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Informativo 915-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
HOMESCHOOLING
 Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil.

CNJ
 CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam o adicional de férias dos magistrados para 1/3.

DIREITO PENAL
CRIMES FUNCIONAIS
 Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais.

RACISMO
 Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas e estrangeiros não configurou racismo.

LEI DE DROGAS
 Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha.

DIREITO CONSTITUCIONAL

HOMESCHOOLING
Não é possível, atualmente, o homeschooling no Brasil

Importante!!!
Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de
cumprimento, pela família, do dever de prover educação.
Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever
expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação
que regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma
regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e
fiscalização, devendo essa lei respeitar os mandamentos constitucionais que tratam sobre
educação.
STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).

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O que é “homeschooling”?
O homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente
assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino.
Assim, em vez de a criança ou do adolescente estudar em uma escola, estudará em sua própria casa, sendo
os ensinamentos ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas.

Sinônimos
O homeschooling é uma palavra de origem inglesa e a sua tradução seria algo como “educação em casa”,
“ensino doméstico” ou “ensino domiciliar”.
No entanto, se aprofundarmos mais o estudo sobre o tema, veremos que o homeschooling é uma das
espécies de ensino domiciliar.

“Homeschooling” no mundo
O homeschooling é permitido em vários países do mundo, como, por exemplo, nos Estados Unidos,
Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Rússia.
Em geral, tais países exigem que o aluno que está em homeschooling faça uma prova anual para avaliação
de seu nível escolar.
Por outro lado, o ensino domiciliar é expressamente proibido em países como a Alemanha e a Suécia.

Por que alguns pais preferem o “homeschooling”?


Existem vários motivos pelos quais os pais ou responsáveis optam pelo ensino domiciliar. Podemos listar
alguns mais comuns:
• medo de que os filhos se envolvam com alguns “riscos” do ambiente escolar, tais como violência,
exposição a drogas, bullying etc;
• os pais possuem rígidos valores religiosos, morais ou ideológicos e entendem que não há escolas
disponíveis que possam transmitir esses mesmos valores para seus filhos;
• os pais entendem que os métodos de ensino formais são ultrapassados ou inadequados;
• os pais desejam que seus filhos aprendam em um ritmo mais rápido do que aquele oferecido com a
grade escolar tradicional;
• os pais se mudam constantemente e desejam ter uma maior flexibilidade, evitando mudanças
constantes de colégios.

Polêmica
O homeschooling gera intensos debates.
Seus defensores sustentam que o Estado não deve se imiscuir na decisão de como os pais irão educar seus
filhos. Em outras palavras, a forma como os filhos serão educados deve ser uma decisão dos pais, não
havendo motivo para ingerência estatal.
Os partidários do homeschooling invocam dois importantes documentos internacionais como fundamento
normativo para esta prática:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Artigo 26°
(...)
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”)
Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião
(...)
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a
educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.

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Por outro lado, aqueles que criticam o modelo afirmam que o homeschooling pode trazer danos
psicológicos às crianças e adolescentes, especialmente em virtude da falta de socialização com outras
pessoas da mesma idade.

Espécies de ensino domiciliar


Frequentemente, a palavra homeschooling é utilizada como sendo sinônima de ensino domiciliar. No
entanto, o Min. Alexandre de Moraes, no julgamento do RE 888815/RS, afirma que existem quatro
espécies principais de ensino domiciliar:
a) a desescolarização radical;
b) a desescolarização moderada;
c) o ensino domiciliar puro;
d) o homeschooling (ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial).

Assim, o homeschooling não se confunde com a desescolarização (chamada de unschooling).


No homeschooling a criança ou adolescente aprende na sua casa as matérias que os demais estudam na
escola. Isso é feito por causa de um dos objetivos acima explicados ou por uma conveniência circunstancial
dos pais ou do aluno.
Por outro lado, o unschooling, também chamado de “desescolarização”, é a escolha feita pelos pais no
sentido de que o filho não deve receber qualquer tipo de escolarização a fim de permitir que ele decida,
no futuro, o próprio destino.
Conforme explica Manoel Morais de O. Neto Alexandre:
“Não devemos confundir o objeto do presente estudo com o fenômeno do unschooling, que nega
a instituição escolar e coloca a própria criança como agente diretivo do aprendizado, escolhendo
o que estudar, quando estudar e até mesmo se quer estudar. O homeschooling, por sua vez, não
nega os currículos escolares e, na sua vertente majoritária, deseja que as crianças e adolescentes
possam receber educação em casa, mas em parceria com as instituições do Estado, tanto na
autorização do processo, quanto na avaliação do aprendizado.” (Disponível em
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/publicacoes-da-
consultoria-legislativa/areas-da-conle/tema11/2016-14308_quem-tem-medo-de-
homeschooling_manoel-morais)

O ensino domiciliar é permitido no Brasil?


Atualmente, não.

Mas a CF/88 proíbe o ensino domiciliar?


O Ministro Alexandre de Moraes explicou que a CF/88 veda três das quatro espécies mais conhecidas do
ensino domiciliar: a desescolarização radical, a moderada e o ensino domiciliar puro. Isso porque elas
afastam completamente o Estado do seu dever de participar da educação.
De outra banda, a CF/88 não proíbe o homeschooling, ou seja, o ensino domiciliar utilitarista ou por
conveniência circunstancial. Essa modalidade pode ser estabelecida pelo Congresso Nacional.

CF/88 não proíbe, de forma absoluta, o “homeschooling”


Não existe, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar.
A CF/88, apesar de não prever expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
Ao se analisar os dispositivos da Constituição Federal que tratam sobre a família, criança, adolescente e
jovem (arts. 226, 227 e 229) em conjunto com os que cuidam da educação (arts. 205, 206 e 208) não se
encontra uma proibição dessa forma de educação.

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Mas, então, por que o “homeschooling” atualmente não é permitido?


Porque falta a edição de uma lei que o regulamente.
O STF decidiu que o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma
regulamentação por meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo
essa lei respeitar os mandamentos constitucionais, especialmente o art. 208, § 3º, da CF/88:
Art. 208 (...)
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Nesse sentido, é necessário que a lei que venha a regulamentar o ensino domiciliar prescreva, dentre
outros pontos, o que será essa “frequência”.
Desse modo, para o STF, o homeschooling (o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência
circunstancial), atualmente, não é permitido por falta de regulamentação legal. No entanto, como a CF/88
não o proíbe, é possível que o Congresso Nacional edite uma lei disciplinando o tema, respeitados os
dispositivos constitucionais relacionados com a educação.

Requisitos exigidos pela CF/88 para o ensino


A Constituição estabelece princípios, preceitos e regras aplicáveis ao ensino. Isso vale para o Estado e para
a família.
Assim, independentemente do ensino a ser trilhado, a CF/88 exige alguns requisitos inafastáveis:
a) a necessidade de ensino básico obrigatório entre quatro e dezessete anos (art. 208, I);
b) a existência de núcleo mínimo curricular (art. 210);
c) a observância de convivência familiar e comunitária (art. 227);

Em suma, o STF decidiu que:


Não é possível, atualmente, o ensino domiciliar (homeschooling) como meio lícito de cumprimento, pela
família, do dever de prover educação.
Não há, na CF/88, uma vedação absoluta ao ensino domiciliar. A CF/88, apesar de não o prever
expressamente, não proíbe o ensino domiciliar.
No entanto, o ensino domiciliar não pode ser atualmente exercido porque não há legislação que
regulamente os preceitos e as regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
Assim, o ensino domiciliar somente pode ser implementado no Brasil após uma regulamentação por
meio de lei na qual sejam previstos mecanismos de avaliação e fiscalização, devendo essa lei respeitar
os mandamentos constitucionais que tratam sobre educação.
STF. Plenário. RE 888815/RS, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 12/9/2018 (repercussão geral) (Info 915).

E se, atualmente, os pais adotarem o “homeschooling”, o que pode acontecer?


Tais pais ou responsáveis poderão ser responsabilizados civil e até mesmo criminalmente. Isso porque o
ordenamento jurídico, atualmente, obriga que os pais matriculem seus filhos menores nas escolas de
educação formal. Veja:
Código Civil
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício
do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;

Lei nº 8.096/90 (ECA)

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Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
(...)
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular
de ensino.
(...)
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho
Tutelar os casos de:
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
(...)
Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento
escolar;
(...)
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou
decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)


Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a
partir dos 4 (quatro) anos de idade.

Como o homeschooling atualmente não é permitido, há quem defenda que os pais que o praticam
cometem o crime de abandono intelectual, tipificado no art. 246 do Código Penal:
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Para Damásio de Jesus, não há crime: Educação domiciliar constitui crime? Jornal Carta Forense, 1º abr.
2010. Por outro lado, Cleber Masson entende que o homeschooling, enquanto não houver disciplina legal
sobre o assunto, configura o delito do art. 246 do CP (Direito Penal. São Paulo: Método, 2018, p. 215).

CNJ
CNJ pode determinar que Tribunais de Justiça reduzam
o adicional de férias dos magistrados para 1/3

O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo de forma a
substituir a competência do STF.
Contudo, o CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado
por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.
Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse
entendimento já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas
aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico.

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As leis estaduais que preveem abono de férias aos magistrados em percentual superior a 1/3
são inconstitucionais. Isso porque essa majoração do percentual de férias não encontra
respaldo na LOMAN, que prevê, de forma taxativa, as vantagens conferidas aos magistrados,
sendo essa a Lei que deve tratar do regime jurídico da magistratura, por força do art. 93 da
CF/88.
Logo, o CNJ agiu corretamente ao determinar aos Tribunais de Justiça que pagam adicional de
férias superior a 1/3 que eles enviem projetos de lei para as Assembleias Legislativas
reduzindo esse percentual.
STF. 2ª Turma. MS 31667 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Adicional de férias
Quando um Juiz tira férias, ele recebe, naquele mês, seu subsídio normal, acrescido de 1/3. Ex: imaginemos
que o subsídio normal do Juiz é R$ 30 mil; no mês de suas férias ele receberá R$ 40 mil = 30 + 1/3 (10).
Trata-se do “adicional de férias” (também chamado de “terço de férias” ou “abono de férias”), previsto
na própria CF/88 não apenas para os Juízes como também para todos os demais servidores e
trabalhadores em geral:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
(...)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário
normal;

Art. 39 (...)
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII,
XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de
admissão quando a natureza do cargo o exigir.

Leis estaduais prevendo adicional de 2/3


Algumas leis estaduais passaram a prever que os Juízes de Direito e Desembargadores dos Tribunais de
Justiça teriam direito ao abono de férias no percentual de 2/3. Assim, a cada período de férias, os
magistrados estaduais receberiam o subsídio acrescido de 2/3.
Um exemplo dessa situação ocorria no Estado do Amapá.
A LC estadual 74/2012 determinou o seguinte:
“Nos períodos de férias, os Magistrados farão jus ao adicional de dois terços de subsídio do mês
concessivo, pago antecipadamente.”

Procedimento administrativo do CNJ


Ao tomar conhecimento deste fato, o CNJ instaurou, de ofício, procedimento administrativo e determinou
a intimação dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal solicitando informações sobre o
quanto era pago a título de adicional de férias aos magistrados.
De posse desses dados, o CNJ identificou os Tribunais de Justiça nos quais se pagava mais que 1/3 por
férias e expediu uma determinação a eles mandando que enviassem projetos de lei para as Assembleias
Legislativas fixando o adicional de férias em apenas 1/3.
Assim, tomando o exemplo do Estado do AP, o CNJ determinou que o TJ/AP enviasse um projeto de lei à
ALE/AP prevendo o retorno do adicional de férias dos magistrados para 1/3 (e não mais 2/3, como
estipulava a LC 74/2012).

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Mandado de segurança
A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) impetrou, no STF, mandado de segurança contra a
determinação do CNJ.
Segundo a AMB, o CNJ teria realizado um controle de constitucionalidade das leis estaduais, o que não é
de competência do Conselho.
Além disso, o CNJ estaria invadindo a competência dos Tribunais de Justiça insculpida no art. 96, II, “b”,
além do princípio do autogoverno da Justiça estadual, previsto no art. 125, ambos da CF/88:
Art. 96. Compete privativamente:
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao
Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
(...)
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que
lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive
dos tribunais inferiores, onde houver;

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição.

Segundo a autora, o máximo que o CNJ poderia fazer seria “recomendar” aos Tribunais a edição da lei que
entendesse necessária, desde que preservada a autonomia própria de cada Corte para deflagrar, a seu
próprio juízo e conveniência, o processo legislativo de sua iniciativa privada.

O STF concordou com o MS impetrado? A segurança foi concedida? O ato do CNJ é ilegal?
NÃO. A decisão do CNJ foi mantida pelo STF. Vamos entender.

CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade


Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que o CNJ não pode, realmente, fazer controle de
constitucionalidade de lei ou ato normativo:
O Conselho Nacional de Justiça, embora seja órgão do Poder Judiciário, nos termos do art. 103-B, § 4º, II,
da Constituição Federal, possui, tão somente, atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não
lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade.
STF. Plenário. MS 28872 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/02/2011.

CNJ pode, contudo, corrigir ato de Tribunal que não esteja de acordo com o entendimento do STF
O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade, mas pode determinar a correção de ato do Tribunal
local que, embora respaldado por legislação estadual, se distancie do entendimento do STF.
Em outras palavras, o CNJ pode determinar que o TJ corrija algum ato seu mesmo que ele tenha agido com
base em lei estadual, caso esta norma esteja em confronto com a jurisprudência do STF.
Assim, o CNJ pode afirmar que determinada lei ou ato normativo é inconstitucional se esse entendimento
já estiver pacificado no STF. Isso porque, neste caso, o CNJ estará apenas aplicando uma jurisprudência,
um entendimento já pacífico. Nesse sentido:
(...) 5. Não é vedado ao CNJ controlar a atuação administrativa de Tribunal de Justiça local que, respaldado
em lei estadual, se distancie da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal aos preceitos
constitucionais e legais que regem a matéria. (...)
6. A deliberação do CNJ que deixa de aplicar lei estadual anterior à Constituição que conflite com o regime
remuneratório da magistratura regulado pelo art. 39, § 4º, da Constituição e com a LOMAN decorre do
exercício direto da competência que lhe foi constitucionalmente atribuída, de zelar pela legalidade da

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atuação administrativa de membros e órgãos do Poder Judiciário, nos termos da jurisprudência


consolidada desta Corte. (...)
STF. 2ª Turma. MS 27935 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/08/2017.

“O CNJ não exorbita de sua competência constitucional ao simplesmente cumprir reiterada jurisprudência
desta Corte.” (STF. 2ª Turma. ACO 2143 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/08/2017).

Ok, isso eu entendi. Mas, essas leis estaduais que estabelecem adicionais superiores a 1/3 aos
magistrados são inconstitucionais? Por quê?
As vantagens conferidas aos magistrados são apenas aquelas previstas na Constituição Federal e no art.
65 da LOMAN (LC 35/79).
O § 2º do art. 65 reforça, inclusive, essa conclusão:
Art. 65 (...)
§ 2º É vedada a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas na presente Lei,
bem como em bases e limites superiores aos nela fixados.

O STF possui julgados nesse sentido:


(...) O Supremo Tribunal Federal, presente esse contexto normativo, tem proclamado que o rol inscrito no
art. 65 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, no que se refere às vantagens
pecuniárias titularizáveis por quaisquer magistrados, verdadeiro “numerus clausus”, a significar, desse
modo, que não se legitima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra vantagem pecuniária que não se
ache expressamente relacionada na norma legal em questão. Precedentes.
STF. 2ª Turma. AO 820 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 07/10/2003.

(...) O rol taxativo do art. 65 da LOMAN não prevê a concessão de auxílio-transporte aos magistrados
nacionais, tendo vedado, em seu parágrafo 2º, a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias nele
não previstos. (...)
STF. 2ª Turma. MS 27935 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21/08/2017.

Assim, o STF entende que a lei estadual (aliás, nem mesmo a Constituição Estadual) pode se contrapor às
previsões da LOMAN.
Dessa forma, a majoração do percentual de férias sem previsão na LOMAN contraria a jurisprudência
consolidada do STF.

Em suma:
O CNJ, ao determinar aos Tribunais de Justiça que enviem projetos de lei para adequar as normas
estaduais que tratam acerca do adicional de férias pago aos magistrados ao previsto na Constituição
Federal e na LOMAN, não extrapolou das suas atribuições. Isso porque simplesmente aplicou o
entendimento do STF a respeito da matéria.
STF. 2ª Turma. MS 31667 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

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DIREITO PENAL

CRIMES FUNCIONAIS
Diretor de organização social é considerado funcionário público por equiparação para fins penais

Importante!!!
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação
para fins penais (art. 327, § 1º do CP). Isso porque as organizações sociais que celebram
contratos de gestão com o Poder Público devem ser consideradas “entidades paraestatais”,
nos termos do art. 327, § 1º do CP.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
O que são as organizações sociais?
São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público
e que, por terem preenchido determinados requisitos previstos na Lei nº 9.637/98, recebem a qualificação
(título, selo) de “organização social”.
A pessoa jurídica, depois de obter esse título de “organização social”, poderá celebrar com o Poder Público
um instrumento chamado de “contrato de gestão” por meio do qual receberá incentivos públicos para
continuar realizando suas atividades.
As regras relacionadas com as organizações sociais estão previstas na Lei nº 9.637/98. Veja o que diz o art. 1º:
Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao
desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,
atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Quem concede a qualificação de OS?


O Ministro do Planejamento em conjunto com o Ministro da área na qual atua a pessoa jurídica que
pretende a qualificação de OS. Ex: se essa pessoa jurídica desempenha funções na área de educação, quem
concederá será o Ministro da Educação em conjunto com o Ministro do Planejamento.

O que é o contrato de gestão?


Contrato de gestão é o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como
organização social, com o objetivo de que, a partir daí, seja formada uma parceria entre eles para fomento
e execução das atividades que uma OS faz (ensino, pesquisa científica etc.).
No contrato de gestão serão listadas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da
organização social.
O contrato de gestão deve ser submetido ao Ministro de Estado da área correspondente à atividade
fomentada. Ex: se a OS desenvolve atividades de saúde, quem aprovará o contrato será o Ministro da Saúde.
Obs.1: apesar de a lei dizer que esse ajuste é um “contrato”, a doutrina critica a nomenclatura e afirma
que, na verdade, o melhor seria chamá-lo de convênio, termo de colaboração ou termo de fomento. Isso
porque no contrato existem interesses opostos e, nessa relação da OS com o Poder Público, os objetivos
são os mesmos, são convergentes.
Obs.2: os responsáveis pela fiscalização do contrato de gestão, ao tomarem conhecimento de qualquer
irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por organização social,
deverão comunicar o Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

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As organizações sociais que celebrarem contrato de gestão com o Poder Público passam a ser
consideradas entidades da Administração Pública?
NÃO. Mesmo tendo celebrado contrato de gestão, continuam sendo entidades paraestatais (não estatais).

As organizações sociais que celebrarem contrato de gestão com o Poder Público podem ser consideradas
delegatárias de serviços públicos?
NÃO. As organizações sociais exercem, em nome próprio, serviços públicos, mas não são consideradas
delegatárias, tendo em vista que não recebem uma concessão ou permissão de serviço do Poder Público.
Os setores de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente são
classificados como serviços públicos sociais. Segundo a CF/88, tais serviços devem ser desempenhados
não apenas pelo Estado, como também pela sociedade (são “deveres do Estado e da Sociedade”). Assim,
é permitida a atuação, por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a
delegação pelo Poder Público. Não se aplica, portanto, o art. 175, “caput”, da CF/88 às atividades
desenvolvidas pelas organizações sociais.

Quais são os incentivos que uma OS recebe do Poder Público?


As organizações sociais poderão receber os seguintes incentivos para cumprir o contrato de gestão:
a) Recursos orçamentários: podem receber “dinheiro público”;
b) Cessão de bens públicos, mediante permissão de uso, dispensada licitação: podem receber, sem
licitação, bens públicos para serem usados em suas atividades;
c) Cessão especial de servidor, com ônus para o órgão de origem do servidor cedido: servidores públicos
podem ser colocados à disposição das organizações sociais para lá trabalharem, continuando recebendo
sua remuneração dos cofres públicos;
d) Contratadas sem licitação: as organizações sociais podem ser contratadas, com dispensa de licitação,
para prestarem serviço a órgãos e entidades da Administração Pública, recebendo por isso (art. 24, XXIV,
da Lei nº 8.666/93). Desse modo, quando a Administração contratar serviços a serem prestados pelas
organizações sociais, está dispensada de realizar licitação, desde que aquela atividade esteja prevista no
contrato de gestão.

CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA EFEITOS PENAIS


O Código Penal prevê diversos crimes que são praticados por “funcionários públicos” contra a
Administração em geral (arts. 312 a 326).
Repare que o CP utilizou a nomenclatura “funcionário público” e não “servidor público” ou “agente
público”, expressões que são atualmente preferidas pelo Direito Administrativo.
A fim de que não houvesse muita dúvida sobre o que é funcionário público, o Código Penal resolveu
conceituar essa expressão no art. 327. No caput, há o conceito padrão de funcionário público e, no § 1º,
o chamado “funcionário público por equiparação”:
Funcionário público
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente
ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade
paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para
a execução de atividade típica da Administração Pública.
(...)

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O “Instituto de Solidariedade” é uma organização social que celebrou contrato de gestão com a
Administração Pública do Distrito Federal.

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João é diretor do Instituto de Solidariedade.


A referida organização social recebeu R$ 300 mil do Governo do DF para prestar serviços de assistência
social a pessoas carentes.
Ocorre que João desviou parte dessa quantia em proveito próprio.
Diante disso, o Ministério Público denunciou o agente pela prática de peculato-desvio, delito tipificado no
art. 312 do CP:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou
alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Segundo o Parquet, João deveria ser considerado funcionário público por equiparação, nos termos do art.
327, § 1º do CP.
A defesa do réu refutou essa afirmação e alegou que João não poderia ser enquadrado no art. 327, § 1º,
porque ele era diretor em um instituto que possui natureza jurídica de “organização social” e as
organizações sociais não fazem parte da Administração Pública nem podem ser consideradas entidades
paraestatais.
Para a defesa, o conceito de entidade paraestatal deve ser interpretado conforme o art. 84, § 1º, da Lei nº
8.666/93, o qual não inclui as organizações sociais:
Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que
transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.
§ 1º Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função
em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e
sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder
Público.
(...)

Qual das duas argumentações foi acolhida pelo STF? João pode ser considerado funcionário público por
equiparação, nos termos do art. 327, § 1º do CP?
SIM. O STF acolheu a tese do MP.

Organizações sociais que celebram contratos de gestão são consideradas entidades paraestatais
O STF, adotando lição da Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entendeu que as organizações sociais que
celebram contratos de gestão devem ser consideradas “entidades paraestatais”:
“(...) Exatamente por atuarem ao lado do Estado e terem com ele algum tipo de vínculo jurídico,
recebem a denominação de entidades paraestatais; nessa expressão podem ser incluídas todas as
entidades integrantes do chamado terceiro setor, o que abrange as declaradas de utilidade
pública, as que recebem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais autônomos (como Sesi,
Sesc, Senai), os entes de apoio, as organizações sociais e as organizações de sociedade civil de
interesse público.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. Atlas: São
Paulo, 2014. p. 566-567).

Luiz Régis Prado posiciona-se no mesmo sentido:


“Entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado, instituídas por lei, ‘para realização
de atividades, obras, serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado’. Inserem-se
como modalidades de entidades paraestatais as empresas públicas, as sociedades de economia
mista, os serviços sociais autônomos e modernamente o que se denomina ‘terceiro setor’ (entes

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da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos).” (PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código
penal: jurisprudência. Conexões lógicas com os vários ramos do direito. 11.ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017. p. 863).

Mas e o art. 84, § 1º, da Lei nº 8.666/93...?


Não importa para nada aqui.
O art. 84, § 1º, da Lei nº 8.666/93 tem influência, ou seja, repercute no âmbito administrativo, mas não
constitui parâmetro interpretativo para os crimes definidos no Código Penal.
Para os crimes funcionais, o Código Penal traz uma regra específica no art. 327.
Vale ressaltar que o legislador fez questão de fornecer, no Código Penal, um conceito mais amplo do que
o utilizado no Direito Administrativo.
Assim, o conceito de funcionário público previsto no art. 327 do Código Penal não se confunde com as
definições próprias do direito administrativo.
O caput do dispositivo, que serve como referencial interpretativo dos parágrafos, estabelece que o
conceito de funcionário público agasalhado pelo estatuto é “para os efeitos penais”. Além disso, o título é
mais abrangente do que o geralmente adotado no âmbito do direito administrativo, pois abarca funções
temporárias e não remuneradas.
Trata-se, portanto, de um conceito instrumental concebido pelo legislador unicamente para fins de
aplicação da lei penal.
A figura equiparada do § 1º é ainda mais ampla. Considera-se funcionário público, para fins penais, quem
exerce cargo, emprego ou função em entidade parestatal. Recebe igualmente essa qualificação “quem
trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade
típica da Administração Pública”. Os requisitos não são cumulativos, e sim, disjuntivos. Isso quer dizer que
a acusação não precisa comprovar que a entidade paraestatal executa atividade típica da Administração
Pública.

Em suma:
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins
penais (art. 327, § 1º do CP). Isso porque as organizações sociais que celebram contratos de gestão com
o Poder Público devem ser consideradas “entidades paraestatais”, nos termos do art. 327, § 1º do CP.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

O art. 327, § 1º, é exemplo de norma penal em branco?


NÃO. O art. 327, tanto no caput como no § 1º, não pode ser considerado como norma penal em branco.
Não é necessário buscar seu complemento em outro ato normativo.
Na verdade, o art. 327 do CP é uma norma interpretativa.

(Delegado SP Vunesp 2018) Prescreve o art. 327 do CP: “considera-se funcionário público, para os efeitos
penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”
Tal norma traduz exemplo de interpretação
A) científica.
B) autêntica.
C) extensiva.
D) doutrinária.
E) analógica.
Resposta: letra B

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VAMOS AGORA REVISAR


SÃO CONSIDERADOS “FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS” PARA FINS PENAIS:
Diretor de organização social
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins penais
(art. 327, § 1º do CP). As organizações sociais que celebram contratos de gestão com o Poder Público são
consideradas “entidades paraestatais”.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Administrador de Loteria
Administrador de Loteria é equiparado a funcionário público para fins penais porque a Loteria executa
atividade típica da Administração Pública que lhe foi delegada por regime de permissão.
STJ. 5ª Turma. AREsp 679.651/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/09/2018.

Advogados dativos
O advogado que, por força de convênio celebrado com o Poder Público, atua de forma remunerada em
defesa dos hipossuficientes agraciados com o benefício da assistência judiciária gratuita, enquadra-se no
conceito de funcionário público para fins penais. Sendo equiparado a funcionário público, é possível que
responda por corrupção passiva (art. 317 do CP).
STJ. 5ª Turma. HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016 (Info 579).

Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/2000)


Depois da Lei nº 9.983/2000, que alterou o § 1º do art. 327 do CP, o médico credenciado ao SUS pode ser
equiparado a funcionário público para efeitos penais.
Vale ressaltar, no entanto, que a Lei nº 9.983/2000 não pode retroceder alcançar situações praticadas
antes de sua vigência.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1101423/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/11/2012.

Estagiário de órgão ou entidade públicos


Estagiário de órgão público que, valendo-se das prerrogativas de sua função, apropria-se de valores
subtraídos do programa bolsa-família subsume-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 312, § 1º,
do Código Penal (peculato-furto), porquanto estagiário de empresa pública ou de entidades congêneres
se equipara, para fins penais, a servidor ou funcionário público, em decorrência do disposto no art. 327, §
1º, do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. REsp 1303748/AC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/06/2012.

Cuidado. Depositário judicial NÃO é considerado funcionário público


Depositário judicial não é funcionário público para fins penais, porque não ocupa cargo público, mas a ele é
atribuído um munus, pelo juízo, em razão do fato de que determinados bens ficam sob sua guarda e zelo.
STJ. 6ª Turma. HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 623).

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RACISMO
Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas
e estrangeiros não configurou racismo

O então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube
e ali fez críticas e comentários negativos a respeito dos quilombolas e também de povos
estrangeiros.
No trecho mais questionado de sua palestra, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El
Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada!
Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano
gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai
em El Dourado Paulista, você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por
metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que? Porque eles revendem tudo
baratinho lá. Não querem nada com nada.”
O STF entendeu que a conduta de Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei
nº 7.716/89).
As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV,
da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88).
O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos
quilombolas ou dos estrangeiros.
O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de demarcação e proveito
econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da
liberdade de expressão.
Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de
parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de
Deputado Federal a fim de dar a sua visão geopolítica e econômica do País.
Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com os
pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade
parlamentar.
STF. 1ª Turma. Inq 4694/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

CRIME DO ART. 20 DA LEI 7.716/89


Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Em que consiste o crime
Podemos imaginar duas condutas principais:
1) O agente pratica algum ato de discriminação.
2) O agente não pratica ele próprio a discriminação, mas induz (cria a ideia) ou incita (reforça a ideia já
existente) que alguém passe a ter preconceito ou pratique atos de discriminação.

Preconceito
É o pensamento que existe em determinados indivíduos no sentido de que certas pessoas ou grupos
sociais são inferiores, nocivos, prejudiciais.
“O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa, configura um pré-julgamento negativo
com relação a outro indivíduo ou grupo.” (LAURIA, Mariano Paganini. Leis Penais Especiais comentadas
artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 534).

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Discriminação
É a exteriorização do preconceito por meio da prática de atos materiais.

Bem jurídico que este crime protege


A igualdade que deve existir entre todas as pessoas.
Em razão dessa igualdade, devem ser proibidos discriminações ou preconceitos.

Raça
O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica.
Em outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas características
genéticas, tais como cor do cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 534).
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.”
(Min. Maurílio Correia no HC 82424, julgado pelo STF em 17/09/2003).
Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que componham essa coletividade
possuam características genéticas distintas entre si.

Cor
É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.

Etnia
São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e maneiras de agir.
Trata-se do “conceito mais adotado e recomendado pela sociologia hodiernamente para designar o que
antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 507).
Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.

Religião
“Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e sagrado, permeada por
uma série de rituais e códigos morais derivados de tais convicções. Não se inclui o ateísmo (ausência de
crença religiosa), prevalecendo o entendimento de que este é justamente a negação da crença na
existência de uma divindade superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado à religião,
constituindo-se em espécie de doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.”
(LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 508).

Racismo x proselitismo religioso


Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao
espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé.
O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89
(Lei do racismo).
No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.
A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o
indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo
religioso.
Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se
converterem à sua religião.
Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões
(dizendo que uma é melhor que a outra), não configura, por si só, crime de racismo.
Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão,
restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por

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outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para
que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual, neste caso não haverá
conduta criminosa.
Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando
demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo.
Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si,
o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado
demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere
sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo.
STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849).

Vale ressaltar, no entanto, que o próprio STF, em outro caso concreto, já considerou que a incitação de
ódio público feita por líder religioso contra outras religiões pode configurar o crime de racismo. Assim, é
possível, a depender do caso concreto, que um líder religioso seja condenado pelo crime de racismo (art.
20, §2º, da Lei nº 7.716/89) por ter proferido discursos de ódio público contra outras denominações
religiosas e seus seguidores: STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias
Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info 893).

A análise depende, portanto, da conduta no caso concreto.

Procedência nacional
É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os estrangeiros (ex:
venezuelanos, haitianos) como também os nacionais que se deslocam dentro do país (exs: nortistas,
nordestinos, sulistas etc.).

Orientação sexual
Não foi prevista no art. 20 da Lei nº 7.716/89.
Assim, proferir manifestação de natureza discriminatória em relação aos homossexuais NÃO configura o
crime do art. 20 da Lei nº 7.716/89, sendo conduta atípica (STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 12/8/2014).
Desse modo, devemos afirmar que o rol de elementos de preconceito e discriminação do art. 20 é taxativo.

Pessoa com deficiência


Se a discriminação for praticada contra pessoa com deficiência, o crime é o do art. 88 da Lei nº
13.146/2015:
Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e
responsabilidade do agente.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios
de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a
pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I - recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;
II - interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.
§ 4º Na hipótese do § 2º deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado
da decisão, a destruição do material apreendido.

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Idoso
Existe um tipo específico que trata sobre a discriminação contra idosos na Lei nº 10.741/2003:
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias,
aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento
necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa
idosa, por qualquer motivo.
§ 2º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) se a vítima se encontrar sob os cuidados ou
responsabilidade do agente.

Sujeito ativo
Qualquer pessoa pode cometer. O delito do art. 20 da Lei nº 7.716/89 é crime comum.

Sujeito passivo
A vítima é a pessoa ou o grupo de pessoas discriminadas.

Elemento subjetivo
O crime é punido apenas a título de dolo (não há modalidade culposa).
Vale ressaltar, no entanto, que, além do dolo, exige-se também o elemento subjetivo específico
consistente na vontade de discriminar a vítima.

Consumação
Trata-se de crime formal, ou seja, não se exige, para a consumação, a produção de qualquer resultado
naturalístico.
Ex: o indivíduo grava vídeo no Youtube dizendo que todos os católicos devem ser xingados e discriminados.
Mesmo que ninguém atenda essa convocação, o crime estará consumado.

Suspensão condicional do processo


O art. 20 da Lei nº 7.716/89 admite a suspensão condicional do processo.

Racismo x injúria racial


Injúria racial (art. 140, § 3º do CP)
Racismo (art. 20 da Lei 7.716/89)
(alguns autores chamam de racismo impróprio)
Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação
dignidade ou o decoro: ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
(...) procedência nacional.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de Pena: reclusão de um a três anos e multa.
elementos referentes a raça, cor, etnia, religião,
origem ou a condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
O agente ofende, insulta, ou seja, xinga alguém O agente pratica algum ato discriminatório que faz
utilizando elementos relacionados com a sua raça, com que a vítima fique privada de algum direito
cor, etnia, religião, origem ou a condição de em virtude de sua raça, cor, etnia, religião ou
pessoa idosa ou portadora de deficiência. procedência nacional. Há um ato de segregação.

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A ofensa é praticada contra uma pessoa Também pode ser caracterizado mediante uma
determinada ou um grupo determinado de ofensa verbal (sem um ato de segregação), desde
indivíduos (exs: cinco amigos negros, árabes etc.). que a ofensa seja dirigida a todos os integrantes
de certa raça, cor, etnia, religião etc.
A intenção do agente é atacar a honra subjetiva de A intenção é segregar a pessoa ou um grupo de
uma pessoa ou de um grupo determinado de pessoas por conta de um dos elementos já
pessoas, utilizando os elementos já mencionados. mencionados.
Ex: “seu macaco”. Ex: nesta festa não pode entrar negros.
Ex: “vocês 5 são um bando de terroristas”. Ex: todos os judeus são ladrões.
O agente visa a atingir uma pessoa determinada O agente visa a atingir um número indeterminado
ou determinável. de pessoas (todos que compõem aquela
coletividade).
O bem jurídico tutelado é a honra subjetiva. O bem jurídico tutelado é a igualdade.
Trata-se de crime de ação penal pública Trata-se de crime de ação penal pública
condicionada à representação da vítima (art. 145, incondicionada.
parágrafo único, do CP).
Há polêmica se seria ou não um crime inafiançável Não há dúvidas de que se trata de crime
e imprescritível, ou seja, se está incluído no art. 5º, inafiançável e imprescritível, nos termos do art. 5º,
XLII, da CF/88. Existe uma decisão do STJ XLII: “a prática do racismo constitui crime
reconhecendo a imprescritibilidade: STJ. 6ª inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
Turma. AgRg no Aresp 686965/DF, j. 18/08/2015. reclusão, nos termos da lei;”

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou


propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
É chamado de apologia ao nazismo.
Mais uma vez, recorro ao excelente estudo produzido por Mariano Pagnini Lauria, que faz mais uma lúcida
observação sobre o tema:
“Para a configuração do crime em lição, é necessário que tais objetos sejam utilizados para fins de
divulgação do nazismo (aqui há necessidade do elemento subjetivo específico). Logo, nos casos em que
restar ausente tal elemento subjetivo específico (finalidade de divulgação do nazismo), como em objetos
e artefatos de colecionadores, historiadores, museus e exposições (desde que, repita-se, tais materiais
não sejam utilizados ainda que veladamente para propaganda do nazismo), a conduta será atípica.” (ob.
cit., p. 541).
Repare que a pena do § 1º é mais grave que a do caput e, por isso, não cabe suspensão condicional do
processo.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação
social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
Qualificadora
Trata-se de uma qualificadora para as condutas descritas no caput.

Meios de comunicação social


Exemplos: TV, rádio, internet etc.
Assim, o racismo praticado por meio da rede mundial de computadores, infelizmente tão comum hoje em
dia, é punido com a pena do § 2º do art. 20.

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Publicação de qualquer natureza


Exemplos: revistas, jornais, livros etc.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido
deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por
qualquer meio;
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de
computadores.
Este § 3º prevê a decretação de medidas cautelares com o objetivo de cessar a prática delituosa.
Constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material
apreendido (§ 4º do art. 20).

Veja como o tema é cobrado em provas:


(Delegado PC/PR 2013) No caso de incitação ou induzimento ao preconceito racial praticado através da
rede mundial de computadores, poderá o juiz determinar a interdição da mensagem ou página de
informação. (CERTO)

PALESTRA PROFERIDA POR BOLSONARO COM CRÍTICAS AOS QUILOMBOLAS E ESTRANGEIROS


A situação concreta, segundo a denúncia oferecida pela PGR, foi a seguinte:
No dia 03 de abril de 2017, em palestra realizada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, o então Deputado
Federal Jair Bolsonaro teria se manifestado de modo negativo e discriminatório sobre quilombolas,
indígenas, refugiados, mulheres e LGBT's.
De acordo com a PGR, o então Deputado teria proferido, dentre outras, as seguintes frases que
caracterizariam o que a doutrina denomina de discurso de ódio (hate speech):
• “Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”.
• “Aqui apenas são as reservas indígenas no Brasil. Onde tem uma reserva indígena, tem uma riqueza
embaixo dela. Temos que mudar isso daí. Mas nós não temos, hoje em dia, mais autonomia para mudar
isso daí. Entregou-se tanto a nossa nação que chegamos a esse ponto, mas dá pra mudar nosso país. Isso
aqui é só reserva indígena, tá faltando quilombolas, que é outra brincadeira. Eu fui em um quilombola em
El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho
que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem
cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você compra
arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha.
Por que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.”
• “Nós não temos 12 milhões de desempregados, nós temos 40 milhões, porque eles consideram quem
recebe bolsa-família como empregado. Só aí, só aí nós temos praticamente 1/4 da população brasileira
vivendo às custas de quem trabalha. Alguém já viu um japonês pedindo esmola por aí? Porque é uma raça
que tem vergonha na cara. Não é igual essa raça que tá aí embaixo ou como uma minoria tá ruminando
aqui do lado.”
• “Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro pra ONG, esses inúteis vão ter que trabalhar. (...) Não vai ter um
centímetro demarcado pra reserva indígena ou pra quilombola.”
• “Se um idiota num debate comigo, caso esteja lá, falar sobre misoginia, homofobia, racismo, baitolismo,
eu não vou responder sobre isso.”
• “Tá pra ser transformado em lei o novo Código de Imigração. Tomem conhecimento. Qualquer
estrangeiro ou até um monte de estrangeiro (...) Se alguém quiser pegar um navio e encher de haitiano,

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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de angolano, de chinês, japonês, seja lá o que for. Japonês não vem pra cá não, tá. E jogar no porto aqui,
dez mil aqui. O pessoal, ele fala, 'eu sou refugiado', passa a ter direito a abrir conta em Banco do Brasil e
Caixa Econômica, com menos diligências do que qualquer um de nós brasileiros. Passa a ter direito a
Sistema Único de Saúde gratuito (...)”
• “O que que a Venezuela tá fazendo? Tá enchendo as suas ambulâncias e carros com pessoal idoso ou
doença de alta complexidade e desovando nos hotéis, nos hospitais e postos de saúde de Roraima. E o
que o governo brasileiro faz? Não faz nada. Tem que fazer alguma coisa. Se aceita, vamos criar campos de
refugiados. Se aceita... Se não aceita, devolve. O Brasil não pode se transformar na casa da mãe Joana.
Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma indiscriminada. Não tem problema vir
pra cá quem quer que seja, mas tem que ter um motivo e um levantamento da vida pregressa dessas
pessoas.”

Denúncia
Em 12 de abril de 2018, a Procuradora-Geral da República ofereceu denúncia, no STF, contra Jair Bolsonaro
afirmando que ele, ao proferir tais palavras, praticou racismo, conduta tipificada no art. 20, caput da Lei
nº 7.716/89, considerando que, “em seu discurso tratou os quilombolas como seres inferiores, igualando-
os a mercadoria (discriminação) e ainda reputou-os inúteis, preguiçosos (preconceito) e também incitou
a discriminação em relação aos estrangeiros, estimulando os presentes no Clube Hebraica, um público de
cerca de trezentas pessoas, além de outras pessoas que tiveram acesso a vídeos divulgados do evento, a
pensarem e agirem de igual forma (induzimento e/ou incitação)”.
Veja a redação do tipo penal imputado:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.

A denúncia oferecida contra Jair Bolsonaro foi recebida pelo STF?


NÃO. A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), rejeitou a denúncia apresentada contra Bolsonaro.
O colegiado entendeu que não ficou configurado o conteúdo discriminatório das declarações do acusado.
As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88,
além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88).

Não houve finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação


O discurso proferido pelo acusado em relação a comunidades quilombolas traz demonstrações de
diferenciação e até de superioridade em relação a esses povos. No entanto, as palavras proferidas são
desprovidas da finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação.
Assim, por não se investirem de caráter discriminatório, são incapazes de caracterizar o crime previsto no
art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89.

Contexto de demarcação e aproveitamento econômico das terras


O pronunciamento do parlamentar está vinculado ao contexto de demarcação e proveito econômico das
terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão.
O parlamentar manifestou interesse em extinguir ou diminuir as reservas indígenas e as terras dos
quilombolas, mas isso não pode ser confundido com a supressão e eliminação dessas minorias.
Ademais, o emprego, no discurso, do termo “arroba” não consiste em ato de desumanização dos
quilombolas, no sentido de comparação a animais. Para o Min. Marco Aurélio (Relator), foi uma forma de
expressão – de toda infeliz –, utilizada com o objetivo de dizer que o indivíduo estava “acima do peso
considerado normal”.

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Não houve incitação a comportamento xenofóbico


Xenofobia é a profunda aversão a pessoas ou coisas estrangeiras (xenos é uma palavra grega que significa
“estranho”).
O comportamento xenofóbico, a depender do caso concreto, pode configurar crime se resultar em
discriminação ou preconceito. Nesse sentido, veja o que diz o art. 1º da Lei nº 7.716/89:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

O art. 20 da Lei nº 7.716/89 prevê que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito
de procedência nacional.
Trata-se de delito de perigo abstrato. Isso significa que, para configurar o crime, não se exige que, por
causa do discursivo xenofóbico, alguém tenha efetivamente praticado atos discriminatórios. Basta induzir
ou incitar e já configura o delito.
No entanto, em caso de discursos, como o do réu, é necessário se analisar teleologicamente as palavras
proferidas, ou seja, deve-se examinar a finalidade do agente.
No caso, as afirmações do denunciado ficaram no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo
Governo Federal e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas
xenofóbicas pelo público ouvinte.
O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante.
A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de
configurar crime.

Vinculação das palavras ao exercício do mandato


O STF afirmou que as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de parlamentar.
Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal ocupado
pelo acusado, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País.
Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com os pronunciamentos do
parlamentar na Câmara dos Deputados.
Comprovado o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar.
As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e, eventualmente, sujeitas
a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas
pela imunidade parlamentar e implicam na exclusão da tipicidade.

Em suma:
O então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube e ali fez
críticas e comentários negativos a respeito dos quilombolas e também de povos estrangeiros.
No trecho mais questionado de sua palestra, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado
Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem
para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem cesta
básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você compra arame
farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por
que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.”
O STF entendeu que a conduta de Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei nº
7.716/89).
As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88,
além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88).
O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos quilombolas
ou dos estrangeiros.

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O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de demarcação e proveito econômico


das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão.
Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de parlamentar.
Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal a fim de
dar a sua visão geopolítica e econômica do País.
Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com os pronunciamentos do
parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade parlamentar.
STF. 1ª Turma. Inq 4694/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

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LEI DE DROGAS
Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha

Importante!!!
Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, por meio de um site da internet, importou da Holanda para o Brasil 26 frutos aquênios,
popularmente conhecidos como “sementes” de maconha (cannabis sativa linneu).
Quando as sementes chegaram ao Brasil, via postal, o pacote foi inspecionado pelo setor de Alfândega da
Receita Federal no aeroporto, que descobriu seu conteúdo por meio da máquina de raio-X e avisou a
Polícia Federal.
Diante disso, João foi denunciado pelo MPF pela prática de tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art.
40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006).
O Procurador da República argumentou que, pela grande quantidade de sementes encomendadas e pela
própria palavra do denunciado, restou demonstrado que ele pretendia iniciar uma plantação de cannabis
sativa (maconha) em seu quintal.

A questão chegou até o STF. Houve crime?


NÃO. O STF entende que não há crime na importação de sementes de maconha.
Vamos entender com calma.

O que é considerado “droga” para fins penais?


O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.343/2006 prevê que, para uma substância ser considerada como
"droga", é necessário que possa causar dependência, sendo isso definido em uma lista a ser elencada em
lei ou ato do Poder Executivo federal. Veja:
Art. 1º (...) Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas
atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

O art. 66 da mesma Lei complementa esta regra:


Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a
terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes,
psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de
maio de 1998.

Assim, o conceito é técnico-jurídico e só será considerada droga o que a lei (em sentido amplo) assim
reconhecer como tal. Mesmo que determinada substância cause dependência física ou psíquica, se ela
não estiver prevista no rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga para
fins de incidência da Lei nº 11.343/2006 (ex: álcool).

Este rol existe? Onde ele está previsto?


O rol das substâncias que são consideradas como “droga”, para fins penais, continua previsto na Portaria
SVS/MS nº 344/1998, considerando que ainda não foi editada uma nova lista.
Perceba, portanto, que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea (em sentido estrito
ou heteróloga). Isso porque o complemento do que é considerado droga é fornecido por um ato normativo

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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elaborado por órgão diverso daquele que editou a Lei. A Lei nº 11.343/2006 foi editada pelo Congresso
Nacional e o seu complemento é dado por uma portaria, editada pela ANVISA, autarquia ligada ao Poder
Executivo.

Tetrahidrocanabinol (THC)
Tetrahidrocanabinol, também conhecido como THC, é uma substância psicoativa encontrada na planta
Cannabis Sativa, mais popularmente conhecida como maconha.
A quantidade de THC na maconha pode variar de acordo com uma série de fatores, como o tipo de solo,
a estação do ano, a época em que foi colhida, o tempo de colheita e consumo etc.
A THC é prevista expressamente como droga na Portaria SVS/MS nº 344/1998, da ANVISA.

Sementes de maconha não têm THC


Os frutos aquênios da cannabis sativa linneu não apresentam na sua composição o THC.
A planta da cannabis sativa linneu está prevista na lista “E” da Portaria SVS/MS 344/1998.
Ocorre que essa Portaria prevê apenas a planta como sendo droga (e não a sua semente).
Assim, a semente de maconha não pode ser considerada droga.

O § 1º do art. 33 da LD prevê que também é crime a importação de “matéria-prima” ou “insumo”


destinado à preparação de drogas. A semente de maconha poderia ser considerada como “matéria-
prima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas?
Também não.
A semente de maconha não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de
drogas. Isso porque ela não é um “ingrediente” para a confecção de drogas. Não se faz droga misturando
a semente de maconha com qualquer coisa. Dito de outro modo: não se prepara droga com semente de
maconha. Isso porque a semente de maconha não tem substância psicoativa (ela não tem nada em sua
composição que atue no sistema nervoso central gerando euforia, mudança de humor, prazer etc.).
Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes assentou:
“Na doutrina, afirma-se que a matéria-prima, conforme Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, é
a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes que causem
dependência física ou psíquica (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de drogas anotada.
3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou insumo devem ter
condições e qualidades químicas para, mediante transformação ou adição, por exemplo,
produzirem a droga ilícita, o que não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não
possuem a substância psicoativa (THC)”.

Desse modo, a semente da cannabis sativa não é, em si, droga (não está listada na Portaria) e também
não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de droga ilícita.

Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí nasça a planta da cannabis sativa
linneu... A planta tem THC (substância psicoativa proibida)...
É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso vire uma muda, que ele cultive a muda
e que se torne a planta da maconha.
No entanto, a mera importação da semente não é crime algum porque configuraria, no máximo, mero ato
preparatório da figura típica prevista no § 1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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II - prestação de serviços à comunidade;


III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe
plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de
causar dependência física ou psíquica.
(...)

Nem chega a ser, portanto, ato executório do § 1º do art. 28 porque o agente não iniciou a semeadura ou
o cultivo.

A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da prática do crime do art. 28, § 1º da
Lei nº 11.343/2006?
Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não iniciou nenhuma conduta
executória dos verbos previstos no tipo penal (semear, cultivar ou colher).
No entanto, ainda que se considere que se iniciou a execução e que ele não se consumou por
circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a instauração de processo penal.
O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Logo, como não é prevista pena privativa de liberdade para esta conduta, é inviável a aplicação da regra
da tentativa do art. 14, II, do CP.

A conduta pode ser considerada contrabando (art. 334-A do CP)?


Existe divergência sobre o tema.
O contrabando consiste na importação de mercadoria proibida (art. 334-A do CP).
A importação de sementes desprovidas de inscrição no Registro Nacional de Cultivares é proibida pelo art.
34 da Lei nº 10.711/2003:
Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de cultivares inscritas no Registro
Nacional de Cultivares.

A semente de cannabis sativa não consta da lista do Registro Nacional de Cultivares (RNC), não podendo,
portanto, ser importada, salvo para tratamentos de saúde (Portaria RDC/ANVISA nº 66/2016).
No entanto, há vários julgados que defendem que não se deve condenar o réu porque não há, neste caso,
lesão ao bem jurídico tutelado pela norma prevista no art. 334-A do Código Penal. Isso porque, dada a
pequena quantidade e a natureza das sementes, considera-se que não há ofensa aos bens jurídicos
protegidos pelo delito de contrabando (proteção da saúde, da moralidade administrativa e da ordem
pública). Esse é o entendimento que prevalece, por exemplo, no TRF3: HC 67576 - 0010869-
41.2016.4.03.0000, Rel. Juiz Convocado Ricardo Nascimento, julgado em 26/07/2016.

Em suma:
Não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de maconha.
STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Posição do MPF
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal possui o entendimento de que:

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha não configura o crime do art. 33, § 1º
nem o delito do art. 28, § 1º, ambos da Lei nº 11.343/2006;
• esta conduta, em tese, amolda-se ao crime de contrabando (art. 334-A do CP);
• a importação de pequena quantidade de sementes de maconha para o plantio destinado ao consumo
próprio induz à mínima ofensividade da conduta, à ausência de periculosidade da ação e o ínfimo grau de
reprovabilidade do comportamento, razões que comportam a aplicação do princípio da insignificância à
hipótese.
• assim, a conduta é tipificada como descaminho, mas deve-se aplicar o princípio da insignificância, razão
pela qual é correta a decisão do Procurador da República que não denuncia o indiciado nestes casos.

Foi o que decidiu a 2ª CCR, em 09/11/2018, no processo nº 0001111-51.2018.4.03.6181, Relatora


Subprocuradora Geral da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen.
No mesmo sentido é o entendimento do Conselho Institucional do Ministério Público Federal – CIMPF: a
importação de sementes de maconha pela via postal, em pequenas quantidades, não deve gerar denúncia,
ante a configuração da prática do delito descrito no art. 334-A, do CP, e, neste, a incidência do princípio
da insignificância (procedimentos 0008476-98.2014.4.03.6181 e 0002458-64.2015.4.03.6104).

Qual é a posição do STJ sobre o tema?


O STJ está dividido, por enquanto:

A importação de pequenas quantidade de sementes de maconha configura tráfico de drogas?


5ª Turma: SIM 6ª Turma: NÃO
A importação clandestina de sementes de Tratando-se de pequena quantidade de sementes
cannabis sativa linneu (maconha) configura o tipo e inexistindo expressa previsão normativa que
penal descrito no art. 33, § 1º, I, da Lei nº criminaliza, entre as condutas do art. 28 da Lei de
11.343/2006. Drogas, a importação de pequena quantidade de
Não é possível aplicar o princípio da insignificância. matéria prima ou insumo destinado à preparação
STJ. 5ª Turma. REsp 1723739/SP, Rel. Min. Jorge de droga para consumo pessoal, forçoso
Mussi, julgado em 23/10/2018. reconhecer a atipicidade do fato.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AgInt no REsp 1616707/CE,
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em
26/06/2018.

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) Explique em que consiste o homeschooling e se ele é aceito no Brasil.
2) (DPE/PR 2014) Tem fundamento expresso em lei federal a pretensão de, comprovada sua superdotação,
ter a criança substituída a educação formal escolar pela educação domiciliar. ( )
3) (MP/ES 2013) Os pais ou responsável têm o direito de ministrar ensino domiciliar em caso de discordância
com processo pedagógico ou com as propostas educacionais da escola. ( )
4) O CNJ pode determinar a correção de ato do Tribunal local que, embora respaldado por legislação
estadual, se distancie do entendimento do STF. ( )
5) O diretor de organização social não pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins
penais. ( )
6) (PGM BH CESPE 2017) O crime de racismo restringe-se aos atos discriminatórios em função de cor da
pele — fator biológico —, em razão do princípio da necessidade da lei estrita do direito penal. ( )
7) (Delegado de Polícia PF 2018 CESPE) Constitui crime de preconceito racial a discriminação de alguém em
decorrência de sua orientação sexual. ( )
8) (TJDF CESPE 2015) A edição de livro que contenha apologia a ideias discriminatórias contra uma etnia ou
minoria é inconstitucional e configura crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade. ( )
9) (MP/MS 2018) Configura crime de preconceito de raça ou cor (Lei n. 7.716/1989) distribuir emblemas
com símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. ( )
10) (Juiz TJDFT 2015 CESPE – adaptada) Breno foi vítima de injúria racial cuja autoria foi imputada a Rômulo.
Nessa situação, a ação penal será pública incondicionada. ( )
11) (Delegado PC-GO 2017 CESPE) Uma jovem de vinte e um anos de idade, moradora da região Sudeste,
inconformada com o resultado das eleições presidenciais de 2014, proferiu, em redes sociais na Internet,
diversas ofensas contra nordestinos. Alertada de que estava cometendo um crime, a jovem apagou as
mensagens e desculpou-se, tendo afirmado estar arrependida. Suas mensagens, porém, têm sido
veiculadas por um sítio eletrônico que promove discurso de ódio contra nordestinos. No que se refere à
situação hipotética precedente, assinale a opção correta, com base no disposto na Lei n.º 7.716/1989,
que define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor.
A) Independentemente de autorização judicial, a autoridade policial poderá determinar a interdição das
mensagens ou do sítio eletrônico que as veicula.
B) Configura-se o concurso de pessoas nessa situação, visto que o material produzido pela jovem foi
utilizado por outra pessoa no sítio eletrônico mencionado.
C) O crime praticado pela jovem não se confunde com o de injúria racial.
D) Como se arrependeu e apagou as mensagens, a jovem não responderá por nenhum crime.
E) A conduta da jovem não configura crime tipificado na Lei n.º 7.716/1989.
12) Segundo decidiu o STF, não configura crime a importação de pequena quantidade de sementes de
maconha. ( )

Gabarito
1. 2. E 3. E 4. C 5. E 6. E 7. E 8. C 9. C 10. E 11. Letra C 12. C

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OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio


eletrônico*
Em curso Finalizados
Pleno 12.9.2018 — 0 1 194
1ª Turma 11.9.2018 — 5 107 130
2ª Turma 11.9.2018 — 28 40 67
* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 7 a 14 de setembro de 2018.

TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada
do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam
despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Rcl 27872 AgR/CE*

EMENTA

Agravo regimental na reclamação. Súmula Vinculante nº 37. Simetria constitucional entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público
(CF/88, art. 129, § 4º, e Resolução nº 133/2011). Princípio da colegialidade. Agravo regimental provido, com a ressalva do posicionamento
pessoal do Relator, para julgar parcialmente procedente a reclamação e, cassando a decisão impugnada, determinar o sobrestamento do
processo em referência perante a autoridade reclamada até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de
repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela proceder a novo julgamento da causa como entender de direito.
1. Até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), a
eficácia da Súmula vinculante nº 37 obsta que o Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, defira o pagamento de parcela remuneratória a
magistrado com fundamento na alegada simetria constitucional com a carreira do Ministério Público (CF/88, art. 129, §4º) ou na Resolução nº
133/2011 do CNJ.
2. Agravo regimental provido, com a ressalva do posicionamento pessoal do Relator, para julgar parcialmente procedente a
reclamação e, cassando a decisão impugnada, determinar o sobrestamento do processo em referência perante a autoridade reclamada até que
sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela
proceder a novo julgamento da causa como entender de direito.

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):

Em sessão de julgamento da Segunda Turma realizada em 6/3/18, minha posição restou minoritária, ficando consignado em ata (DJe de
16/3/2018) o seguinte:
“A Turma, pelo voto médio do Ministro Edson Fachin, deu provimento parcial ao agravo regimental para suspender o ato
reclamado até que se aprecie a matéria de fundo pelo Tribunal Pleno” (Rcl nº 26.074/SC-AgR, julgada em lista).
Sobreveio a publicação do acórdão de relatoria do Ministro Edson Fachin (DJe de 8/6/2018), cuja ementa transcrevo:

“AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MAGISTRADOS.


CONCESSÃO DE VANTAGENS COM FUNDAMENTO NA ISONOMIA COM OS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
SÚMULA VINCULANTE Nº 37. PENDÊNCIA DA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 133 DO CNJ
NA ADI 4.822. MATÉRIA SOB REPERCUSSÃO GERAL. TEMAS 966 E 976. SUSPENSÃO DO ATO RECLAMADO E
SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. A controvérsia acerca da constitucionalidade da Resolução nº 133 do CNJ, que dispõe sobre a concessão de equiparação de
vantagens funcionais a magistrados com fundamento na simetria constitucional com os membros do Ministério Público, é objeto de
questionamento por meio da ADI 4.822/PE, de relatoria do Min. Marco Aurélio e dos REs 1059466 (Tema 966) e 968646 (Tema 976),
ambos da relatoria do Min. Alexandre de Moraes.
2. Em decorrência da verticalização das decisões do Plenário, impõe-se a suspensão do ato reclamado e o sobrestamento do
julgamento da presente reclamação até a definição do mérito da matéria.
3. Agravo regimental provido para suspender o ato reclamado e determinar o sobrestamento dos autos” (Rcl nº 26.074/SC-AgR,
de minha relatoria, Rel. p/ o ac. Min. Edson Fachin, Segunda Turma).

Com a ressalva de posicionamento pessoal, apresento voto no presente agravo regimental em observância ao princípio da colegialidade e, dessa
perspectiva, destaco que prevaleceu, naquela oportunidade, o entendimento de ser possível ao Supremo Tribunal Federal proceder ao cotejamento,
próprio do juízo reclamatório, entre o conteúdo da Súmula Vinculante nº 37 e o fundamento de tutela jurisdicional que defere vantagem pecuniária a

Informativo 915-STF (20/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


Informativo
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membro do Poder Judiciário, afirmando a existência de simetria constitucional entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público (CF/88, art.
129, § 4º, e Resolução nº 133/2011).
Adotou-se, entretanto, posição intermediária para
a) não obstante se afirmar a eficácia da SV nº 37 - no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, deferir a
servidor público parcelas remuneratórias instituídas para categorias distintas da sua – e, nesse contexto, se obstar o pagamento determinado pela
decisão reclamada;
b) também ressaltar a competência do Plenário do STF para julgar temática específica referente i) ao limite da competência normativa
conferida ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B da CF/88), na edição da Resolução nº 133/2011 (ADI nº 4.822/PE), e ii) a alegada simetria entre
as carreiras da magistratura e do Ministério Público (CF/88, art. 129, § 4º), pois submetida a matéria constitucional à sistemática da repercussão geral
(Temas 966 e 976).
Assim, a tutela jurisdicional na presente reclamatória deve ser eficaz no sentido de se obstar o pagamento a magistrado de vantagem
pecuniária instituída pelo Poder Legislativo à carreira do Ministério Público (SV nº 37), sem, contudo, esvaziar a competência do Plenário para
decidir – seja na ADI nº 4.822/PE, seja nos RE nºs 1.059.466/AL e 968.646/SC - a matéria constitucional específica debatida no caso concreto.
Sem dissentir do juízo intermediário acima destacado, entendo que a peculiaridade que reveste o tema submetido à apreciação do STF nesta ação
comporta decisão adequada também ao entendimento i) de que, com a sistemática da repercussão geral, a competência do STF para julgar a matéria
constitucional é exercida no representativo da controvérsia (RE nº 1.059.466/AL – Tema 966; RE nº 968.646/SC – Tema 976), competindo aos demais
órgãos do Poder Judiciário a concretização do precedente, mediante juízo de adequação da ratio decidendi do STF nos processos de matéria
constitucional idêntica, bem como ii) de que não há competência originária do Supremo Tribunal Federal para solução, caso a caso (CF/88, art. 102, I,
n), de controvérsia que envolva pretensão ao reconhecimento do direito de magistrado com base na simetria entre sua carreira e a do Ministério Público
(AO nº 2.126/PR-AgR).
Com essas ponderações e tendo em vista a eficácia vinculante “relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário” (CF/88, art. 102, § 2º) das
decisões do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade; bem como o efeito prospectivo da tese firmada em repercussão geral, cingindo
os demais órgãos do Poder Judiciário à norma de interpretação constitucional afirmada pelo STF na análise dos feitos com fundamento em idêntica
controvérsia, voto pelo provimento do agravo regimental e pela procedência parcial da reclamação, para, cassando-se a decisão impugnada, se
determinar o sobrestamento do processo em referência perante a autoridade reclamada até que sobrevenha decisão do STF na ADI nº 4.822/PE
ou nos Temas 966 e 976 de repercussão geral (o que ocorrer primeiro), após o que deverá ela proceder a novo julgamento da causa como
entender de Direito.
*acordão publicado no DJe de 13.9.2018.

OUTRAS INFORMAÇÕES
10 A 14 DE SETEMBRO DE 2018

Decreto nº 9.498, de 10.9.2018 - Dispõe sobre a competência para a concessão e a manutenção de aposentadorias
e de pensões do regime próprio de previdência social dos órgãos da administração pública federal direta. Publicado no
DOU, Seção 1, Edição n° 175, p. 9, em 11.9.2018.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br

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