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Resumo
No contexto de um projeto de Educação Não Formal vinculado a uma pesquisa da história dos
bairros populares de Campinas, realizei um trabalho com adolescentes do Complexo São Marcos,
que é uma região periférica de Campinas, marcada pela má fama, violência e pobreza. O grupo de
adolescentes reunido para as atividades era semi letrado, embora todos tivessem concluído o
Ensino Fundamental; nenhuma atividade que envolvesse leitura ou escrita vingava, dada a
incapacidade do grupo. Também a própria linguagem verbal oral parecia comprometida. A
utilização de contos maravilhosos foi o recurso por excelência que mobilizou a atenção do grupo,
gerou canais de comunicação e ativou a fala dos participantes, que acabou tornando-se fluente,
reveladora de medos, hesitações, sonhos e projetos.
A Pesquisa:
A experiência de que vou falar vincula-se a um amplo Projeto de Pesquisa Memória,
qualidade de vida e cidadania: história dos bairros populares de Campinas . Coord: Olga M. Von
Simson; co-cord: Maria Lúcia Souza Rangel Ricci. (Apoio: CNPq). Em andamento – Centro de
Memória da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas na área das Ciências Sociais e que
utiliza a metodologia da História Oral.
Minha participação na equipe tem estado centrada no oferecimento de Oficinas de
Criatividade a adolescentes. Estas Oficinas, por sua vez, fazem parte de um conjunto de Oficinas
variadas com objetivos específicos, mas planejadas no contexto do Projeto, que visa um estudo
minucioso da cidade.
O local:
Campinas é o epicentro da região metropolitana conhecida como Grande Campinas, no
Estado de São Paulo. Nos anos 60/70, obedecendo a um plano piloto retraçado no boom
desenvolvimentista idealizado pelo regime militar, passou por uma política de higienização de sua
área central, deslocando toda a população de baixa renda da qual fazia parte um número
significativo de negros, pardos e imigrantes rurais para conjuntos habitacionais construídos nas
periferias (6;10;16). A velocidade do crescimento da cidade foi de tal ordem que muitos daqueles
conglomerados habitacionais em vinte anos já não são mais periferia. A população menos apta a
responder às demandas do mercado de trabalho na região, antes agro industrial e hoje pólo de alta
tecnologia elétrico-eletrônica, passou a constituir uma nova periferia, por sua vez cercada de uma
outra, a periferia da periferia, constituída por favelas, fenômeno praticamente inexistente na
Campinas rica de oportunidades de 30 anos atrás. É nesta cidade, antigo entroncamento
ferroviário vital do Estado de S.Paulo, e hoje entroncamento rodo-aéreo, cujo desenvolvimento
rápido perversamente lhe trouxe um dos mais altos índices de custo de vida, de acidentes de
trânsito e de marginalidade social do país, que realizamos uma experiência bastante significativa
de convergência da Psicologia Junguiana com a Pedagogia.
O Projeto:
O desenho metodológico do Projeto referido centra-se em entrevistas com moradores
antigos dos bairros em questão. Como recurso para estabelecer contacto com pessoas que
pudessem ser informantes privilegiados da história do bairro e, ao mesmo tempo, como
contrapartida de sua disponibilidade, os pesquisadores optaram por oferecer oficinas que
eventualmente interessassem aos adolescentes, especialmente àqueles em situação de risco
social.
Terminologia:
Por “adolescentes em situação de risco social” entendemos adolescentes que aliam
problemas de relacionamento familiar com baixo rendimento escolar, ou que estão já
precocemente fora da escola, apontados na comunidade como tendo comportamentos
desagradáveis (fazer arruaças, xingar e/ou agredir pessoas,), que sejam suspeitos de praticar
vandalismos, que estejam eventualmente envolvidos em atividades ilegais como trafico e/ou
consumo de drogas, pequenos furtos, etc.(25). Qualquer pessoa que esteja sofrendo exclusão
social de seu grupo está, em princípio, em situação de risco de cair na marginalidade e até na
doença psicossomática ou mental. Este conceito é extrapolado para a sociedade como um todo,
portanto podemos dizer que, basicamente, toda a população adolescente que pertence ao cinturão
de miséria das grandes cidades está em situação de risco social. Lembramos que a marginalização
social é uma via de dupla mão: as pessoas da outra margem estão permanentemente ameaçadas -
o risco é evidente sempre que o cinturão rompe-se aqui e ali, havendo a possibilidade de que
arrebente de vez...
Numa intervenção multidisciplinar de pesquisa sobre bairros populares e a conseqüente
migração intra-urbana, este contexto traçado rapidamente explica a escolha de uma prática de
Educação Não Formal.
A “Educação Não Formal” é um processo educativo não escolar que se caracteriza,
basicamente, por constituir-se como uma resposta a necessidades determinadas de um grupo em
um momento dado. A par desta determinação do “conteúdo”, em decorrência, surge um outro
conceito de educador e de educando, de avaliação, de certificação, bem diferentes dos conceitos a
que estamos acostumados no contexto da escola regular. O espaço educativo - do ponto de vista
sociológico – é outro; a participação é voluntária e descentralizada; a forma de lidar com a cultura
é mais particularizada; os laços entre as pessoas envolvidas adquirem desde o início uma
dimensão especial; o poder libertador e transformador, potencial em todo processo educativo,
encontra nesta modalidade condições bastante propícias para atuar. A continência da pluralidade
de saberes e a flexibilidade são as palavras chave para o funcionamento desses grupos
naturalmente heterogêneos.(25).
No Brasil a Educação Não Formal tem sido mais utilizada por indivíduos voltados a
práticas sociais em benefício de grupos economicamente carentes, e mesmo por associações e
instituições que lidam com comunidades em estado de privação sócio-cultural, embora ela, em si,
não privilegie sua destinação para populações de risco.
Um exemplo:-
Gostaria de particularizar agora os meus comentários do trabalho neste tipo de projeto,
exemplificando com o relato de alguns aspectos das últimas oficinas que conduzi, no segundo
semestre do ano passado (2002). Nesse período estávamos pesquisando o Complexo São
Marcos, região que agrupa três bairros – S. Marcos, Jardim Campineiro e Vila Esperança e que
diariamente garante seu lugar na seção policial dos jornais da cidade. Mais de uma quadrilha
disputa ali o controle de algumas regiões da cidade; tráfico de drogas, assassinatos, assaltos com
violência, tudo que pode acontecer é protagonizado por alguém do S. Marcos. No próprio bairro
acontecem brigas violentas e mortes. Ainda por cima existe na região um local que foi eleito como
ponto de desova de corpos, de maneira que além do que já acontece por ali, os jornais estão
sempre noticiando pessoas assassinadas encontradas no S. Marcos. A má fama do local é tal que
alguns membros da equipe do Projeto de pesquisa que haviam colaborado nos trabalhos em
outros bairros periféricos recusaram-se a participar das atividades lá. Assim foi que precisamos
substituir algumas oficinas por outras...
O grupo de adolescentes que freqüentou estas oficinas tinha uma consciência muito mais
marcada (em relação a grupos de outros bairros pesquisados) de sua exclusão social; percebiam-
se como “mais feios”, mais pobres, e mais estigmatizados pela fama do próprio bairro. Por outro
lado, apresentavam uma evidente disposição para qualquer atividade que favorecesse a tomada
de consciência de si, embora manifestassem uma dificuldade – senão uma resistência -
generalizada em relação à assumpção de qualquer valor de coletividade.
Foram os contos maravilhosos que conseguiram, nas Oficinas de Criatividade, propiciar
momentos de agregação e troca entre eles. Era um grupo semiletrado, embora quase todos
houvessem concluído o Curso Fundamental; portanto qualquer atividade que quisesse centrar-se
na leitura ou na escrita estava fadada ao fracasso. Optamos pela ênfase na oralidade e em
desenhos. O limiar de atenção do grupo era baixíssimo e embora se entusiasmassem inicialmente
com a proposta de entrarmos no mundo das “histórias de fadas” não foram capazes de ouvir até
o fim o conto escolhido por eles : “aquele que o menino acha um gênio que faz tudo o que ele quer”
– Aladim e a Lâmpada Maravilhosa. Optamos por apresentar-lhes um vídeo, “O Feitiço de Áquila” e
este foi o começo certo. O amor impossível, o bispo rico e criminoso, o padre arrependido e
dedicado, o rapazinho-narrador que é, ele próprio, um miserável excluído, um mentiroso recorrente
e um ladrãozinho, as lutas, o cenário, o mistério mobilizaram a atenção de todos.
Depois da exibição, fomos nos encontros seguintes tomando posse do filme. Começamos
nos perguntando o que era um personagem e terminamos numa conversa sobre quem somos
quando nos mostramos aos outros. No meio, desenhamos máscaras em sacos de papel pardo que
podíamos “vestir”, ver e falar através. A interação entre os participantes do grupo foi sofrendo
alterações qualitativas gradualmente e eles começaram a trazer para discussão o tema do amor,
dos desencontros, da violência, da imaginação, dos desejos, das drogas e das perdas. Nesta
ordem.
A medida em que os participantes foram avançando nas suas reflexões, ora a partir de
desenhos, ora manifestando suas idéias através de analogias com outras histórias, a sua afasia
inicial foi dando lugar a manifestações mais espontâneas e a uma prosa mais fluida. Isto de certa
forma corroborou idéias sobre as quais já especulamos em trabalho anterior sobre as relações
intrínsecas de “retro-alimentação” entre pensamento, linguagem verbal e identidade (Relações
entre Linguagem Verbal e Formação de Identidade – Reflexões fundadas em uma experiência de
Educação Não Formal. 13o. Congresso de Leitura do Brasil - COLE. Associação de Leitura do
Brasil (ALB). UNICAMP. Campinas / SP. 17 – 21 / julho/2001).
Por fim, vieram os sonhos que eles sonhavam acordados. Talvez se tivéssemos tido mais
tempo, chegássemos a articular alguns deles a ponto de termos também esboço de sentidos
buscados e projetos de vida.
A título de conclusão, transcrevo a seguir a criação coletiva de dois grupos que,
respectivamente, participaram das Oficinas de Criatividade.Estas histórias resultaram de
investigação simples que fizemos sobre a estrutura típica dos Contos Maravilhosos tradicionais
mencionados pelos participantes: Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, A Bela e a Fera, A
Pequena Sereia.
A análise destas histórias na moldura das condições sócio culturais de seus autores vai
evidenciar como o trabalho com os Contos Maravilhosos propiciou a emergência de tantas coisas
que estavam não –ditas e que seriam indizíveis de outro modo.
História 1
Era uma vez uma garota que vivia presa em um bosque. Era um encantamento, ela não
podia sair dali. Os pais dela é que haviam prendido a menina ali porque eles achavam que ela era
muito feia. Para se livrar daquela prisão ela teria que se apaixonar e ser correspondida.
Estava andando pelo mundo um príncipe que estava buscando uma noiva fora do seu
reino, porque ele sabia que de onde ele vinha todas as moças eram interesseiras e queriam casar-
se com ele por causa da sua riqueza.
Um dia ele chegou até aquele bosque e viu a moça, conversou com ela e começou a
gostar dela. A moça também começou a gostar do príncipe, mas não contou para ele o seu
problema, que era estar presa ali. E todo dia o moço ia ver a moça.
No bosque também ficava uma bruxa, que de dia parecia uma moça muito bonita e de
noite se transformava no que era realmente e ela apaixonou-se pelo príncipe, além de ter inveja da
bondade e da beleza da outra.
Antes que o príncipe ficasse totalmente confuso, um dia apareceu a ele um lindo cavalo
branco, que era mágico, e contou para ele tudo o que estava acontecendo, e que a bruxa estava
para jogar uma praga nele. O príncipe então ficou de tocaia e descobriu que era mesmo verdade,
que a moça que queria seduzi-lo transformava-se numa bruxa quando a noite chegava.
Aí ele enfrentou a bruxa, lutou com muita coragem e acabou por conseguir degolá-la.
Depois ele foi encontrar-se com a moça com quem gostava de conversar, e descobriu
que estava mesmo apaixonado por ela.
Aí o feitiço acabou por completo, e eles puderam sair dali, e foram casar-se no reino do
príncipe, onde viveram felizes por toda a vida.
História 2
Era uma vez uma princesa que caiu no poço. Era um poço muito fundo e perigoso, onde
morava uma jibóia gigante.
Vinha passando por ali um Caçador que, ao saber daquela tragédia, resolveu salvar a
Princesa. Arrumou umas cordas e estava pronto para descer.
Diante de tanta boa vontade, o mago do reino, para ajudá-lo, deu-lhe um pó mágico para
o caso dele ter problemas com as cordas e uma espada que soltava fogo.
E lá se foi o Caçador para o fundo escuro do poço.
Sem que ninguém prestasse atenção, desceu também uma coruja, que era um feiticeiro
disfarçado e que era inimigo do Caçador.
O Caçador desceu, desceu, desceu, até que viu lá em baixo um calabouço com a
Princesinha atrás das grades. Quando ele ia soltar a princesa, a coruja derrubou sobre ele um pó
paralisante e ele ficou petrificado com a mão estendida quase alcançando o ferrolho.
Nisso aparece um cavalo tipo Pégassus, amigo da Princesa, e ele luta com a coruja sem
dar tempo dela se transformar em nada, com coices e mordidas, até vencê-la.
Enquanto isso, a terrível jibóia que guardava o fundo do poço aparece. A Princesa
consegue bem a tempo, pelos vãos das grades, colocar no dedo da mão do Caçador um anel
mágico que ela tinha e isto o liberta do feitiço, e ele se põe a lutar com a imensa cobra, que vira
uma bruxa. Ele consegue soltar a princesa, pega a bruxa pelo pescoço e a joga no calabouço,
deixando-a presa lá no lugar da Princesa.
Aí eles começam a subir pela corda, mas eram dois e ela era meio gordinha e a corda
arrebenta. Imediatamente ele se lembra do pó mágico, e o joga em suas cabeças e conseguem
subir voando até a beirada do poço.
Depois disso, a Princesa casa-se com o valente Caçador, e eles viveram felizes para
sempre em outro lugar.
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