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Roberto da Justa Pires Neto, Márcia Cristina Guimarães, Maria Janete Moya,
Fabíola Reis Oliveira, Paulo Louzada Júnior e Roberto Martinez
Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais e Divisão de Imunologia do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
Endereço para correspondência: Prof. Roberto Martinez. Departamento de Clínica Médica/FMRP/USP. Av. Bandeirantes 3900, Monte
Alegre, 14048-900 Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Fax: 55 16 633-6695.
Recebido para publicação em 16/2/00.
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amplo espectro de doenças infecciosas e não contribuir para uma melhor compreensão dos
infecciosas 2 22. A infecção por C. neoformans mecanismos envolvidos na fisiopatologia desta
associada a imunodeficiência humoral é uma micose. São relatados dois casos de doença
condição pouco descrita na literatura. A descrição criptocócica em pacientes com deficiência da
de casos de pacientes com esta associação pode imunidade representada por hipogamaglobulinemia.
RELATO DOS CASOS
Caso 1. Mulher de 35 anos, branca, com Decidiu-se, então, pela realização de biópsia
diagnóstico de meningite criptocócica estabelecido estereotáxica. Estudo histopatológico confirmou
em janeiro de 1997 em outro serviço médico, foi diagnóstico de encefalite fúngica. Cultura do
admitida no Hospital das Clínicas da FMRP-USP, fragmento da biópsia e de LCR resultou em
em novembro de 1997. Já havia recebido tratamento isolamento de C. neoformans. Novo tratamento
com anfotericina B com dose acumulada de com anfotericina B foi instituído e avaliação da
2.000mg. À admissão, relatava queixas, há 3 meses, imunidade foi conduzida, sendo diagnosticada
de cefaléia frontal, tonturas, vertigens, diminuição hipogamaglobulinemia. Em dezembro de 1998,
progressiva da acuidade visual e anosmia. Não teve diagnóstico de tuberculose pulmonar, sendo
havia história de exposição a C. neoformans . iniciado tratamento com esquema I (rifampicina,
Relatava quadros gripais freqüentes nos últimos isoniazida e pirazinamida). Em janeiro de 1999,
anos. Exame neurológico não evidenciou foi iniciada reposição intravenosa mensal de
alterações e não havia sinais de irritação meníngea. imunoglobulina humana (0,4g/kg), evoluindo, a
O hematócrito foi 33% e a contagem de leucócitos partir de então, com melhora clínica e controle
14.400/mm3, com 93% neutrófilos, 1% bastonetes da infecção fúngica. Tratamento para tuberculose
e 6% linfócitos. Exame radiológico dos pulmões foi prolongado até agosto de 1999, completando
revelou infiltrado intersticial infra-hilar à direita. nove meses. Os sintomas neurológicos regrediram,
Tomografia computadorizada (TC) de crânio com exceção de perda total da acuidade visual
evidenciou lesão hipodensa expansiva em região a esquerda. Não houve normalização da função
de núcleos da base à esquerda, com importante renal. A paciente segue em ambulatório mantendo-
efeito de massa e com captação anelar na fase se 200mg/dia de fluconazol e reposição mensal
contrastada. A glicemia de jejum foi de 95,4mg/dl. de imunoglobulina, o que proporcionou a
A pesquisa de anticorpos anti-HIV em soro (ensaio normalização dos níveis séricos de IgG e IgA.
imunoenzimático) resultou negativa em mais de Caso 2. Homem de 51 anos, branco, teve
uma ocasião. Iniciou-se, então, novo tratamento diagnóstico de criptococose pulmonar e de SNC
com anfotericina B até que medidas anti-edema feito em outro serviço em setembro de 96. O
cerebral permitissem punção liquórica. Após diagnóstico foi baseado em exame micológico
1.000mg de dose acumulada de anfotericina B, direto positivo e isolamento de C. neoformans a
foi realizada punção da região suboccipital para partir de líquido pleural e líquor. Exame de
retirada de líquido cefaloraquidiano (LCR) que ressonância magnética revelou lesões em
evidenciou 2,0células/mm3, proteína 10mg/dl e parênquima cerebral e cerebelar sugestivas de
glicose 69mg/dl. Estruturas fúngicas compatíveis encefalite. Relatava história de exposição a
com C. neoformans foram observadas através dejetos de pombos algumas semanas antes do
da Tinta da China e a pesquisa de antígeno início dos sintomas. Recebera tratamento com
criptocócico por aglutinação do látex foi positiva anfotericina B (2.000mg de dose acumulada) e
em título de 1/2. Decidiu-se, então, dar continuidade fluconazol (200mg/dia por 3 meses), com melhora
ao tratamento com anfotericina B. Após 1.400mg parcial dos sintomas. Em fevereiro de 97, o
de dose acumulada, foi necessário mudar paciente voltou a apresentar quadro de cefaléia,
tratamento para fluconazol oral (400mg/dia) devido tremores de extremidades, diplopia, turvação visual
a nefrotoxicidade induzida pela anfotericina B. e escotomas. Com este quadro, iniciou seguimento
Houve regressão da cefaléia e da tontura, mas no Hospital das Clínicas da FMRP/USP. Ao
persistência da anosmia e da alteração da acuidade exame, observou-se hemiparesia à direita,
visual. Após intervalo de 3 meses, em março de diminuição de murmúrio vesicular e frêmito
1998, a paciente voltou a apresentar queixa de tóraco-vocal em base do hemitórax esquerdo e
cefaléia associada a dificuldade para escrever e hepatomegalia. O hematócrito foi 37,6% e a
diminuição da acuidade auditiva a direita. Nova TC contagem de leucócitos 4.800/mm3 com 54%
de crânio revelou aumento da lesão intracerebral. neutrófilos, 2% bastonetes, 3% eosinófilos, 5%
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basófilos e 36% linfócitos. Radiografia de tórax da imunidade foi conduzida, sendo diagnosticada
evidenciou hipotransparência de padrão alveolar hipogamaglobulinemia. Reposição intravenosa
em 1/3 inferior do parênquima pulmonar mensal de imunoglobulina humana (0,4g/kg) foi
esquerdo e TC de crânio revelou múltiplas lesões instituída em junho de 1998, obtendo-se
expansivas esparsas pelo parênquima cerebral estabilidade clínica, controle da infecção fúngica
e cerebelar, associados a edema perilesional. A e normalização dos níveis séricos de IgG e IgM.
glicemia de jejum foi de 80,6mg/dl e a pesquisa O paciente segue em acompanhamento
de anticorpos anti-HIV em soro (ensaio ambulatorial, em uso de fluconazol 200mg/dia.
imunoenzimático) resultou negativa em mais de Avaliação da imunidade e resultados. A
uma ocasião. Novo tratamento com anfotericina avaliação dos diversos componentes da
B foi instituído. Ao todo, recebeu 8.050mg de imunidade foi realizada em ambos os pacientes
dose acumulada, sendo 3.200mg em formulação mediante técnicas padronizadas. Avaliou-se
convencional (50mg/dia), seguido de 4.850mg separadamente a fagocitose, a atividade do
em formulação liposomal (2,5mg/kg/dia) devido complemento, a imunidade humoral e a
a nefrotoxicidade induzida pela primeira. Foi imunidade celular levando-se em consideração
liberado para seguimento ambulatorial com aspectos quantitativos e qualitativos. Os
discreta hemiparesia direita e em uso de resultados obtidos encontram-se nas Tabelas 1
fluconazol 200mg/dia. Uma avaliação detalhada e 2. Os valores das imunoglobulinas, obtidos
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DISCUSSÃO
Cryptococcus neoformans é um fungo aos anticorpos anti-capsulares incluem fixação e
encapsulado, saprófita, com distribuição mundial, ativação do complemento, opsonização, clareamento
sendo encontrado no solo, especialmente aquele de antígenos circulantes, potencialização da
contaminado com excretas de pássaros. Infecção atividade anticriptocócica de células natural killer,
pelo C. neoformans se dá através da inalação dentre outras8 12 14 15.
de partículas fúngicas aerosolizadas e a doença A hipogamaglobulinemia é alteração da
progressiva parece ocorrer com freqüência imunidade humoral caracterizada por baixos
relativamente alta em indivíduos com alguma níveis séricos de anticorpos, sendo encontrada em
alteração da imunidade mediada por células, seja várias síndromes de imunodeficiência humoral18.
primária ou adquirida 4. Condições adquiridas, O aspecto clínico mais relevante observado nos
sabidamente associadas a deficiência da pacientes portadores de hipogamaglobulinemia
imunidade mediada por células e que parecem é a suscetibilidade aumentada às infecções.
predispor à doença criptocócica, são: linfomas, A deficiência na produção de anticorpos,
leucemias crônicas, sarcoidose, infecção pelo especialmente do tipo IgG, acarreta uma
HIV/AIDS e uso de corticosteróides ou outros predisposição a infecções recorrentes ou crônicas
agentes imunosupressores em transplantes de de vias respiratórias causadas principalmente por
órgãos sólidos4. Inúmeros estudos, tanto em modelo bactérias piogênicas capsuladas. Os pacientes
animal como em humanos, atribuem à imunidade podem também desenvolver infecções em outros
celular papel fundamental na defesa contra esta locais além do trato respiratório e, mais raramente,
infecção fúngica7 19. A importância do papel dos podem infectar-se com outros patógenos como
anticorpos só mais recentemente vem sendo micoplasmas, micobactérias, vírus, protozoários
melhor compreendida. Admite-se, hoje, que tanto e fungos 2 10 11 21 22. O espectro de doenças
a imunidade celular quanto a humoral e suas associadas à hipogamaglobulinemia é ainda
interações desenvolvam papéis fundamentais na mais amplo e não se limita apenas a infecções
defesa do hospedeiro contra infecção por C. oportunistas, mas também inclui doenças
neoformans. As atividades biológicas atribuídas inflamatórias auto-imunes e neoplasias2 3 11 13 18.
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AGRADECIMENTO
Agradecemos ao Dr. Dayr Kiomizu Kazava do Laboratório de Patologia Cirúrgica e Citopatologia
de Ribeirão Preto, SP, pela realização do estudo histopatológico do caso 1.
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