Вы находитесь на странице: 1из 10

Artigo

UMA ABORDAGEM JURÍDICA DA


DITADURA BRASILEIRA

Gabriela Freire Kühl de Godoy* RESUMO: O objetivo do presente artigo é trazer


uma reflexão jurídica a respeito da Ditadura no
Brasil, tendo como base o caso Herzog, em que
o juiz Márcio Moraes demonstrou de maneira
exemplar como os magistrados podem aplicar
efetivamente o Direito mesmo em uma conjun-
tura política em que este permanece ignorado. A
sentença trouxe à tona institutos jurídicos como
o da responsabilidade objetiva do Estado, que
continuava vigente à época, sendo sua utilização
plenamente cabível. A partir disso, uma breve
análise baseada no Direito Constitucional e no
Direito Penal leva à conclusão de que à época os
crimes de tortura, assassinato e crimes sexuais
cometidos eram completamente reprováveis e
puníveis do ponto de vista jurídico, mesmo na
vigência dos Atos Institucionais, e de que a in-
terpretação dada à Lei de Anistia é extremamente
questionável. Por fim, ressalta-se a importância
da sociedade e dos juristas no processo no con-
cernente à justiça de transição, permitindo o
conhecimento da verdade e o reconhecimento
dos erros para evitar que marcas tão vergonhosas
e perenes como as da Ditadura voltem a macular
a história do Brasil.
Palavras-chave: Ditadura; Herzog; Brasil; Di-
reito; juristas; Lei de Anistia; verdade.

ABSTRACT: The aim of the present article is


to bring a legal reflection regarding the Dictator-
ship in Brazil, having as base the Herzog case,
where the judge Márcio Moraes demonstrated
laudably how the magistrates can effectively

*Estudante de Direito da PUCSP

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 45-53, junho/2009 45


GODOY, G. F. K.

apply the Law in a politics outlook where it foram nomeados diretamente pelo Presidente da
remains ignored. The verdict brought to light República, depois de escolhidos pelo Ministro
legal means as the state’s strict liability, which da Justiça do governo militar, o que demonstra
were still effective at that time, being its use a preocupação do governo da época em que as
completely possible. decisões lhes fossem favoráveis. Apenas por
From that point, one brief analysis based volta de 1973 passaram a ocorrer novamente
on the Constitutional law and the Criminal law concursos para juízes federais.
leads to the conclusion that, back to that days, Nesse contexto, em 25 de outubro de 1978,
crimes such as torture, murder and sexual crimes quando se completavam exatos três anos da mor-
were completely reprehensible and punishable te do jornalista Vladimir Herzog, o juiz Márcio
from the legal point of view, even under the José de Moraes assinou uma sentença única na
effectiveness of the Institutional Acts, and that vida política do país, evidenciando a possibili-
the interpretation given to the Amnesty Law is dade de independência do Poder Judiciário e o
extremely doubtful. Finally, it is highlighted dever que este tem de aplicar o Direito, inclusive
the importance of the society and the jurists in para fazer com que a Administração Pública res-
the process concerning the transition justice, ponda pelos seus atos. Aliás, é essa justamente a
allowing the knowledge of the truth and the função de tripartição dos poderes proposta por
recognition of the mistakes in order to prevent Montesquieu, qual seja, a de que, por meio de
that such shameful and everlasting marks as of um sistema de freios e contrapesos, haja harmo-
the Dictatorship would come back to stain the nia entre Executivo, Legislativo e Judiciário de
history of Brazil. maneira que nenhum dos Poderes ultrapasse a
Keywords: Dictatorship; Herzog; Brazil; Law; sua representatividade pública e usurpe o Poder
jurists; Amnesty Law; truth. na defesa de interesses particulares.
Em 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi
preso e veio a falecer no mesmo dia nas depen-
1) A função Poder Judiciário, como dências do DOI CODI (Destacamento de Opera-
Poder Independente, no processo ções de Informações do Centro de Operações de
de abertura política Defesa Interna- órgão encarregado de investigar
e obter confissões dos pretensos envolvidos no
O presente artigo objetiva ressaltar a im-
processo de dissidência política).
portância dos juristas, e, sobretudo do Direito,
no contexto político do período de transição O jornalista em tela foi procurado pelo DOI
marcado pelo fim da ditadura e a volta do re- CODI e comprometeu-se, para não ser preso
gime democrático. Dessa forma, se buscará instantaneamente, a comparecer no dia seguinte
demonstrar que exercer uma carreira jurídica não às dependências do referido órgão. Em razão
significa uma aplicação meramente mecanicista disso, na época, o governo insistiu na tese de
de normas jurídicas. Um verdadeiro jurista deve que Herzog teria se apresentado voluntariamente
estar apto a fazer interpretações sistemáticas e ao DOI CODI e ali teria se suicidado. A versão
principiológicas das normas, sob pena de tra- apresentada era totalmente absurda e não con-
zer conseqüências extremamente deletérias à seguiu ludibriar os mais próximos do falecido,
sociedade. ou mesmo a população.
O caso do jornalista Vladimir Herzog foi Ficou de tal maneira evidente que o jor-
emblemático no que se refere à missão do Poder nalista fora exterminado pelo dentro de um
Judiciário no contexto político, merecendo, por órgão governamental que o caso gerou grande
isso, abordagem mais detalhada. Primeiramente, divulgação e comoção popular. Uma semana
oportuno lembrar que em 1965, um ano após o após a morte de Herzog oito mil pessoas se
golpe militar de 1964, por meio do Ato Institu- concentraram na catedral da Sé em São Paulo
cional nº 2 os Juízes Federais de Primeiro Grau para um ato ecumênico, manifestação essa fun-

46 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p.45-53, junho/2009


UMA ABORDAGEM JURÍDICA DA DITADURA BRASILEIRA

damental à época, caracterizando a iminência da na hipótese de ser acatada a tese (inverídica)


ruptura de anos de silêncio da população, numa da União de que o jornalista teria se suicidado.
demonstração pública de desaprovação popular Os agentes do DOI CODI deixaram no local
aos desmandos do governo militar. ferramentas (o cinto que estaria no macacão de
Feitas essas breves considerações fáticas, Herzog era totalmente desnecessário para aquele
interessante analisar os argumentos utilizados tipo de vestimenta e não constava no s uniformes
pelo juiz Márcio Moraes que, brilhantemente, dos outros detentos) para que isso ocorresse e,
em sentença em que figuravam como autores a ademais, não teriam evitado a tragédia, que não
esposa e os filhos de Herzog, não somente de- pode ser considerada caso fortuito nem força
clarou a responsabilidade da União pela morte maior.
do jornalista, como também mandou instaurar Apesar desses fatos por si só já serem aptos
inquérito policial para que se apurasse a res- a responsabilizar a União, a ampla instrução
ponsabilidade dos torturadores, o que não foi probatória também demonstrava que não havia
feito até hoje. ocorrido suicídio. Primeiramente, o exame de
Para caracterizar a responsabilidade da corpo de delito que alegava o suicídio havia ocor-
União o juiz em tela ressaltou que os princípios rido, trazia erros grosseiros (como por exemplo,
da Constituição Federal de 1967 ainda estavam alegava, com a intenção de defender a tese do
vigentes, apesar dos atos institucionais que res- suicídio, que no pescoço de Herzog havia dois
tringiam sobremaneira a liberdade das pessoas. sulcos, quando na verdade havia apenas um), foi
Dessa maneira, permanecia em vigor o feito por apenas um perito (apesar de assinado
disposto no artigo 37, inciso XXII, parágrafo por dois), o que na época não era permitido, o
sexto da Constituição Federal de 1967, o qual que ensejou que o Juiz da causa, Dr. Márcio
dispunha expressamente que: Moraes anulasse o laudo produzido. Desta feita,
foi possível que o caso fosse decidido com base
“as pessoas jurídicas de Direito Público em prova testemunhal, que era ampla no sentido
e as de Direito Privado prestadoras de de que o jornalista não poderia ter se suicidado,
serviços públicos responderão pelos uma vez que a maioria das testemunhas em favor
danos que seus agentes, nessa qualida- da União não depuseram na fase judicial.
de, causarem a terceiros, assegurado o
Dessa forma, com base na legislação vi-
direito de regresso nos casos de dolo
gente na época, o juiz Márcio Moraes declarou
ou culpa”.
que Vladimir Herzog estava preso ilegalmente
Assim, o fato de se estar sob o manto de um no DOI CODI e que a União era responsável
governo ditatorial à época da morte do jornalista pela morte do jornalista, criando sem dúvida
não afastava a responsabilidade objetiva do Esta- uma esperança na população de que sua sen-
do. Ou seja: para a caracterização da União como tença refletisse de maneira positiva em outros
responsável juridicamente pela morte de alguém casos análogos e na investigação de pessoas
no interior de um órgão governamental bastava desaparecidas.
que houvesse um nexo de causalidade entre o
dano, qual seja, a morte e a presença do jornalista
no local, sendo prescindível a prova de culpa,
2) Reflexões a partir do caso
negligência ou imprudência dos agentes estatais. Herzog: por que, apesar da
Contudo, pela teoria do risco administrativo, se sentença do juiz Marcio Moraes ter
ficasse comprovado a ocorrência do suicídio e determinado que os autos fossem
que este não tinha relação alguma com o Estado encaminhados para o juízo criminal
a responsabilidade deste estaria elidida. a fim de que fossem tomadas
Portanto, existente o nexo de causalidade, as providências cabíveis não foi
há que se reconhecer a responsabilidade mesmo realizada nenhuma investigação ?

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 45-53, junho/2009 47


GODOY, G. F. K.

Neste artigo, essa pergunta busca apenas ideologias contrárias às tradições de


um processo reflexivo, não se tem a pretensão nosso povo, na luta contra a corrup-
de esclarecer os motivos pelos quais não foram ção, buscando, deste modo,” os meios
adiante as investigações não somente do caso indispensáveis à obra de reconstrução
Herzog como dos demais outros casos, trazendo econômica, financeira, política e moral
como consequência a ausência de punição dos do Brasil, de maneira a poder enfrentar,
torturadores e criminosos à época. Busca-se tão de modo direito e imediato, os graves
somente demonstrar que não havia impedimento e urgentes problemas de que depende
jurídico para tal, pelo contrário. a restauração da ordem interna e do
Inicialmente, oportuna a transcrição de prestígio internacional da nossa pátria
parte do preâmbulo do AI5, ato Institucional que “(Preâmbulo do Ato Institucional nº 1,
entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, de 9 de abril de 1964);(grifo nosso)”.
reforçando os poderes discricionários do regime Logo no início do AI5 são utilizados termos
militar e restringindo sobremaneira a liberdade como “autêntica ordem democrática”, “liberda-
dos cidadãos: de” e respeito à “dignidade da pessoa humana”,
“CONSIDERANDO que a Revolução demonstrando a preocupação do governo em
brasileira de 31 de março de 1964 mascarar que se tratava de um regime autoritário,
teve, conforme decorre dos Atos com de instituir atos totalmente ditatoriais mantendo
os quais se institucionalizou, funda- a aparência democrática.
mentos e propósitos que visavam a dar De qualquer forma, fato é que nos dispo-
ao País um regime que, atendendo às sitivos seguintes1 foram estabelecidas diversas
exigências de um sistema jurídico e supressões aos direitos dos cidadãos, totalmente
político, assegurasse autêntica ordem contrárias à ordem democrática, tais como a
democrática, baseada na liberdade, conferência ao Poder Executivo de competência
no respeito à dignidade da pessoa legislativa, a proibição de atividades ou mani-
humana, no combate à subversão e às festações de natureza política e a suspensão de
1
ATO INSTITUCIONAL número 5:
Art 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institcional.(g.n).
Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores,
por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições
previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
§ 2º - Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
§ 3º - Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas,
será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais
responsáveis por bens e valores públicos.
Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na
Constituição.
Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atri-
buições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas
na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais
e municipais.
Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos,
determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
§ 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros
direitos públicos ou privados.
§ 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu
ato pelo Poder Judiciário.

48 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p.45-53, junho/2009


UMA ABORDAGEM JURÍDICA DA DITADURA BRASILEIRA

“habeas corpus” nos casos de crimes políticos, do Poder Estatal, uma vez que este, diferente-
contra a ordem nacional, a ordem econômica e mente dos particulares, só pode fazer o que a
social e a economia popular. lei permite).
Desta feita, resta claro que os atos insti- Logo, há uma necessidade de desfazer
tucionais, cujo mais autoritário foi o AI5, insti- a ideia de que as atrocidades cometidas pelos
tuíram uma série de limitações aos direitos e à agentes do governo durante o regime militar,
liberdade que os cidadãos tem em uma ordem de- pelo simples fato de estarem supostamente sob
mocrática. Contudo, a Constituição de 1967 não a anuência estatal, seriam atos legais.
foi totalmente revogada pelos atos institucionais, Nesse sentido, não há dúvidas de que todos
de maneira que plenamente possível a invocação os interrogatórios realizados por meio de tortura
de dispositivos da referida Carta Magna que não e crimes sexuais, assim como os homicídios
contrastassem com os posteriores, tais como o § oriundos desses meios inquisitivos, foram ile-
11 do artigo 150 : gais, mesmo na hipótese de se considerar que
tais condutas tenham sido eventualmente reali-
“ § 11 - Não haverá pena de morte, de
zadas a mando estatal, haja vista que não havia
prisão perpétua, de banimento, ou con-
previsão constitucional autorizando as condutas
fisco, salvo nos casos de guerra externa
supramencionadas.
psicológica adversa, ou revolucionária
ou subversiva nos termos que a lei de- Mesmo que assim não fosse, ou seja, su-
terminar. Esta disporá também, sobre o pondo para efeitos meramente argumentativos
perdimento de bens por danos causados que algum Ato Institucional tivesse previsto
ao Erário, ou no caso de enriquecimento expressamente a permissão de todo e qualquer
ilícito no exercício de cargo, função ou tipo de tortura, de tratamento cruel ou degradan-
emprego na Administração Pública, te, ainda assim, poder-se-ia sustentar, embora
nesse caso mais arduamente que no anterior, a
Direta ou Indireta.”
ilegalidade de tais condutas.
Portanto, como não havia nenhum dis- Isso porque precede à análise da legalidade
positivo expresso autorizando o assassinato, a a questão da legitimidade. O fato de os militares
tortura ou a práticas de crimes sexuais contra terem utilizado seu material bélico e poder de
os prisioneiros, mesmo que acusados de crimes influência, sobretudo pela manipulação da mídia,
políticos, claramente prevaleciam as disposi- para realizar o que foi por eles denominado de
ções do ordenamento jurídico anterior aos Atos revolução e por muitos chamado de golpe teria
Institucionais (sobretudo em relação aos limites o condão de lhe conferir a imputação de Poder

Art 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em
funções por prazo certo.
§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias
referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva
ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de
serviço.
§ 2º - O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o
respectivo prazo.
Art 8º - O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no
exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis.
Parágrafo único - Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
Art 9º - O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário
à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e do § 2º do art. 152 da Constituição.
Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus , nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a
economia popular.
Art 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares,
bem como os respectivos efeitos.
Art 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 45-53, junho/2009 49


GODOY, G. F. K.

Constituinte Originário? Para aqueles que enten- aos torturados, posição em sentindo diverso é
derem ser a resposta negativa, nenhuma previ- plenamente defensável, inclusive por uma in-
são dos Atos Institucionais pode ser tida como terpretação simplesmente gramatical da lei de
legítima, haja vista que não foram seguidos os anistia, in verbis :
requisitos formais e materiais para o exercício Art. 1º É concedida anistia a todos
do Poder Constituinte Reformador. quantos, no período compreendido
Isto posto, elidem-se os argumentos de que entre 02 de setembro de 1961 e 15 de
haveria impossibilidade de responsabilização dos agosto de 1979, cometeram crimes
agentes que cometeram torturas e homicídios políticos ou conexo com estes, crimes
durante a ditadura com a justificativa de que eleitorais, aos que tiveram seus direitos
tais atos estariam sob o manto da legalidade na políticos suspensos e aos servidores da
época, poderiam até estar sob o manto da gover- Administração Direta e Indireta, de
nabilidade, mas não da legalidade. fundações vinculadas ao poder público,
A hipótese de o próprio Estado ter acober- aos Servidores dos Poderes Legislativo e
tado, aprovado e até ordenado o cometimento Judiciário, aos Militares e aos dirigen-
de atos totalmente desumanos para defender tes e representantes sindicais, punidos
interesses políticos de maneira alguma poderia com fundamento em Atos Institucionais
sanar o vício da ilegalidade. O que poderia o e Complementares (vetado).
ocorrer, no máximo, é que o inferior alegasse
obediência hierárquica para não ser punido, na § 1º Consideram-se conexos, para
remota possibilidade de se considerar crível que efeito deste artigo, os crimes de qual-
os crimes cometidos na ditadura não fossem tidos quer natureza relacionados com crimes
como manifestamente ilegais. políticos ou praticados por motivação
política.
Contudo, os dirigentes do sistema de
justiça (Ministério Público e Poder Judiciário), Assim, a lei de Anistia estabelece anistia
mesmo entendendo serem ilegais todos os atos para os crimes políticos e para os crimes cone-
criminosos cometidos sob a égide da ditadura, xos2 aos políticos, ou seja, aqueles que tenham
não deram seguimento os processos com fulcro sido cometidos, basicamente, para facilitar ou
na Lei de Anistia, que, segundo a interpretação ocultar crimes políticos. Nesse sentido, plena-
da grande maioria dos doutrinadores e políticos mente defensável que os crimes de tortura e
seria recíproca, ou seja, tanto para aqueles que homicídio cometidos pelos agentes estatais não
torturaram e mataram quanto para os que foram seriam crimes conexos, haja vista não se subsu-
torturados e mortos em razão de uma ideologia mirem ao conceito de conexão nem poderem ser
política. considerados crimes praticados por motivação
política pelo simples fato de as vítimas serem
os dissidentes políticos à época, pois deve ser
3) Anistia no Estado Democrático analisada a conduta em si e não o sujeito passivo.
brasileiro O fato de as vítimas serem pessoas acusadas de
supostos crimes considerados políticos na época
Há que se considerar que, apesar de o da ditadura militar não pode conferir à tortura, ao
conceito de anistia ter se propagado como recí- homicídio e aos crimes sexuais a característica
proco e abrangente tanto aos torturadores quanto de crime político ou conexo a este.

2
Art.99 do Código Penal:
a) se, ocorridas duas ou mais infrações, tiverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas ou por várias pessoas em concurso,
embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
b) se, no mesmo caso, umas infrações tiverem sido praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em
relação a qualquer delas;
c) quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

50 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p.45-53, junho/2009


UMA ABORDAGEM JURÍDICA DA DITADURA BRASILEIRA

Ademais, a concessão de Anistia pelo Es- 4) Atuação dos agentes sociais


tado aos agentes estatais que cometeram crime e dos profissionais de direito na
na época do regime militar pode ser considerada implementação dos mecanismos de
“auto-anistia” ou seja, o ato de alguém conceder justiça de transição
anistia a si mesmo, o que seria uma incongruên-
cia não apenas do ponto de vista jurídico, mas Em breve síntese, justiça de transição são
também do ponto de vista lógico. as medidas adotadas pelo país no período em que
Embora na época fosse plenamente possí- este passa de um regime jurídico para ditatorial
para um Estado Democrático, são os mecanismos
vel, juridicamente falando, a punição dos agen-
utilizados para lidar com a violência e restrições
tes estatais que cometeram tortura, atualmente
de um regime autoritário passado, em suma e
muitos dos crimes já estão prescritos. Dessa simplificadamente é maneira de enfrentar, em
maneira, sucumbiu a pretensão punitiva estatal, um regime democrático, as consequências de um
uma vez que não se pode excepcionar o instituto regime jurídico autoritário anterior. Como carac-
da prescrição, em prejuízo do réu, mesmo que a terísticas básicas da justiça de transição estão o
inércia estatal em apurar e punir os crimes tenha direito à punição dos responsáveis, à verdade, à
sido generalizada. justiça e à reparação e à reforma institucional.
Posição contrária a respeito da prescrição Dessa forma, a justiça de transição no Brasil
é defendida com base na universalização dos é classificada como parcial, já que não houve,
Direitos Humanos. Principalmente após o Na- como abordado no item anterior, a punição dos
zismo, período em que os Direitos Humanos responsáveis, e, cosequentemente, não houve
também reforma institucional.
foram ostensivamente violados, ganhou força a
ideia de que a afronta de tais Direitos deve ser No Brasil, no concernente ao direito à me-
vista como um problema universal e não como mória e à verdade, a Comissão Especial sobre
mortos e desaparecidos políticos (CEMDP),
algo que atinge apenas a esfera do país em que
resultante da união de forças entre os familiares
os direitos são violados.
e os militantes de direitos humanos e instituída
Em breve síntese, partindo desses princí- pela Lei nº 9140/95 vem cumprindo papel impor-
pios, alguns doutrinadores defendem a impres- tantíssimo na busca de solução para os casos de
critibilidade dos crimes ocorridos na ditadura desaparecidos durante o período de 1961-1988,
com base no Direito Internacional , que carac- contribuindo de maneira exemplar para a conso-
teriza tais crimes como de lesa humanidade e, lidação da vida democrática brasileira.
considerando-os, portanto, imprescritíveis e No final de 2006 a Comissão encerrou uma
insuscetíveis de anistia. importante etapa de suas atividades, concluindo
Esse posicionamento baseia-se, sobretudo a fase de análise, investigação e julgamento dos
na Convenção Interamericana de Direitos Huma- processos relativos aos 339 casos de mortos e
nos. Embora tal instrumento tenha sido assinado desaparecidos apresentados para sua soberana
decisão, que se somam a outros 136 nomes já
pelo Brasil com a ressalva de que se aplica aos
reconhecidos no próprio Anexo da Lei 9.140,
fatos posteriores a 1988, já se manifestou na
e atualmente vem se concentrando atualmente
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
basicamente : 1) constituição de dados de perfis
no sentido de que a não apuração dos crimes genéticos- Banco de DNA (a partir da coleta de
cometidos durante a ditadura e a consequente sangue dos parentes dos desaparecidos), visando
impunidade de seus agentes ativos têm início a comparação com os restos mortais que ainda
anterior a 1988, mas perdura até os dias atuais, venham a ser localizados, bem como ossadas já
de maneira a constituir por si só uma violação separadas para o exame, graças ao incrível traba-
dos Direitos Humanos que poderá ser analisada lho dos arqueólogos, 2) Sistematizar informações
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. sobre a possível localização de covas clandesti-

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 45-53, junho/2009 51


GODOY, G. F. K.

nas nas grandes cidades e em áreas prováveis de em razão do dano, tanto patrimonial quanto mo-
sepultamento dos militantes, em cumprimento ao ral e as mazelas causadas nas vítimas da ditadura,
Inciso II do artigo 4º da Lei nº 9.140/95, que a tanto profissionalmente quanto psiquicamente
criou : “envidar esforços para a localização dos são realmente vultosas, devendo o magistrado
corpos e de pessoas desaparecidas no caso de fixá-las de acordo com esses danos, sem se inti-
existência de indícios quanto ao local em que midar pelas críticas midiáticas descabidas.
possam estar depositados”.””.
O resgate da memória e da verdade (sendo
que esta pode ser, muitas vezes, reconhecida 5) Conclusão
pelos magistrados em suas sentenças) tem uma
função fundamental na justiça de transição por- A anistia pode até ter tido o efeito, naquele
que de importância inestimável para os familia- determinado momento político, de apagar do
res das vítimas, por uma questão incitamente de mundo jurídico as torturas, os assassinatos e os
dignidade humana, haja vista que o direito de se crimes sexuais cometidos durante o período da
conhecer e, principalmente, reconhecer o que de ditadura, mas não foi capaz de apagar da mente
fato ocorreu com seus familiares desaparecidos das vítimas, de seus familiares e da sociedade
no regime militar e de realizar para as vítimas um esse período da história. Talvez seja essa a maior
sepultamento digno está englobado no conceito falha daqueles que procuraram na anistia um
de “mínimo ético irredutível”, que não se pode sinônimo de esquecimento, esqueceram eles
negar aos cidadãos. próprios que esta é apenas um instituto jurídico
Contudo, não se pode restringir a importân- e não uma substância química.
cia do conhecimento da verdade aos familiares da Como consequencia, as marcas desse
vítima, a sociedade como um todo tem também período não serão e nem devem ser apagadas,
interesse em que os fatos sejam revelados, não até mesmo para que não se repitam as mesmas
somente porque maculam a história da nação atrocidades na história do nosso país. O que a
brasileira, como também porque com a verdade sociedade e os profissionais do Direito podem
há a garantia de não repetição. Nesse sentido, fazer, com máxima eficiência possível, é aplicar
plenamente defensável os recursos da tutela co- anestésicos que amenizem a ferida já formada,
letiva em busca de tais direitos, ampliando o rol que se expressam na justiça de transição-no
dos legitimado para a propositura das ações. conhecimento da verdade e na possibilidade
Quanto ao direito à reparação este deve de reparação, entendida esta no seu sentido
englobar tanto as vítimas que sobreviveram ao estrito (pecuniário), haja vista que a reparação
regime militar quanto os familiares de vítimas lato sensu, efetiva, de todo o mal causado, é
desaparecidas ou reconhecidamente assassina- impossível.
das. No primeiro caso a indenização é calculada Por fim, algo de muito positivo resta da
geralmente levando em conta o piso salarial da memória desses fatos que maculam a história do
categoria do anistiado e fazem uma projeção da Brasil, a aprendizagem. Magistrados, promoto-
evolução profissional que poderia ter alcançado res, juizes, advogados e população não podem
se não tivesse sido prejudicado durante o período aceitar que qualquer forma de desmando se
da ditadura. repita, de maneira que a reconstrução do Estado
O valor da indenização tem sido criticado Democrático de Direito deve ser guiada pela
com frequência na mídia, que vem inclusive apli- não aceitação de qualquer Poder Ilegítimo, não
cando a denominação “bolsa indenização”, mas sendo nunca enfadonho recordar a famosa frase
trata-se da aplicação da justiça comutativa, já de Winston Churchill: “Quem ignora a história
prevista por Aristóteles. A indenização deve ser está fadado a repeti-la”.

52 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p.45-53, junho/2009


UMA ABORDAGEM JURÍDICA DA DITADURA BRASILEIRA

Curso ministrado na Oboré, Projeto Direito e


Justiça – Módulo História do Direito Contempo-
Bibliografia râneo , que contou com a presença dos seguin-
tes palestrantes: Dr. Walter Uzzo, Dr. Márcio
Ação Declaratória, Processo nº 136/76 Pugliesi, Dr. Márcio Moraes, Dr. Luis Eduardo
Brasil Nunca mais, Prefácio de D. Paulo Eva- Greenhalg, Dr.Cláudio de Cicco.
risto Cardeal Arns, um relato para a história, Direito à Memória e à Verdade, Comissão Es-
37 ª edição, editora vozes, Petrópolis, Rio de pecial sobre Mortos e Desaparecidos, Material
Janeiro, 2009. de Apoio ao Projeto Direito e Justiça, Módulo
FAUSTO, Boris, História do Brasil, 11º edição, “História do Direito Contemporâneo”, 12 de
editora Universidade de São Paulo, 2003. setembro de 2007.

FICO, Carlos, Que história é esta? O Regime Sarmento, Daniel, Direitos Fundamentais e rela-
Militar no Brasil (1964-1985), O golpe militar de ções privadas, 2 ª edição, Editora Lumen Juris,
1964; repressão; o milagre econômico; a Aber- Rio de Janeiro, 2006
tura e o fim do regime, Editora Saraiva, 1999.

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, p. 45-53, junho/2009 53


54 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 4, junho/2009

Вам также может понравиться