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Informativo 915-STF
Márcio André Lopes Cavalcante
ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
HOMESCHOOLING
Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil.
CNJ
CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam o adicional de férias dos magistrados para 1/3.
DIREITO PENAL
CRIMES FUNCIONAIS
Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais.
RACISMO
Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas e estrangeiros não configurou racismo.
LEI DE DROGAS
Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
DIREITO CONSTITUCIONAL
HOMESCHOOLING
Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil
Importante!!!
Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de
cumprimento, pela família, do dever de prover educação.
Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever
expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação
que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma
regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e
fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que tratam sobre
educação.
STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).
O que é “homeschooling”?
O homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente
assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino.
Assim, em vez de a criança ou do adolescente estudar em uma escola, estudará em sua própria casa, sendo
os ensinamentos ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas.
Sinônimos
O homeschooling é uma palavra de origem inglesa e a sua tradução seria algo como “educação em casa”,
“ensino doméstico” ou “ensino domiciliar”.
No entanto, se aprofundarmos mais o estudo sobre o tema, veremos que o homeschooling é uma das
espécies de ensino domiciliar.
“Homeschooling” no mundo
O homeschooling é permitido em vários países do mundo, como, por exemplo, nos Estados Unidos,
Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Rússia.
Em geral, tais países exigem que o aluno que está em homeschooling faça uma prova anual para avaliação
de seu nível escolar.
Por outro lado, o ensino domiciliar é expressamente proibido em países como a Alemanha e a Suécia.
Polêmica
O homeschooling gera intensos debates.
Seus defensores sustentam que o Estado não deve se imiscuir na decisão de como os pais irão educar seus
filhos. Em outras palavras, a forma como os filhos serão educados deve ser uma decisão dos pais, não
havendo motivo para ingerência estatal.
Os partidários do homeschooling invocam dois importantes documentos internacionais como fundamento
normativo para esta prática:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Artigo 26°
(...)
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”)
Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião
(...)
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a
educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.
Por outro lado, aqueles que criticam o modelo afirmam que o homeschooling pode trazer danos
psicológicos às crianças e adolescentes, especialmente em virtude da falta de socialização com outras
pessoas da mesma idade.
Nesse sentido, é necessário que a lei que venha a regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre
outros pontos, o que será essa “frequência”.
Desse modo, para o STF, o homeschooling (o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência
circunstancial), atualmente, não é permitido por falta de regulamentação legal. No entanto, como a CF/88
não o proíbe, é possível que o Congresso Nacional edite uma lei disciplinando o tema, respeitados os
dispositivos constitucionais relacionados com a educação.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular
de ensino.
(...)
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho
Tutelar os casos de:
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
(...)
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento
escolar;
(...)
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou
decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Como o homeschooling atualmente não é permitido, há quem defenda que os pais que o praticam
cometem o crime de abandono intelectual, tipificado no art. 246 do Código Penal:
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Para Damásio de Jesus, não há crime: Educação domiciliar constitui crime? Jornal Carta Forense, 1º abr.
2010. Por outro lado, Cleber Masson entende que o homeschooling, enquanto não houver disciplina legal
sobre o assunto, configura o delito do art. 246 do CP (Direito Penal. São Paulo: Método, 2018, p. 215).
CNJ
CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam
o adicional de férias dos magistrados para 1/3
O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo de forma a
substituir a competência do STF.
Contudo, o CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado
por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.
Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse
entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas
aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico.
As leis estaduais que preveem abono de férias aos magistrados em percentual superior a 1/3
são inconstitucionais. Isso porque essa majoração do percentual de férias não encontra
respaldo na LOMAN, que prevê, de forma taxativa, as vantagens conferidas aos magistrados,
sendo essa a Lei que deve tratar do regime jurídico da magistratura, por força do art. 93 da
CF/88.
Logo, o CNJ agiu corretamente ao determinar aos Tribunais de Justiça que pagam adicional de
férias superior a 1/3 que eles enviem projetos de lei para as Assembleias Legislativas
reduzindo esse percentual.
STF. 2ª Turma. MS 31667 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
Adicional de férias
Quando um Juiz tira férias, ele recebe, naquele mês, seu subsídio normal, acrescido de 1/3. Ex: imaginemos
que o subsídio normal do Juiz é R$ 30 mil; no mês de suas férias ele receberá R$ 40 mil = 30 + 1/3 (10).
Trata-se do “adicional de férias” (também chamado de “terço de férias” ou “abono de férias”), previsto
na própria CF/88 não apenas para os Juízes como também para todos os demais servidores e
trabalhadores em geral:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
(...)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário
normal;
Art. 39 (...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII,
XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de
admissão quando a natureza do cargo o exigir.
Mandado de segurança
A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou, no STF, mandado de segurança contra a
determinação do CNJ.
Segundo a AMB, o CNJ teria realizado um controle de constitucionalidade das leis estaduais, o que não é
de competência do Conselho.
Além disso, o CNJ estaria invadindo a competência dos Tribunais de Justiça insculpida no art. 96, II, “b”,
além do princípio do autogoverno da Justiça estadual, previsto no art. 125, ambos da CF/88:
Art. 96. Compete privativamente:
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao
Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
(...)
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que
lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive
dos tribunais inferiores, onde houver;
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.
Segundo a autora, o máximo que o CNJ poderia fazer seria “recomendar” aos Tribunais a edição da lei que
entendesse necessária, desde que preservada a autonomia própria de cada Corte para deflagrar, a seu
próprio juízo e conveniência, o processo legislativo de sua iniciativa privada.
O STF concordou com o MS impetrado? A segurança foi concedida? O ato do CNJ é ilegal?
NÃO. A decisão do CNJ foi mantida pelo STF. Vamos entender.
CNJ pode, contudo, corrigir ato de Tribunal que não esteja de acordo com o entendimento do STF
O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade, mas pode determinar a correção de ato do Tribunal
local que, embora respaldado por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.
Em outras palavras, o CNJ pode determinar que o TJ corrija algum ato seu mesmo que ele tenha agido com
base em lei estadual, caso esta norma esteja em confronto com a jurisprudência do STF.
Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse entendimento
já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas aplicando uma jurisprudência,
um entendimento já pacífico. Nesse sentido:
(...) 5. Não é vedado ao CNJ controlar a atuação administrativa de Tribunal de Justiça local que, respaldado
em lei estadual, se distancie da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal aos preceitos
constitucionais e legais que regem a matéria. (...)
6. A deliberação do CNJ que deixa de aplicar lei estadual anterior à Constituição que conflite com o regime
remuneratório da magistratura regulado pelo art. 39, § 4º, da Constituição e com a LOMAN decorre do
exercício direto da competência que lhe foi constitucionalmente atribuída, de zelar pela legalidade da
“O CNJ não exorbita de sua competência constitucional ao simplesmente cumprir reiterada jurisprudência
desta Corte.” (STF. 2ª Turma. ACO 2143 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/08/2017).
Ok, isso eu entendi. Mas, essas leis estaduais que estabelecem adicionais superiores a 1/3 aos
magistrados são inconstitucionais? Por quê?
As vantagens conferidas aos magistrados são apenas aquelas previstas na Constituição Federal e no art.
65 da LOMAN (LC 35/79).
O § 2º do art. 65 reforça, inclusive, essa conclusão:
Art. 65 (...)
§ 2º É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na presente Lei,
bem como em bases e limites superiores aos nela fixados.
(...) O rol taxativo do art. 65 da LOMAN não prevê a concessão de auxílio-transporte aos magistrados
nacionais, tendo vedado, em seu parágrafo 2º, a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias nele
não previstos. (...)
STF. 2ª Turma. MS 27935 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/08/2017.
Assim, o STF entende que a lei estadual (aliás, nem mesmo a Constituição Estadual) pode se contrapor às
previsões da LOMAN.
Dessa forma, a majoração do percentual de férias sem previsão na LOMAN contraria a jurisprudência
consolidada do STF.
Em suma:
O CNJ, ao determinar aos Tribunais de Justiça que enviem projetos de lei para adequar as normas
estaduais que tratam acerca do adicional de férias pago aos magistrados ao previsto na Constituição
Federal e na LOMAN, não extrapolou das suas atribuições. Isso porque simplesmente aplicou o
entendimento do STF a respeito da matéria.
STF. 2ª Turma. MS 31667 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
DIREITO PENAL
CRIMES FUNCIONAIS
Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais
Importante!!!
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação
para fins penais (art. 327, § 1º do CP). Isso porque as organizações sociais que celebram
contratos de gestão com o Poder Público devem ser consideradas “entidades paraestatais”,
nos termos do art. 327, § 1º do CP.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
O que são as organizações sociais?
São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público
e que, por terem preenchido determinados requisitos previstos na Lei nº 9.637/98, recebem a qualificação
(título, selo) de “organização social”.
A pessoa jurídica, depois de obter esse título de “organização social”, poderá celebrar com o Poder Público
um instrumento chamado de “contrato de gestão” por meio do qual receberá incentivos públicos para
continuar realizando suas atividades.
As regras relacionadas com as organizações sociais estão previstas na Lei nº 9.637/98. Veja o que diz o art. 1º:
Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao
desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,
atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
As organizações sociais que celebrarem contrato de gestão com o Poder Público passam a ser
consideradas entidades da Administração Pública?
NÃO. Mesmo tendo celebrado contrato de gestão, continuam sendo entidades paraestatais (não estatais).
As organizações sociais que celebrarem contrato de gestão com o Poder Público podem ser consideradas
delegatárias de serviços públicos?
NÃO. As organizações sociais exercem, em nome próprio, serviços públicos, mas não são consideradas
delegatárias, tendo em vista que não recebem uma concessão ou permissão de serviço do Poder Público.
Os setores de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente são
classificados como serviços públicos sociais. Segundo a CF/88, tais serviços devem ser desempenhados
não apenas pelo Estado, como também pela sociedade (são “deveres do Estado e da Sociedade”). Assim,
é permitida a atuação, por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a
delegação pelo Poder Público. Não se aplica, portanto, o art. 175, “caput”, da CF/88 às atividades
desenvolvidas pelas organizações sociais.
Segundo o Parquet, João deveria ser considerado funcionário público por equiparação, nos termos do art.
327, § 1º do CP.
A defesa do réu refutou essa afirmação e alegou que João não poderia ser enquadrado no art. 327, § 1º,
porque ele era diretor em um instituto que possui natureza jurídica de “organização social” e as
organizações sociais não fazem parte da Administração Pública nem podem ser consideradas entidades
paraestatais.
Para a defesa, o conceito de entidade paraestatal deve ser interpretado conforme o art. 84, § 1º, da Lei nº
8.666/93, o qual não inclui as organizações sociais:
Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que
transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.
§ 1º Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e
sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder
Público.
(...)
Qual das duas argumentações foi acolhida pelo STF? João pode ser considerado funcionário público por
equiparação, nos termos do art. 327, § 1º do CP?
SIM. O STF acolheu a tese do MP.
Organizações sociais que celebram contratos de gestão são consideradas entidades paraestatais
O STF, adotando lição da Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entendeu que as organizações sociais que
celebram contratos de gestão devem ser consideradas “entidades paraestatais”:
“(...) Exatamente por atuarem ao lado do Estado e terem com ele algum tipo de vínculo jurídico,
recebem a denominação de entidades paraestatais; nessa expressão podem ser incluídas todas as
entidades integrantes do chamado terceiro setor, o que abrange as declaradas de utilidade
pública, as que recebem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais autônomos (como Sesi,
Sesc, Senai), os entes de apoio, as organizações sociais e as organizações de sociedade civil de
interesse público.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. Atlas: São
Paulo, 2014. p. 566-567).
da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos).” (PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código
penal: jurisprudência. Conexões lógicas com os vários ramos do direito. 11.ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017. p. 863).
Em suma:
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins
penais (art. 327, § 1º do CP). Isso porque as organizações sociais que celebram contratos de gestão com
o Poder Público devem ser consideradas “entidades paraestatais”, nos termos do art. 327, § 1º do CP.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
(Delegado SP Vunesp 2018) Prescreve o art. 327 do CP: “considera-se funcionário público, para os efeitos
penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”
Tal norma traduz exemplo de interpretação
A) científica.
B) autêntica.
C) extensiva.
D) doutrinária.
E) analógica.
Resposta: letra B
Administrador de Loteria
Administrador de Loteria é equiparado a funcionário público para fins penais porque a Loteria executa
atividade típica da Administração Pública que lhe foi delegada por regime de permissão.
STJ. 5ª Turma. AREsp 679.651/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/09/2018.
Advogados dativos
O advogado que, por força de convênio celebrado com o Poder Público, atua de forma remunerada em
defesa dos hipossuficientes agraciados com o benefício da assistência judiciária gratuita, enquadra-se no
conceito de funcionário público para fins penais. Sendo equiparado a funcionário público, é possível que
responda por corrupção passiva (art. 317 do CP).
STJ. 5ª Turma. HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016 (Info 579).
RACISMO
Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas
e estrangeiros não configurou racismo
O então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube
e ali fez críticas e comentários negativos a respeito dos quilombolas e também de povos
estrangeiros.
No trecho mais questionado de sua palestra, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El
Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada!
Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano
gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai
em El Dourado Paulista, você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por
metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que? Porque eles revendem tudo
baratinho lá. Não querem nada com nada.”
O STF entendeu que a conduta de Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei
nº 7.716/89).
As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV,
da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88).
O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos
quilombolas ou dos estrangeiros.
O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de demarcação e proveito
econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da
liberdade de expressão.
Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de
parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de
Deputado Federal a fim de dar a sua visão geopolítica e econômica do País.
Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com os
pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade
parlamentar.
STF. 1ª Turma. Inq 4694/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
Preconceito
É o pensamento que existe em determinados indivíduos no sentido de que certas pessoas ou grupos
sociais são inferiores, nocivos, prejudiciais.
“O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa, configura um pré-julgamento negativo
com relação a outro indivíduo ou grupo.” (LAURIA, Mariano Paganini. Leis Penais Especiais comentadas
artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 534).
Discriminação
É a exteriorização do preconceito por meio da prática de atos materiais.
Raça
O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica.
Em outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas características
genéticas, tais como cor do cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 534).
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.”
(Min. Maurílio Correia no HC 82424, julgado pelo STF em 17/09/2003).
Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que componham essa coletividade
possuam características genéticas distintas entre si.
Cor
É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.
Etnia
São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e maneiras de agir.
Trata-se do “conceito mais adotado e recomendado pela sociologia hodiernamente para designar o que
antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 507).
Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.
Religião
“Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e sagrado, permeada por
uma série de rituais e códigos morais derivados de tais convicções. Não se inclui o ateísmo (ausência de
crença religiosa), prevalecendo o entendimento de que este é justamente a negação da crença na
existência de uma divindade superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado à religião,
constituindo-se em espécie de doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.”
(LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 508).
outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para
que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual, neste caso não haverá
conduta criminosa.
Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando
demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.
Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si,
o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado
demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere
sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.
STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849).
Vale ressaltar, no entanto, que o próprio STF, em outro caso concreto, já considerou que a incitação de
ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo. Assim, é
possível, a depender do caso concreto, que um líder religioso seja condenado pelo crime de racismo (art.
20, §2º, da Lei nº 7.716/89) por ter proferido discursos de ódio público contra outras denominações
religiosas e seus seguidores: STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias
Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info 893).
Procedência nacional
É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os estrangeiros (ex:
venezuelanos, haitianos) como também os nacionais que se deslocam dentro do país (exs: nortistas,
nordestinos, sulistas etc.).
Orientação sexual
Não foi prevista no art. 20 da Lei nº 7.716/89.
Assim, proferir manifestação de natureza discriminatória em relação aos homossexuais NÃO configura o
crime do art. 20 da Lei nº 7.716/89, sendo conduta atípica (STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 12/8/2014).
Desse modo, devemos afirmar que o rol de elementos de preconceito e discriminação do art. 20 é taxativo.
Idoso
Existe um tipo específico que trata sobre a discriminação contra idosos na Lei nº 10.741/2003:
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias,
aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento
necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa
idosa, por qualquer motivo.
§ 2º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) se a vítima se encontrar sob os cuidados ou
responsabilidade do agente.
Sujeito ativo
Qualquer pessoa pode cometer. O delito do art. 20 da Lei nº 7.716/89 é crime comum.
Sujeito passivo
A vítima é a pessoa ou o grupo de pessoas discriminadas.
Elemento subjetivo
O crime é punido apenas a título de dolo (não há modalidade culposa).
Vale ressaltar, no entanto, que, além do dolo, exige-se também o elemento subjetivo específico
consistente na vontade de discriminar a vítima.
Consumação
Trata-se de crime formal, ou seja, não se exige, para a consumação, a produção de qualquer resultado
naturalístico.
Ex: o indivíduo grava vídeo no Youtube dizendo que todos os católicos devem ser xingados e discriminados.
Mesmo que ninguém atenda essa convocação, o crime estará consumado.
A ofensa é praticada contra uma pessoa Também pode ser caracterizado mediante uma
determinada ou um grupo determinado de ofensa verbal (sem um ato de segregação), desde
indivíduos (exs: cinco amigos negros, árabes etc.). que a ofensa seja dirigida a todos os integrantes
de certa raça, cor, etnia, religião etc.
A intenção do agente é atacar a honra subjetiva de A intenção é segregar a pessoa ou um grupo de
uma pessoa ou de um grupo determinado de pessoas por conta de um dos elementos já
pessoas, utilizando os elementos já mencionados. mencionados.
Ex: “seu macaco”. Ex: nesta festa não pode entrar negros.
Ex: “vocês 5 são um bando de terroristas”. Ex: todos os judeus são ladrões.
O agente visa a atingir uma pessoa determinada O agente visa a atingir um número indeterminado
ou determinável. de pessoas (todos que compõem aquela
coletividade).
O bem jurídico tutelado é a honra subjetiva. O bem jurídico tutelado é a igualdade.
Trata-se de crime de ação penal pública Trata-se de crime de ação penal pública
condicionada à representação da vítima (art. 145, incondicionada.
parágrafo único, do CP).
Há polêmica se seria ou não um crime inafiançável Não há dúvidas de que se trata de crime
e imprescritível, ou seja, se está incluído no art. 5º, inafiançável e imprescritível, nos termos do art. 5º,
XLII, da CF/88. Existe uma decisão do STJ XLII: “a prática do racismo constitui crime
reconhecendo a imprescritibilidade: STJ. 6ª inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
Turma. AgRg no Aresp 686965/DF, j. 18/08/2015. reclusão, nos termos da lei;”
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação
social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
Qualificadora
Trata-se de uma qualificadora para as condutas descritas no caput.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido
deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por
qualquer meio;
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de
computadores.
Este § 3º prevê a decretação de medidas cautelares com o objetivo de cessar a prática delituosa.
Constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material
apreendido (§ 4º do art. 20).
de angolano, de chinês, japonês, seja lá o que for. Japonês não vem pra cá não, tá. E jogar no porto aqui,
dez mil aqui. O pessoal, ele fala, 'eu sou refugiado', passa a ter direito a abrir conta em Banco do Brasil e
Caixa Econômica, com menos diligências do que qualquer um de nós brasileiros. Passa a ter direito a
Sistema Único de Saúde gratuito (...)”
• “O que que a Venezuela tá fazendo? Tá enchendo as suas ambulâncias e carros com pessoal idoso ou
doença de alta complexidade e desovando nos hotéis, nos hospitais e postos de saúde de Roraima. E o
que o governo brasileiro faz? Não faz nada. Tem que fazer alguma coisa. Se aceita, vamos criar campos de
refugiados. Se aceita... Se não aceita, devolve. O Brasil não pode se transformar na casa da mãe Joana.
Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma indiscriminada. Não tem problema vir
pra cá quem quer que seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento da vida pregressa dessas
pessoas.”
Denúncia
Em 12 de abril de 2018, a Procuradora-Geral da República ofereceu denúncia, no STF, contra Jair Bolsonaro
afirmando que ele, ao proferir tais palavras, praticou racismo, conduta tipificada no art. 20, caput da Lei
nº 7.716/89, considerando que, “em seu discurso tratou os quilombolas como seres inferiores, igualando-
os a mercadoria (discriminação) e ainda reputou-os inúteis, preguiçosos (preconceito) e também incitou
a discriminação em relação aos estrangeiros, estimulando os presentes no Clube Hebraica, um público de
cerca de trezentas pessoas, além de outras pessoas que tiveram acesso a vídeos divulgados do evento, a
pensarem e agirem de igual forma (induzimento e/ou incitação)”.
Veja a redação do tipo penal imputado:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
O art. 20 da Lei nº 7.716/89 prevê que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito
de procedência nacional.
Trata-se de delito de perigo abstrato. Isso significa que, para configurar o crime, não se exige que, por
causa do discursivo xenofóbico, alguém tenha efetivamente praticado atos discriminatórios. Basta induzir
ou incitar e já configura o delito.
No entanto, em caso de discursos, como o do réu, é necessário se analisar teleologicamente as palavras
proferidas, ou seja, deve-se examinar a finalidade do agente.
No caso, as afirmações do denunciado ficaram no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo
Governo Federal e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas
xenofóbicas pelo público ouvinte.
O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante.
A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de
configurar crime.
Em suma:
O então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube e ali fez
críticas e comentários negativos a respeito dos quilombolas e também de povos estrangeiros.
No trecho mais questionado de sua palestra, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado
Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem
para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem cesta
básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você compra arame
farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por
que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.”
O STF entendeu que a conduta de Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei nº
7.716/89).
As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88,
além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88).
O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos quilombolas
ou dos estrangeiros.
LEI DE DROGAS
Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha
Importante!!!
Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
Assim, o conceito é técnico-jurídico e só será considerada droga o que a lei (em sentido amplo) assim
reconhecer como tal. Mesmo que determinada substância cause dependência física ou psíquica, se ela
não estiver prevista no rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga para
fins de incidência da Lei nº 11.343/2006 (ex: álcool).
elaborado por órgão diverso daquele que editou a Lei. A Lei nº 11.343/2006 foi editada pelo Congresso
Nacional e o seu complemento é dado por uma portaria, editada pela ANVISA, autarquia ligada ao Poder
Executivo.
Tetrahidrocanabinol (THC)
Tetrahidrocanabinol, também conhecido como THC, é uma substância psicoativa encontrada na planta
Cannabis Sativa, mais popularmente conhecida como maconha.
A quantidade de THC na maconha pode variar de acordo com uma série de fatores, como o tipo de solo,
a estação do ano, a época em que foi colhida, o tempo de colheita e consumo etc.
A THC é prevista expressamente como droga na Portaria SVS/MS nº 344/1998, da ANVISA.
Desse modo, a semente da cannabis sativa não é, em si, droga (não está listada na Portaria) e também
não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de droga ilícita.
Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí nasça a planta da cannabis sativa
linneu... A planta tem THC (substância psicoativa proibida)...
É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso vire uma muda, que ele cultive a muda
e que se torne a planta da maconha.
No entanto, a mera importação da semente não é crime algum porque configuraria, no máximo, mero ato
preparatório da figura típica prevista no § 1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
Nem chega a ser, portanto, ato executório do § 1º do art. 28 porque o agente não iniciou a semeadura ou
o cultivo.
A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da prática do crime do art. 28, § 1º da
Lei nº 11.343/2006?
Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não iniciou nenhuma conduta
executória dos verbos previstos no tipo penal (semear, cultivar ou colher).
No entanto, ainda que se considere que se iniciou a execução e que ele não se consumou por
circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a instauração de processo penal.
O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Logo, como não é prevista pena privativa de liberdade para esta conduta, é inviável a aplicação da regra
da tentativa do art. 14, II, do CP.
A semente de cannabis sativa não consta da lista do Registro Nacional de Cultivares (RNC), não podendo,
portanto, ser importada, salvo para tratamentos de saúde (Portaria RDC/ANVISA nº 66/2016).
No entanto, há vários julgados que defendem que não se deve condenar o réu porque não há, neste caso,
lesão ao bem jurídico tutelado pela norma prevista no art. 334-A do Código Penal. Isso porque, dada a
pequena quantidade e a natureza das sementes, considera-se que não há ofensa aos bens jurídicos
protegidos pelo delito de contrabando (proteção da saúde, da moralidade administrativa e da ordem
pública). Esse é o entendimento que prevalece, por exemplo, no TRF3: HC 67576 - 0010869-
41.2016.4.03.0000, Rel. Juiz Convocado Ricardo Nascimento, julgado em 26/07/2016.
Em suma:
Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).
Posição do MPF
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal possui o entendimento de que:
• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha não configura o crime do art. 33, § 1º
nem o delito do art. 28, § 1º, ambos da Lei nº 11.343/2006;
• esta conduta, em tese, amolda-se ao crime de contrabando (art. 334-A do CP);
• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha para o plantio destinado ao consumo
próprio induz à mínima ofensividade da conduta, à ausência de periculosidade da ação e o ínfimo grau de
reprovabilidade do comportamento, razões que comportam a aplicação do princípio da insignificância à
hipótese.
• assim, a conduta é tipificada como descaminho, mas deve-se aplicar o princípio da insignificância, razão
pela qual é correta a decisão do Procurador da República que não denuncia o indiciado nestes casos.
EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) Explique em que consiste o homeschooling e se ele é aceito no Brasil.
2) (DPE/PR 2014) Tem fundamento expresso em lei federal a pretensão de, comprovada sua superdotação,
ter a criança substituída a educação formal escolar pela educação domiciliar. ( )
3) (MP/ES 2013) Os pais ou responsável têm o direito de ministrar ensino domiciliar em caso de discordância
com processo pedagógico ou com as propostas educacionais da escola. ( )
4) O CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por legislação
estadual, se distancie do entendimento do STF. ( )
5) O diretor de organização social não pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins
penais. ( )
6) (PGM BH CESPE 2017) O crime de racismo restringe-se aos atos discriminatórios em função de cor da
pele — fator biológico —, em razão do princípio da necessidade da lei estrita do direito penal. ( )
7) (Delegado de Polícia PF 2018 CESPE) Constitui crime de preconceito racial a discriminação de alguém em
decorrência de sua orientação sexual. ( )
8) (TJDF CESPE 2015) A edição de livro que contenha apologia a ideias discriminatórias contra uma etnia ou
minoria é inconstitucional e configura crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade. ( )
9) (MP/MS 2018) Configura crime de preconceito de raça ou cor (Lei n. 7.716/1989) distribuir emblemas
com símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. ( )
10) (Juiz TJDFT 2015 CESPE – adaptada) Breno foi vítima de injúria racial cuja autoria foi imputada a Rômulo.
Nessa situação, a ação penal será pública incondicionada. ( )
11) (Delegado PC-GO 2017 CESPE) Uma jovem de vinte e um anos de idade, moradora da região Sudeste,
inconformada com o resultado das eleições presidenciais de 2014, proferiu, em redes sociais na Internet,
diversas ofensas contra nordestinos. Alertada de que estava cometendo um crime, a jovem apagou as
mensagens e desculpou-se, tendo afirmado estar arrependida. Suas mensagens, porém, têm sido
veiculadas por um sítio eletrônico que promove discurso de ódio contra nordestinos. No que se refere à
situação hipotética precedente, assinale a opção correta, com base no disposto na Lei n.º 7.716/1989,
que define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor.
A) Independentemente de autorização judicial, a autoridade policial poderá determinar a interdição das
mensagens ou do sítio eletrônico que as veicula.
B) Configura-se o concurso de pessoas nessa situação, visto que o material produzido pela jovem foi
utilizado por outra pessoa no sítio eletrônico mencionado.
C) O crime praticado pela jovem não se confunde com o de injúria racial.
D) Como se arrependeu e apagou as mensagens, a jovem não responderá por nenhum crime.
E) A conduta da jovem não configura crime tipificado na Lei n.º 7.716/1989.
12) Segundo decidiu o STF, não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de
maconha. ( )
Gabarito
1. 2. E 3. E 4. C 5. E 6. E 7. E 8. C 9. C 10. E 11. Letra C 12. C
OUTRAS INFORMAÇÕES
TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada
do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam
despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Rcl 27872 AgR/CE*
EMENTA
Agravo regimental na reclamação. Súmula Vinculante nº 37. Simetria constitucional entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público
(CF/88, art. 129, § 4º, e Resolução nº 133/2011). Princípio da colegialidade. Agravo regimental provido, com a ressalva do posicionamento
pessoal do Relator, para julgar parcialmente procedente a reclamação e, cassando a decisão impugnada, determinar o sobrestamento do
processo em referência perante a autoridade reclamada até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de
repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela proceder a novo julgamento da causa como entender de direito.
1. Até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), a
eficácia da Súmula vinculante nº 37 obsta que o Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, defira o pagamento de parcela remuneratória a
magistrado com fundamento na alegada simetria constitucional com a carreira do Ministério Público (CF/88, art. 129, §4º) ou na Resolução nº
133/2011 do CNJ.
2. Agravo regimental provido, com a ressalva do posicionamento pessoal do Relator, para julgar parcialmente procedente a
reclamação e, cassando a decisão impugnada, determinar o sobrestamento do processo em referência perante a autoridade reclamada até que
sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela
proceder a novo julgamento da causa como entender de direito.
VOTO
Em sessão de julgamento da Segunda Turma realizada em 6/3/18, minha posição restou minoritária, ficando consignado em ata (DJe de
16/3/2018) o seguinte:
“A Turma, pelo voto médio do Ministro Edson Fachin, deu provimento parcial ao agravo regimental para suspender o ato
reclamado até que se aprecie a matéria de fundo pelo Tribunal Pleno” (Rcl nº 26.074/SC-AgR, julgada em lista).
Sobreveio a publicação do acórdão de relatoria do Ministro Edson Fachin (DJe de 8/6/2018), cuja ementa transcrevo:
Com a ressalva de posicionamento pessoal, apresento voto no presente agravo regimental em observância ao princípio da colegialidade e, dessa
perspectiva, destaco que prevaleceu, naquela oportunidade, o entendimento de ser possível ao Supremo Tribunal Federal proceder ao cotejamento,
próprio do juízo reclamatório, entre o conteúdo da Súmula Vinculante nº 37 e o fundamento de tutela jurisdicional que defere vantagem pecuniária a
membro do Poder Judiciário, afirmando a existência de simetria constitucional entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público (CF/88, art.
129, § 4º, e Resolução nº 133/2011).
Adotou-se, entretanto, posição intermediária para
a) não obstante se afirmar a eficácia da SV nº 37 - no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, deferir a
servidor público parcelas remuneratórias instituídas para categorias distintas da sua – e, nesse contexto, se obstar o pagamento determinado pela
decisão reclamada;
b) também ressaltar a competência do Plenário do STF para julgar temática específica referente i) ao limite da competência normativa
conferida ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B da CF/88), na edição da Resolução nº 133/2011 (ADI nº 4.822/PE), e ii) a alegada simetria entre
as carreiras da magistratura e do Ministério Público (CF/88, art. 129, § 4º), pois submetida a matéria constitucional à sistemática da repercussão geral
(Temas 966 e 976).
Assim, a tutela jurisdicional na presente reclamatória deve ser eficaz no sentido de se obstar o pagamento a magistrado de vantagem
pecuniária instituída pelo Poder Legislativo à carreira do Ministério Público (SV nº 37), sem, contudo, esvaziar a competência do Plenário para
decidir – seja na ADI nº 4.822/PE, seja nos RE nºs 1.059.466/AL e 968.646/SC - a matéria constitucional específica debatida no caso concreto.
Sem dissentir do juízo intermediário acima destacado, entendo que a peculiaridade que reveste o tema submetido à apreciação do STF nesta ação
comporta decisão adequada também ao entendimento i) de que, com a sistemática da repercussão geral, a competência do STF para julgar a matéria
constitucional é exercida no representativo da controvérsia (RE nº 1.059.466/AL – Tema 966; RE nº 968.646/SC – Tema 976), competindo aos demais
órgãos do Poder Judiciário a concretização do precedente, mediante juízo de adequação da ratio decidendi do STF nos processos de matéria
constitucional idêntica, bem como ii) de que não há competência originária do Supremo Tribunal Federal para solução, caso a caso (CF/88, art. 102, I,
n), de controvérsia que envolva pretensão ao reconhecimento do direito de magistrado com base na simetria entre sua carreira e a do Ministério Público
(AO nº 2.126/PR-AgR).
Com essas ponderações e tendo em vista a eficácia vinculante “relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário” (CF/88, art. 102, § 2º) das
decisões do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade; bem como o efeito prospectivo da tese firmada em repercussão geral, cingindo
os demais órgãos do Poder Judiciário à norma de interpretação constitucional afirmada pelo STF na análise dos feitos com fundamento em idêntica
controvérsia, voto pelo provimento do agravo regimental e pela procedência parcial da reclamação, para, cassando-se a decisão impugnada, se
determinar o sobrestamento do processo em referência perante a autoridade reclamada até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE
ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela proceder a novo julgamento da causa como
entender de Direito.
*acordão publicado no DJe de 13.9.2018.
OUTRAS INFORMAÇÕES
10 A 14 DE SETEMBRO DE 2018
Decreto nº 9.498, de 10.9.2018 - Dispõe sobre a competência para a concessão e a manutenção de aposentadorias
e de pensões do regime próprio de previdência social dos órgãos da administração pública federal direta. Publicado no
DOU, Seção 1, Edição n° 175, p. 9, em 11.9.2018.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br