa Princípio da unidade de tesouraria (conta única
do Tesouro do respectivo ente federado)
Fases da despesa (empenho, liquidação e
pagamento) Restos a Pagar
Emendas individuais
Classificadores Orçamentários Classificação da receita (critério econômico,
esfera orçamentária, indicador de resultado
primário e vinculação de recursos)
Classificação da despesa (esfera
orçamentária, institucional,
programática, funcional, critério
econômico e por vinculação de recursos)
Fundos Constituição de fundos públicos (conjunto de
recursos voltados a atender a finalidades
previstas em lei)
Contabilidade Contabilidade aplicada ao setor público
conforme normas específicas editadas pelo
órgão central de contabilidade da União e,
subsidiariamente, de acordo com as normas
brasileiras e internacionais de contabilidade
Controle, Custos e Avaliação Controle Interno, controle Externo e controle
Social Informações de custo
Avaliação de programas
Disposições Finais e Transitórias Alteração do texto dos artigos 4º e 9º da Lei nº
101/2000
Revogação da Lei nº 4.320/1964
Fonte: Elaborado pela autora a partir da análise do PLC nº 295/2016

Os tópicos elencados no Quadro 1 expressam, de modo geral, o ciclo orçamentário


brasileiro, que é composto pelas seguintes fases: elaboração e apresentação, autorização
legislativa, programação e execução e avaliação e controle. Alguns desses tópicos já vêm
sendo disciplinados, desde a década de 1960, pela Lei nº 4.320/1964, que tem como objeto
dispor sobre as normas de Direito Financeiro e a elaboração e o controle dos orçamentos e dos
balanços da União, dos Estados e dos Municípios. Entretanto, é importante considerar que,
para Fabiano Garcia Core (2007), a Lei nº 4.320/1964 não foi plenamente aplicada em virtude
da publicação da Constituição de 1967:
Um aspecto importante a destacar é o fato de que esse modelo de estrutura
orçamentária preconizado pela Lei nº 4.320/1964, praticamente não foi
implementado, uma vez que sobreveio logo em seguida à sanção da lei, uma
nova ordem constitucional que não recepcionou essa parte. Ou seja: a
decantada longevidade dessa lei deve-se mais aos seus pontos periféricos
do que ao núcleo inovador da sua concepção (CORE, 2001, p.21)

O núcleo inovador ao qual Core se refere consiste no fato de a Lei nº 4.320, de 1964,
ter introduzido, no país, um modelo de orçamento funcional ou de orçamento de
desempenho, em que “a receita e a despesa são estruturadas de forma que evidencie a
política econômico- financeira do governo e as ações passam a ser explicitadas segundo um
programa de trabalho, contendo as funções, atividades e projetos” (CORE, 2001). Apesar da
incompatibilidade parcial entre a Lei nº 4.320/1964 e a ordem constitucional de 1967, o
governo brasileiro, em um contexto de reforma administrativa, editou o Decreto-Lei nº 200, de
25 de fevereiro de 1967, que institui o método do orçamento-programa, caracterizado por
ações voltadas a solucionar problemas sociais e pela integração entre as funções de orçamento
e de planejamento.
A Constituição Federal de 1988 também recepcionou, não de forma integral, aspectos
da Lei nº 4.320/1964 e da perspectiva programática do Decreto-Lei nº 200/1967. Entre as
inovações jurídicas trazidas pela Constituição vigente em matéria de orçamento público,
mencionam-se: a obrigatoriedade do planejamento de médio prazo (PPA), a criação da LDO
como instrumento de vinculação entre o plano de desenvolvimento e o orçamento anual e a
divisão da LOA nos orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimentos das empresas.
Conforme Oswaldo Maldonado Sanches, apesar das modificações introduzidas, apresenta
algumas inconsistências que podem ser equacionadas pela “Nova Lei de Finanças Públicas”:
Do ponto de vista das normas de organizações e execução dos orçamentos,
a serem equacionados por intermédio da lei complementar referenciada na
Constituição, a questão mais urgente é a do orçamento de investimentos
das empresas sob o controle do setor público, devido à absoluta
inadequação das normas da Lei nº 4.320/1964 para disciplinar a sua
elaboração e, sobretudo, sua execução. Contudo, o principal problema com
que todos defrontam hoje, seja no Legislativo, seja no Executivo, é o do
caráter recente das modificações introduzidas pela Constituição, cuja não
regulamentação amplifica o espaço para divergências, gera incertezas nos
planos técnico, legal e político e retarda a articulação do instrumental
metodológico apropriado (SANCHES, Oswaldo Maldonado, p.190, 2007)

Em relação à Lei nº 101/2000, a “Nova Lei” não se propõe a promover alterações


significativas, na medida em que há mais diferenças do que semelhanças entre o conteúdo do
PLC nº 295/2016 e o da LRF. Além disso, a ênfase da LRF, que regulamenta o artigo 163 da
Constituição Federal de 1988, dá-se mais na transparência da gestão fiscal sem se aprofundar
no sistema e no processo orçamentário, que é o cerne tanto da Lei nº 4.320/1964 quanto do
PLC nº 295/2016. Para Helio Martins Tollini (2017), a principal diferença entre a LRF e a “Nova
Lei” é que aquela ressalta as regras fiscais e de transparência na gestão pública, e esta segunda
destaca normas relativas ao ciclo ou processo orçamentário.
Na “Nova Lei”, os dispositivos da LRF a serem alterados constam das Disposições Finais
e Transitórias. De maneira resumida, as alterações apresentadas ressaltam a função da LDO
como meio relevante para assegurar o equilíbrio das contas públicas (metas fiscais para
determinado exercício e para os quatro subsequentes) e programação orçamentário-financeira
empregada pelo Poder Executivo quando, a cada bimestre, é constatado que a realização das
receitas e a execução das despesas podem não comportar os resultados primário e nominal.
Além disso, o PLC nº 295/2016 confere mais validade aos atos Secretaria do Tesouro Nacional
(órgão central de contabilidade) enquanto não for criado o Conselho de Gesto Fiscal que é
mencionado no artigo 67 da Lei nº 101/2000.
Ao comparar o PLC nº 295/2016, de um lado, e a Lei nº 4.320/1964 e a Lei nº
101/2000, é possível inferir as características e os objetivos de cada ato normativo. Como se
pode verificar no quadro abaixo, esse cotejamento evidencia por que a estrutura da “Nova Lei”
tem como foco mais o sistema e o processo orçamentário atual do que as medidas fiscais
voltadas ao equilíbrio entre receitas e despesas e à redução do endividamento público.

Quadro 2 – Comparação entre o PLC nº 295/2016, a Lei nº 4.320/1964 e Lei nº


101/2000
PLC nº 295/2016 Lei nº 4.320/1964 Lei nº 101/2000
Título Assunto Capítulo Título Assunto Capítulo Assunto Capítul
o
I Disposições S/Nº I Da Lei do I, II e III Disposições I
Preliminares Orçamento Preliminares
Do Do
II Planejament I, II e III II Da Proposta I e II Planejament II
o Orçamentária o

Da
III Do Processo I, II, III, III Elaboração S/Nº Da III
Orçamentári IV e V da Lei do Receita
o Orçamento Pública

IV Da Execução I, II, III e IV Do S/Nº Da IV


IV Exercício Despesa
Financeiro Pública
Dos Das
V Classificador I e II V Dos S/Nº Transferências V
es Créditos Voluntárias
Orçamentári Adicionais
os
Da Destinação
Da Execução de Recursos
VI Dos Fundos S/Nº VI do I, II e III Públicos para VI
Orçamento o Setor
Privado
Da Dívida e
VII Contabilidad I, II, III, VII Dos S/Nº do VII
e IV e V Fundos endividamen
Especiais to

VIII Do I, II, III, VIII Do Controle I, II e III Da VIII


Controle, IV, V e da Execução Gestã
dos Custos VI Orçamentária o Patrimonial
e da
Avaliação
Da
IX Disposiçõe Da I, II, III e Transparênci
s Finais e S/Nº IX Contabilidade IV a, Controle e IX
Transitória Fiscalização
s
Das Das
- - - X Autarquias e S/Nº Disposições X
Outras Finais e
Entidades Transitórias

- -
- - - XI Disposições S/Nº
Finais
Fonte: Elaborado pela autora a partir da análise do PLC nº 295/2016, a Lei nº 4.320/1964 e
Lei nº 101/2000

Uma análise da estrutura das normas apresentadas no Quadro 2 demonstra que, em


termos formais, há muitas semelhanças entre o PLC nº 295/2016 e a Lei nº 4.320/1964. Entre
os tópicos comuns a essas normas, destacam-se aqueles que se relacionam a todo o ciclo
orçamentário (elaboração. aprovação, execução ou implementação e controle e avaliação), à
contabilidade dos atos e fatos administrativos do setor público e à organização de fundos
públicos. Deve-se ressaltar que, em contraste com a “Nova Lei”, a antiga Lei nº 4.320/1964 não
trata sobre o planejamento, uma deficiência que precisa ser suprida, haja vista que predomina
atualmente, no país, o modelo do orçamento-programa, caracterizado pela integração entre o
plano e o orçamento.
Além da ênfase no planejamento, o PLC nº 295/2016 prevê procedimentos para que
qualquer cidadão exerça amplo controle sobre a gestão das finanças públicas do país. Trata-se
de uma inovação, em contraposição à Lei nº 4.320/1964, em que não consta qualquer menção
a mecanismos de controle social. Ainda nesse sentido, outra diferença de conteúdo a ser
destacada é que esse PLC ressalta o enfoque patrimonial (regime de competência para receitas
e despesas) das normas de contabilidade aplicado ao setor público, que não se confunde com
a perspectiva orçamentária (regime de caixa para receitas e competência para despesas) da Lei
de 1964.
Apesar de a publicação da Lei nº 101/2000 ter gerado alterações relevantes no âmbito
do processo orçamentário (ampliação das funções da LDO e LDO, criação de regras para a
programação orçamentário-financeira e estabelecimento de restrições à renúncia de receitas e
de limites para despesas com pessoal), os aspectos dessa norma diferem bastante, tanto no
plano formal quanto material, daqueles que constam do PLC nº 295/2016. Por essa razão, a
“Nova Lei” visa apenas a modificar poucos dispositivos da LRF, ao mesmo tempo em que
pretende extinguir a Lei nº 4.320/1964.
A fim de superar essa e outras lacunas, a “Nova Lei” deverá ter como principal efeito
transformar o orçamento público, caracterizada por muitos como uma mera “peça de ficção”,
em um instrumento de ampliação da capacidade do Estado como formulador e
implementador de políticas públicas para a sociedade. Nesse contexto, a análise da
experiência internacional se mostra útil para que se tenha conhecimento das oportunidades e
de dificuldades, no campo das finanças públicas, que podem se apresentar ao país no futuro.

5. A LEI DE FINANÇAS PUBLICAS JAPONESA E NEOZELANDESA

A primeira Lei de Finanças Públicas japonesa (Public Finance Law) foi aprovada em
1947, em um contexto que teve início logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945). O princípio legal de equilíbrio orçamentário (equivalência entre receitas e despesas)
constituiu o fundamento dessa norma, embora houvesse alguma flexibilidade para que o setor
público contratasse operações de crédito (endividamento público) a fim de reconstruir a
infraestrutura do país, que havia sido devastada durante o conflito internacional. Contudo,
para Massato Miayazi (2006), o aumento das despesas nipônicas, na prática, ocorreu apenas
no fim da década de 1950, pois, até então, o principal objetivo da política econômica do Japão
era a redução do déficit fiscal.
No exercício financeiro de 1965, apesar de ter havido uma compatibilidade entre as
receitas previstas e as despesas fixadas, o governo japonês percebeu que seria, nos próximos
anos fiscais, cada vez mais difícil obter fontes de financiamento para o aumento dos gastos
públicos. Dessa forma, nesse mesmo ano, foi editada uma lei especial que previa formas
excepcionais de financiamento para atender a eventuais desequilíbrios nas contas
governamentais. Com o advento da crise econômica de 1973, o Japão passou a experimentar
um período de recessão que acarretou uma redução na arrecadação de receitas do país. Em
1975, uma nova lei especial era aprovada para sustentar o aumento das despesas, ou seja, o
endividamento que era uma exceção converteu-se em regra. Entre 1976 e 1978, observa-se
um incremento significativo da dívida pública japonesa.
Nos anos de 1980 e 1990, o Japão experimentou duas reformas fiscais, sendo a
reforma da década de 1980 mais exitosa do que a da década seguinte. Apesar de ter falhado
na introdução de um imposto sobre consumo em 1979, o governo adotou uma série medidas
voltadas à diminuição dos gastos públicos, iniciativas que tiveram amplo apoio popular
(MIAYAZI, 2006, p.126). Essas medidas, que incluíam a imposição de limites às despesas
governamentais e o aumento da arrecadação de tributos, propiciaram a retração dos gastos e
o aumento das receitas.
A reforma da década de 1990 teve como marco de referência o Fiscal Structural
Reform Act de 1997, que se submeteu a três modificações, em 1998, a fim de superar os
efeitos da recessão que afetou a economia japonesa no final do século XX. Em resumo, as
modificações propostas foram as seguintes: suspensão das medidas de redução do déficit
público para atender a situações de calamidade pública (como desastres naturais), autorização
de redução do déficit fiscal para menos de 3% do PIB foi estendida de 2003 para 2005 e a
concessão para o aumento para mais 2% dos gastos com seguridade social no exercício
financeiro de 1999. Para Miayazi, fatores-chave como liderança política, condições econômicas
e o balanceamento entre receitas e despesas públicas explicam o êxito e o malogro das
reformas em cada período (MIAYAZI, 2006, p.133).
Na década de 2000, emergiu, no Japão, um movimento social a favor de uma nova
reforma fiscal. Nesse período, menciona-se a iniciativa do Research Institute of Economy,
Trade and Industry (RIETI), uma organização não governamental, de realizar o Simpósio
“Reforma Fiscal do Japão: Reformulando a Estrutura do Estado”, que ocorreu entre os dias 11
e 12 de março de 2004. As propostas discutidas no referido evento incluíram temas como: a
integração e a coordenação dos sistemas tributário e previdenciário, a introdução de um
sistema de orçamento plurianual, a alocação de recursos orçamentários em políticas públicas
multissetoriais, o estabelecimento de uma cultura de responsabilidade fiscal nos governos
locais e o compartilhamento de valores favoráveis à estabilidade fiscal no longo prazo (RIETI,
2004).
A estrutura da Public Finance Law (PFL) assemelha-se mais a forma de organização do
PLC nº 295/2016 (e da Lei nº 4.320/1964) do que da Lei nº 101/2000, embora há nela a
previsão de funcionamento de um órgão (Fiscal Council System) cujas atribuições se
aproximam do Conselho de Gestão Fiscal da LRF. A PFL é formada por três capítulos (Normas
Gerais sobre Finanças Públicas, Regras Contábeis e Orçamento) e apresenta 48 artigos e 13
emendas. No Japão, uma monarquia parlamentarista, elaboração e a apresentação do
orçamento público competem ao Gabinete do Primeiro Ministro. Assim como no Brasil, a
proposta orçamentária deve ser apreciada pelo Poder Legislativo, denominado Dieta Nacional
no caso japonês.
Ao longo da década de 1970 e no início da década de 1980, predominaram, na Nova
Zelândia, políticas fiscais keynesianas, caracterizadas pelo estímulo da demanda agregada e
pelo aumento progressivo dos investimentos públicos. Um ponto de inflexão dessas políticas
consiste na publicação do Fiscal Reponsability Act (FRA) de 1994, ato normativo que decorreu
de um conjunto de reformas gerenciais (New Public Management) do setor público ocorridas
nesse país na década de 1980. A FRA exerceu ampla influência na concepção da LRF brasileira.
O Public Finance Act (PFA) da Nova Zelândia foi instituído em 1989. De acordo com
essa norma, a alocação dos recursos públicos constitui uma atribuição do Poder Legislativo
(Parlamento), cabendo ao Pode Executivo a implementação da gestão financeira. Em 2004, foi
publicado o Public Finance Bill (PFB), que alterou e assimilou aspectos importantes do PFA.
Entre os aspectos alterados e assimilados, deve-se citar o controle exercido pelo Parlamento
sobre a previsão e a execução orçamentária, o emprego do princípio de competência em vez
do de caixa no registro contábil, a exigência de realização de auditorias independentes e de
elaboração de relatórios com planejamento fiscal de longo prazo.
O processo orçamentário da Nova Zelândia insere-se no modelo anglo-saxônico do
direito costumeiro, caracterizado por normas não escritas, e, dessa forma, não tem como base
uma lei orçamentária, mas vários atos normativos e resoluções emitidas pelo Parlamento. O
ciclo orçamentário é formado de cinco etapas: preparação e apresentação da estimativa de
receita e dos limites de despesa pelo Poder Executivo, tramitação legislativa no Parlamento,
execução orçamentária, contabilidade e relatórios de auditoria externas.

6. CONCLUSÕES
Brasil, Japão e Nova Zelândia, apresar de serem caracterizados por padrões de
culturais e níveis de desenvolvimento socioeconômico distintos, apresentam normas legais,
em matéria orçamentário-financeiro, que, em virtude de alguns aspectos, são passíveis de
comparação. No quadro 3 é possível visualizar as diferenças entre o PLC brasileiro e as leis
japonesa e neozelandesa.

Quadro 3 – Comparação entre PLC nº 295/2016, Public Finance Law e o Public Finance Bill
PLC nº 295/2016 Public Finance Law (1949) Public Finance Bill (2004)
País Brasil País Japão País Nova Zelândia
Principais Planejamento Principai Planejamento Principai Processo
aspectos s s Orçamentário
Processo aspectos Processo aspectos Responsabilidade
Orçamentário Orçamentário Fiscal
Contabilidade Contabilidade Controles
Externo, Interno
e Social
Funcionamento Funcionamento Operações de
de Fundos de Fundos Crédito
(endividamento)
Fonte: Elaborado pela autora por meio da análise dos conteúdos do PLC nº 295/2016, da
Public Finance Law e do Public Finance Bill

Com base no quadro 3, infere-se que a “Nova Lei de Finanças Públicas” assemelha-se
mais da Lei japonesa do que do ato normativo neozelandês. Uma razão que explica esse fato
decorre do componente “fiscalista” (responsabilidade ou ajuste fiscal) que está mais presente
no PFB do Japão do que no PFA da Nova Zelândia. Na verdade, essa também é a circunstância
que explica por que a “Nova Lei” se propõe a extinguir a Lei nº 4.320/1964, mas não a LRF.
Apesar de o PLC nº 295 compartilhar mais similaridades com a Lei japonesa, as
potencialidades (fortalecimento do PPA como instrumento de desenvolvimento
socioeconômico, por exemplo) da “Nova Lei” poderão ser mais aproveitadas se o Brasil, em
matéria de política macroeconômica, não seguir a mesma estratégia, caracterizada pelo
incremento dos gastos públicos, adotada pelo governo do Japão para promover a recuperação
econômica da década de 1990 (PESSOA, 2004). Vale ressaltar que essa estratégia gerou
estagnação e aumento do endividamento público.
Em um momento em que o Brasil atravessa um período de grave recessão, a reforma
das finanças públicas pode ser uma medida favorável para a retomada do crescimento
econômico. Nesse sentido, a cultura da austeridade fiscal trazida pela LRF ao não deve ser
apenas mantida, mas combinada com iniciativas que assegurem mais qualidade ao gasto
público e um modelo de planejamento centrado em resolução de problemas públicos. Os
eventuais benefícios acarretados pela reforma tenderão a ser mais significativos se
enfatizarem o paradigma de orçamento-programa, que ainda carece de plena efetivação no
contexto brasileiro.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TOLLINI, Helio Martins. A nova lei complementar de finanças públicas. 2017. Palestra realizada
na Escola Nacional de Administração Pública em 06 mar. 2017.
ARTIGO – Temas transversais

O Dilema Paulista: patrimonialismo versus profissionalização das


carreiras de Estado
Autoria: Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo – AEPPSP

RESUMO: O presente artigo se baseia em levantamento realizado sobre o quantitativo de


funcionários comissionados no Governo do Estado de São Paulo a partir de dados públicos
disponibilizados em seu Portal da Transparência sobre seus cargos e empregos públicos. A
análise possibilita verificar a opacidade, incongruência e inconstância na divulgação dos dados
pelo governo paulista, além da larga utilização de cargos de livre nomeação para atribuições
que extrapolam a previsão constitucional de direção, chefia e assessoramento, e do artifício da
designação como forma de não contabilizar cargos comissionados. Os dados evidenciados
levam ao questionamento sobre como a criação de uma ampla estrutura baseada em cargos
de confiança, inclusive para o exercício de funções públicas de natureza técnica e
administrativa, vem dificultando a institucionalização das carreiras típicas de Estado e a
profissionalização da Administração Pública em sentido lato.

PALAVRAS-CHAVE: cargos comissionados; carreiras de Estado; aparelhamento da


administração pública; patrimonialismo; transparência e profissionalização da Administração
Pública.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem o propósito de analisar alguns aspectos da denominada “Nova Lei de
Finanças Públicas”, Lei Complementar (LC) que, conforme o parágrafo 9º do artigo 165 da
Constituição Federal (CF) de 1988, deverá dispor, entre outros temas, sobre o exercício
financeiro, a organização e a vigência do plano plurianual (PPA), da lei de diretrizes
orçamentárias (LDO) e da lei orçamentária anual (LOA) e estabelecer normas de gestão
financeira e patrimonial, bem como normatizar as condições para a instituição e o
funcionamento de fundos públicos.
Cargos comissionados são necessários para que governos eleitos democraticamente
possam colocar a administração pública no rumo do plano de governo escolhido pela
população nas urnas. O equilíbrio entre tamanho da administração (atribuições, orçamento e
pessoal) e o número de cargos comissionados ocupados por pessoas da confiança do Governo
que não prestaram concurso público é delicado. A Constituição Federal de 1988 previu apenas
três exceções para ingresso no serviço público sem concurso público:
Artigo 37, inciso V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
funcionários ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por funcionários de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento;
Cargos em comissão que se desviam das atribuições de direção, chefia e
assessoramento são, portanto, inconstitucionais. E há um motivo para isso: atribuições de
natureza administrativa, técnica ou científica devem ser exercidas exclusivamente por
servidores públicos submetidos a concurso público de ingresso, uma vez que são funções de
Estado e devem ser impessoais, além de transcender o tempo de mandato dos governos
eleitos.
Neste breve estudo pretendemos avaliar em termos quantitativos de que modo os
cargos de livre provimento do Governo do Estado de São Paulo atendem às exigências e
restrições constitucionais de direção, chefia e assessoramento, bem como as condições para o
desenvolvimento de carreiras típicas de Estado, as quais têm como sua natureza o exercício de
funções administrativas, técnicas ou científicas nesta estrutura político-administrativa.

2. CONCEITOS IMPORTANTES: PATRIMONIALISMO E APARELHAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA

O surgimento do Estado Moderno foi acompanhado pelo desenvolvimento de um


aparato técnico-administrativo formado por profissionais especializados doravante nomeado
‘burocracia’ pelo sociólogo alemão Max Weber. Principal referência sociológica sobre o termo,
Weber arrolou as principais características da estrutura burocrática. Dentre elas, destacamos:
(i) caráter racional e divisão do trabalho; (ii) impessoalidade nas relações; (iii) funcionários
contratados em virtude da competência técnica, do mérito e de atribuições específicas; (iv)
profissionalização dos participantes; (v) hierarquia da autoridade. [WEBER, 1999]
A caracterização da burocracia se contrapõe ao funcionário tipicamente encontrado no
modelo de Estado anterior, o Estado Feudal, baseado no patrimonialismo, que tem como
principal característica a falta de distinção entre a esfera pública e a privada. Em sua obra
‘Economia e Sociedade’, Weber analisa extensamente as características do cargo patrimonial e
de seus ocupantes, sobre os quais destacamos os seguintes trechos:
O Estado inicial é o do funcionário “ocasional”, de incumbência circunscrita
pela finalidade objetiva concreta e da seleção segundo a confiança pessoal,
não segundo a qualificação objetiva. [...] Pois o arbítrio puramente pessoal e
a graça e desgraça pessoal do senhor não são apenas de fato -- o que ocorre
por toda parte --, como também de princípio o último padrão para todas as
coisas. [...] O cargo e o exercício do poder público estão a serviço da pessoa
do senhor, por um lado, e do funcionário agraciado com o cargo, por outro, e
não de tarefas “objetivas”. [WEBER, 1999, p. 254-255]

Como é possível observar, o patrimonialismo e a burocracia operam em lógicas


bastante distintas. Weber procedeu a análise sobre a queda do Estado Feudal e o surgimento
do Estado Moderno, mas o advento do Estado Democrático vigente tem imposto aos cientistas
políticos a necessidade de atualização de sua teoria. O Estado Democrático não comporta em
tese nem o funcionário patrimonialista indicado pelo senhor e orientado exclusivamente para
atender suas prioridades, nem o funcionário burocrático alheio às necessidades da sociedade.
Contudo, tanto a definição de funcionário burocrático quanto a de funcionário patrimonialista
servem de referência para o entendimento da indicação de funcionários de confiança
orientados para a implementação das diretrizes políticas vitoriosas nas urnas, e para a
estruturação de carreiras públicas dotadas de autonomia funcional, orientadas para a
profissionalização da administração pública e para o desempenho de atribuições claras.
No Estado Democrático ambos os funcionários devem coexistir em proporções
adequadas e respeitadas as competências de seus cargos. Isto posto, a extrapolação das
competências dos cargos comissionados para o exercício de funções administrativas, técnicas e
científicas tendem a usurpar do Estado Moderno seu aparato técnico-administrativo,
reforçando o patrimonialismo ao invés de superá-lo.
O uso excessivo de cargos comissionados e a extrapolação de suas atribuições de
direção, chefia e assessoramento podem levar também ao aparelhamento da administração
pública. Tal fenômeno ocorre quando os servidores públicos sofrem constrangimentos
ideológicos, partidários ou econômicos que dificultam ou inviabilizam o exercício de suas
competências constitucionais, afastando com isso o Estado Moderno de seu ideal democrático
e republicano. No Executivo, por exemplo, uma das formas mais corriqueiras de
aparelhamento da administração pública consiste no uso de funcionários comissionados em
órgãos e departamentos com atribuições de natureza técnica ou administrativa com a
finalidade de influenciar rotinas, pareceres, notas técnicas, processos e decisões em
detrimento do interesse público.
Conquanto possa ser precipitado afirmar que a indicação de determinado profissional
para assumir um cargo comissionado necessariamente esvazie qualquer conteúdo técnico ou
administrativo de seu exercício profissional, substituindo-o exclusivamente pela lógica da
confiança, da ideologia ou do partidarismo, a utilização irrestrita deste expediente configura
potencial danoso aos princípios do Estado Democrático de Direito. Assim, não se pretendeu no
presente estudo proceder uma análise qualitativa de casos individuais, sempre de variadas
matizes práticas, mas sim uma análise quantitativa que visa evidenciar a estrutura político-
administrativa e o tipo de aparato que tem se conformado no Governo do Estado de São
Paulo.

3. TIPOLOGIA DOS CARGOS PÚBLICOS


As categorias utilizadas neste estudo em relação à existência de vínculo com a
administração pública pelos ocupantes de cargos comissionados, bem como a natureza
jurídica das organizações às quais os cargos pertencem, mantiveram-se alinhadas ao objetivo
do estudo e não pretenderam esgotar toda a potencialidade de outros possíveis cruzamentos
de dados.
Desta forma, em primeiro lugar, a existência de vínculo com a administração pública
pelos ocupantes de cargos comissionados foi dividida em dois tipos: são entendidos os cargos
comissionados ocupados por pessoas sem qualquer vínculo com o Estado como
‘comissionados sem vínculo’; e os cargos comissionados ocupados por pessoas concursadas
como ‘comissionados com vínculo’.
Em segundo lugar, a origem dos cargos foi diferenciada pela natureza jurídica do
órgão: Administração Direta, no caso, refere-se às Secretarias de Estado e à Procuradoria Geral
do Estado; e Administração Indireta às Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades
de Economia Mista¹.
Cargos comissionados são cargos de livre provimento e exoneração pelo Governador
do Estado ou autoridade por este delegada (Secretários de Estado, por exemplo), ocupados
sem necessidade de aprovação em concurso público e, em boa parte, escolhidos por indicação
política. No Governo do Estado de São Paulo a maioria dos cargos comissionados estão
descritos na Lei Complementar n° 1.080/2008.
Cargos permanentes são aqueles que, em regra, devem ser ocupados por funcionários
efetivos (aprovados em concurso público). Entretanto, existem previsões legais para que
cargos permanentes sejam ocupados por funcionários contratados em regime temporário por
tempo determinado, conforme, por exemplo, os casos previstos na Lei Complementar n°
1.093/2009.
O código de cores utilizado em algumas tabelas a seguir está padronizado e refere-se à
tipologia de cargos utilizada no presente estudo: em vermelho os comissionados sem vínculo,
em laranja os comissionados com vínculo, em lilás os temporários e em verde os concursados
não comissionados ou ‘efetivos puros’. A composição das quatro dimensões, consideradas as
especificidades dos vínculos de cada tipo de cargo, é o que conforma a tipologia dos cargos
públicos utilizada neste estudo e garante que os números contabilizados para cada tipo de
cargo não se confunda nem se sobreponha aos demais. Com uma tipologia bem definida e
utilizando essas quatro categorias de maneira exclusiva buscou-se evitar qualquer
sobrecontagem ou duplicidade. Em síntese, foram utilizados neste estudo os seguintes
conceitos:
Tabela 1 - Tipologia dos Cargos Públicos.
Elaboração própria.

Para consolidar-se os números aqui apresentados foram utilizados três conjuntos de


dados públicos disponibilizados pelo Governo do Estado de São Paulo sobre seus recursos
humanos e sobre seus cargos e empregos públicos.

4. ANTECEDENTES

Em 2008, uma missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou São Paulo a
convite da Secretaria da Fazenda (SEFAZ) para realizar uma avaliação sobre o grau de
transparência das atuais práticas de gestão fiscal e fazer recomendações no sentido de
aproximar-se das boas práticas internacionais. No documento ‘Transparência das Ações e das
Contas Públicas’, de 2008, há uma série exaustiva de análises críticas e recomendações do FMI
para o Governo do Estado de São Paulo, dentre as quais destaca-se a seguinte em relação aos
seus cargos comissionados:
As práticas de gestão dos servidores públicos devem ser aprimoradas.
Indicação para cargos em comissão. Apesar de muitos empregos públicos
serem competitivos, o número de cargos comissionados de livre indicação
representa um quantitativo expressivo (cerca de 24 mil cargos), apesar de
que muitos só podem ser ocupados pelos próprios servidores de carreira*.
Recomendação: As autoridades devem examinar a conveniência de reduzir o
número de cargos comissionados de livre indicação.
* (Nota de rodapé nº 12 do documento): Do total de 539.251 cargos do
Estado (excluindo a polícia militar), 4,4 por cento podem ser nomeados
livremente pelo governador. Todas as demais funções de confiança são
exercidas exclusivamente por funcionários concursados e da respectiva
carreira. São normalmente as funções de chefia e assistência, por exemplo,
das carreiras típicas, como fiscal de impostos. Dados do quadro de pessoal
estão disponíveis no site www.recursoshumanos.sp.gov.br. [FMI, 2008, p.
17-18]

Não se diferencia neste documento elaborado pelo FMI quantos daqueles 24 mil
cargos comissionados eram, em 2008, ocupados por funcionários de carreira (comissionados
com vínculo) e quantos eram ocupados por comissionados sem vínculo.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza anualmente, desde 2012,
o ‘Estudo do Perfil dos Municípios e Estados Brasileiros’, dentro do qual está a ‘Pesquisa de
Informações Básicas Estaduais’, o Estadic. Em 2014 tornou-se de conhecimento público a
contradição entre os números de cargos comissionados informados pelo Governo do Estado
de São Paulo, conforme pode-se verificar em reportagem dos jornais da época, como esta, d’O
Globo: ‘Número de servidores comissionados cresce 3,5%, diz IBGE’. O jornal publicou o
seguinte:

Pela manhã, no entanto, o IBGE havia informado que o número de


comissionados, em 2012, era de 105.203 e não de 111.621. A correção foi
motivada pelo governo de São Paulo, que contestou os números do estado.
A administração de Geraldo Alckmin (PSDB) tinha registrado, conforme o
IBGE, inicialmente, um aumento de 90,1% cargos comissionados. Com o
novo cálculo do IBGE, divulgado à noite, o estado paulista registra agora um
crescimento de 3,5%, indo de 8.075 (e não 1.657), em 2012, para os 14.731,
em 2013.
‘O IBGE esclarece que os dados sobre pessoal em cargo comissionado do
Estado de São Paulo publicados no volume Estadic 2013 estão corretos. O
governo de São Paulo informou ao IBGE, no contexto do processo de crítica e
verificação dos dados de 2013, que o dado de 2012 estava subenumerado,
declarando que, em 2012, eram 8.075 os servidores em cargos somente
comissionados e não 1.657’, diz a nota do IBGE.
Também em nota, o governo de São Paulo informa que o total de servidores
do Executivo caiu de 699,6 mil para 681,4 mil, entre 2012 e 2013 - 18,1 mil
cargos a menos. Em relação aos comissionados, segundo o governo paulista,
o aumento foi de 13.805, em 2012, para 14.421 no ano passado
[2013].
[GLOBO, 2014]

Enquanto o documento do FMI de 2008 apresentou o número de “cerca de 24 mil


cargos comissionados”, os números consolidados pelo IBGE no Estadic/2014 corresponderam
ao número de 15.516 cargos comissionados. Destacam-se algumas notas de rodapé do
Estadic/2014:

(**) Em São Paulo no item “somente comissionados”, no âmbito da


administração direta e indireta, os dados são dos comissionados com e sem
vínculo permanente.

Somente comissionados são os que têm como vínculo somente o cargo que
ocupam.

Sem vínculo permanente são os cedidos por outros órgãos, os prestadores de


serviços autônomos, os voluntários, os contratados por tempo determinado
entre outros. [IBGE, 2014]

Padronizando os conceitos, a partir dos dados declarados pelo Governo do Estado de


São Paulo para o FMI e para o IBGE no Estadic/2014, e do levantamento realizado a partir dos
dados brutos oficiais, temos os seguintes números consolidados:

Tipo de Cargo FMI/2008 IBGE/2014 AEPPSP/2017

Efetivos puros ~515.251 455.756 323.486

Comissionados ~24.000 15.516 27.204

Temporários - 40.679 174.470

TOTAL 539.251 511.951 525.597

Tabela 2 - Comparação do número de funcionários declarados pelo Governo do Estado de


São Paulo para o FMI em 2008, para o IBGE em 2014, e publicados no Portal da
Transparência estadual em 31.dez.2016 (Administração Direta) e em 13.mar.2017
(Administração Indireta).
Elaboração própria.

Como pode-se verificar o total contabilizado varia pouco, mas os números


internamente não conferem. Por se tratar de assunto de interesse público, a implementação
de uma política de gestão de pessoal mais transparente e eficaz seria fundamental, tal como
realizado em outras esferas federativas já desde a década de 1990.
Resumidamente: o número de cargos comissionados informado pelo Governo do
Estado de São Paulo para o FMI em 2008 foi de aproximadamente 24 mil; em 2013, para o
IBGE, de 15.516³. Portanto, a diferença de aproximadamente 8.500 cargos comissionados a
menos em cinco anos não se sustenta quando confrontada com os números contabilizados no
presente estudo: um total de 27.204 cargos comissionados apurados entre dezembro de 2016
e março de 2017. Dessa forma, torna-se necessário entender como o número de 15.516 cargos
comissionados foi contabilizado pelo Governo do Estado de São Paulo em sua prestação de
contas para o IBGE.

5. CONSOLIDAÇÃO DOS DADOS

Desde a missão realizada pelo FMI em 2008 até os dias atuais, o Governo do Estado de
São Paulo pouco avançou na transparência ativa sobre seus recursos humanos. Em
contrapartida, a adoção de uma rotina técnica de consolidação e publicação dos dados
referentes aos cargos e empregos públicos enquanto política de Estado de transparência ativa
existe no Governo Federal desde os tempos do então Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado (MARE), dirigido à época pelo então Ministro Luiz Carlos Bresser- Pereira. O
Boletim Estatístico de Pessoal4 é publicado mensalmente de forma contínua e ininterrupta
desde maio de 1996 pelo Governo Federal. No Governo do Estado de São Paulo, por seu
turno, a despeito de ser a segunda maior Unidade Federativa do Brasil em população,
funcionários e orçamento públicos, não existe tal transparência.
Assim sendo, ao analisar-se os conjuntos de dados oficiais do Governo do Estado de
São Paulo chega-se aos seguintes números consolidados5: ao todo são 27.204 funcionários
comissionados, dos quais 10.777 sem vínculo com o Estado (comissionados puros) e 16.427
com vínculo (concursados). Possui, também, 174.470 funcionários contratados em regime
temporário (85% dos quais na Secretaria da Educação) e 323.486 funcionários efetivos
ocupando cargos permanentes (56% dos quais pertencentes ao quadro permanente da
Secretaria da Educação).
Não estão disponíveis nos conjuntos de dados oficiais utilizados nesta pesquisa e,
portanto, não foram aqui contabilizados, os números referentes ao efetivo da Polícia Militar.
Todos os números dizem respeito a funcionários ativos, ou seja, não estão contabilizados
aposentados nem pensionistas.

Tabela 3 - Distribuição dos Cargos Públicos por Natureza Jurídica dos Órgãos.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

Na tabela a seguir são apresentadas as remunerações médias de cada tipo de cargo


com a respectiva natureza jurídica dos órgãos, excluídos os funcionários temporários.

Tabela 4 - Média Salarial dos Cargos Públicos por Natureza Jurídica dos Órgãos.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).
6. COMISSIONADOS DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

A tabela abaixo apresenta o número total de servidores e a proporção de cargos


comissionados por número de servidores total em diversas entidades da Administração
Indireta paulista:

COMISSIONADOS
PERMANENTES
Administração Indireta sem com TOTAL % comiss.
total puros
vínculo vínculo
AGEM - AGÊNCIA
METROPOLITANA DA BAIXADA 20 - 20 - 20 100,0
SANTISTA
COMPANHIA PAULISTA DE
21 - 21 - 21 100,0
EVENTOS E TURISMO
CPP - COMPANHIA PAULISTA DE
14 - 14 - 14 100,0
PARCERIAS
ARTESP - AGÊNCIA REGULADORA
50 - 50 - 50 100,0
DE TRANSPORTES
SP-PREVCOM - FUNDAÇÃO DE
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DO 70 - 70 - 70 100,0
ESTADO DE SÃO PAULO
JUCESP - JUNTA COMERCIAL DO
179 - 179 - 179 100,0
ESTADO DE SÃO PAULO
IPESP - INSTITUTO DE
PAGAMENTOS ESPECIAIS DE SÃO 30 - 30 - 30 100,0
PAULO
COMPANHIA PAULISTA DE
10 - 10 - 10 100,0
SECURITIZAÇÃO
AGEMCAMP - AGÊNCIA
13 - 13 - 13 100,0
METROPOLITANA DE CAMPINAS
FUNDAÇÃO PARQUE ZOOLÓGICO
5 282 287 67 354 81,1
DE SÃO PAULO
DER - DEPARTAMENTO DE
259 1.526 1.785 1.279 3.064 58,3
ESTRADAS DE RODAGEM
DAESP - DEPARTAMENTO
AEROVIÁRIO DO ESTADO DE SÃO 58 34 92 76 168 54,8
PAULO
SUTACO-SUP. TRAB. ARTESANAL
11 2 13 11 24 54,2
COMUNIDADES
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA
31 - 31 33 64 48,4
AMÉRICA LATINA
DAEE - DEPARTAMENTO DE ÁGUAS
6 621 627 713 1.340 46,8
E ENERGIA ELÉTRICA
FAPESP - FUNDAÇÃO DE AMPARO
À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO 49 85 134 158 292 45,9
PAULO
EMPLASA - EMPRESA PAULISTA DE
PLANEJAMENTO METROPOLITANO 40 34 74 99 173 42,8
SA
ARSESP - AGÊNCIA REGULADORA
59 - 59 83 142 41,5
DE SANEAMENTO E ENERGIA
UNIVESP - FUNDAÇÃO
UNIVERSIDADE VIRTUAL DO 13 - 13 24 37 35,1
ESTADO DE SÃO PAULO
DERSA - DESENVOLVIMENTO
177 - 177 339 516 34,3
RODOVIÁRIO S.A.
FUNDAÇÃO ONCOCENTRO DE SÃO
23 8 31 60 91 34,1
PAULO
[...] [...] [...] [...] [...] [...] [...]
TOTAL 5.730 9.964 15.694 96.456 112.150 14,0
Tabela 5 - Quantidade e proporção de empregados comissionados (com e sem vínculo) e permanentes
nos órgãos da Administração Indireta. Apresentados apenas os órgãos com proporção de comissionados
igual ou superior a 30% do total de empregados do órgão.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

6.1. RISCO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA EXISTÊNCIA DE “EMPREGOS EM


COMISSÃO SEM VÍNCULO” NA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

Para facilitar o entendimento dessa questão no Estado de São Paulo foram adicionadas
abaixo informações sobre a recente ação do Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-
SP) [CONJUR, 2016] contra órgão da Prefeitura Municipal de São Paulo, mais precisamente,
contra a Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo
(PRODAM), na qual o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu (cf. Acórdão do TJ- SP,
voto nº 11.340) que a contratação para a ocupação de cargos públicos deve ser realizada por
meio de concurso público e declarou nulas as contratações sem concurso, com a dispensa do
pessoal admitido em tais condições. Ipsis literis, o MPE-SP pediu ao TJ-SP:

[...] declaração de nulidade dos contratos de trabalho firmados pela ré


[PRODAM] para a ocupação dos “cargos de livre provimento”, “cargos em
comissão”, “empregos em comissão”, “funções de confiança”, “funções
gratificadas”, ou qualquer outra denominação utilizada, sem o prévio e
regular concurso público, salvo para os membros dos Conselhos de
Administração e Fiscal, bem como da Diretoria Executiva. Postulou, ainda,
que a ré seja condenada na obrigação de fazer, consistente na dispensa de
todas as pessoas contratadas sem o prévio concurso público para ocupar os
“cargos” retro referidos, abstendo-se de admitir novos empregados sem o
prévio certame. [TJ-SP, 2016, p. 2-3, grifos nossos]

Por sua vez, o entendimento do TJ-SP na referida ação foi o seguinte:

Os atos administrativos devem ser praticados com finalidades idôneas,


acobertados pelo manto da legalidade. Porém, se o agente destes atos
busca especificamente de forma livre e consciente fim contrário à norma,
teremos configurada a improbidade. Pelo acervo fático nos autos, é de se
concluir que ficou evidenciada a má fé do agente público suficiente para
configurar ato de IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, pois contratou terceiros
para exercerem funções típicas de cargos cujo provimento exigem prévia
aprovação em concurso público, inconfundíveis com os típicos casos de
exceção. [TJ-SP, 2016, p. 6, grifos nossos]

Caso o mesmo entendimento fosse replicado aos órgãos do Governo do Estado de São
Paulo, aproximadamente 2.595 “empregos em comissão sem vínculo” correriam o risco de ser
instantaneamente considerados ilegais: 641 em fundações e 1.954 em empresas públicas e
sociedades de economia mista.

7. COMISSIONADOS DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA

Dentro dos órgãos da Administração Direta (Secretarias e Procuradoria Geral do


Estado, excluída a Polícia Militar e as Universidades Públicas), é possível aprofundar o
mapeamento da ocupação dos cargos públicos em quatro dimensões. Para apresentar uma
visualização intuitiva destas dimensões, estão organizados a seguir os números em uma tabela
multidimensional. A primeira dimensão (esquerda) diz respeito a se o funcionário ocupa, ou
não, cargo permanente. A segunda (superior) mostra se o funcionário ocupa, ou não, cargo
comissionado. A terceira (direita) revela se o funcionário foi, ou não, designado para exercer
cargo comissionado. A quarta (inferior), se o funcionário foi contratado em regime temporário
por tempo determinado, ou não.

Tabela 6 - Distribuição dos Cargos Públicos nas Secretarias.


Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

A soma dos números das células que compõem os referidos eixos é apresentada na
parte externa da tabela. Cada célula desta tabela quadridimensional corresponde a uma
posição em cada uma das quatro dimensões. Assim, por exemplo, sabe-se que nas Secretarias
do Estado de São Paulo existem 242 funcionários contabilizados como ‘comissionados sem
vínculo’ que são, simultaneamente:
Não permanente: não ocupam qualquer cargo permanente;
Comissionado: foram nomeados para ocupar cargo em comissão;
Designado: foram designados para exercer as atribuições de cargo em
comissão;
Não temporário: não foram contratados em regime temporário.

A tabela abaixo apresenta o número total de servidores e a proporção de cargos


comissionados pelo número total de servidores nos órgãos da Administração Direta.

COMISSIONADOS
PERMANENTES
Administração Direta sem com TOTAL % comiss.
total puros
vínculo vínculo
ENERGIA E MINERACAO 30 4 34 1 35 97,1
TURISMO 33 19 52 19 71 73,2
DIREITOS DA PESSOA COM
36 7 43 17 60 71,7
DEFICIENCIA
SANEAMENTO E RECURSOS
52 20 72 38 110 65,5
HIDRICOS
CULTURA 93 44 137 83 220 62,3
DESENVOLVIMENTO SOCIAL 197 89 286 226 512 55,9
HABITACAO 34 19 53 44 97 54,6
EMPREGO E RELACOES DO 96 44 140 122 262 53,4
TRABALHO
JUSTICA E DEFESA DA CIDADANIA 80 20 100 100 200 50,0
CASA CIVIL 21 5 26 34 60 43,3
SECRETARIA DE GOVERNO 341 152 493 739 1.232 40,0
LOGISTICA E TRANSPORTES 27 5 32 51 83 38,6
GESTAO PUBLICA* 26 39 65 122 187 34,8
ADMINISTRACAO PENITENCIARIA 489 887 1.376 3.003 4.379 31,4
ESPORTE, LAZER E JUVENTUDE 62 75 137 352 489 28,0
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO 53 396 449 1.212 1.661 27,0
TRANSPORTES METROPOLITANOS 35 19 54 226 280 19,3
FAZENDA 532 636 1.168 5.536 6.704 17,4
SAUDE 1.809 1.613 3.422 24.701 28.123 12,2
DESENVOLVIMENTO ECONOMICO,
33 25 58 421 479 12,1
C&T
SEGURANCA PUBLICA 58 187 245 1.832 2.077 11,8
AGRICULTURA E ABASTECIMENTO 194 295 489 3.762 4.251 11,5
MEIO AMBIENTE 66 96 162 1.301 1.463 11,1
PLANEJAMENTO E GESTAO 92 37 129 2.536 2.665 4,8
EDUCACAO 594 1.613 2.207 180.633 182.840 1,2
TOTAL 5.083 6.346 11.429 227.111 238.540 4,8
Tabela 7 - Quantidade e proporção de servidores comissionados (com e sem vínculo) e
permanentes nos órgãos da Administração Direta. (*) A Secretaria de Gestão Pública foi
extinta e toda sua estrutura e cargos foram distribuídos para as atuais Secretarias de
Planejamento e Gestão e Secretaria de Governo; apesar disso, permanece enquanto órgão
vigente no Portal da Transparência do governo paulista.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

7.1. OCULTAÇÃO DE COMISSIONADOS POR MEIO DE DESIGNAÇÕES PARA RESPONDER PELO


EXPEDIENTE DE CARGOS VAGOS

Existem duas situações previstas na legislação estadual paulista nas quais, ao invés de
nomear alguém para ocupar um cargo comissionado de livre nomeação e exoneração, o
responsável por um órgão ou departamento pode simplesmente designar alguém para
responder temporariamente pelo expediente de uma unidade administrativa. O primeiro caso
ocorre em decorrência de reforma administrativa para exercer função de comando de unidade
que ainda não tenha o cargo correspondente. O segundo caso ocorre quando há necessidade
de substituição no impedimento legal ou temporário do titular do cargo de comando de
unidade administrativa.
Nos dois casos descritos acima ou o cargo não existe (reforma administrativa), ou o
cargo existe e está ocupado, mas seu titular está temporariamente impedido de exercer suas
atribuições e precisa ser substituído durante o interstício de seu impedimento. Alguns órgãos
do Governo do Estado de São Paulo aparentemente utilizam a forma jurídica da designação
como manobra para não contabilizar cargos comissionados, uma vez que para o mundo
jurídico a nomeação é uma forma de provimento (ocupação) de cargo público, enquanto a
designação é mera forma de desempenho temporário de servidor para cargos ou funções de
comando.
Deste modo, no presente estudo constatou-se que no Governo do Estado de São Paulo
existem mais designações do que nomeações para cargos de comando (direção e chefia): ao
todo, a Administração Direta possui 4.868 designados e 6.561 nomeados em cargos
comissionados (comando e assessoramento). Por não existir transparência sobre os
quantitativos de designações para cada tipo (reforma administrativa em que o cargo ainda não
existe, substituição temporária do titular, ou para “responder pelo expediente de cargo vago”),
o comando constitucional que exige transparência ativa do quantitativo de cargos
comissionados preenchidos de todos os órgãos estaduais é driblado por alguns:

As entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações


instituídas ou mantidas pelo Poder Público, o Ministério Público, bem como
os Poderes Legislativo e Judiciário, publicarão, até o dia trinta de abril de
cada ano, seu quadro de cargos e funções, preenchidos e vagos, referentes
ao exercício anterior. (Constituição do Estado de São Paulo, artigo 115, § 5º.)
Na edição do Diário Oficial do Estado publicada anualmente no final de abril, as
designações “para responder pelo expediente de cargo vago” não são contabilizadas como
cargos preenchidos. Essa contabilização não ocorre ainda que (i) não exista um titular sendo
temporariamente substituído e ainda que, (ii) para todos os efeitos práticos, não exista
qualquer diferença concreta entre nomeação e designação referentes a cargos que até a
véspera estavam vagos. Tanto a nomeação quanto a designação são discricionárias e podem
ser feitas e desfeitas a qualquer momento. As responsabilidades, os benefícios, os deveres e a
remuneração do servidor que de fato “está” num cargo comissionado de comando não são
menores por conta de ter sido designado ao invés de nomeado para o mesmo.
A tabela a seguir mostra a quantidade de servidores comissionados por órgão da
Administração Direta. Os números da coluna ‘designados’ desconsideram os casos em que um
mesmo servidor já esteja nomeado para um cargo comissionado e tenha sido designado para
outro; nesses casos, o servidor é classificado apenas como ‘nomeado’. Este critério garante
que não exista dupla contagem e restringe a categoria dos ‘designados’ exclusivamente
àqueles servidores que não estejam devidamente contabilizados como comissionados na
publicação anual realizada no Diário Oficial do Estado.

COMISSIONADOS
Administração Direta comando assessoramento %
total designados
(nomeados) (nomeados) designados
ADMINISTRACAO PENITENCIARIA 1.376 942 148 286 68,5%
SEGURANCA PUBLICA 245 138 42 65 56,3%
SAUDE 3.422 1.832 1.113 477 53,5%
MEIO AMBIENTE 162 84 33 45 51,9%
ESPORTE, LAZER E JUVENTUDE 137 70 23 44 51,1%
PROCURADORIA GERAL DO
449 220 107 122 49,0%
ESTADO
EDUCACAO 2.207 1.045 557 605 47,3%
AGRICULTURA E ABASTECIMENTO 489 222 83 184 45,4%
DESENVOLVIMENTO ECONOMICO,
58 21 19 18 36,2%
C&T
EMPREGO E RELACOES DO
140 36 50 54 25,7%
TRABALHO
TRANSPORTES METROPOLITANOS 54 11 13 30 20,4%
TURISMO 52 8 19 25 15,4%
CASA CIVIL 26 4 9 13 15,4%
CULTURA 137 16 34 87 11,7%
SECRETARIA DE GOVERNO 493 57 96 340 11,6%
FAZENDA 1.168 123 157 888 10,5%
JUSTICA E DEFESA DA CIDADANIA 100 9 35 56 9,0%
SANEAMENTO E RECURSOS
72 6 21 45 8,3%
HIDRICOS
PLANEJAMENTO E GESTAO 129 9 34 86 7,0%
HABITACAO 53 3 17 33 5,7%
DESENVOLVIMENTO SOCIAL 286 10 169 107 3,5%
LOGISTICA E TRANSPORTES 32 1 15 16 3,1%
GESTAO PUBLICA* 65 1 11 53 1,5%
ENERGIA E MINERACAO 34 - 11 23 0,0%
DIREITOS DA PESSOA COM
43 - 15 28 0,0%
DEFICIENCIA
TOTAL 11.429 4.868 2.831 3.730 42,6%
Tabela 8 - Quantidade e proporção de servidores comissionados (designados, nomeados em
cargos de comando e nomeados em cargos de assessoramento) nos órgãos da
Administração Direta. (*) A Secretaria de Gestão Pública foi extinta e toda sua estrutura e
cargos foram distribuídos para as atuais Secretarias de Planejamento e Gestão e Secretaria
de Governo; apesar disso, permanece enquanto órgão vigente no Portal da Transparência
do governo paulista.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

8. PATRIMONIALISMO HEGEMÔNICO, BUROCRACIA INCOMPLETA E GERENCIALISMO


UTÓPICO

A despeito de um discurso atualizado com os mais modernos conceitos da New Public


Management e da não alternância de poder nos últimos seis mandatos (24 anos), o Governo
do Estado de São Paulo tem tido dificuldades para implantar o modelo burocrático idealizado
por Max Weber, quem dirá superá-lo. Dezenas de órgãos e centenas de departamentos
tipicamente burocráticos sequer conseguiram instalar em seus quadros uma burocracia de
Estado, prescindindo de carreiras públicas corriqueiras em outros entes.
Inexiste ainda hoje na estrutura do Estado de São Paulo uma carreira pública orientada
para o controle interno, como se pode observar na União, com a carreira de Analista de
Finanças e Controle da Controladoria Geral da União, ou mesmo na capital do estado de São
Paulo, com a carreira de Auditor Municipal de Controle Interno, pertencente ao quadro da
Controladoria Geral do Município. Na Agência Reguladora de Transportes (ARTESP), por
exemplo, o primeiro concurso público está previsto para ser realizado apenas em 2017, 15
anos após sua criação.
A título de exemplo, a tabela a seguir mostra a relação entre servidores comissionados
da confiança do Governo e servidores do quadro permanente (concursados) em quatro
unidades cujas atribuições são tipicamente burocráticas:

Administração PERMANENTES %
Unidade COMISSIONADOS TOTAL
Direta puros comiss.
Unidade Central de
Secretaria de 34 9 43 79,1%
Recursos Humanos (UCRH)
Planejamento
Coordenadoria de
e Gestão 40 55 95 42,1%
Orçamento (CO)
Secretaria de Corregedoria Geral da
22 37 59 37,3%
Governo Administração (CGA)
Secretaria da Departamento de Controle e
46 147 193 23,8%
Fazenda Avaliação (DCA)
TOTAL 142 248 390 36,4%
Tabela 9 - Quantidade e proporção de servidores comissionados e permanentes puros
em quatro unidades tipicamente burocráticas da Administração Direta.
Fonte: Governo do Estado de São Paulo (elaboração própria).

Cientes das dificuldades para modernizar seu aparato estatal, setores do Governo do
Estado de São Paulo construíram no intervalo entre 2004 e 2008 alguns estudos,
entendimentos e decisões que levaram à criação de duas carreiras típicas de Estado projetadas
para fortalecer seu núcleo estratégico e dinamizar seu Ciclo de Planejamento e Gestão: as
carreiras de Especialista em Políticas Públicas (EPP) e de Analista em Planejamento, Orçamento
e Finanças Públicas (APOFP). Na mensagem do Governador à Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo (ALESP) que acompanhou, em 2007, o projeto de lei de criação dessas carreiras,
estavam postos os nobres valores que orientaram o Governo naquela ocasião:

A propositura estabelece a criação de quadro de pessoal para atuar nas


funções típicas e especializadas de estado, desenvolvidas nas áreas de
planejamento, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas
públicas e de gestão do Estado [EPP] e de planejamento, orçamento,
finanças e controle interno6 do Estado de São Paulo [APOFP]. Na sua
elaboração, o foco se concentrou na necessidade que essas áreas têm de
recursos humanos especializados, vinculados ao serviço público, em número
suficiente e de forma contínua, atendendo às exigências de um Estado
renovado. Para tanto, das pessoas envolvidas na área de gestão pública é
exigida uma visão ampla da Administração Pública, enquanto nas áreas de
Planejamento, Orçamento, Finanças e Controle Interno devem deter um
conhecimento integral dos organismos públicos e das ações governamentais,
na medida que são encarregadas de analisar e subsidiar o processo decisório
das propostas setoriais e promover o acompanhamento da execução do
plano de governo e dos orçamentos, além de atuar na coordenação,
acompanhamento e controle de todas as ações do Estado. [GESP, 2007, p. 2,
grifos nossos]

Na mesma mensagem do Governador constam alguns destaques que sintetizam um


diagnóstico elaborado em 2003, especificamente para as áreas de Planejamento e Gestão, no
âmbito do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos
Estados e do Distrito Federal (PNAGE), abrangendo todas as administrações estaduais e que
ressalta, no caso do Estado de São Paulo, o seguinte:
O Sistema de Planejamento transformou-se numa área estratégica no
governo paulista, de modo que a dinâmica do PPA ganhou uma posição
central na lógica administrativa. Disto resulta uma série de avanços, e uma
nova coalizão reformista vem sendo formada. Já ao início deste processo,
constituiu-se uma aliança bem sucedida entre o pessoal do orçamento com o
do planejamento.
Entretanto este mesmo grau de integração com o Planejamento não foi
obtido do ponto de vista de outras variáveis de gestão. No principal caso
falta uma interligação maior entre planejamento e recursos humanos. Isso
fica mais nítido quando se constata que há um descolamento entre o pessoal
utilizado para funções planejadoras e sua (ausência de) capacitação.
Ter pessoal qualificado para o Planejamento vai exigir o fortalecimento de
carreiras vinculadas à gestão e, sobretudo, programas adequados de
capacitação.
É exatamente a área de Planejamento/Administração a mais carente de
pessoal e o mais importante resultado desse processo pode ser visto no
esvaziamento da área ligada ao Planejamento/Gestão: a área Planejamento
e Orçamento é a que tem maior número de cargos em comissão entre todas
as listadas e, mais, um contingente muito maior do que a média do setor
público paulista - 27,18% contra 3,35% no total de servidores.
Além disso, a média de idade dos servidores nesta área é a mais alta em
toda a Administração paulista, 47 anos em 2003. [GESP, 2007, p. 2-3, grifos
nossos]

Alinhado ao diagnóstico do PNAGE realizado em 2003, o diagnóstico do FMI realizado


em 2008 reforça a necessidade de profissionalização de setores estratégicos do Governo do
Estado de São Paulo como, por exemplo, a área de auditoria interna:

O GESP tem uma quantidade de auditores internos bem menor que o


governo federal, apesar de o número de servidores públicos ativos em ambos
os níveis serem praticamente o mesmo. Além disso, todos ocupam cargos
comissionados, o que pode comprometer sua independência devido à
insegurança na função. [FMI, 2008, p. 18, grifos nossos]
A auditoria interna do GESP é de responsabilidade do Departamento de
Controle e Avaliação (DCA) que está subordinado ao gabinete da SEFAZ. O
DCA está organizado em 7 unidades na capital e 10 no interior, com corpo
técnico de cerca de 180 profissionais. Tendo em vista a dimensão do GESP
este número de servidores é insuficiente para auditar adequadamente o
estado*. O perfil desses profissionais é generalista. Não há ainda uma
carreira profissional específica sendo todos os servidores do DCA
contratados como ocupantes de cargos de confiança, o que pode
comprometer a continuidade das atividades e sua independência técnica.

(* Nota de rodapé nº 56 do documento:) A título de comparação, o governo


federal tem cerca de 2.000 auditores na auditoria interna para um número
de servidores públicos ativos semelhante ao do GESP, cerca de 500 mil, o que
resulta em uma proporção entre auditores e servidores ativos quase dez
vezes maior na área federal que no GESP.) [FMI, 2008, p. 56, grifos nossos]

O diagnóstico do FMI aponta também a fragilidade da estrutura de cargos e carreiras


que, ainda hoje, carecem de organicidade e harmonia. Na prática, isso tem servido como
bloqueio para a estruturação de políticas estratégicas de recursos humanos. A revisão geral
anual das remunerações, por exemplo, a despeito de ser uma obrigação constitucional e estar
prevista no regramento jurídico estadual7, é sistematicamente descumprida pelo Governo do
Estado de São Paulo. As negociações salariais, quando são realizadas, adotam uma dinâmica de
varejo e fragmentação, além de raramente assegurarem a reposição da inflação acumulada no
período.
A quantidade de regimes retribu[i]tórios é de 24, subdivididos em mais de
630 diferentes classes e atividades, o que dificulta o gerenciamento dos
recursos humanos e enrijece a mobilidade do pessoal entre órgãos e
atividades. [FMI, 2008, p. 53, grifos nossos]

Contudo, quase uma década após sua criação, constata-se que as carreiras de Estado
do Ciclo de Planejamento e Gestão ainda enfrentam grande dificuldade de institucionalização
na estrutura estatal paulista. No caso da carreira de Especialista em Políticas Públicas, por
exemplo, que tem dentre suas vocações a assunção de posições no núcleo estratégico do
Estado, observa-se que dos 500 cargos criados pela lei da carreira (Lei Complementar
1.034/2008), apenas 76 encontram-se efetivamente ocupados atualmente, ou seja, apenas
15% do total do quadro. Além disso, não há previsão de realização de novos concursos para a
carreira, apesar de ter havido apenas um único concurso até o presente, em 2010, com 150
vagas. Dentre os cargos de Analista em Planejamento, Orçamento e Finanças Públicas, por sua
vez, dos 800 cargos criados, somente 390 estão ocupados (48%).
Concomitantemente, a análise dos dados apresentados demonstra que o Governo do
Estado de São Paulo não apenas não revisou o aparato baseado na utilização excessiva de
cargos comissionados, como o ampliou. De fato, os 24.000 cargos comissionados citados de
maneira vaga no relatório do FMI em 2008 foram ampliados para 27.204 no cruzamento de
dados mais recente.

9. CONCLUSÃO

O estudo procura jogar luz sobre alguns expedientes de aparelhamento político


largamente utilizados pelo Governo do Estado de São Paulo que, além de refratários à
transparência, são contrários à boa gestão pública:
● a visão refratária à estruturação de um Ciclo de Planejamento e Gestão coerente
com um modelo de Estado Gerencial e com carreiras de Estado devidamente
institucionalizadas;
● a baixa proporção de servidores efetivos em áreas estratégicas da função estatal;
● o uso excessivo de cargos em comissão em diversas órgãos;
● o uso indiscriminado do instituto da designação como forma de não contabilizar
cargos em comissão;
● a inexistência de qualquer publicação similar ao Boletim Estatístico de Pessoal do
Governo Federal;
● a desconsideração com os números reais sobre funcionários comissionados
declarados ao IBGE no levantamento realizado com todos os governos estaduais
(Estadic).

A existência de órgãos e unidades administrativas compostos majoritária ou


exclusivamente por funcionários em comissão são situações que oportunizam todo tipo de
risco aos princípios da Administração Pública, ao Estado Republicano e Democrático. Tal
situação atingiu até a publicação deste estudo não somente órgãos importantes da
Administração Direta como a Secretaria de Energia e Mineração, mas também agências
reguladoras como a Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo (ARTESP),
criada em 2002 e, ainda em 2017, 100% composta por comissionados. Agências reguladoras,
ao menos na teoria de Administração Pública, deveriam ser projetadas para se resguardar
tecnicamente de influências e manipulações externas, sejam políticas ou econômicas.
Ressalva-se por fim que cargos em comissão não são um problema em si. Trata-se de
elemento importantíssimo para dar coesão e representatividade eleitoral à administração
pública, no sentido de orientar a administração ao direcionamento político e ao programa de
governo democraticamente eleito nas urnas, nas suas prioridades e intensidades. No entanto,
os números identificados no Governo do Estado de São Paulo indicam abuso injustificável de
funcionários comissionados que, por possuírem vínculo frágil, lastreado na relação de
confiança e lealdade estabelecida com o governante, compromete não apenas a continuidade
administrativa caso venha a ocorrer alternância de poder mas, mais do que isso, representa
risco efetivo à isenção técnica necessária em diversas funções típicas de um Estado que se
pretenda Moderno, Democrático, Republicano e de Direito.

NOTAS

1. O Governo do Estado de São Paulo não diferencia a natureza jurídica de Sociedades de


Economia Mista e de Empresas Públicas no que se refere à prestação de contas sobre
empregos públicos, sendo ambas as naturezas consideradas como ‘Empresas
Públicas’.
2. Conjunto de dados ‘Remuneração Mensal de Servidores e Empregados Públicos -
Administração Direta e Indireta’, disponível em:
http://www.transparencia.sp.gov.br/busca-agentes.html
Conjunto de dados ‘Relação de Funcionários - Administração Direta’, disponível em:
https://www.fazenda.sp.gov.br/SigeoLei131/Paginas/DDPEEscolhaConsulta.aspx
Conjunto de dados ‘Relação de Funcionários - Administração Indireta’, disponível em:
http://www.transparencia.sp.gov.br/consultaempregadospublicos.html
3. Ainda que em nota oficial o Governo do Estado de São Paulo tenha declarado possuir,
em 2013, 14.421 servidores comissionados, a verificação dos dados no próprio
Estadic/2014 do IBGE demonstra o número de 15.516 servidores comissionados que
teriam sido declarados, pelos canais responsáveis do governo paulista, para o IBGE.
4. O ‘Boletim Estatístico de Pessoal’ do Governo Federal está disponível em:
<http://www.planejamento.gov.br/assuntos/gestao-publica/arquivos-e-
publicacoes/BEP>
5. Os dados da Administração Direta têm data-base dezembro de 2016; os da
Administração Indireta têm data-base março de 2017.
6. Apesar das recomendações do FMI e da Mensagem do Governador reconhecerem a
necessidade da criação de carreira de Estado para atuar na área de controle interno,
ao longo do processo de criação das carreiras de EPP e APOFP a atribuição que versava
especificamente sobre controle interno como atribuição da carreira de APOFP passou
de um papel de “administração do sistema” para um papel de mera “assistência aos
responsáveis”. A redação desta atribuição variou de “executarão atividades
relacionadas à administração do sistema de controle interno” (na versão de
05.ago.2005, cf. Ofício SEP/SF nº 001/05) para “prestarão assistência aos responsáveis
pelo sistema de controle interno” (na versão final da Lei Complementar nº 1.034, de
04.jan.2008). Os referidos “responsáveis pelo sistema de controle interno” são
servidores comissionados da Secretaria da Fazenda, conforme já apontava o referido
relatório do FMI.
7. A Lei Estadual nº 12.391, de 23.mai.2006, dispõe sobre a revisão anual da
remuneração dos servidores públicos da administração direta e das autarquias do
Estado.

REFERÊNCIAS

CONJUR. TJ-SP manda empresa de economia mista dispensar servidores sem concurso.
Consultor Jurídico. 2016. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2016-ago-20/empresa-economia-mista-dispensar-servidores-
concurso>

FMI. Transparência das Ações e das Contas Públicas. Fundo Monetário Internacional /
Departamento de Finanças Públicas; Secretaria da Fazenda, 2008. Disponível em:
<http://aeppsp.org.br/attachments/article/145/transparencia_das_acoes_e_contas_publicas.
pdf>

GESP. Mensagem nº 102/07 do Sr. Governador do Estado. Projeto de Lei Complementar nº


53/2007, transformado na Lei Complementar nº 1.034/2008. Governador do Estado de São
Paulo, 2007. Disponível em:
<http://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=730693>

GLOBO. Número de servidores comissionados cresce 3,5%, diz IBGE. 2014. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/brasil/numero-de-servidores-comissionados-cresce-35-diz-ibge-
11861487>
IBGE. Estudo do Perfil dos Municípios e Estados Brasileiros - Estadic. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 2014. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/estadic/estadic2014/>

TJ-SP. Acórdão, voto nº 11.340. Processo Eletrônico nº 1010396-35.2015.8.26.0053, código


3F27EEE, https://esaj.tjsp.jus.br/esaj. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 2016.
Disponível em:
<http://s.conjur.com.br/dl/empresa-economia-mista-dispensar.pdf>

WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Editora


Universidade de Brasília. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999.
ARTIGO – Temas transversais

O Processo de Recrutamento e Seleção para o Centro de Serviços


Compartilhados do Estado de Minas Gerais: estudo de caso
Autoria: Julio Guimarães Barata e Amanda Cristina Bento Braga.

RESUMO: Este artigo é derivado de relatório de pesquisa que analisou uma política pública do
Estado de Minas Gerais de meados de 2010: a criação de uma organização e a busca por
profissionais para atuar nela, dentro do próprio governo. Os trade-offs típicos da definição do
método de seleção de pessoal têm análise dificultada devido a aspectos institucionais rígidos e
ao grande número de candidatos sem a quantidade proporcional na equipe designada a
escolhê-los. Executou-se pesquisa exploratória, qualitativa, utilizando-se elementos
documentais e bibliográficos e entrevistas, não estruturada com um dos membros da equipe
do projeto, e semiestruturadas com os gestores de núcleo, com a finalidade de obter o ponto
de vista da execução do planejamento de pessoal. O diagnóstico mostrou que os
procedimentos adotados dão margem a críticas. De caráter descritivo, este artigo se propõe a
ampliar o debate doutrinário de Recrutamento e Seleção de pessoal para o ambiente
tipicamente público.

PALAVRAS-CHAVE: Recrutamento e Seleção, Serviços Compartilhados, Administração Pública.

1. APRESENTAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

No bojo das reformas administrativas ocorridas desde a década de 1980, num


movimento conhecido como Teoria da Nova Gestão Pública, tomou forma uma complexa
política pública no Estado de Minas Gerais, replicando um modelo da iniciativa privada também
nascido na década de 1980, que repensa a existência de múltiplas unidades de apoio
administrativo. Sua centralização pretende criar uma unidade central (ou unidades centrais),
cujos serviços são compartilhados pelas unidades de negócio da organização, daí o nome Centro
de Serviços Compartilhados (CSC). A figura a seguir demonstra essa transição:

Figura 1 – Transição de uma organização com multiplicidade de áreas de apoio para uma com
CSC centralizado

Fonte: Pereira, 2013 (adaptado).


Essa centralização ocorre, segundo Carlos Magalhães (2012), por três motivos: reduzir
custos gerais1; liberar as unidades de negócio estratégicas para focar nas atividades finalísticas
da empresa (core business); e permitir que as atividades de suporte (aquelas centralizadas –
non core business) possam receber gerenciamento especializado e experiente.
O projeto do governo teve como conceito central que, por serem processos
transacionais com mesma base metodológica, sua execução não poderia divergir, tanto quanto
ocorria, de um órgão para outro, dando ensejo ao entendimento de que a centralização seria
uma boa saída (VILHENA, BRITO, VALLE, 2014). Deriva desse conceito central a ideia de que,
uma vez que o CSC absorverá as atividades de apoio, as unidades de negócio serão suas
clientes. Seguido pela iminente redução de esforço nas atividades de apoio, os órgãos cedem
parte dos seus servidores para compor o CSC. A outra parcela é absorvida pelo próprio órgão,
sobretudo em suas atividades finalísticas, ou é desligada. Considerando-se que eram cerca de
6.000 o universo de indivíduos, tem-se verdadeiro desafio a triagem de quem deve ser
transferido para o CSC, quem deve ser direcionado às atividades finalísticas e quem deve ser
desligado. Essas decisões encontram guarida em um dos conjuntos de ações da Administração
de Recursos Humanos (ARH), chamado de Recrutamento e Seleção.
Quatro fatores se somaram a esse processo. Primeiro, escolheu-se para a implantação
o ano de 2014, último ano de uma gestão de governo, o que significa que havia risco iminente
de não continuação caso o novo governante não aprovasse o projeto, levando ao dever de que
as ações resultassem em baixo grau de reversibilidade (PEREIRA, 2013). Segundo, cada órgão é
autônomo, podendo influenciar negativamente importantes etapas decisórias. Terceiro, o
servidor, objeto desse processo, tem importante papel de decisão e certo poder, sendo uma
força a ser considerada nessa trama. Quarto, que um projeto deste teor e porte traz mudanças
muito profundas, nos processos, nos poderes, nas culturas, sugestionando que os interesses
dos principais atores devem ser muito bem trabalhados.
Este trabalho objetiva apresentar a análise dos fatores que influenciaram o processo
de Recrutamento e Seleção (R&S) da equipe que formou o Centro de Serviços Compartilhados
mineiro, com foco na descrição, propriamente dita, dos processos de R&S utilizados e no papel
desempenhado pelos principais atores.

2. DA EXECUÇÃO DO RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DAS EQUIPES DO CSC


O tópico Recrutamento e Seleção é aquele no qual a organização identifica a
necessidade, busca e escolhe talentos para suprir carência de mão de obra. Encaixa-se no
macrossistema Planejamento de Pessoal apresentado por Benedito Pontes (2004), o qual se
divide em quatro processos: planejamento, recrutamento, seleção e integração2. A
operacionalização destes processos se deu por meio de cinco metodologias, distintas para
cada nível hierárquico do CSC (Subsecretário do CSC e Gestores de Núcleo, Coordenadores de
Célula, Setorialistas e equipes), tão mais complexa quanto mais alta a posição.

2.1. PLANEJAMENTO DE PESSOAL


A doutrina em Recursos Humanos enxerga o planejamento de pessoal como um
processo perene, que pretende mensurar e prever a demanda por pessoal e mapear as opções
internas e externas de suprimento dessas vagas, bem como a forma de operacionalizar os
outros três processos (PONTES; 2004, MILKOVICH; BOUDREAU; 2000). No modelo de Pontes, a
primeira atividade a ser feita dentro do planejamento, o estudo das atribuições e
responsabilidade dos cargos, é denominada “análise de cargos”. O autor complementa que a
análise de cargos é a atividade que define os postos de trabalho e suas atribuições, como
fatores mentais (conhecimento técnico e especialização, a complexidade da função), questões
físicas (nível de esforço físico, habilidades manuais necessárias, nível de concentração e
monotonia), nível de responsabilidade (por outras pessoas, por erros, por valores, por
decisões) e riscos.
O planejamento de pessoal do CSC contou com três processos: mapeamento dos
processos, redesenho dos processos em nível de atividades (Modelo Futuro) e realização de
Censo de Atividades para mensuração do nível de trabalho executado por cada órgão,
conforme se verifica na Figura a seguir:

Figura 2 – Planejamento de pessoal no CSC

Fonte: Elaboração própria.

Ao final do planejamento, houve um produto central: a definição do escopo (processos


que os órgãos não executariam mais, mas solicitariam ao CSC). Derivado desse, percebe-se a
definição de sua estrutura organizacional básica, a quantidade de pessoas necessárias em cada
setor, e as competências técnicas indispensáveis a cada posto de trabalho (Figura 3).

Figura 3 – Organograma da Subsecretaria do Centro de Serviços Compartilhados da


SEPLAG/MG

Fonte: MINAS GERAIS, 2013, p. 11.

Definiu-se, também, como seriam o ambiente de recrutamento e as metodologias de


seleção, que serão descritas a seguir.

2.2. RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAL

O processo de recrutamento é aquele que identifica e chama candidatos para a vaga,


despertando interesse neles. Esses candidatos podem estar tanto em outros postos de
trabalho da própria organização (recrutamento interno), quanto fora dela (recrutamento
externo): é o que se chama ambiente de recrutamento (LACOMBE; TONELLI; 2001). A seleção
nada mais é que escolher, dentre os candidatos recrutados, aqueles que mais se adequam a
cada uma das vagas. Quando o recrutamento é malfeito, não aparecerão candidatos para a
seleção, ou aparecerão candidatos cujas competências, valores e objetivos não condigam com
a vaga ou com a organização.
A seleção observará até quatro etapas: (1) triagem (formulários de inscrição,
entrevistas e análise de currículo), (2) aplicação de testes (conhecimentos, desempenho,
psicológicos), (3) entrevista de seleção, entrevista técnica, o exame médico e (4) a análise das
referências/antecedentes dos candidatos (MILKOVICH, BOUDREAU, 2000; PONTES, 2004).
Milkovich e Boudreau, em especial, enfatizam que a escolha de quais destas etapas, bem como
das técnicas em cada etapa, variará de cargo para cargo, pois em geral existe relação entre
custo e eficiência3. O uso de mais de uma técnica é comum, e a estratégia de seleção
identificará qual o conjunto que conseguirá dar ao selecionador a maior quantidade de
informações suficiente, sem comprometer o processo (como alto custo ou prazo intempestivo,
por exemplo). O nível mais adequado da seleção é aquele em que o avaliador entende com
profundidade todos os aspectos relevantes do candidato.
Dessa forma, os autores4 preferem o recrutamento interno5, pois nele conhece-se mais
o candidato, aumentando a probabilidade de acertar na escolha do melhor candidato, a moral
interna é fortalecida e há diminuição de custos, não necessariamente financeiros (DEVANA,
FOMBRUN, TICHY, 1984 apud LACOMBE, TONELLI, 2001; PONTES, 2004; MILKOVICH,
BOUDREAU, 2000). Assim, esse enquadramento tem uma implicação prática: quanta
informação os selecionadores têm dos candidatos, quanta informação os candidatos têm da
organização e da vaga, e quanto esforço será necessário para um resultado adequado.
Enquadrar o recrutamento de funcionários para o CSC como interno e/ou externo
depende do conceito do que é a “organização”. Apesar de ser um projeto do Estado de Minas
Gerais, e os funcionários recrutados faziam parte de vários de seus órgãos, em sua grande
maioria, não se pode considerar que o ambiente de recrutamento foi interno. Defendemos
que, para fins de planejamento, o CSC deve ser encarado como um dos órgãos do Estado,
autônomo e, portanto, os candidatos em cada um dos órgãos devem ser considerados como
de outra organização6. Uma vez que defendemos que o recrutamento foi externo, entende-se
a árdua tarefa que teve a equipe do projeto para selecionar os cerca de 6.000 candidatos
recrutados para ocupar as 625 vagas definidas para as equipes (Figura 3).
Isso foi perceptível no CSC, pois é possível discernir três metodologias7, aqui
entendidas como o conjunto de técnicas envolvidas na seleção, para os seguintes grupos: uma
para os cargos de subsecretário e gestores de Núcleo, uma para os coordenadores de equipes
e outra para os demais membros das equipes. Quanto mais altos os cargos, maior a
sofisticação e a quantidade das técnicas escolhidas na seleção (Figura 4).
Dá-se destaque à forte cultura de poder autônomo de cada órgão, somada à ausência
de envolvimento destes no processo de planejamento do CSC, que resultou em uma seleção
aleatória, ora omissa de qualquer técnica, ora aderente à equipe do projeto.
Além do nível de sofisticação das técnicas utilizadas, a pesquisa demonstrou que
somente houve aproximação da equipe do projeto, responsável pela seleção e com expertise
para tanto, com o primeiro grupo. Pouca ou nenhuma aproximação se viu na seleção dos
demais grupos. Pôde-se perceber que o afastamento decisório no processo do segundo grupo
foi opcional, mas o do terceiro grupo não: foi uma impossibilidade da equipe do projeto em
escolher servidores que estavam em outro órgão, ficando a cargo de cada um, fruto de
barganha. Por mais que a equipe do projeto tenha entregue a cada órgão a lista dos servidores
que deveriam migrar para o CSC, esses cederam os profissionais de acordo com as próprias
prioridades, e deve-se levar em conta que muitos não aprovavam o ideal do projeto. A visão
geral foi de um resultado aleatório do R&S, muitos funcionários “bons” e “ruins” foram
selecionados.

Figura 4 – Metodologias de seleção escolhidas, por grupo de candidatos


Quem executou
Grupo Técnicas de seleção utilizadas
as técnicas
. Teste de cunho psicológico
1.
. Testes de desempenho
Subsecretário e
. Testes de conhecimentos técnicos Equipe do projeto
gestores de
. Entrevista individual
núcleo
. Informações no local anterior de trabalho
. Busca ativa de coordenadores
2. Gestores de
. Entrevista individual
Coordenadores núcleo
. Informações no local anterior de trabalho
Quem executou
Grupo Técnicas de seleção utilizadas
as técnicas
. Adequação técnica e salarial, a partir do Censo de
3. Atividades Órgãos, após
Equipe . Múltiplas ações não padronizadas/metódicas, por sugestão da
diversos atores alheios ao processo, mas com forte equipe do projeto
poder de decisão.
Fonte: elaboração própria (dados da pesquisa).

Após ter sido identificada essa característica, a pesquisa se dedicou a analisar as


particularidades intrínsecas à seleção das equipes, processo que mais fugiu do planejamento e
do poder da equipe do projeto.

3. INTEGRAÇÃO E ASPECTOS INTRÍNSECOS AO PROJETO


Esta seção abordará aspectos considerados no Planejamento de Pessoal que
impactariam a vida futura do servidor no CSC, como política salarial, gestão da mudança e
execução das funções de RH.
A atividade de compor as equipes do CSC transcende ela mesma pois, na verdade,
havia duas tarefas. A primeira era escolher 625 funcionários dentre 6.000 espalhados nos
órgãos. A segunda era definir quais dos 5.400 funcionários remanescentes seriam alocados em
outras atividades nos órgãos e quais seriam desligados. Assim, numa visão mais ampla, o
projeto gerou a responsabilidade de cada órgão rodar um complexo processo de R&S. A
autonomia desses órgãos no envio de seus funcionários em detrimento da autonomia da
equipe do projeto é compreensível, embora não se a defenda.
A autonomia dos órgãos se estende à definição da estrutura salarial dos funcionários,
que difere substancialmente. A migração para o CSC juntou essas pessoas fisicamente, nas
mesmas equipes. Já na fase de planejamento pôde-se constatar que havia pessoas escolhidas
para um mesmo posto de trabalho com até 10 vezes de diferença entre salários. A partir da
definição de pisos salariais por equipe, a política adotada pelo projeto foi de incremento nos
vencimentos daqueles que ganhavam menos, mas não houve perdas daqueles que ganhavam
mais. Com o passar do tempo, já com o CSC em funcionamento e a integração das equipes, as
pressões se intensificaram no nivelamento dos salários, até por critérios de justiça.
Conforme aponta Elliott (apud WOOD JR, 2004), o enfoque na gestão da mudança
organizacional deve abordar a minimização do choque psicológico que ocorre em qualquer
mudança. Todavia, percebeu-se que, de toda a estrutura montada para lidar com esse quadro,
incluindo uma equipe específica, nomeada “Gestão da Mudança”, fez-se, basicamente,
treinamentos sobre como seria a operação futura, apresentação de fluxogramas,
disponibilização de computadores para o trabalho. Por fim, pode-se dizer que a integração
teve, sim, grande atenção, mas foi subaproveitada.

4. DISCUSSÃO
Embora tenha havido o esforço para se fazer um robusto trabalho de definição de
papeis e competências necessárias, aliado a um mapeamento do pessoal que estava espalhado
nos órgãos (que, futuramente, comporiam o CSC), a decisão final ficou a cargo do órgão, que
mandou quem lhe era conveniente, incluindo pessoas que a equipe do projeto nem conhecia,
como recentes concursados ou que não haviam preenchido o Censo de Atividades. Os
principais motivos foram: (1) eram poucas pessoas para analisar cerca de seis mil candidatos
dentro do (2) cronograma apertado estipulado e (3) não havia capital político (talvez tenha
faltado marketing) para que a equipe da SEPLAG atuasse de forma tão incisiva no quadro de
pessoal das outras secretarias, sendo esse último motivo o mais forte deles. Por causa disso,
não há erro em dizer que a seleção não observou a aplicação de técnicas padronizadas, uma
vez que a equipe do projeto foi, no final das contas, mera influenciadora dessas decisões.
A junção de pessoas com os mais variados salários, conforme exposto, não se
questiona, por não ser um problema enfrentado ou causado pelo CSC: ele apenas tornou claro
um problema de cargos e salários do Estado. Outro ponto a ser observado é a natureza
transacional dos processos congregados por um Centro de Serviços Compartilhados, de modo
que grande parte do trabalho deve ser operacional. Dada a não análise de perfil de todos os
servidores, pessoas com perfis inadequados para este trabalho foram absorvidas, o que deverá
ser observado em momentos futuros.
Ainda sobre a escolha das equipes, critica-se veementemente a ausência da
participação dos “candidatos” no próprio processo de seleção, demonstrando total
desrespeito para com sua condição de indivíduo pensador, um retrocesso taylorista. O
conceito do trabalho progrediu muito ao longo do tempo, deixando de lado a concepção
penosa e subssocial, sendo hoje em dia um valor importante e necessário ao desenvolvimento
do indivíduo, num contexto que extrapola o ambiente típico do trabalho (AMORIM, 2009;
MORIN, 2001; DUTRA, 2009). Quanto mais significativamente as políticas influenciarem a vida
dos indivíduos, mais elas devem adotar caráter participativo, de modo que os próprios
indivíduos possam opinar e, no mais das vezes, alterar a organização do trabalho.
O mesmo não se viu no processo de seleção dos gestores de Núcleo e de alguns
coordenadores, os quais não apenas foram convidados, com poder de escolher ir ou não,
como, em alguns casos, participaram do próprio processo de planejamento. É notável o êxito
logrado pela equipe do projeto nestas escolhas e, veja-se, foi exatamente esse o grupo
escolhido com o uso de maior quantidade de técnicas de seleção e das que tinham maior
correlação com resultados.
A seleção dos coordenadores foi um meio termo. Não foram aplicadas técnicas
devidamente assistidas para sua seleção, mas as entrevistas deixaram transparecer a
satisfação na maioria das escolhas. As escolhas tidas posteriormente como insatisfatórias
também guardam relação com a não padronização de procedimentos. Para métodos
aleatórios, resultados aleatórios.
Como ponto positivo, evidencia-se o esforço da equipe do projeto em escolher o
pessoal mais adequado às vagas, com um desenho minucioso de processos, ensaios sobre
aptidões comportamentais, mitigação de impactos com a política salarial, com treinamentos
introdutórios, com uma recepção amistosa dos selecionados, dentre outros, mas grande parte
desse esforço foi simplesmente desperdiçada pela falta de poder político na decisão,
exatamente o momento mais crucial de todo o processo.
Apesar das críticas estarem no sentido da não padronização dos procedimentos de
seleção, nem mesmo a doutrina defende seu êxito. As técnicas são aplicadas por indivíduos
para entender indivíduos, sendo que ambos têm informações limitadas sobre a realidade e,
portanto, erros são esperados. Elas servem para guiar selecionadores e minorar erros. Seus
resultados dizem respeito às percepções dos gestores com o desempenho dos indivíduos
selecionados, de modo que seu simples seguimento não é sinônimo de êxito, trazendo uma
ótica de correlação positiva. Posto isso, toma ainda mais força a defesa da utilização das
técnicas que a Administração de Recursos Humanos vem desenvolvendo.
O ambiente político típico do setor público também deve ter atenção mais que
especial, uma vez que as técnicas derivadas do setor privado consideram uma lógica política
totalmente diversa, fazendo com que a simples importação diminua o impacto e as chances de
sucesso.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou mostrar a implicação da estrutura organizacional pública em um
projeto de planejamento de pessoal que envolve mais de um órgão: a transversalidade da
matriz de responsabilidades. No final, o nível de sucesso alcançado dependeu menos das
metodologias escolhidas, e mais das relações de poder entre os atores. Defendemos que,
antes de se debruçar sobre a operacionalização do projeto, deve-se entender se existe (e
garantir haja) uma estrutura institucional que suportará o processo.
Também buscamos chamar atenção para a falta de bibliografia que aborde o processo
de Recrutamento e Seleção para, especificamente, a criação de organizações. Para sua
operacionalização, hoje, é necessário se fazer uma série de analogias e abstrações a partir da
doutrina de R&S existente e de áreas outras como Gestão de Projetos, Marketing e
Planejamento Estratégico. Isso se agrava quando se fala em setor público, que
tradicionalmente tem bibliografia menos robusta que o setor privado.
Espera-se que os apontamentos aqui feitos sirvam na consecução de quaisquer outros
projetos públicos deste teor, não apenas de Centros de Serviços Compartilhados.

NOTAS

1 Conforme apontado por Martins e Amaral (2008) 25 a 30% dos custos da produção de
uma empresa são imputados às áreas de apoio. A própria criação de um CSC já traz um
corte de gastos, porque percebe-se a não necessidade de toda a mão de obra que antes, em
unidades fragmentadas, era utilizada.

2 Não foi encontrada bibliografia totalmente aderente ao objeto de estudo, pois todas
tratam de organizações “em andamento” e defendem o Planejamento de Pessoal (ou a
terminologia própria de cada autor) como atividade perene, que prevê a vacância e já tem
todos os planos de ação para serem executados quando ela ocorre. Também não foi
possível recorrer plenamente à Gestão de Projetos, uma vez que não se trata do projeto (ou
da política pública), mas do processo que este projeto gerará.

3 O índice de validade apresentado pelo autor para as entrevistas estruturadas pode chegar
a 0,60 ou mais, numa escala de 0,0 a 1,0 de polaridade maior melhor. Os testes de
habilidade partem de 0,40, podendo chegar a 0,80. Apesar do alto coeficiente de correlação,
o autor aponta que, ao mesmo tempo que carecem comprovações empíricas sobre a
validade das entrevistas, elas são o método mais popular, sendo pois mais “uma arte que
uma ciência”

4 Ratificamos o posicionamento destes autores tendo em vista a lógica perene do


planejamento, pois o recrutamento interno só o é no momento da alocação do candidato. Em
algum momento, foi feita a seleção externa, o funcionário foi treinado e agora está apto para
a função em análise. Outro ponto é que, quando se trata de saída do funcionário da
organização, dificilmente ela conseguirá executar recrutamento estritamente interno, pois o
posto do candidato transferido ficará vago.

5 Essa defesa encontra ponderações para cargos de grande importância organizacional,


como CEO ou presidente, no qual o recrutamento interno muitas vezes é preterido.
6 É importante destacar que esta definição só se sustenta a priori, durante o planejamento,
pois a defesa do que foi efetivamente executada é diferente, e será demonstrada ao final.

7 Apesar de terem sido próximas, não se pode afirmar que essas três metodologias foram
seguidas de forma absoluta (por exemplo, para todos os seis gestores de núcleo,
exatamente um mesmo conjunto de técnicas). Essa junção em três grupos foi feita para fins
didáticos.

REFERÊNCIAS
AMORIM, Ivam Gerage. Cidadania e direito ao trabalho. Revista Internacional de Direito e
Cidadania, n. 4, p. 79-96, junho/2009. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32789-40560-1-PB.pdf>. Acesso
em: 04/03/2017.

DUTRA, Joel Souza. Gestão de Pessoas: Modelo, Processos, Tendências e Perspectivas. 1. ed.-
8. reimp. São Paulo: Atlas, 2009.

LACOMBE, Beatriz Maria Braga. TONELLI, Maria José. O Discurso e a Prática: o que nos Dizem
os Especialistas e o que nos Mostram as Práticas das Empresas sobre os Modelos de Gestão de
Recursos Humanos. RAC, v. 5, n. 2, Maio/Ago. 2001: 157-174.

MAGALHÃES, Carlos. Como alavancar vantagem competitiva através de Centro de Serviços


Compartilhados: Estratégia para maximizar o valor em sua organização. 1. ed. São Paulo: All
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MARTINS, Vicente de Paula; AMARAL, Francisco Piedade. A consolidação da prática de serviços


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MILKOVICH, George T.; BOUDREAU, John W. Administração de recursos humanos; tradução


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