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Resumo
O presente artigo aborda a discussão recente sobre a dança no museu, a partir da análise
e reflexão das obras de dois coreógrafos, Xavier Le Roy e Boris Charmatz. Almeja-se
expor as ideias, discussões, e definições sobre as relações entre o museu e as produções
com a dança e a coreografia. Trabalha-se com a hipótese de que a dança no museu rede-
fine a noção de visualidade no campo das artes visuais; e o museu como locos potente
para apresentações da dança e da coreografia ampliadas. Os visitantes de museus podem
ter novas experiências sobre o corpo, o tempo, o espaço, a arquitetura, através da con-
cepção de um museu de ideias, de movimento e de experiências. O museu, por sua vez,
torna possível para a dança imaginar um novo espaço público, que potencialmente per-
mite novos formatos de exibição, de conservação de obras, de produção e compartilha-
mento do conhecimento sobre o corpo que dança.
1Prof. Dr. Arthur Hunold Lara é livre-docente pela FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universi-
dade de São Paulo.
Introdução
Xavier Le Roy com a sua exposição “Retrospective” (que ocorreu em 2012 na Funda-
ció Antoni Tàpies - Barcelona) representa os artistas da dança que se apropriam da exposição
como mídia para a elaboração de uma coreografia; Boris Charmatz com o seu projeto “Musée
de la Danse” afirma, entre outras coisas, ser a dança um museu “virtual” em seu “Manifesto
for a Dancing Museum” (2008).
Segundo André Lepecki 2e Mark Franko 3 parece ser impossível imaginar a história
das artes visuais, após a segunda Guerra Mundial, sem considerar a dança e a coreografia. As
abordagens atuais indicam que as relações entre a dança e o desenvolvimento das artes visu-
ais, não tratam, apenas, de reescrever a história e em encontrar linhas paralelas de desenvol-
vimento entre as artes. Quando as exposições On Line: Drawing Trough the Twentieth Cen-
tury (2011) e Abstraction (2013), ambas realizadas pelo MoMA em Nova York (EUA), expu-
2 André Lepecki is professor and chair in the Department of Performance Studies at NYU. An independent cura-
tor working on live performance, he has curated projects for, Haus der Kunst, Munich, PERFORMA, Haus der
Kulturen der Welt, Berlin, MoMA-Warsaw, and Sidney Biennial 2016, among other venues in the United States,
Europe and Brazil. He has edited several anthologies on dance and performance theory, including Of The Pres-
ence of the Body (2004), Planes of Composition (2010), and Dance (2012) and is author of Exhausting Dance
(translated into ten languages) and Singularities (2016).
3Mark Franko is a professor of Dance and chair of the Theater Arts Department at the University of California,
Santa Cruz. He is the author of The Work of Dance: Labor, Movement and Identity in the 1930’s (Stanford Uni-
versity Press), Dancing Modernism/Performing Politics, Dance as Text: ideologies of the Baroque Body, and The
Dancing Body in Renaissance Choreography. He is the co-editor of Acting on The Past: Historical Performance
Across the Disciplines. His articles on dance and performance have appeared in Discourse, PMLA, The Drama
Review, Res: Anthropology and Aesthetics, Theater Journal, and in numerous anthologies.
seram tanto coreografias ao vivo como documentações como objetos de exibição, o que pare-
ce estar em questão, neste momento, é como a presença da dança no museu reelabora a noção
de visualidade no campo das artes visuais. Com os exemplos a seguir, procura-se demonstrar
a hipótese de que a dança achou no espaço do museu uma maneira de reinventar a performan-
ce como exposição. (LEPECKI; FRANKO. 2014)
XAVIER LE ROY
Xavier Le Roy 4 foi convidado a realizar uma retrospectiva de sua obra coreográfica
pela curadora belga Laurence Rassel 5, que acabara de entrar na Fundación Antoni Tápies em
Barcelona (2011). Segundo Rassel, o que a motivou, foi uma análise minuciosa sobre o con-
texto e a configuração da fundação naquele momento, os desafios, os espaços, e as relações
possíveis de se imaginar. Isso fez com que essas questões ficassem visíveis, evidentes, tangí-
veis, e como algo para ser compartilhado com o público através dos seus novos projetos. Lau-
rence desejava estar acompanhada para enfrentar esses desafios e, para ela, parecia óbvio
convidar Xavier Le Roy. Para a curadora, o modo como Xavier conduz o seu trabalho, sempre
levando em consideração as categorias como espaço, relações, períodos de tempo, definições
e condições de produção, foi o que definiu o seu convite. Rassel afirma que seu interesse era
menos em trazer a linguagem da dança ou da performance para a fundação, do que o método
de trabalho e de intervenção que ela e Xavier poderiam realizar juntos. 6
4Xavier Le Roy holds a doctorate in molecular biology from the University of Montpellier, France, and has been
working as a dancer and choreographer since 1991.
5Laurence Rassel is Director of Fundació Antoni Tàpies, Barcelona. From 1997 to 2008, she was a member of
nonprofit association Constant, an interdisciplinary arts-lab, based and active in Brussels, dealing with free soft-
ware, copyright alternatives, and (cyber) feminism.
6Laurence Rassel; Christophe Wavelet. Questioning The Institution. France: Les Presses Du Réel, 2011. P. 31-
46. Catalog.
Segundo Bojana Cvejic7, editora chefe da publicação da exposição “Retrospective”, a
exposição ofereceu derivações acerca do conceito da “retrospectiva”, tanto do ponto de vista
da história da arte como das estratégias curatoriais. A criação de “Retrospective” começou
através de criticamente refletir sobre as condições da crescente estrutura prática e teórica
(nomeadamente, aquela que expande a coreografia no museu), questionando o status do traba-
lho como um objeto, ou evento, ou ainda, como descreve Le Roy em sua definição sobre co-
reografia “(…) an artificially staged situation” (LE ROY; 2011).
Le Roy designou seus solos como material exclusivo para trabalhar com os intérpretes
de “Retrospective”, e a explicação dessa escolha ajudará a situar não somente seu trabalho,
mas também o que significa formular um problema em termos de método. O solo na obra de
Xavier aparece não somente como um alvo de contestação crítica, mas também como um
conduto para problematizar a expressão de identidades subjetivas através do espelhamento de
uma identidade objetiva do movimento de dança. Também adota num nível básico - as condi-
7 Bojana Cvejic is a performance theorist and performance maker, a cofounding member of TkH editorial collec-
tive. She is author of several books, including Choreographing Problems: Expressive Concepts in European
Contemporary Dance and Performance and Public Sphere by Performance, co-written with A. Vujanovic (b_-
books, Berlin, 2012).
ções e relações de produção -, uma ética de anulação de si mesmo numa estrita autosuficiên-
cia.
Os primeiros solos de Le Roy, Narcisse Flip (1994), e depois o seu solo referência
Self-Unfinished (1998), romperam o regime orgânico do corpo - o movimento é vinculado e
chamado através de uma série de investigações diferentes da pergunta representativa “o quê
é”: Como isso é um corpo, se é um corpo? Como o corpo se move, e se se move, existe mo-
vimento para se perceber? De onde vem o movimento, se este não se origina do corpo ampli-
ado no espaço? O corpo e o movimento entram em composições nas quais eles não somente
se unem um ao outro, mas também se diferenciam um do outro. Eles são capturados em ações
disjuntivas, que não podem ser qualificados pela disposição orgânica do sujeito e do objeto,
contabilizados pela autoexpressão, ou pela autonomia do movimento como objeto.
A partir das restrições dadas pelo contexto do museu e dos solos como material exclu-
sivo para trabalhar com os intérpretes, o que se segue é que a “mimese" da escultura, do vídeo
e da performance art, falando da oba de Xavier Le Roy em primeira pessoa do singular, são
integradas sob uma máquina coreográfica: uma composição de entradas, deslocamentos,
ações, e encontros, os quais colocados em movimento é, estritamente falando, sinalizados
pelo aparecimento de cada novo visitante. A máquina não opera somente o espaço, o qual
também é vazio (inativo) quando nenhum visitante está presente (assim como o teatro que é
acionado somente através da coparticipação. A máquina também demonstra a forma de traba-
lho vinculada ao trabalho do intérprete, e na divisão daquele trabalho em várias atividades, em
dançar, aprender uma dança, interpretar, e em dialogar com o público. A mimese aqui é sinô-
nimo da construção, mas não da objetificação, de situações, porque o encontro entre os intér-
pretes e o público visitante depende do tempo que eles irão dar, um tempo que é, necessaria-
mente, social. 8 Sobre isso Xavier Le Roy esclarece em uma entrevista:
8 Bojana Cvejic. Choreographing a Problem, and a Mode of Production. France: Les Presses Du Réel, 2011.
P. 9-18. Catalog.
rada a partir de um início até um fim, cujo fim não é o início porque o tempo
evolui.” (LE ROY. 2011, p. 26, Tradução da Autora).
Bojana Cvejic, ao entrevistar Xavier Le Roy, realiza uma conclusão brilhante sobre o
“artifício”, que segundo a interpretação dela, o artista usou para a elaboração da exposição
“Retrospective”:
Pode-se concluir que Xavier Le Roy compartilha da ideia sobre a natureza da arte de
Kant, que postula ser toda obra de arte uma representação da realidade, ao passo que o artista
é um veículo capaz de captar os fenômenos da natureza. Na exposição “Retrospective” de
Xavier Le Roy, o artifício é um elemento constituinte da natureza da arte.
BORIS CHARMATZ
9 Boris Charmatz. Since 2009, he has been the director of the Rennes and Brittany National Choreographic Cen-
tre (France), and has transformed it in to a Museum of Dance (Musée de la danse) of a new kind. The museum
has initiated, among others, the projects: préfiguration, expo zéro, rebutoh, brouillon (rough draft), 20 Dancers
for the XX Century, Fous de danse (Mad about dance) and Petit Musée de la danse.
Boris Charmatz cosigned the books undertraining / On A Contemporary Dance with Isabelle Launay, Emails
2009-2010 with Jérôme Bel, and signed “Je suis une école”, related to the project Bocal.
A dança é concebida, desde há muito tempo, como a arte do efêmero. Uma vez que a
visibilidade do trabalho não está no momento da performance, outras mídias são acionadas
para o registro daquilo que o olho não vê. E é nessa extensão para outras mídias de registro,
11Franz Anton Cramer. Experience as Artifact: Transformations of the Immaterial. London: Cambridge.
Dance Research Journal, 2014. P. 24-31.
12Boris Charmatz. Interview with Boris Charmatz. London: Cambridge. Dance Research Journal, 2014. P. 49-
52.
arquivo e documentação que reside uma das questões centrais da dança no museu. A questão é
como a mídia material casa com a realidade imaterial num contexto coerente de significação.
O corpo, informado pela cultura serve para materializar o imaterial. Consequentemente, se
torna uma excelente mídia para a visualização do conceitual e do interno. É uma exterioriza-
ção de si mesmo à uma aparência sensível. Uma experiência material é produzida somente na
ação contínua da relação paradoxal entre a cognição e a percepção, que dá forma à uma apa-
rência sensível. Os fatos do corpo e as dimensões da mente estão conectados via alterações e
transformações. 13 (PLESSNER. 1928)
13Franz Anton Cramer. Experience as Artifact: Transformations of the Immaterial. London: Cambridge.
Dance Research Journal, 2014. P. 24-31.
14 Helmut Plessner, developed a philosophical biology and anthropology which amounted to a hermeneutics of
nature. According to Plessner, life expresses itself, and part of this expression is in terms of sentient lifeforms. In
expressing itself through the human senses, it provides the (material) a priori constituents of perception (to re-
place Kant's cognitive idealism of a priori categories and intuitions produced by transcendental subjectivity as
the filter through which we spontaneously order experience of the world). In other words, the formal qualities
that make up our consciousness a priori — given as the conditions through which we experience things — con-
ditions such as time, space, causality and number, and, indeed, the laws of physics, however we may then con-
ceptualize them, are given to us both in our own physical nature, and in the physical nature of the environments
we inhabit, through our growth from and interactions within these environments.
15 “[…] a museum of artists, researchers, collectors, curators, exhibition commissioners participate in the life of
the museum, but above all it is essentially artists who invent it by creating works.” (CHARMATZ; 2008)
Um exemplo, que quem escreve foi testemunha, é a obra “20 Dancers for the XX Cen-
tury”, apresentada no monumento memorial à vitória soviética do parque “Treptower Park”,
em Berlim, no verão de 2014, e que já foi apresentada em diversos museus ao redor do mundo
como a Tate Modern, o MoMA PS1 e no Museu Reina Sofia. A obra foi concebida como um
arquivo vivo, na qual vinte dançarinos de diferentes gerações, interpretam, relembram, se
apropriam, explicam e transmitem extratos de solos de dança do século XX que foram origi-
nalmente criados por figuras centrais da história da dança. Cada dançarino incorpora o seu
próprio museu e ocupa livremente os espaços públicos ou as galerias dos museus onde se
apresentam. Nessa obra, Charmatz explora a noção do museu como uma instituição viva e
nômade, com espaço para práticas de dança.
16Franz Anton Cramer. Experience as Artifact: Transformations of the Immaterial. London: Cambridge.
Dance Research Journal, 2014. P. 24-31.
17Franz Anton Cramer. Experience as Artifact: Transformations of the Immaterial. London: Cambridge.
Dance Research Journal, 2014. P. 24-31.
Conclusão
“O que deve ser retido desses dois projetos é como os dois projetos desviam para
longe, ambas as funções institucional do museu e a função institucional da coreogra-
fia, de suas posições previamente imóveis, e os redefine através do ato de dançar. Os
dois projetos interrogam qual é a função e a relação do museu com corpos que dan-
çam, e ao fazer isso, reinventam para a dança uma dimensão diferente para o seu
próprio ser no mundo.” (LEPECKI; FRANKO. 2014, p. 3, tradução da autora) 19
No final da entrevista de Boris Charmatz, citada nesse artigo, ele fala sobre como a
dança foi o meio do seu encontro com a arte contemporânea, o que o impulsionou a falar, es-
crever e a ler. Foi a dança que possibilitou a ele que se tornasse uma pessoa diferente daquela
que ele potencialmente seria, se se somasse todos os elementos que fizeram parte da sua edu-
cação. Ele acredita que, as ferramentas físicas e conceituais conquistadas pela dança nos últi-
18 André Lepecki; Mark Franko. Editor’s Note: Dance in the Museum. London: Cambridge. Dance Research
Journal, 2014. P. 1-4.
19“What must be retained from these two projects is how both projects divert both the institutional
function of the museum and the institutional function of choreography away from their previously im-
movable positions and redefine both through the act of dancing. Both projects interrogate what a mu-
seum’s function and relation to dancing bodies is, and in doing so, re-imagine for dance a different
dimension of its own being in the world.” (LEPECKI; FRANKO. 2014)
mos anos, podem permanentemente modificar a arte em um sentido amplo. Lendo isso temos
a sensação de que experiências valiosas estão acontecendo, tanto com o público que pode ter a
experiência da dança e das artes visuais ampliada em novos contextos de exibição, quanto no
mundo da arte que se transforma pela vida e força trazidas pelo corpo que dança.
Referências
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