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BARBOSA

ARTIGO DE LMS
REVISÃO

DIFICULDADES
IFICULDADES DE APRENDIZAGEM: D ISLEXIA
APRENDIZAGEM
E DIS GR
DISGR AFIA NA ER
GRAFIA A DA INFORMAÇÃO
ERA
Laura Monte Serrat Barbosa

RESUMO – A dislexia e a disgrafia, na visão da Epistemologia


Convergente, de Jorge Visca, não são resultados diagnósticos, e sim unidades
de análise, em três níveis: semiológico, que analisa o sintoma; patogênico,
que investiga os mecanismos que provocam o aparecimento do sintoma; e
etiológico, que analisa a dimensão histórica da dificuldade para ler ou
escrever. Essa forma de avaliar as dificuldades de leitura e escrita considera
também os aspectos da cultura que, nos dias atuais, caracterizam-se pela
informação. A forma de processar e transmitir a informação obedece a
paradigmas de uma visão neomecanicista que promovem, na linguagem
escrita, uma série de modificações, inclusive uma pouca preocupação com os
aspectos formais da língua. Pode-se dizer que os sintomas, antes considerados
dificuldades específicas de aprendizagem da linguagem, hoje aparecem no
processo de aprendizagem de um grande número de aprendizes. É preciso
uma avaliação cuidadosa para distinguir um quadro de transtornos na leitura
e escrita dos leitores e escritores produzidos pela cultura digital.

UNITERMOS: Dislexia. Agrafia. Transtornos do desenvolvimento da


linguagem. Transtornos da linguagem.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Muitos estudos têm sido desenvolvidos desde


A referência às dificuldades de aprendizagem então e, em sua maioria, essas dificuldades
necessita da consideração do contexto histórico e receberam o nome de dislexia (para ler) e de
cultural no qual elas aparecem, assim como a disgrafia (para escrever) e foram consideradas
fundamentação teórica que apóia a leitura dos dificuldades específicas da área da linguagem.
fenômenos, para que haja uma melhor compreensão. Os dois termos têm sido utilizados como
As dificuldades de leitura e escrita foram resultados diagnósticos e estão descritos no
estudadas, principalmente, por ocasião da Segunda “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Guerra Mundial e da Revolução Industrial, pela Mentais – DSM – IV”1: Dislexia – como um outro
medicina, particularmente pela oftalmologia. nome dado ao Transtorno de Leitura; Disgrafia –
Considerava-se, naquela época, que tais dificuldades como um outro nome dado ao Transtorno de Escrita.
só poderiam se relacionar à saúde dos olhos, daí o Ao se receber pais de crianças que apresentam
nome “cegueira verbal”, utilizado no século XIX. dificuldades de aprendizagem, é comum ouvir:

Laura Monte Serrat Barbosa – Pedagoga; Psico- Correspondência


pedagoga; Especialista e Mestre em educação; Membro Av. Agostinho Leão Jr., 37 – Curitiba – PR – Brasil –
do conselho da ABPp, Seção Curitiba / Paraná-Sul. 80030-110 – Fone: (41) 3015-4178 / 3363-1500
E-mail: lauramonteserrat@bol.com.br

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DISLEXIA E DISGRAFIA NA ERA DA INFORMAÇÃO

“Meu filho apresenta uma grande dificuldade de a generalização do diagnóstico e do tratamento


leitura”, por exemplo. Quando se discute o caso que, não raramente, busca uma estimulação
dessas crianças com profissionais da área de multisensorial, para abranger todas as possibi-
saúde, também é comum ouvir: “Trata-se de um lidades de causas.
quadro de dislexia”. Visca2 desenvolveu uma linha de pensamento
Será que o que se informa aos pais, ao final diagnóstico apoiada na visão da Epistemologia
de um processo diagnóstico, não é a mesma coisa Convergente e entende que os termos dislexia e
que os pais trouxeram no primeiro dia, apenas disgrafia são nomes de sintomas que decorrem
com a utilização de uma palavra mais complicada da combinação de diferentes mecanismos; estes,
e que possui um respaldo científico? Outra por sua vez, podem ter origem histórica em
pergunta que vem à mente é: Será que o termo distintas situações. A utilização dos termos
disléxico, ou disgráfico, tem sentido para esses dislexia e disgrafia como diagnóstico não traduz
pais? Ou o único sentido seria o de dar um nome toda a complexidade de mecanismos capazes de
para o problema e, em muitas situações, esconder produzir os sintomas equivalentes.
a pessoa atrás de sua dificuldade? Nesse sentido, Visca2 propõe três níveis de
O que se percebe na clínica psicopedagógica análise dos problemas de aprendizagem,
é que, em alguns casos, o nome do problema serve incluindo os de leitura e de escrita: um que
para proteger o sujeito das situações de apren- analisa o sintoma (nível semiológico), outro que
dizagem, para justificar suas dificuldades e para estuda as causas atuais que promovem o
a obtenção de ganhos secundários na escola e aparecimento do sintoma (nível patogênico) e um
em casa, tornando-se a dificuldade mais terceiro que investiga a gênese, ou seja, a causa
importante do que a própria pessoa. Os senti- histórica (nível etiológico).
mentos frente às dificuldades não são trabalhados Assim, o diagnóstico é traduzido para o
e não há o movimento de superação e enfren- aprendiz e para seus pais de uma forma dinâmica,
tamento do problema. Em outros casos, os nomes explicando-se qual é o mecanismo que está
dislexia e disgrafia assustam, e a família chega produzindo a dificuldade de leitura e de escrita,
aflita ao consultório, pensando que seu filho não ou ambas, qual é a origem desse mecanismo na
possui nenhuma perspectiva de vida, como se o história do aprendiz e quais são as atitudes que
sucesso e a felicidade de uma pessoa estivessem devem ser tomadas para a minimização ou
atrelados à “cura de um mal”. Questiona-se, pois, superação das dificuldades. Os nomes não têm
o uso dos termos dislexia e disgrafia, como um importância nesse enfoque, e o sujeito passa a
resultado, por se entender que os mesmos não vislumbrar saídas para a superação de suas
traduzem, por si só, a dificuldade vivida pelo dificuldades.
aprendiz. Informar o diagnóstico de uma dificuldade
O termo dislexia, por exemplo, precisa vir para ler com a palavra dislexia, seu sinônimo, é
acompanhado por outros termos para indicar bem diferente de dizer para um pai que seu filho
diferentes comprometimentos no mecanismo de apresenta aquela dificuldade devido a
ler. Por exemplo, dislexia de desenvolvimento, mecanismos visuais e/ou auditivos, decorrentes
dislexia adquirida, dislexia acústica, dislexia da sua pouca idade; ou que sua dificuldade está
motriz, dislexia visual, dislexia profunda, dislexia atrelada às dificuldades familiares nessa área da
de superfície, dislexia de atenção, etc. linguagem desde X geração; ou que ela tem uma
Isso significa que cada pessoa que apresenta relação com as recorrentes infecções de ouvido,
um quadro de dislexia mostra falhas em distintas havidas até os três anos de idade; ou que está
funções ou cadeias de funções, o que torna grave relacionada ao alto nível de ansiedade dos pais

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para que o filho não apresente nenhuma falha otras categorías. (...) Así, por ejemplo, para ciertos
na aprendizagem da escrita. Além dessas, casos, una omisión es una negación, una sustitución
existem outras possíveis causas que originaram es una proyección etc., pero también una omisión y
um determinado funcionamento, e todas indicam una sustitución pueden ser otra cosa3.”
distintas formas de intervenção. Os sintomas, na realidade, são uma abstração,
Dislexia e disgrafia, para Visca2, são unidades resultado de categorizações e de forma alguma
de análise do nível semiológico e correspondem aos são a pessoa propriamente dita. Neste sentido,
sintomas específicos da aprendizagem sistemática. Visca2 autorizou a si mesmo a dar os nomes aos
sintomas, considerando a etimologia da palavra
DIAGNÓSTICO e fazendo, posteriormente, uma análise do funcio-
Um diagnóstico das dificuldades da apren- namento da aprendizagem no momento atual e
dizagem só se completa quando tais dificuldades no decorrer da história do aprendiz. Para ele, o
passam pelos três níveis de análise. sintoma é a parcela que o sujeito pode mostrar
do quê e de como aprende; nesse sentido, o
a) Nível de Análise Semiológico – do sintoma sintoma de aprendizagem é o emergente da
Não se pode, simplesmente, diagnosticar personalidade em interação com o sistema social
levando-se em consideração apenas o sintoma que e seus membros.
o aprendiz apresenta. A dificuldade para ler pode O sintoma pode indicar uma dificuldade
ter causas de origem emocional, cultural, cogni- específica de aprendizagem, com causas
tiva, orgânica ou funcional. funcionais de origem neurológica, quando o
Para Visca2, os sintomas apresentam indi- aprendiz os apresentar com muita freqüência e
cadores, menores indícios de que tal dificuldade intensidade, quando não for mais o momento em
pode fazer parte de uma categoria maior. seu processo de alfabetização ou quando não
Entretanto, a dificuldade para ler, observada existirem dificuldades cognitivas, dificuldades de
através de indicadores, como troca de letras, vinculação afetiva e falta ou inadequação no
omissões, acréscimos, rotações, inversões e outros, ensino/aprendizagem da linguagem escrita.
não pode ser diretamente diagnosticada como Tendo em vista esse tratamento dado ao sin-
dificuldade específica de aprendizagem toma, apresenta-se a descrição dos sintomas estu-
(dislexia), sem antes se analisar o contexto, o dados neste trabalho, sem ainda caracterizar suas
momento atual de aprendizagem e a história do possíveis causas, senão com o objetivo de apre-
aprendiz. Por exemplo, uma criança que está sentar um perfil, que pode indicar aprendizagem
aprendendo a ler, independente da idade que em processo ou dificuldade de aprendizagem.
possua, apresenta esses sintomas, sem que isso Disgrafia é uma palavra que resulta de duas
queira indicar uma dificuldade para aprender; raízes gregas: dis, que quer dizer dificuldade, e
ao contrário, indica um movimento de progresso graphê, que quer dizer a maneira de representar
em relação ao que sabia anteriormente. Uma as palavras de uma língua. Para Visca2, disgrafia
criança que teve uma grande perda em sua vida quer dizer, a partir da sua origem etimológica, a
no momento de sua alfabetização pode apresentar dificuldade para a aprendizagem da escrita de
trocas e omissões, não por motivos perceptivos, uma língua.
mas por questões afetivas. Outros estudiosos do assunto chamam de
“...los fenómenos que llamo indicadores de un disgrafia a dificuldade para traçar as letras de
síntoma de aprendizaje e los síntomas mismos no forma adequada, ao que Visca2 denominou de
dejan de ser fenómenos que también pueden ser discaligrafia. A disgrafia está relacionada à
estudiados desde otras disciplinas, en función de maneira de grafar as palavras, e não as letras,

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levando-se em consideração as regularidades e despontam e de nomeá-los, é preciso entender


as arbitrariedades da língua. porque o sujeito apresenta aquele tipo de sintoma,
A disgrafia possui vários indicadores, relata- de erro, de falha na sua aprendizagem.
dos a seguir, tendo como suporte a síntese As dificuldades específicas de aprendizagem,
apresentada por Visca2 no Quadro 1. como dislexia e disgrafia, podem ter como
elementos definidores alguns aspectos ligados ao
desenvolvimento das funções perceptivas,
QUADRO 1
discriminativas, viso-espaciais, da linguagem, da
Inversões escola - secola memória, da atenção, da concentração; ligados
Substituições gema - gena às diferenças funcionais que se caracterizam por
Casos especiais - por confusão: gado - cado
ser a forma como funciona o pensamento do
de substituições - por translação:
aprendiz para que ele aprenda (predomínio da
- translação prospectiva:
assimilação, predomínio da acomodação,
escola - ecolas
- translação retrospectiva: dificuldades com a reversibilidade, necessidade
escola - aescol de experimentação, aprendizagem no decorrer
- por rotação: da atividade e outros); assim como aspectos
- rotação em eixo horizontal: ligados à vinculação afetiva do aprendiz com as
u-n, p-q, b-d situações de aprendizagem.
- rotação em eixo vertical: Isso quer dizer que as causas atuais, ou os
p-b, q-d, a-e obstáculos que podem dificultar a aprendizagem
- rotação em ambos os eixos: h-y da linguagem escrita de forma específica, são os
Agregação Luís - Louís obstáculos funcionais e os de caráter afetivo.
Casos especiais - por reiteração: Luís – Luíís
Obstáculos funcionais: podem ser de caráter
de agregação - por translação:
orgânico ou de funcionamento do pensamento e
- prospectiva: toma sopa - toma
podem se ligar tanto às hipóteses de dificuldades
tosopa
- retrospectiva: me assumi - mea cognitivas, quanto às relacionadas às vinculações
assumi afetivas do aprendiz com as situações de
Omissão parada - parda aprendizagem.
Dissociação cinema - ci nema Para Fonseca4, existem alguns indicadores
Contaminação o homem - o ohomem capazes de fundamentar causas do funcio-
Ignorância de dificuldade para evocar e namento do organismo; são eles: problemas de
uma grafia representar uma grafia discriminação auditiva; inadequação da seqüên-
cia fonema/grafema; problemas de associação
auditiva; problemas com a oralidade; problemas
Dislexia também possui, na sua origem, duas de maturação nas funções da linguagem;
raízes gregas: dis que quer dizer dificuldade e dificuldade viso-espacial; problemas com a
lexis que diz respeito à leitura. Sendo assim, lateralidade; inversão de imagens e de letras;
dislexia quer dizer dificuldade para ler uma inconstância configuracional e direcional;
língua. Os indicadores de dislexia são os mesmos dificuldade em associar fatores verbais e concei-
da disgrafia, porém, eles aparecem no ato de ler tos direcionais; dificuldades de integração
e não no de escrever. auditivo-visual-motora; baixo autoconceito.
Essas dificuldades, ligadas mais especi-
b) Nível de Análise Patogênico – da causa ficamente aos aspectos do funcionamento do
atual e de seus obstáculos organismo, podem ser originadas de uma
Além de se identificar os sintomas, de se ver pequena disfunção neurológica, a qual pode
como eles aparecem, em que momento eles interferir no desenvolvimento viso-espacial e

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auditivo, na capacidade de integração da Para Ellis5, a aprendizagem da linguagem oral


informação recebida, nos conceitos, no desen- e escrita envolve processos cognitivos ligados ao
volvimento motor e tátil-sinestésico4. sistema de análise visual e ao sistema semântico
O sujeito que apresenta tais dificuldades, que possibilitam a identificação dos sinais impres-
combinadas entre si de diferentes formas, pode sos e de sua posição dentro de uma palavra, o
apresentar dificuldades específicas de apren- reconhecimento de cadeias de letras como palavras
dizagem que denotem como sintoma a dislexia, conhecidas e do significado da palavra que está
a disgrafia e outros que estão diretamente ligados sendo lida, a consciência fonológica, etc.
à aprendizagem da linguagem escrita. Já Smith6 possui uma concepção diferente, que
O aprendiz que apresenta esse tipo de pode complementar o quadro de fatores necessários
sintoma, cujo obstáculo principal está atrelado para se aprender a linguagem escrita: “Existe
ao funcionamento do organismo, necessita de somente um modo de se resumir tudo o que uma
compreensão durante seu processo de apren- criança deve aprender a fim de se tornar um leitor
dizagem. Embora inteligente e capaz de fluente, e esse é dizer que a criança deve aprender
aprender o conteúdo esperado para a série, pode a utilizar a informação não-visual, ou o conheci-
se encontrar barrado pela linguagem escrita. mento anterior, de modo eficiente, quando aten-
Muitos apresentam dificuldades para interpretar tando para a linguagem escrita. E uma compre-
o texto escrito; outros lêem o que não está escrito ensão das finalidades e convenções dos textos é
e recebem mensagem distinta, diferente da uma parte central da informação não-visual. O
intenção do autor; outros cansam durante a aprender a ler não requer memorização de nomes
leitura, por terem que realizar um esforço muito e letras, ou regras fonéticas, ou um grande
maior que um leitor eficiente, e não conseguem vocabulário; tudo isso vem no curso do aprendizado
chegar no final da tarefa; há ainda aqueles que, da leitura, e pouco disso fará sentido para uma
mesmo com esforço, conseguem finalizar a criança sem alguma experiência em leitura.”
leitura, mas não conseguem aproveitá-la na sua Pensando assim, o conhecimento dos fatores
totalidade. psiconeurológicos envolvidos deve servir para a
Com relação à escrita, existem pessoas que compreensão do problema de leitura ou do momento
não se intimidam e, mesmo estando conscientes da aprendizagem no qual o aprendiz se encontra;
de suas falhas, não deixam de escrever, porém, não deve se transformar em exercícios
conseguindo transmitir a sua idéia; porém, descontextualizados. A aprendizagem da leitura
existem aqueles que não querem ser ridicula- não é possibilitada por uma simples soma de
rizados por seus erros e formam uma grande habilidades, mas sim pela consideração de
resistência para escrever. Alguns resumem muito informações não-visuais, aquelas que possibilitarão
seu pensamento quando precisam registrá-lo ao aprendiz o contato com unidades significativas.
através da escrita, e outros se negam a registrá- As funções envolvidas na aprendizagem da
lo dessa forma. linguagem escrita e os obstáculos funcionais não
As aquisições requisitadas pelo cérebro para podem ser considerados de forma isolada no
ler são as seguintes: controle postural e da estudo das dificuldades específicas de apren-
atenção; seguimento de orientações e direções dizagem. O obstáculo funcional, referente ao
viso-espaciais; memória auditiva; seqüencia- funcionamento do organismo, pode ser de causa
lização e ordenação fonética; memória visual; genética ou não e precisa ser enfrentado a partir
seqüencialização e ordenação gráfica; capacidade do momento em que é percebido.
para decodificar palavras; análise estrutural da Durante muito tempo, a interpretação das
linguagem; síntese lógica e interpretação da dificuldades de aprendizagem teve como eixo
linguagem; desenvolvimento do vocabulário; norteador uma visão patologizante, que acabou
expansão e generalização léxica; referenciais por considerar, por vezes, o processo de apren-
léxico-sintáticos4. dizagem como uma possível doença.

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Nesse sentido, sintomas de dislexia, por mento figurativo e o pensamento operativo; defa-
exemplo, nem sempre querem significar sagem entre aspectos do pensamento figurativo:
problemas decorrentes de obstáculos funcionais desenho e escrita, por exemplo.
que tenham como origem disfunções neuroló- Obstáculos de caráter afetivo: um sujeito
gicas, patológicas. Às vezes, são disfunções pode apresentar dificuldades de aprendizagem,
decorrentes do próprio amadurecimento não necessariamente por questões cognitivas e
neurológico; outras, são de ordem cultural, funcionais, mas também determinadas pelo
ligadas à falta de estimulação para a aquisição tipo de vínculo afetivo que estabelece com as
da linguagem escrita; também podem ser situações de aprendizagem. Visca 2 utilizou o
originadas por questões de ansiedade extrema, termo obstáculo epistemofílico para denominar
as quais não permitem o bom uso do aparelho as interferências da vinculação afetiva do
neurológico, muito embora não exista nenhuma aprendiz com os objetos e situações de
disfunção dessa ordem. aprendizagem. Para ele, vínculos inadequados
Por isso, os sintomas de dificuldades específicas podem interferir, impedindo ou dificultando a
de aprendizagem precisam ser investigados com aprendizagem.
uma visão mais ampla, considerando-se também Esse obstáculo pode adotar diferentes
os aspectos orgânicos, mas não somente eles. configurações, que se constituem a partir das
Outra categoria de causas funcionais não diz ansiedades básicas que sustentam os vínculos de
respeito ao funcionamento do organismo, mas está um aprendiz com o mundo.
relacionada à forma de aprendizagem dos sujeitos e Assim, uma ansiedade confusional, que gera
aos mecanismos que utilizam para pensar e resolver indiscriminação, dificuldade em perceber
seus problemas. Visca2 chama tais causas de valências positivas ou negativas, pode resultar
“diferenças funcionais”, que podem ser percebidas em uma conduta dependente. Um aprendiz que
quando investigamos o desenvolvimento cognitivo não consegue ter claras as suas possibilidades e
dos aprendizes, através do método clínico. limitações fica confuso, inseguro, espera que
Apesar do estudo das diferenças funcionais alguém diga para ele o que é para ser feito.
ter sido realizado, na Epistemologia Convergente, A ansiedade confusional, que sustenta um
para entender as operações lógicas do pensa- vínculo dependente com as situações de apren-
mento, percebe-se, na clínica diária, uma relação dizagem, é vivida por todos diante da novidade.
dessas diferenças funcionais com o desenvol- Sempre que se está diante de algo não conhecido,
vimento da linguagem escrita. espera-se que alguém esclareça, assuma a frente,
Embora ainda não existam pesquisas mais resolva aquele problema, como se fosse uma
amplas e específicas para confirmar tais obser- extensão do sujeito.
vações clínicas, relacionam-se algumas diferenças Quando a presença dessa ansiedade é muito
funcionais que podem se tornar obstáculos à intensa e muito freqüente, a vinculação dependente
aprendizagem da linguagem escrita, gerando um com as situações de aprendizagem pode passar a
sintoma de dificuldade específica de apren- ser um obstáculo importante à aprendizagem.
dizagem: nível de desempenho diferente do nível Muitos sintomas de dificuldades de aprendi-
de competência; dificuldade de recapitulação; zagem da língua escrita podem possuir, como
defasagem entre execução e verbalização; causa atual, vinculações afetivas inadequadas
compreensão da tarefa quando realizada por com as situações de aprendizagem, decorrentes
outro; predomínio da assimilação; predomínio da da ansiedade confusional, que o não-conhecido
acomodação; dificuldade de argumentação; pode gerar.
contradição diante da contra-argumentação; Quando o sujeito está confuso, pode trocar
contradição diante do fenômeno real; dificuldade letras, esquecer do traçado, aglutinar palavras e
de realizar tarefas com elementos universais, produzir ações que podem ser confundidas com
descontextualizados; defasagem entre o pensa- falhas neurológicas.

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Foi atendido o caso de um menino que come- primeira delas diz respeito à indiscriminação
çou a trocar letras no momento da alfabetização, estudada pela escola psicanalítica, a qual mostra
fato que fez sua mãe ficar muito preocupada, que o sujeito, num primeiro momento do processo
mesmo sabendo que, na sua idade, isso era de aprendizagem, vincula-se com um objeto
considerado normal. A mãe, ansiosa, pediu à aglutinado, não consegue perceber diferenças e
escola encaminhamentos, a qual se negou a fazer entra em ansiedade confusional; a segunda diz
por não considerar nenhuma anormalidade na respeito a uma insensibilidade cognitiva,
aprendizagem daquela criança. A mãe continuou estudada por Piaget, citado por Visca3, que está
insistindo e, na segunda série, o menino já havia relacionada à uma estrutura cognitiva ainda não
vencido quase todas as trocas, de surdas por capaz de fazer discriminações em situações de
sonoras, que fazia, mas persistia com uma delas. aprendizagem mais complexas. Por isso, os bebês
Isso fez com que ela triplicasse sua ansiedade e ficam um tempo mantendo um vínculo afetivo
solicitasse da escola um encaminhamento, o qual simbiótico com o mundo e, cognitivamente, não
foi negado novamente. conseguem conservar os objetos em suas mentes.
O menino submeteu-se a avaliação fonoau- Esse menino citado apresentava um obstáculo
diológica, audiométrica, avaliação da audição epistemofílico e, por isso, não conseguia apren-
central, exame oftalmológico, neurológico, uma der. Os aspectos energéticos (afetivos) não
bateria considerável de exames para, ao final, mobilizavam suas estruturas cognitivas para que
confirmar a hipótese da escola: ele não possuía superasse sua insensibilidade e acabavam por
dificuldades para aprender devido a obstáculos provocar a indiscriminação, como no bebê, tanto
funcionais, mas construiu uma dificuldade de do conteúdo a ser aprendido, quanto de suas
aprendizagem a partir da ansiedade confusional capacidades e limitações.
decorrente de uma vinculação simbiótica, entre Piaget8 disse que “é impossível encontrar
ele e a mãe, que não amadureceu e que foi condutas que revelem somente afetividade sem
deslocada para a vinculação que estabelecia com elementos cognitivos, e vice versa”. Por isso, é
as situações de aprendizagem. importante a investigação do tipo de vinculação
Nesse sentido, acredita-se que as conclusões afetiva que o sujeito estabelece com as situações
diagnósticas não devem ser emitidas apenas a de aprendizagem antes de se classificar os
partir do sintoma que o sujeito apresenta. Um problemas como decorrentes do funcionamento
sintoma de dislexia, como já afirmado, pode ser do organismo, exclusivamente. Essa afirmação,
causado por dificuldades perceptivas, por no entanto, não significa que não se devam fazer
diferenças funcionais ou por uma indiscriminação investigações de aspectos funcionais e orgânicos
decorrente da ansiedade confusional. quando se encontrarem sintomas de dificuldades
Essa posição vem esclarecer porque se específicas de aprendizagem.
considera importante o diagnóstico, que muitos Um outro tipo de ansiedade estudada, como
psicopedagogos abolem de sua ação inicial. possível obstáculo à aprendizagem, pela escola
Acredita-se que é imprescindível compreender qual psicanalítica e por Visca 2 , é a ansiedade
o principal obstáculo, pois uma criança que proveniente de uma capacidade de dissociar as
apresenta dificuldades de leitura por questões valências de um objeto ou situação, separando
perceptuais necessita de um atendimento diferente os aspectos positivos dos negativos de um objeto,
daquela que apresenta dificuldades por questões sem poder integrá-los em nenhum momento.
vinculares apoiadas em uma ansiedade confusional. Enquanto o vínculo proveniente da ansiedade
Visca3, ao tratar do erro, fundamentado na confusional gera uma conduta dependente, o
visão construtivista de Piaget, encontra equiva- vínculo decorrente de uma ansiedade que dissocia
lências entre aspectos afetivos e cognitivos de gera condutas defensivas. Quando um aprendiz
uma conduta, estudada também por Bleger7. A separa a valência positiva e negativa de um objeto

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de aprendizagem, por exemplo, ele está diante resultantes da relação entre o aprendiz, aquele
de uma situação que valoriza o bem, dissociando-o que ensina e o conteúdo a ser aprendido, como
do mal, passa a ter medo que o bem ou o mal o se ele fosse o único responsável pelos sucessos
ataque e, por isso, precisa se defender. Aqui já ou insucessos no ato de aprender;
existe discriminação, não há mais confusão; por - exigir a perfeição e, por isso, repetir várias
isso, a conduta não é mais dependente, e sim vezes o mesmo comportamento, com o intuito de
busca manter as valências separadas. super organizar a tarefa, utilizando uma conduta
Nesse caso, o aprendiz pode: obsessiva que pode afastá-lo de seus reais obje-
- evitar situações de aprendizagem, colocan- tivos de aprendizagem.
do a valência negativa na tarefa, buscando Tais condutas, chamadas por Bleger7 de defen-
sempre outra coisa para fazer, sem conseguir sivas, são próprias das defesas que qualquer ser
enfrentar o que lhe espera; humano pode adotar diante de uma novidade
- sentir medo de enfrentar o novo, temendo que o desestabilize e, portanto, não podem ser
que isso vá atacar o conhecimento que já possui, consideradas patológicas; porém, quando o
permanecer no conhecido e apresentar uma aprendiz se utiliza sempre da mesma forma de
conduta, chamada por Pichon-Rivière 9, de defesa, com uma intensidade maior do que
agorafóbica; aquela esperada para o grupo com o qual convive,
- ter medo de entrar em contato com suas ele pode ter seu processo de aprendizagem
limitações e, por isso, “borboletear” entre várias obstaculizado, de tal forma que a conduta que
tarefas, apresentar sintomas de hiperatividade, adota para se defender acaba por impedir, ou
fazer várias coisas ao mesmo tempo, denotando dificultar, sua aprendizagem, voltando-se contra
uma conduta a qual o mesmo autor chamou de ele, ao invés de beneficiá-lo.
claustrofóbica; A maioria dos casos de dificuldades com a
- despistar o “medo de sentir medo” e adotar aprendizagem, no entanto, apresenta esse tipo
uma conduta contra o medo, chamada de de obstáculo de caráter afetivo, como obstáculo
contrafóbica, que se caracteriza por o sujeito secundário, resultado de uma dificuldade
realizar a tarefa mesmo antes de pensar, de saber específica mal administrada, ou como causa atual
o que é para fazer, para não ter que se deparar da dificuldade apresentada.
com o incômodo que é fazer um levantamento de Houve uma cliente que não conseguia colocar
aspectos positivos e negativos da tarefa e das suas suas capacidades a serviço de sua aprendizagem
capacidades e limitações para realizá-la; porque se acreditava incapaz de fazer qualquer
- seduzir o outro para que ele não perceba as coisa bem feita e, por isso, fazia bem apenas
suas dificuldades, uma vez que colocou a valência aquilo que aparecia para o outro, e não aprofun-
negativa em si. Chorar, sentir dores, dramatizar, dava nenhuma tarefa. Já na sétima série, não
elogiar, levar presentes são exemplos de condutas conseguia se achar bonita, inteligente, caprichosa
sedutoras adotadas por aprendizes que não e cuidadosa, todas qualidades que possuía, mas
confiam de suas capacidades; não conseguia reconhecê-las em si mesma.
- colocar a culpa de suas falhas em outras Essa forma de se perceber, que começou a se
pessoas, nos objetos e na própria tarefa, ou seja, desenvolver logo após a separação de seus pais
projetar algo que é seu, para fora de si, sem sentir- e o afastamento da mãe por questões profissionais
se responsável pela tarefa. Essa projeção também e de sobrevivência, provocou o desenvolvimento
pode acontecer em relação às valências positivas; de uma forma de aprender mais superficial, que
- assumir a culpa ou a responsabilidade do não pode sobreviver com a chegada de um
não saber, ou do saber sem considerar o aspecto conteúdo mais complexo, na sétima série.
interacionista do processo de aprender, ou seja, Apesar do obstáculo ser de caráter afetivo, a
introjetar valências positivas ou negativas demora para a busca de apoio acabou por interferir

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no seu funcionamento para aprender, e ela no vínculo anterior e da dissociação de atributos


precisou de um acompanhamento psicopeda- no processo de aprendizagem.
gógico e de uma compreensão diferenciada de Tal estado de estabilização, proporcionado por
seus professores; embora capaz, precisava de um esse tipo de vinculação, não pode permanecer
apoio para que superasse a conduta de evitação por muito tempo; caso aconteça, pode impedir
da dificuldade através da conversa excessiva na que o aprendiz arrisque o contato com outras
sala de aula. novidades, por medo da desestabilização.
Esse caso foi atendido de forma sistêmica, e É esperado que, após uma estabilização, o
sua dificuldade acabou por trazer ao atendimento sujeito se exponha ao novo outra vez, para que
toda sua família que pôde, também, beneficiar-se novamente experimente a confusão, a discri-
com o trabalho desenvolvido. minação e uma nova integração.
A terceira forma que a ansiedade assume, e Quando a ansiedade depressiva passa a ser
que pode se transformar em obstáculo à apren- um obstáculo, o sujeito aprendiz tem medo de
dizagem, caracteriza-se por ser o que se chama enfrentar novas situações, coloca-se numa posição
de ansiedade depressiva, resultado da integração passiva ou apresenta uma grande angústia por
das valências positivas e negativas em um só reconhecer os aspectos positivos e negativos de
objeto ou situação. Aqui as valências não se um mesmo objeto a ser aprendido. Não consegue
encontram misturadas como no caso da ansiedade lidar com os mesmos, não se sente capaz de se
confusional, nem dissociadas como na ansiedade mobilizar para dar conta da ambivalência que eles
que separa as valências, mas o aprendiz é capaz sugerem, nem da percepção integrada que sua
de conceber em um só objeto de aprendizagem a estrutura cognitiva possibilita.
existência de aspectos positivos e negativos ao A conduta depressiva de um aprendiz pode
mesmo tempo. obstaculizar sua aprendizagem. Ele precisa de
Um professor pode ser chato e bom ao mesmo ajuda para poder avançar e acreditar que a
tempo, assim como uma disciplina ou uma tarefa. O aprendizagem é um movimento e nunca será
aprendiz é capaz de perceber os opostos presentes possível chegar a um estado final de perfeição;
em uma mesma situação sem ter que os dicotomizar. como um mar, a aprendizagem sempre produzirá
Quando o sujeito se vê frente a tal situação, novas ondas, que são decorrentes da interação
tem medo de perder o que já conseguiu aprender do aprendiz com o conhecimento, com o mundo
e, por isso, deprimi-se para poder deixar entrar e com as pessoas que fazem parte dele.
algo que antes era diferente daquilo que acre- Os obstáculos de caráter afetivo, que podem
ditava. Com certeza, perde-se o jeito anterior de ser decorrentes dos três tipos de ansiedade
pensar, mas se ganha um outro, mais completo, descritos e que sustentam vínculos diferenciados
que ampliará sua possibilidade de ação no mundo. com as situações de aprendizagem, são
Muitas vezes, entretanto, os aprendizes não percebidos através das distintas condutas que o
possuem essa consciência, e o medo da perda aprendiz apresenta frente às situações de
pode assumir um tamanho maior do que ele aprendizagem.
merece, provocando o aparecimento de condutas No entanto, quando se analisa uma dificuldade
depressivas muito intensas e freqüentes que de aprendizagem, é preciso diferenciar o seu
podem obstaculizar seus processos de aparecimento como conseqüência de um obstáculo
aprendizagem. de caráter afetivo, responsável direto pela
Num processo normal de aprendizagem, esse dificuldade de aprendizagem e visto como um
momento possibilita um vínculo integrado com a obstáculo primário, de um obstáculo secundário.
situação de aprendizagem, estabilizando tanto as Na maioria dos casos de dificuldade aten-
condutas, quanto as estruturas cognitivas, didos, os obstáculos epistemofílicos aparecem
possibilitando a superação da divalência existente como secundários, mas nem por isso deixam de

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DISLEXIA E DISGRAFIA NA ERA DA INFORMAÇÃO

ser elementos interatuantes importantes e que compreensão da dificuldade e orientar o


precisam ser considerados por todos que sejam profissional em termos da intervenção.
responsáveis pelo ensinar/aprender de uma Conhecer os entornos, a qualidade das
pessoa. interações e mediações realizadas, as reações do
aprendiz e do seu contexto, auxilia a se ter uma
c) Nível de Análise Etiológico – da história visão mais ampla da problemática e a encontrar
de aprendizagem soluções que considerem a dificuldade com
Já se falou no nível de análise do sintoma, no a aprendizagem um elemento da própria
nível atual de análise da aprendizagem, que aprendizagem, e não um elemento estranho a ela.
compõem o estudo dos obstáculos à apren- Para Visca2, as causas históricas podem ser
dizagem; agora, será abordado o nível histórico de caráter biológico ou psicológico, e o momento
de análise do processo de aprender. final de investigação, comumente chamado de
Esse nível de análise está relacionado ao anamnese, deve vislumbrar todo o desenvol-
esquema evolutivo da aprendizagem, apre- vimento do sujeito, o acompanhamento realizado,
sentado por Visca2 e que aborda a evolução da os exames solicitados, assim como toda evolução
aprendizagem na relação do aprendiz com as do comportamento e das relações com as pessoas
diversas mediações encontradas no decorrer da e com as tarefas no período de vida do aprendiz.
sua história. A prática psicopedagógica que revela tais níveis
Todas as dificuldades apresentadas para de análise segue os passos descritos a seguir.
aprender possuem origens na caminhada que
se faz na vida. Os tipos de vínculos estabe- a) Nível semiológico – analisa-se o sintoma
lecidos com as situações de aprendizagem que por meio da Entrevista Operativa Centrada na
se apresentam, com os mediadores que se Aprendizagem (EOCA)2, da Entrevista Operativa
encontra, com os fatos, conhecimentos, normas Familiar (EOFa)10 e da observação do aprendiz
e culturas podem interferir na disponibilidade na escola. O Primeiro Sistema de Hipóteses é
para aprender, na motivação interna para tal. organizado a partir da análise do sintoma.
Os valores aprendidos na interação com o
mundo, a visão de pessoa, de educação, de b) Nível patogênico – a análise é realizada
respeito, de limite podem aproximar ou afastar por meio de recursos avaliativos escolhidos para
o sujeito de situações de aprendizagem testar as hipóteses levantadas e identificar o
consideradas necessárias pela sociedade da principal obstáculo à aprendizagem. O Segundo
qual faz parte. Sistema de Hipóteses é organizado a partir da
As aprendizagens assistemáticas realizadas confirmação ou não das hipóteses iniciais e do
no cotidiano, observando-se as ações dos pais e levantamento de outras.
das mães, dos professores e das professoras, dos
amigos e parentes, dos ídolos, oferecem maior c) Nível etiológico – a causa histórica é
ou menor repertório para que se possa aprender buscada a partir de uma pesquisa sobre a história
de forma mais sistemática. A história escolar, de do aprendiz (anamnese), com questões
aprendizagens sistemáticas, também contribui organizadas tendo como referência o segundo
para o sucesso ou fracasso como aprendiz. sistema de hipóteses. O Terceiro Sistema de
Quando se encontra um aprendiz com difi- Hipóteses é organizado considerando-se o teste
culdades para aprender, também é preciso estudar das hipóteses do segundo.
a gênese dessa dificuldade através da história Todos esses níveis de análise das dificuldades
do aprendiz em suas dimensões: racional, de aprendizagem abordados, em particular da
afetiva/desiderativa, relacional e biofisiológica. leitura e da escrita, devem estar atrelados à
Esse conhecimento histórico pode facilitar a consideração do contexto atual.

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ERA DA INFORMAÇÃO elaboração de uma imagem, a escuta, inclusive a


Para Lèvy11, uma cultura identifica-se com a leitura e a escrita.
contínua reiteração de um tipo particular de É preciso escrever rápido, abreviar, criar
processamento e transmissão da informação. símbolos próprios; as regras são relativizadas; as
Na história da humanidade, já se passou pela imagens associadas à fala e ao movimento
forma de processamento e transmissão oral do possibilitam o entendimento sem a necessidade
conhecimento, através da qual o relato do relato de leitura; a falta de limites acaba por banalizar
do relato era guardado na memória e passado o erro, e “tudo” passa a ser aceito. A pressa faz
com suas distorções por meio das dramatizações, com que a sociedade espere que as crianças leiam
das reencenações, das enumerações e recitações. e escrevam cada vez mais cedo. Métodos de
A dislexia e a disgrafia, certamente, não fazem aquisição de escrita perdem a sistematização,
sentido nessa forma de ensino/aprendizagem. característica que especifica o todo para que o
Embora o processamento e a transmissão oral aprendiz domine todas as nuanças desse instru-
continuem existindo, nos cancioneiros, nos mento; as correções, modificações, adições e
contadores de histórias, nos cordéis e nas rodas supressões não exigem a reescrita; os erros são
de poesia, uma outra forma surgiu: o proces- sinalizados automaticamente.
samento e a transmissão escrita do conhecimento. Parece que estão sendo produzidos leitores e
A escrita e, posteriormente, a impressão possi- escritores com sintomas de disgrafia, dislexia,
bilitaram a passagem de uma cultura pré-histórica dissintaxe, disortografia e outros; porém, não se
(da oralidade) para uma cultura que registra e, pode esquecer que se vive um outro momento
pelo registro, faz a história. histórico, que exige a construção de outros
A leitura, a escrita e a interpretação são mecanismos mentais; por isso, não é possível
instrumentos importantes num novo ciclo de apenas se apoiar nos diagnósticos descritos em
memória social. Nesse sentido, ter dificuldades outro tempo e patologizar todos os compor-
da utilização de tais instrumentos parece ameaçar tamentos das crianças e adolescentes frente à
o modo de produção e passa a ter uma conotação linguagem escrita. A mudança de alguns
patológica. paradigmas tem interferido na formação dos seres
E hoje? Em que mundo se vive? Qual o papel humanos e modificado muitas de suas ações,
da linguagem escrita nesse mundo? Como as idéias e sentimentos.
informações são veiculadas no mundo atual? O A aprendizagem, tanto na família quanto na
que se espera dos aprendizes a partir do ritmo escola, também sofre modificações no que se
que se imprime no cotidiano, dos muitos refere ao estilo de aprender e às estratégias
conhecimentos existentes e da necessidade de utilizadas pelos aprendizes. Percebe-se que as
se estar informado? As falhas de escrita possuem mudanças culturais têm contribuído para a
o mesmo grau de importância que possuíam constituição de outras formas de funcionamento
anteriormente? A geração digital, na era da mental que, apesar de serem confundidas com
informação, precisa de que ferramenta lingüística obstáculos patologizantes, têm se apresentado
para se comunicar? como próprias dos novos tempos e demandam
O processamento e a transmissão do conheci- abordagens mais amplas para a sua superação, e
mento nessa forma de produção cultural enfatiza não terapias de caráter curativo, que considerem
a vertente da transformação 11 . O texto é apenas a existência de um cérebro.
considerado como uma matéria-prima que, de sua Quando se resolve ensinar coisas sem consi-
forma bruta, inicial, é transformada de tal modo derar o conhecimento anterior dos aprendizes e
que desfaz, descaracteriza sua história. sem fazer relações com a vida cotidiana, com os
Muitas atividades humanas passam a ter fenômenos sociais e naturais já conhecidos, pode-
novas características, como o jogo, a visão e a se desenvolver um obstáculo epistemológico que,

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DISLEXIA E DISGRAFIA NA ERA DA INFORMAÇÃO

para Visca2, está relacionado à cultura e aos assume um grande espaço na comunicação da
valores de um grupo. geração digital e o cálculo assume um poder
O aprendiz deixa de aprender ou apresenta sobre a linguagem, corre-se o risco de considerar
entraves não porque tem uma dificuldade de mais da metade da população de aprendizes
aprendizagem, mas porque apresenta uma como portadores de transtornos específicos de
dificuldade com a aprendizagem, não consegue linguagem.
ancorar o novo conhecimento em algo que possua Faz-se, pois, um convite a todos os profis-
significado para si. A criança, além de não sionais envolvidos nessa problemática para uma
aprender, acaba sendo responsabilizada pelo reflexão acerca das questões a seguir:
seu não-saber e encaminhada para atendimentos - será que as dificuldades de leitura e escrita
paralelos, que podem camuflar as falhas exis- destacadas hoje trarão os mesmos problemas
tentes na escola. nessa nova era?
A maioria das crianças e das pessoas que - será que as dificuldades para leitura e escrita,
apresentam dificuldades com a aprendizagem é dos alunos, não estão relacionadas a tudo que
identificada, na escola, como portadora de uma estão aprendendo com a forma digital de
doença e encaminhada para fora dela. Pensa-se processamento e transmissão da informação?
que ela deveria ser ouvida e vista, também, como - serão suficientes categorizações diagnósticas
o sintoma da doença da instituição, que precisa e exercícios treinadores para que se possa
se modificar, mas se esconde atrás dos programas humanizar a cultura digital que se impõe?
curativos para, em muitos casos, continuar parada - como será possível continuar fazendo história
e ineficiente. sem descartar todos os instrumentos que temos
Nesse sentido, os sintomas de dislexia e inventado?
disgrafia necessitam, mais do que nunca, serem - como será possível fazer coexistir as formas
analisados de forma contextualizada. Num de processamento e transmissão da informação
momento em que a rapidez é mais importante do através da oralidade, da escrita e da digita-
que a qualidade da escrita, no qual as metodo- lização, sem se patologizar demais os meios
logias de ensino da escrita assumem outras encontrados para a adaptação às novidades, frutos
características, em que a linguagem visual da criação humana?

* Converging Epistemology

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SUMMARY
Learning disorders: dyslexia and dysorthography
in the age of information

According to the work by Jorge Visca, Epistemologia Convergente* , both


dyslexia and dysorthography are not the end result of a diagnostic, but rather
units of analyses that are divided into three levels: the semiological level,
which analyses the symptom; the pathogenic level, which studies the
mechanisms that give rise to the symptom; and the etiologic level, which
analyses the background scope of the reading or writing disorder. This form
of assessing reading and writing disorders also takes into account cultural
aspects, which are nowadays characterised by information. The way that
information is transmitted and processed follows the paradigms of a neo-
mechanistic approach, thus imposing a series of changes on the written
language, including lack of concern with the formal aspects of language. It
has been observed that the same symptoms that in the past were associated
to specific language-learning disabilities are nowadays commonly found
among a large number of learners. Identifying reading and writing disabilities
is a task that requires diligent assessment within the digital culture scenario.

KEY WORDS: Dyslexia. Agraphia. Language development disorders.


Language disorders.

REFERÊNCIAS 6. Smith F. Compreendendo a leitura: uma


1. DSM – IV – Manual diagnóstico e estatístico análise psicolingüística da leitura e do
de transtornos mentais. Tradução Dayse aprender a ler. Porto Alegre:Artes Médicas;
Batista. 4ª ed. Porto Alegre:Artes Médicas; 1989.
1995. 7. Bleger J. Psicologia da conduta. Porto
2. Visca J. Clínica psicopedagógica: a Episte- Alegre:Artes Médicas;1984.
mologia Convergente. Porto Alegre: Artes 8. Piaget J. Inconsciente afectivo e inconsciente
Médicas;1987. cognoscitivo. Estudos de Psicologia Gené-
3. Visca J. El aprendizaje como segmento de tica. EMERCE;1973.
conducta. Rev Psicopedagogia 2000; 9. Pichon-Rivière H. O processo grupal. São
19(53):24-8. Paulo:Martins Fontes;1988.
4. Fonseca V. Introdução às dificuldades de 10. Equipe da Síntese. Processo diagnóstico da
aprendizagem. Porto Alegre:Artes Médicas; dificuldade de aprendizagem num enfoque
1995. sistêmico. Rev Psicopedagogia 1991;22:33-9.
5. Ellis AW. Leitura, escrita e dislexia: uma 11. Lèvy P. A máquina universo: criação,
análise cognitiva. Porto Alegre:Artes cognição e cultura informática. Porto Alegre:
Médicas;1995. Artmed;1998.

Trabalho baseado na experiência da autora, em Artigo recebido: 29/06/2005


Psicopedagogia clínica, supervisão e consultoria a Aprovado: 14/08/2005
instituições e indivíduos, realizada na Síntese – Centro
de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da
Aprendizagem – Curitiba, PR.

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