Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
ISSN 2318-0811
Volume II, Número 2 (Edição 4) Julho-Dezembro 2014: 716-718
A Política da Prudência
Russell Kirk
Introdução de Mark. C. Henrie
Apresentação de Alex Catharino
Tradução de Gustavo Santos & Márcia Xavier de Brito
São Paulo: É Realizações, 2013. (495 páginas)
ISBN: 978-85-8033-144-8
C
om Platão (427-347 a.C.), passando por como o âmbito do possível, como a “arte”
Edmund Burke (1729-1797) e chegando do possível. A exaltação da prudência como
ao próprio Russell Kirk (1918-1994), há virtude política implica em solapar a visão
uma longa tradição de exaltação da prudência de conservadorismo como mera manutenção
como a virtude a ser cultivada pelo homem do status quo ou como aversão raivosa à
e particularmente pelo político, aquele que mudança. As mudanças devem vir, desde
pretende a condição de “grande estadista”. O que promovidas desde reformas paulatinas
livro A Política da Prudência, do filósofo norte- que não demandem o fim das instituições
americano Russell Kirk, é uma coletânea de ou a subversão da ordem. Como é afirmado
textos oriundos de dezoito conferências que por Alex Catharino na apresentação à edição
versam sobre diversos assuntos abordados brasileira:
desde a perspectiva conservadora de Russell [...] temos a mentalidade conservadora,
Kirk. Os textos tratam de temas sociais, tal como apresentada pelo pensamento
políticos e filosóficos, muitos dos quais burkeano, que tenta preservar os princípios
tocam em questões que compõem nosso atual fundamentais apreendidos pela experiência
histórica e que, orientada pela virtude da
debate, como: o caráter ideológico que move
prudência, aceita, por reformas gradativas,
as utopias políticas (e o conservadorismo
as mudanças culturais ou sociais inerentes à
como antítese desse quadro), os dilemas dinâmica histórica (p. 37).
morais do progressismo, o debate travado
entre libertários e conservadores, o problema Não se deve confundir a mentalidade
do neoconservadorismo, políticas externas conservadora de Russell Kirk, alinhada
intervencionistas, o aumento do poder estatal à tradição da Ilha, ou seja, que remete a
sobre a vida privada e a proletarização da Edmund Burke e Michael Oakeshott (1901-
vida. Kirk toca nesses assuntos em A Política 1990), com aquela simplesmente reacionária,
da Prudência, intercalando com capítulos ou seja, que se opõe à mudança meramente
que fazem esclarecimentos acerca do por ser mudança; concepção que se encontra
conservadorismo (particularmente o norte- usualmente associada ao conservadorismo do
americano). Continente, com expoentes como os franceses
Embora os dezoito textos possam Joseph De Maistre (1753-1821), Louis de
eventualmente ser lidos separadamente, Bonald (1754-1840) e outros. As mudanças
algumas ideias podem ser depreendidas são bem-vindas, desde que “por reformas
deles, porque permeiam cada um e todos os gradativas” regidas por ações de estadistas
textos. O elogio à prudência como a virtude prudentes.
do conservador e do grande estadista é um Da ação prudente depreende-se outra
exemplo. Para Kirk, o grande estadista deve característica essencial do conservadorismo
ser prudente (p. 255), isto é, conceber a política de tipo anglo-saxônico defendido por
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
André Assi Barreto 717
Russell Kirk: seu caráter anti-ideológico. foram sagradas pelo uso e pela tradição e que
Uma ideologia pode ser definida como um não devem ser jogadas fora. O conservador,
conjunto de ideias doutrinárias, um corpo portanto, adere a uma humildade
de ações positivas que pretendem oferecer metodológica, reconhecendo limitações
soluções definitivas para os problemas do e admitindo que, ao longo da História, já
mundo. O marxismo e o comunismo são acertamos em algumas coisas e que estas não
ideologias na medida em que prescrevem precisam e não devem ser descartadas; ou
ações a serem tomadas e que, se bem aplicadas, ainda, nas palavras de Kirk: “O reformador
transformarão a vida na terra em paraíso, ou radical, proclamando-se onisciente, derruba todos
nas palavras de Kirk, uma ideologia é “uma os rivais para chegar mais rapidamente ao Paraíso
teoria fanática da política que promete o paraíso terreno. Conservadores, em nítido contraste, têm
terrestre” (p. 273). As ideologias políticas o hábito de jantar com a oposição” (p. 99). Dessa
optam pelo “dogmatismo arrogante” – em maneira, Kirk insere-se numa tradição também
expressão usada como título do livro Entre liberal de negação de projetos revolucionários
o Dogmatismo Arrogante e o Desespero Cético e ideologias propositivas que clamam poder
do professor Alberto Oliva – ao clamarem reformar o mundo abruptamente e torná-
para si conhecimento pleno das soluções lo perfeito, alinhando-se a liberais como
para todos os problemas do mundo e, nesse Friedrich August von Hayek (1899-1992),
sentido, o conservadorismo é anti-ideológico. Ludwig von Mises (1881-1973), Bertrand de
Embora Kirk, no capítulo 4 de A Política da Jouvenel (1903-1987), Karl Popper (1902-1994)
Prudência, elenque dez livros conservadores e Alexis de Tocqueville (1805-1859).
de excelência, “não existe um equivalente Desse posicionamento anti-ideológico
conservador do Das Kapital [O Capital], de Karl apresentado em A Política da Prudência por
Marx (1818-1883); e, se Deus quiser, nunca Russell Kirk, depreendemos que o filósofo
existirá” (p. 129). Ou seja, não existe um americano rejeita tanto o libertarianismo
“manual” conservador a ser adotado por quanto o neoconservadorismo, e os capítulos
todos que contenha “algum projeto livresco de de A Política da Prudência onde Kirk analisa
um paraíso terrestre de própria autoria” (p. 129). ambas as ideologias são urgentes para uma
Da mesma maneira que não existe a obra- compreensão apropriada do quadro político
magna do conservadorismo, também não há contemporâneo (“Uma Avaliação Imparcial
panfleto estratégico à maneira do Manifesto, dos Libertários” e “Os Neoconservadores:
pois o conservadorismo não tem um projeto de Uma Espécie em Extinção”). Kirk afirma que
tomada de poder, visto que identifica-se mais compactua com todo aquele que “acredita em
com uma condição, um espírito, uma postura uma ordem moral duradoura, na Constituição
ou até um humor e menos com um projeto dos Estados Unidos, nos modos de vida norte-
político que vise a tomada e manutenção do americanos estabelecidos e numa economia livre”
poder à maneira maquiaveliana. A política da (p. 228) e que crer nisso faz do sujeito um
prudência está em posição diametralmente conservador, mesmo que confuso, circulando
oposta à condição ideológica. Enquanto a entre ideologias. O libertarianismo, segundo
ideologia é um tipo de “religião invertida” Kirk, é uma boa escola para o conservadorismo:
(p. 98) que arroga para si um conhecimento “[...] um afeto inicial pelos slogans libertários
positivo e absoluto capaz de converter a terra muitas vezes acaba levando jovens rapazes e moças
em paraíso, “o político prudente sabe que ‘utopia’ para o lado conservador” (p. 229) e “Portanto, o que
significa ‘lugar nenhum’” (p. 98) e também tem podemos dizer do libertarianismo, amistosamente,
ciência que qualquer projeto revolucionário é que tem sido amiúde um espaço de recrutamento
está fadado ao fracasso pois, além de carecer a de jovens conservadores” (p. 230).
sabedoria necessária para subverter a ordem Contudo, o conservador, prudente e
atual e reordenar o mundo, há coisas que já ciente de que a política é a arte do possível,
A Política da Prudência
718 Russell Kirk