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Fernando Pessoa, ao sentir-se variamente outro, cria amigos que exprimem estados de alma
e consciência distintos dos seus e, por vezes, opostos. O “Eu” do artista despersonaliza-se,
desdobra a própria individualidade, torna-se essência de outros e de si, para melhor exprimir a
apreensão da Vida, do Ser e do Mundo.
O fenómeno da heteronímia, como afirma numa carta a Adolfo Casais Monteiro, vem da
necessidade de descobrir a sua consciência e a sua personalidade. Nessa carta de 1935, diz ele:
“hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano eu o dividi entre os autores
vários de cuja obra tenho sido o executor.”
O heterónimo distingue-se do pseudónimo pelo facto de não ser apenas o nome pelo qual um
autor assina a sua obra mas por ter, por trás dele, uma personalidade fictícia e, eventualmente,
uma biografia.
Pessoa aponta, como explicação para a génese dos heterónimos, o facto de:
Ter um “profundo traço de histeria”;
Desde criança se rodear à volta de um “mundo fictício”;
Ter uma tendência “orgânica para a despersonalização e para a simulação”.
Alberto Caeiro
Poeta do olhar, vê as coisas como elas são e considera que “pensar é estar doente dos olhos”.
Recusa o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”. O pensamento
apenas falsifica o que os sentidos captam. É um sensacionista, que vive aderindo
espontaneamente às coisas, tais como são, e procura gozá-las com despreocupada e alegre
sensualidade.
Mestre de Pessoa e de outros heterónimos, Caeiro dá especial importância ao ato de ver, num
discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Passeando e observando o mundo,
personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da
Natureza.
Alberto Caeiro propõe-se não passar do realismo sensorial, defendendo que “a sensação é a
única realidade para nós”. Considera que é preciso aprender a não pensar.
Caeiro põe em causa o significado das coisas ou o que pode ser marca desse significado. Para
ele, as coisas não têm sentido.
O mundo de Caeiro é aquele que se percebe pelos sentidos. O mundo existe, basta senti-lo,
basta experimentá-lo através dos sentidos, nomeadamente através da visão. Ver é compreender.
Tentar compreender pelo pensamento, é não saber ver. Alberto Caeiro vê com os olhos e não com
a mente.
2. A poesia da Natureza.
Alberto Caeiro sente-se feliz pois sempre conseguiu realizar-se, vendo claramente.
Poeta do real objetivo, Caeiro passeia e observa o Mundo, personifica o sonho da reconciliação
com o universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza. Viver, para ele, implica a adesão
espontânea às coisas e ao Mundo.
Em Caeiro há a inocência que lhe permite saber ver sem criar abstrações ou formular conceitos.
Vê a Natureza na sua constante renovação e crê na “eterna novidade das coisas”. Interessa-lhe o
presente, o concreto, o imediato, uma vez que é aí que as coisas se apresentam como são.
Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que saber ver o mundo dos
sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo sensível em que revela o divino e não precisa de pensar.
Mas Caeiro é também uma metáfora, construindo uma doutrina orientada para a
objetividade, para a contemplação dos objetivos originais, para o conhecimento intuito da
Natureza. Para si o tempo surge eterno, uno, feito de instantes de presente.
Ao anular o pensamento metafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante o mundo,
elimina a dor de pensar que afeta Pessoa. Para o ortónimo, para Álvaro de Campos e para Ricardo
Reis, Caeiro representa um regresso às origens, à sinceridade plena.
Caeiro procura ser a voz da Terra, com a sua simplicidade e naturalidade. Sem preocupações
de ordem metafísica e social, desnuda as coisas de sentidos filosóficos, vendo-as tal como são.
Alberto Caeiro.
O poeta da Natureza; “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…/Se falo na
Relação de harmonia com a Natureza que Natureza não é porque saiba o que ela é/ Mas
assume valor essencial. porque a amo, e amo-a por isso.”
O desejo de se transformar numa coisa “Quem me dera que a minha vida fosse um carro
vulgar natural; de bois/ Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela
A ruralidade e a simplicidade; estrada.”
Buscar na simplicidade a capacidade de
ser feliz.
A recusa do pensamento (O pensamento “Compreendi que as coisas são reais e todas
tornas as coisas uniformes. diferentes umas das outras;/ Compreendi isto com
os olhos, nunca com o pensamento./ Compreender
isto com o pensamento seria achá-las todas
iguais.”
“O mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar
é estar doente dos olhos)/ Mas para olharmos para
ele e estarmos de acordo…”
“Pensar incomoda como andar à chuva/ Quando o
vento cresce e parece que chove mais.”
A apologia dos sentidos. “Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as
mãos e os pés/ E com o nariz e a boca.”
A apologia da visão como sentido “Nunca tive um desejo que não pudesse realizar,
preferencial. porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para
mim senão um acompanhamento de ver.”
Não passa além do realismo sensorial. “Eu nunca passo para além da realidade imediata./
Para além da realidade imediata não há nada.”
A eterna novidade das coisas. “Sinto-me nascido a cada momento/ Para a eterna
novidade do mundo…”
Ricardo Reis
Ricardo Reis é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma e lucidez,
a relatividade e a fugacidade de todas as coisas.
Este discípulo de Caeiro aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das
nossas emoções e sentimentos, mas defende, a busca de uma felicidade relativa alcançada pela
indiferença à perturbação.
Ricardo Reis recorre à ode e a uma ordenação estética marcadamente clássica. A sua
poesia intelectual faz a apologia da indiferença do homem diante do arbítrio e do poder dos
deuses. Em Ricardo Reis há a apatia face ao mistério da vida mas também se encontra o mundo
de angústias que afeta Pessoa.
Há, no seu pensamento, uma tensão, uma atitude de luta contra tudo o que lhe tire o
desassossego.
Para Reis é necessário saber apreciar, muito consciente e tranquilamente, o prazer das
coisas. É preciso viver a vida em conformidade com as leis do destino, indiferente à dor e ao
desprazer: “Segue o teu destino,/ Rega as tuas plantas/ Ama as tuas rosas. /O resto é a sombra/ De
árvores alheias.”
1. O Neopaganismo.
Reis cultiva a mitologia greco-latina e a crença nos deuses antigos.
Reis afirma uma crença nos deuses e nas presenças quase divinas que habitam todas as
coisas.
Reis aceita o destino com naturalidade, considerando que os deuses estão acima do homem
por uma questão de grau, mas que acima dos deuses, se encontra o Fado, a que tudo se submete.
2. O Epicurismo e o Estoicismo.
Ricardo Reis propõe uma filosofia moral de acordo com os princípios do Epicurismo e uma
filosofia estoica:
“carpe diem” (aproveitar o dia), ou seja, “aproveitai a vida em cada dia”, como
caminho da felicidade;
buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);
não ceder ao impulso dos instintos (Estoicismo);
procurar a calma ou, pelo menos, a sua ilusão;
seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade (sobre
esta apenas o Fado).
Não devemos nem podemos opor-nos ao destino, devemos antes aceitá-lo com
naturalidade.
Fernando Pessoa afirma que a obra de Ricardo Reis apresenta um epicurismo triste, pois
na vida, apesar do prazer e da felicidade que se deve buscar, nunca se encontra a calma e a
tranquilidade.
O Epicurismo defende o prazer como caminho da felicidade. Mas para que a satisfação dos
desejos seja estável, sem desprazer ou dor, é necessário um estado de ataraxia, ou seja, de
tranquilidade e sem qualquer perturbação.
Ricardo Reis é um poeta disciplinado, que procura o prazer nos limites do ser humano
face ao destino e à brevidade da vida.
A apatia em Reis, ou a indiferença cética, é um ato de lucidez de quem sabe que tudo
tem o seu fim e de que tudo já está, fatalmente, traçado. Este considera a inconsciência ou a
distração como a melhor forma de gozar o pouco que nos é dado. O sentimento de passagem do
tempo leva-o a considerar o instante como a duração calculada da vivência, mas que flui
continuamente.
Há, na sua poesia, uma consciência da fugacidade da vida e de tudo o que “neste mundo
choramos”.
Álvaro de Campos
Álvaro de Campos é o mais moderno dos heterónimos. Fernando Pessoa descreve-o como
engenheiro naval.
Para Campos, a sensação é tudo. O Sensacionismo torna a sensação a realidade da vida e
base da arte. O “eu” do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou
possibilidade de existir. Campos é quem melhor procura a totalização das sensações.
Revela, tal como Pessoa, a mesma inadaptação à existência e a mesma demissão da
personalidade íntegra.
Em Campos, há a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem
insaciável, que o leva a querer “ser toda a gente e toda a parte”. Numa atitude unanimista, procura
unir em si toda a complexidade das sensações.
Mas, passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma face
disfórica, a ponto de desejar a própria destruição.
Depois de exaltar a beleza da força e da máquina, a poesia de Campos revela um
pessimismo agónico, a dissolução do “eu”, a angústia existencial e uma nostalgia da infância
irremediavelmente perdida.
A obra de Álvaro de Campos passa por três fases: a decadentista – que exprime o tédio,
o cansaço e a necessidade de novas sensações; a futurista e sensacionista – que se caracteriza
pela exaltação da energia, de “todas as dinâmicas” e da velocidade até situações de paroxismo e
a intimista ou da abulia – que, perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento.
1- A vanguarda e o Sensacionismo.
Álvaro de Campos é o poeta vanguardista, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo
da máquina e da civilização moderna, da força mecânica e da velocidade. Exalta o progresso
técnico. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o exemplo desta intensidade e totalização
das sensações.
A sua procura da chave do ser e da inteligência do mundo torna-se desesperante.
Na “Ode Triunfal” e na “Ode Marítima”, Álvaro de Campos dá-nos a sensação de uma
frustração radical – é na máquina, irracional e exterior, que se projetam os sonhos e os desejos do
poeta: “Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/ Ser completo como uma
máquina!”
Futurista, canta a civilização industrial e introduz na linguagem poética e terminologia desse
mundo mecânico citadino e cosmopolita, contemporâneo das máquinas e da luz elétrica.
O Futurismo caracteriza-se pela exaltação da energia, da velocidade e da força.
2- Sensacionismo.
Esta fase da obra de Campos, designada por futurista, também conhecida por mecanista ou
whitmaniana, é marcada pela inspiração em Walt Whitman, no espírito nietzschino e no
Futurismo de Marinetti através do Sensacionismo. Está marcada pela intelectualização das
sensações ou pela sua desordem, pela integração na civilização da máquina, pela pressa
mecanicista e pela inquietude.
Campos mostra-se impaciente, sente a pressão da realidade que lhe faz vibrar todo o corpo.
O Sensacionismo de Campos começa com a premissa de que a única realidade é a sensação.
Mas a nova tecnologia na fábrica e nas ruas da metrópole moderna provoca-lhe a vontade de
ultrapassar os limites das sensações, numa vertigem insaciável.
O Sensacionismo, inspirado por Walt Whitman, apresenta-se como uma procura de
totalização de todas as possibilidades dadas pelas sensações ou perceções de toda a humanidade.
Campos busca exprimir a energia ou a força que se manifesta na vida. Daí o surgimento de
versos livres, vigorosos, submetidos à expressão da sensibilidade, dos impulsos, das emoções.
3- A abulia e o tédio.
Após a exaltação heroica e a obsessão dos “maquinismos em fúria”, cai no desânimo e na
frustração. Face à incapacidade das realizações, sente-se abatido. É a fase do intimismo ou
independente, marcada pela abulia e pelo tédio.
Nesta fase intimista, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado
em si mesmo, angustiado e cansado, como nos diz no poema “O que há em mim é sobretudo
cansaço”.
O abatimento que provoca em Campos este “supremíssimo cansaço” lembra o
Decadentismo, mas esta decadência não possui o mesmo sentido literário e histórico pós-
simbolista, antes traduz a reflexão intimista e angustiada de quem apenas sente o vazio depois
da caminhada heroica. O próprio Campos afirma: “Fui em tempos poeta decadente; hoje creio
que estou decadente, e já o não sou”.
- Construções sintáticas nominais, gerundivas, infinitivas e, por vezes, presença de frases atípicas,
experimentais;
- Nas composições intimistas, o fôlego modernista e épico decai num estilo abúlico, deprimido,
aproximando-se do registo poético do ortónimo.