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SÃO CARLOS
2009
1
Universidade Federal de São Carlos
Departamento de Educação
Curso de Pedagogia
Rachel Giglioti
São Carlos
2009
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Dedicatória
3
Agradecimentos:
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faz rir sempre que nos encontramos; Renato Fiochi, amigo de longos anos, que também
faz parte de meu círculo de amizades queridas.
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“ Está visto que as pessoas não andam todas por aí a pedir milagres, cada um de nós,
com o tempo, habitua-se às suas pequenas ou medianas mazelas e com elas vai vivendo
sem que alguma vez lhe passe pela cabeça importunar os altos poderes, mas os pecados
são outra coisa, os pecados atormentam por baixo do que se vê, não são perna coxa
nem braço tolhido, não são lepra de fora, mas são lepra de dentro”.
José Saramago
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Resumo:
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Sumário
Introdução.......................................................................................................................9
Conclusões.....................................................................................................................42
Referências Bibliográficas............................................................................................44
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Introdução
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Capítulo I: A literatura como fonte de pesquisa.
Com base em uma análise dos preceitos cristãos que preponderam socialmente e
perante a maneira de como esta ideologia monoteísta prega seus valores é possível
verificar que a conduta humana submete-se a uma abordagem de acontecimentos que
não apenas se calcam em uma construção histórica, mas como também em verdades
tidas como absolutas que plasmam uma ficção que tem a pretensão de conversão e
pregação, visto que ao interiorizar determinados conceitos o ser humano salienta visões
de mundo. As doutrinas, filosofias de vida, ideologias e paradigmas vistas como uma
cosmovisão-produto, ou seja, critérios de comportamento e crenças que são elaboradas a
partir de teorias demarcam os propósitos do cristianismo, este que necessita de uma
existência conceitual que se sustenta de uma lógica pela qual a junção entre história e
ficção conduz ao modelo ideal de atuação social, logo, os preceitos cristãos garantidos
pelas escrituras sagradas embutem uma proposta educativa que aliena o homem.
O cristianismo tem sua essência voltada na abstração, visto que o idealismo não
conhece a atividade real com tal, com isso a atividade humana não é reconhecida como
atividade objetiva, e tem-se como autenticidade humana só a atividade teórica, sendo
que a práxis apenas é absorvida sob a sua configuração judaica. Ater-se ao fato de uma
auto-alienação religiosa no sentido de que esta traz uma relação entre o mundo real,
material e o mundo religioso surreal, é remeter aos homens um questionamento sobre
sua existência a partir da lógica da concretude material, não de ocorrências divinas e
incontestáveis. Ao transformar-se a essência religiosa em essência humana ocorre a
fixação de um sentimento religioso que não é tido como um produto social, mas sim
como uma abstração interiorizada a partir da intencionalidade cristã, tal fato ocasiona a
abordagem da irrealidade ou realidade do pensamento, este visto separado da práxis,
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como um assunto escolástico. É necessário salientar que toda vida social tem como
essência a prática e que o misticismo tem sua solução racional na compreensão da
práxis humana. Os preceitos dogmáticos fazem com que a realidade dos fatos seja
substituída por uma procedência misteriosa, inconsciente que consegue aderir certa
consciência alienada na medida em que os acontecimentos inventados oculta e torna
secundárias as decorrências reais, contudo, ao se desvelar o caráter artificial dos fatos
origina-se uma missão que traz consigo o descobrimento das ideologias e intenções da
massa cristã que orientada por aquilo que foi determinado pela igreja para se
preponderar socialmente, tem sua conduta como uma ação que sufoca o livre-arbítrio.
Com base na idéia de que o princípio materialista supõe o ser humano como
fruto das circunstâncias e da educação, é que se pode estabelecer uma ligação crítica dos
ensinamentos doutrinários cristãos. A educação do indivíduo deve voltar-se a conceitos
que permeiam os mais diversos contextos e que dão origem às reflexões que não apenas
aderem uma posição absoluta, tida como a única verdadeira, mas sim que consideram a
construção histórica determinada pelo próprio homem que com sua atividade real
contorna suas condutas sociais. Perante a abordagem da realidade e a formulação
fictícia, é possível entender que a pedagogia de Jesus, este tido como educador dos
cristãos, foge da verdadeira finalidade educativa de fazer com que o intelecto humano
institua a conscientização crítica em relação a um conceito, uma vez que atua de
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maneira alienante e mistifica ocorrências para justificar interesses dos detentores de
poder, fato que diverge da possibilidade de ações transformadoras fundamentadas pela
realidade.
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(Mateus, cap. 1, v. 24-25), tal passagem é incontestável e nutrida nos textos bíblicos,
porém deve-se evidenciar a gravidez de Maria como um processo irreal já que este
mostra-se livre das malícias oriundas das fornicações cometidas e desejadas pelo
homem, logo, é alienante conceber este fato desprovido de um questionamento crítico.
Ao se partir deste pressuposto José Saramago em seu livro “Evangelho Segundo Jesus
Cristo” reconta a história do messias sob uma maneira que adquire plenitude de sentido
para a compreensão da realidade, uma vez que propicia uma reflexão das implicações
em busca de significados recônditos. A abordagem sobre o nascimento de Jesus adere
uma semântica real quando o autor descreve a relação sexual entre José a Maria, de
modo a comprovar a origem da existência de Jesus:
É garantido pelo discurso bíblico que Jesus dá inicio a uma nova época em que
se passa a acreditar na salvação dos homens, sendo que ele é considerado como o
messias salvador, e as palavras que profere são reveladas por Deus e sustentadas pelas
escrituras sagradas, o que faz com que inicie seus ensinamentos e atividades de
evangelização, uma vez que pela região da Galiléia Jesus pregava e curava as
enfermidades do povo, e sua fama se espalha por toda Síria, assim como seu numero de
seguidores, de forma que sua pregação baseava-se no poder das palavras e na ação da
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cura dos enfermos dirigida aos necessitados, como relatado: “Jesus estendeu a mão,
tocou nele e disse: “Eu quero, fique purificado”. No mesmo instante o homem ficou
purificado da lepra” (Mateus, cap. 8, v. 3). A partir da racionalidade empírica se pode
comprovar esta ação da cura promulgada por Jesus para sanar enfermidades como um
fato insolente que não se atém para a ciência do conhecimento específico para tal caso,
mas sim se volta a uma possibilidade milagrosa que promove a necessidade de se crer
em deus.
...muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos virão
a ter, mas este homem, nu, cravados de pés e mãos numa cruz, filho de
José e Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a
honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados
menores (Saramago, 1991, p. 18).
Perante a concepção bíblica Jesus traz consigo um projeto concreto que visa à
formação do povo de deus na história e se consagra como uma personalidade moral e
religiosa, em que se tem a comunidade cristã como a via da não reprodução de uma
sociedade fundada na riqueza e no poder. Deve-se deixar de lado as pretensões sociais e
acolher Jesus fraternalmente nas pessoas dos pobres e fracos, uma vez que poder e
prestígio induz à competição que escandalizam com os princípios da comunidade de
Jesus, assim, “ Não ajuntem riquezas aqui na terra, onde a traça e a ferrugem corroem,
e onde os ladrões assaltam e roubam” (Mateus, cap.6, v. 19). Os seguidores
verdadeiros de Jesus são aqueles que detêm propriedades, as vendem e entrega o
dinheiro aos pobres, destas ações desprendidas da materialidade se fará seu julgamento
e entrada no reino do céu, de modo a ter como herança a vida eterna. A vida eterna tão
pretendida pela cristandade é resultante de um processo vital digno aos mandamentos de
deus, sendo que com tal processo serão apropriados pelo ser humano conceitos e
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premissas que atuarão como parâmetros para a possível imortalidade. Ao se abordar a
questão da vida eterna Saramago transcorre sobre pensamentos do pai de Jesus, José,
quando este se atém a morte que um dia a seu filho chegaria e assim reflete:
No que diz respeito à morte de Jesus esta também é abordada por Saramago de
forma crítica à ética de Deus perante a morte da criatura escolhida para trazer salvação à
humanidade. Fora crucificado Jesus sentindo as dilacerações da carne pelos pregos
conforme procede no ritual da crucificação, e assim o autor discorre:
O trecho relatado acima traz consigo uma reflexão dos propósitos de deus que
utiliza Jesus como guia dos procedimentos alienantes e doutrinários que são fortalecidos
pelas instituições religiosas, uma vez que a humanidade deve acatá-los para não se
abster da nomeada vida misericordiosa e gloriosa garantida pela conduta respeitável às
invenções e mandos dos princípios cristãos.
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As escrituras sagradas proclamam a vida de Jesus Cristo como precursora da
palavra de deus diante da história dos homens, visto que o projeto de deus é revelado na
medida em que a pregação, expressa por línguas humanas por meio da vontade do
criador, se faz instrução na vida do sujeito, logo, a leitura dos acontecimentos narrados
na Bíblia adere uma função dogmática que se finca no discurso da espiritualidade
sustentada pela fé, esta que determina anuência a deus. A perspectiva cristã volta-se à
interiorização de conceitos tidos como inspirados por ordem divina e se apropriam da
leitura e escrita para sustentar o discurso que visa à obtenção de fiéis, sendo que a
salvação oriunda das condutas terrenas perante os mandamentos de deus. Os desejos
inculcados na psique humana podem fugir da proposta dos preceitos cristãos e
desencadear os tão destemidos conceitos de desvirtuação que move atos tidos como
errôneos e que designam a necessidade do perdão do pai. Perante a concepção cristã a
deus é atribuído o poder de reger a vida da criatura de forma que cabe ao indivíduo
discernir os truques mentais que faz com que este interiorize o dever de se cumprir com
as premissas morais arrebatadoras do cristianismo, já que o criador vasculha a bagagem
moral de todos com o intuito de destrinchar as virtudes e pecados que serão relevados
no dia do julgamento. O discurso da moralidade fundamenta-se de uma sugestão de
relacionamento responsável e verdadeiro para com deus, uma vez que se tem na
necessidade de juramentos um sinal de que a desconfiança e a mentira pervertem.
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Um recurso utilizado com intensidade pela linguagem bíblica é o emprego de
metáforas, visto que tal aspecto lingüístico revela que o sentido das palavras embute
uma significação e semântica que podem ser desocultadas para os crentes cristãos a
partir da abstração de fatos que promovem uma reflexão moral, além de que os gêneros
literários apresentados pela Bíblia se unem às disciplinas auxiliares como a lingüística, a
história e etnologia para transcorrer os preceitos ideológicos cristãos e expressar uma
qualidade textual em prosa ou oratória, em formas líricas ou épicas que entornam o
testemunho dos discípulos de Jesus Cristo. Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e
João compõem parte do Novo Testamento e discorrem a vida de Jesus e criação do povo
de deus com um sentido literal subsidiado pela questão da manifestação divina, e muito
se apropriam de parábolas para narrar as pretensões do seguimento da doutrina cristã, já
que por via da pregação os segredos de deus para aqueles que têm fé são revelados por
meio de conceituações enigmáticas oriundas das parábolas, sendo que sobre estas Jesus
discursa “Abrirei a boca para usar parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde
a criação do mundo” (Mateus, cap. 13, v. 35).
A doutrina cristã visa poder operar na conduta de seus seguidores como uma
ciência prática, visto que tem como intuito não apenas apropriar-se de ouvidores de seus
sermões morais, mas concretizar comportamentos perante a dissipação das palavras
calcadas na lei de deus, contudo, é válido abordar que uma ciência prática tem por
objetivo os fatores construídos subjetivamente pelo homem, logo, a doutrina sagrada
que tem deus como seu objeto primordial, já que as escrituras e a conduta humana
também envolvem a ciência religiosa cristã, não remete suas obras aos seres humanos,
pois estes são fruto de seu objeto deus que designa a essência da felicidade e
compaixão, uma vez que os atos humanos prendam-se aos preceitos divinos. A
comparação da doutrina sagrada com outras ciências desencadeia, segundo as escrituras
sagradas, uma subordinação das abordagens científicas que aderem à pretensão de
explicar racionalmente a verdade revelada dizimada à humanidade por inspiração de
deus, assim, sentenças filosóficas desprovidas de fé tornam-se vazias perante os
objetivos da cristandade.
Pela Bíblia Jesus revela aos discípulos que sofreria, morreria e ressuscitaria no
terceiro dia após sua morte e garante em discurso que aquele que quisesse salvar a
própria vida a perderia, no entanto, aquele que por ele a perdesse iria encontrá-la, desta
forma, o messias é o modelo de pastor que não busca interesses próprios e sim dá sua
vida por todos que aceitam sua proposta. A multiplicação e partilha dos pães e peixes
mostram o verdadeiro deus revelado em Jesus, uma vez que o dom e a partilha devem
substituir o comércio e a posse. Com Jesus o homem volta à consciência e à liberdade e,
entende-se por ações demoníacas, as ideologias, estruturas e sistemas que comprometem
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o homem em seu ato de pensar e agir por si mesmo, sendo que a intencionalidade
messiânica baseia-se na inversão da ordem social e na transformação histórica para
garantir a salvação aos pobres, estes que representados pelos pastores são os primeiros a
receber e anunciar a boa nova (evangelho). Jesus demonstra que a morte é apenas uma
necessidade física, visto que segundo a fé cristã a vida não tem seu término diante da
morte, pois com a morte caminha-se à plenitude, a morte é o resumo da todas as
fraquezas humanas e a ressurreição é o indício concreto da fé dos cristãos, assim, Jesus
tem como objetivo educar os homens para um modo de ser e agir, atua como um
educador que por meio de sua palavra, ação, morte, ressurreição e ascensão demonstram
ao ser humano o caminho para a salvação. As autoridades dos judeus impressionam-se
com o fato de que Jesus sem ter estudo portasse tanta instrução, mas o próprio alegava
que sua doutrina não provinha de si, mas de quem o enviou, uma vez que “todos os
homens serão instruídos por Deus” (João, cap. 6, v. 45). Em favor dos homens Jesus
oferece sua vida (carne e sangue) e sua presença se sustenta em três momentos: entre os
homens, solidarizando-se com seus problemas; no anúncio da Palavra das Escrituras
que entornam o sentido da vida e ação; e na celebração da eucaristia que fortalece a
partilha e fraternidade como cerne do projeto de deus.
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II.2 - O Evangelho de Saramago
O evangelho de Saramago narra desde o nascimento de Jesus até sua morte, esta
que é tida como indispensável para fazer prevalecer a alegoria bíblica, no entanto, por
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ser um fatal acontecimento que anula a vida, demonstra apenas a utilidade de um corpo
diante das finalidades e necessidades do percurso de uma vida para o então chamado
deus. A relação de José e Maria resulta em uma gravidez que travada pelo contato
carnal noticia a chegada de um primogênito o qual teve as fases de sua vida marcadas
pelo peso de uma hereditariedade de culpa, já que o exemplo de José como pai e homem
influenciaram seus atos e seus questionamentos sobre o caráter e as pretensões dos
mortais perante deus. As atitudes e pensamentos promulgados pela mente e corpo
demonstra os envoltos da essência, sendo que, por exemplo, ao considerar-se a
desconfiança de José diante do interrogatório que faz à Maria devido um pedinte bater
em sua porta em busca de alimentação, faz com que para Maria a presença da figura
misteriosa em sua casa gere uma confiança divina ao acreditar a mulher que um anjo o
homem em farrapos podia ser, e a José ocasione inquietudes em seu pensar sobre a
fidelidade de Maria a partir do estranho acontecimento. José como homem devoto das
leis divinas parece ter sua confiança em deus como num instrumento que requer a
aniquilação das mesquinharias desencadeadas pelo homem, porém em sua mente reside
o conflito que se estabelece entre uma possível vida eterna extraterrena e uma vida real
demarcada por coerções da alma e por propósitos carnais pecaminosos. Ao atribuir
origem divina ao pedinte, Maria mostra que a crença pode materializar-se, que é a
simbologia abstrata dogmática e representativa sustentada por deus que move as
situações, ainda que inusitadas, que a procedência e concretude dos fatos se moldam
perante a fé oriunda das interiorizações promovidas pelas pregações judaicas e pelos
projetos do criador. Assim sendo:
não admira, portanto, que o rebanho cresça sem parar, como se,
afincadamente, e com o entusiasmo de quem sabe garantida uma
duração justa de vida, cumprisse aquela famosa ordem que o Senhor
deu, talvez pouco confiante na eficácia dos instintos naturais
(Saramago, 1991, p. 229).
Senhor, meu Senhor, não compreendo nem o que dizes nem o que
queres de mim, Terás o poder e a glória, Que poder, que glória, Sabê-lo-
ás quando chegar a hora de te chamar outra vez, Quando será, Não
tenhas pressa, vive a tua vida como puderes, Senhor, eis-me aqui, se nu
me trouxeste diante de ti, não demores, dá-me hoje o que tens guardado
para dar-me amanhã, Quem te disse que tenciono dar-te alguma coisa,
Prometeste, Uma troca, nada mais que uma troca, A minha vida por não
sei que pago, O poder, E a glória, não me esqueci, mas se não me dizes
que poder, e sobre quê, que glória, e perante quem, será como uma
promessa que veio cedo de mais, Tornarás a encontrar-me quando
estiveres preparado, mas os meus sinais acompanhar-te-ão desde agora,
Senhor, diz-me, Cala-te, não perguntes mais, a hora chegará, nem antes
nem depois, e então saberás o que quero de ti, Ouvir-te, meu Senhor, é
obedecer, mas tenho de fazer-te ainda uma pergunta, Não me aborreças,
Senhor, é preciso, Fala, Posso levar minha ovelha, Ah, era isso, Sim era
só isso, posso, Não, Porquê, Porque ma vais como penhor da aliança
que acabo de celebrar contigo (Saramago, 1991, p. 263).
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como se uma dívida que já fora paga se reconstitua, com isso, Jesus, o qual espera por
uma relação de troca de interesses com deus diante do preço de sua vida, tem seus
princípios atormentados uma vez que se estabelece um conflito entre o crer, ter
confiança em deus e a realização de fatos, já que não seria coerente promover ações
desumanas sob ordens de um criador que ama de forma suprema todas suas criações.
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que confirma sua profissão vista como pecaminosa. Diante do fato de que só deus
pode julgar tal passagem demonstra que os julgamentos provêm dos pensamentos do
ser humano, logo, o julgar tido como exclusivamente divino iguala-se às atitudes
humanas desencadeadas pela personalidade e cultura que envolve a vida do indivíduo.
A relação sexual travada entre Jesus e Maria de Magdala evidencia que as sensações,
vontades e gestos humanos superam o respeito às normas e leis calcadas nos preceitos
cristãos e também que Jesus se reconhece como homem por meio dos desejos da
carne. Sendo assim:
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mandamentos de deus, visto que, entende-se por alma o eu espiritual,
desmaterializado, racionalizado e imortal que porta o ser humano, e que é criada por
deus. Tem-se como profana a visão de que o corpo material regido pela capacidade
biológica humana tenha seu término na morte, uma vez que a mente é apenas o
intelecto que move os aspectos psicológicos das funções biológicas.
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racionalidade como qualidade mental socialmente construída que vai orientar o caminho
de busca da verdade de fato, de forma a quebrar com paradigmas inventados, fictícios.
Com tal abordagem pode-se ter uma literatura como uma fonte de pesquisa que guie
pensamentos e reflexões de uma forma humanizada, ou seja, a partir do diálogo entre
conhecimento que o ser humano já porta em somatória a outros conceitos, é possível
formular abstrações não alienantes, e sim críticas avaliativas diante de acontecimentos
fabulosos, fantasiados.
Saramago parte de uma literatura profana que envolve as histórias das escrituras
para demonstrar que o intelecto humano e o bom senso muito se submetem às
insolências reacionárias da igreja, visto que a verdade fica comprometida por meio de
uma alienação social, ou seja, quando o sujeito aceita passivamente tudo o que existe
como natural e divino tem-se a vontade humana e a inteligência como inferiores a partir
do conceito de deus que o condiciona. Assim, a alienação pode aderir um poder total
sobre o indivíduo, sendo que o sujeito não se reconhece como produtor da história, com
isso, há a interiorização de uma ideologia condicionante que é uma produção do
imaginário social. A ideologia remete ao sujeito formas de se comportar diante dela, de
maneira a eliminar as dúvidas, angústias e a ocultar as contradições entre a vida social e
as idéias que as explicam. Os valores e normas são constituídos por um conjunto de
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conceitos que esclarecem toda a realidade, desta forma, a doutrina religiosa norteia
premissas que os indivíduos acreditam sem pensar em suas causas e motivos, sem
verificar se são ou não verdadeiras perante a coerência real dos fatos. O interesse da
manutenção e expansão do cristianismo ao visar poder, pode ser explicitado nesta
passagem do livro de Saramago, em que Jesus num barco no mar fica diante de deus,
este que inicia a seguinte conversa que fora interrompida várias vezes por Jesus:
Desde há quatro mil e quatro anos que venho sendo deus dos judeus,
gente de seu natural conflituosa e complicada, mas com quem, feito um
balanço de nossas relações, não me tenho dado mal, uma vez que me
tomam a sério e assim irão manter até tão longe quanto a minha visão
do futuro pode alcançar, Estás, portanto, satisfeito, disse Jesus, Estou e
não estou, ou melhor, estaria se não fosse este inquieto coração meu que
todos os dias me diz Sim senhor, bonito destino arranjaste, depois de
quatro mil anos de trabalho e preocupações, que os sacrifícios nos
altares, por muito abundastes e variados que sejam, jamais pagarão,
continuas a ser o deus de um povo pequeníssimo que vive numa parte
diminuta do mundo que criaste com tudo o que tem em cima, diz-me tu,
meu filho, se eu posso viver satisfeito tendo esta, por assim dizer,
vexatória evidência todos os dias diante dos olhos, Não criei nenhum
mundo, não posso avaliar, disse Jesus, Pois é, não podes avaliar, mas
ajudar, podes, Ajudar a quê, A alargar a minha influência, a ser deus de
muito mais gente, Não percebo, Se cumprires bem o teu papel, isto é, o
papel que te reservei no meu plano, estou certíssimo de que em pouco
mais de meia dúzia de séculos, embora tendo de lutar, eu e tu, com
muitas contrariedades, passarei de deus dos hebreus a deus dos que
chamaremos católicos, à grega, E qual foi o papel que me destinaste no
teu plano, O de mártir, meu filho, o de vítima, que é o que de melhor há
para fazer espalhar uma crença e afervorar a fé (Saramago, 1991, p.
369).
Por meio de tal trecho pode-se perceber deus como semelhante à criatura, visto
que o mundo real dos homens se baseia nas relações de poder e troca de interesses. A
obra O Evangelho Segundo Jesus Cristo remete o leitor a pensar que os entraves da
existência permeiam a conduta humana de uma forma que não se desprende das
condições materiais e das capacidades de abstração do homem, estas que criam ou
destroem conceitos à medida que a configuração de uma sociedade dita regras e
impõem valores.
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norteador de almas, visto que o exemplo da conduta de Jesus Cristo dita ensinamentos
aos homens, sendo que, para conhecer a verdade a inteligência humana necessita da
presença de uma luz divina para promover ações consideradas como correspondentes da
doutrinação cristã, assim, se estabelece uma escolástica norteada por instituições
religiosas que visam atribuir sentido à idéia de que o conhecimento sobre os propósitos
de deus mediante a criação humana orienta para o caminho da salvação e vida eterna,
uma vez que para isso é necessário que os ritos de conversão cristãos sejam introjetados
pelos crentes. A mensagem de Jesus demarcou o curso da civilização ocidental, de
modo que a igreja católica tem seu domínio garantido perante a manutenção e expansão
de seus seguidores, estes que devem saber interpretar as parábolas e as mensagens das
escrituras de uma maneira que as tracem como parâmetros para o pensar e agir. Tem-se
Jesus como o messias que veio à humanidade para demonstrar que o reino de deus se
instalará para aqueles que crêem na verdade “revelada”, de forma que não contestem
que a base existencial da vida e dos acontecimentos provém da vontade de deus.
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humanos e também para demonstrar a questão do poder sustentado pela ideologia
dominante do cristianismo que conseguiu estabelecer a criação da entidade deus
portadora de um poder supremo sobrenatural que atrai seguidores fiéis aos
mandamentos celestiais.
Saramago mostra em sua obra que a morte dolorosa de Jesus serve para garantir
uma crença mais emotiva aos seguidores cristãos, sendo que se tem a sensibilidade
humana como fator considerável para o processo de catequização cristã. Em seu livro,
tal acontecimento é apenas um pacto que fizera deus com Jesus para prosperar o
domínio religioso do catolicismo, assim sendo, o texto do autor relata sobre os
propósitos a serem promulgados pela vida de Jesus:
Disse Deus, Haverá uma Igreja, que, como sabes, quer dizer assembléia,
uma sociedade religiosa que tu fundarás, ou em teu nome será fundada, o
que é mais ou menos o mesmo se nos ativermos ao que importa, e essa
Igreja espalhar-se-á pelo mundo até a confins que ainda estão por
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conhecer, chamar-se-á católica porque será universal, o que, infelizmente,
não evitará desavenças e dissensões entre os que te terão como referência
espiritual...(Saramago, 1991, p. 379)
A partir da passagem acima se pode igualar deus à criatura humana, visto que a
entidade visa um poder que manipula ações em sociedade, assim, sua semelhança com
os anseios do homem remete ao fato de que o todo poderoso como criação da mente
humana oriunda da necessidade de um domínio religioso universal entre os homens. O
discurso religioso cristão adere uma semântica que pretende distorcer a lógica de que as
construções históricas agenciadas pelo homem e que abrangem a conduta moral, as
penitências e a mortandade por sacrifícios são causas da realidade subsidiada pela
alienação e interesses humanos. Ocultar que a realidade e a racionalidade humana são os
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fatores explicativos da existência por meio de todo um processo conceitual, faz com que
se concretizem ações que se apóiam na interiorização de idealizações pelas quais se
substitui a análise crítica e o empirismo por vontades exterior à humana, ou seja, que
provém de deus, este que ao não ser visto como criação do intelecto do homem porta
uma significação existencial que não se explica racionalmente, logo, para os cristãos o
conhecimento de deus não é conceitual e sim experiencial, ou seja, o sujeito subordina a
razão a um sentimento o qual oriunda de abstrações que aderem uma função emocional
explicativa perante os entraves desencadeados pelas experiências vividas, assim, se
pensa e sente deus de uma maneira que se prova a existência deste através das ações que
perpassam o cotidiano, visto que os fatos para os crentes nada mais são do que ações
pré-destinadas pela vontade celestial que determina a sina.
O indivíduo deve educar-se de forma a exercitar sua mente a não ser vítima da
criação de premissas tidas como verdades absolutas. Acreditar na desmistificação dos
acontecimentos pela análise da realidade é acreditar no que se vê diante das ações e
invenções do homem, no entanto, é válido considerar que os sujeitos não vêem os fatos
da mesma maneira, o que é fundamental para sanidade mental da espécie humana, mas
isso quando as alienações não envolvem as projeções mentais, uma vez que o valor está
nas interpretações críticas. As obras humanas guiadas pelos pensamentos proporcionam
que concepções permeiem o âmbito social, com isso, é que se pode dizer que “a solidez
da doutrina, que está em cima, dependa do factor pessoal, que está em baixo, a lição”
(Saramago, 1991, p. 407). Assim, o cristianismo com seu ideal de conduta a ser seguida
é garantido pela vontade alienada dos homens de atribuir-lhe sentido.
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A mente humana não pode alienar-se e ficar presa a conceitos que movimentam
apenas o mundo das idéias, mas sim deve conseguir desocultar as premissas conceituais
e desencadear ações concretas que se materializem em meio social de um jeito que o
sujeito se reconheça como produtor de ideologias que o homem interioriza e dá
propulsão. Diante de reflexões críticas os preceitos do cristianismo podem perder sua
lógica, por exemplo, em relação ao término da opressão dos seres humanos, sendo que a
vinda do reino de deus que é designada aos pobres remete ao fato de que uma inversão
social proposta por Jesus perante a vontade de deus, pela qual os oprimidos se
apropriam de poder, não condiz com a idéia de sociedade justa tão defendida em
discurso cristão, visto que se teria não um fim da repressão humana, mas uma mudança
no alvo de opressão referente às camadas sociais com o repúdio da obtenção de riquezas
que faz do rico um apartado da salvação. Os indícios da consolidação do capitalismo
garantido pelas relações humanas que movimentam a força do trabalho induziram as
ideologias religiosas a criar valores que ditasse regras sociais e que orientasse a
consciência humana a não discernir a realidade, de modo a sustentar a exploração de
sujeitos alienados, uma vez que a sociedade capitalista se estrutura perante a relação
entre opressor e oprimido, o que determina uma inviabilidade de justiça social que torne
ausente as relações de poder entre os homens.
Conclusões
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Referências Bibliográficas
FOX, Robin Lane. Bíblia: verdade e ficção. Tradução: Sergio Flaksman. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
MARX, Karl. I. Feuerbach. In: _____. A ideologia alemã. Tradução: Conceição Jardim
et al. Lisboa: Editorial Presença, 1980. v. I.
AGOSTINHO, Santo. De Magistro (do Mestre). Tradução: Angelo Ricci. São Paulo:
Editora Abril, 1973
SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
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