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Introdução
Com todas as mudanças que estão ocorrendo no mundo, em nosso país, e no campo da
educação, há urgência de se repensar a prática pedagógica. Pela primeira vez na História, a instituição
Escola está em risco de extinção e por diferentes frentes: desde a falta de professores para assumirem
as aulas, o avanço do ensino doméstico, a educação a distância, até a violência contra os mestres e a
depredação das instalações escolares. Há um forte apelo pela mudança, pela inovação educacional.
Neste contexto, as inovações tecnológicas, advindas do exponencial desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação, têm um destaque especial.
De imediato, quando falamos em tecnologia na educação, nos vem à mente a tabuinha
medieval (a rigor, já utilizada desde a antiguidade greco-romana). Como se sabe, na Idade Média, pelo
fato de o papel ser muito raro e caro, os alunos usavam aquelas tabuinhas de madeira (depois de
ardósia), cobertas de cera ou areia fina, onde, faziam suas anotações, os seus exercícios. É muito
interessante porque o tamanho, o formato, é muito semelhante ao tablet atual. Se considerarmos que
com a tabuinha eles estavam copiando os clássicos, fazendo exercícios de memorização, ações
bastante limitadas, podemos vislumbrar o que podem fazer hoje com a nova tabuinha eletrônica... Os
meios tecnológicos (tablets, smartphones, notebooks, livros e plataformas digitais, etc.) criam
condições para que possamos romper essa estrutura de sala de aula em que o professor é o único
detentor do saber.
O professor António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, tem trazido esta reflexão sobre uma
tecnologia desenvolvida a partir do início do século XIX, fundamentalmente, no processo de
consolidação da escola pública: o quadro negro. O uso do quadro, no contexto do ensino frontal,
acabou configurando totalmente o tempo e o espaço da escola, já que é do quadro que vai emergir o
conhecimento trazido pelo professor. Para isso, os alunos devem estar dispostos um atrás do outro, e
numa postura de reprodução do saber, que depende exclusivamente do professor. As novas
tecnologias da informação e da comunicação criam condições para uma reinvenção da sala de aula,
como por exemplo, para sair da metodologia meramente expositiva e se caminhar para o currículo
organizado por projetos.
Uma outra contribuição que a tecnologia pode dar é no processo de interação, sobretudo a
interação fora da sala de aula. Através dessas tecnologias, o professor pode ter contato com o aluno
praticamente a qualquer hora, e em qualquer lugar, possibilitando novas formas de interação. É claro
que isso traz também a necessidade de se repensar a própria questão do contrato de trabalho
1.Prof.
Celso dos Santos Vasconcellos é Doutor em Educação pela USP, Mestre em História e Filosofia da Educação pela
PUC/SP, Pedagogo, Filósofo, pesquisador, escritor, conferencista, professor convidado de cursos de graduação e pós-
graduação, consultor de secretarias de educação, responsável pelo Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria
Pedagógica. celsovasconcellos@uol.com.br www.celsovasconcellos@uol.com.br
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docente, o que isto vai significar em termos de horas de trabalho, etc. Mas as possibilidades são
enormes!
O professor não deve ficar alheio às novas tecnologias da informação e da comunicação.
Pelo contrário, deve dominá-las para colocá-las a serviço de um projeto emancipador, que atenta às
demandas essenciais dos fundamentos humanos (maternagem, paternagem, infância, juventude,
maturidade, amizade, amor, aprendizagem, desenvolvimento, etc.). Justamente, para não cairmos em
armadilhas como modismos, pseudoinovações, inovações conservadoras e coisas do tipo, nossa
preocupação vai no sentido de pensarmos a inovação tecnológica no quadro geral da tecnologia da
inovação educacional.
Este texto apresenta um conjunto de breves observações metodológicas que podem servir
como um roteiro para o aprofundamento desta tão importante quanto complexa questão da Inovação
Educacional.
2.Nem tudo precisa ser inovado. Há aspectos positivos da realidade que devem ser preservados. Da
mesma forma, nem toda inovação é inevitavelmente para melhor.2
3.Há inovações da escola que são Necessárias/Desejáveis. Existe um conjunto enorme de indicadores
revelando os limites e contradições do modelo hegemônico da escola contemporânea:
Baixo nível de aprendizagem (revelado por avaliações de sistema ou pela própria percepção
do professor)
Necessidade de ajuda externa aos alunos (pais, professores particulares, psicopedagogos,
psicólogos, psicanalistas – mais tarde para superar traumas)
Evasão
Reprovação
Talentos desperdiçados (de alunos e professores)
Queixa dos professores dos anos seguintes
Baixo desenvolvimento humano
Desgaste de alunos e professores em sala de aula
Analfabetismo Funcional
Analfabetismo Científico
Pouco empreendedorismo (participação em grupos de estudo, projetos de pesquisa,
publicação em revistas especializadas, participação em ONG’s, Movimentos Sociais, etc.)
Queixa dos empresários pelo baixo nível da formação dos alunos.
O fato de a realização da inovação ser muito difícil não deve ser servir de desculpa ou de
justificativa para amenizar a crítica, ou para se conformar com “pequenos ajustes na velha
engrenagem”.
4.A inovação não é fácil. Mudança sempre há (Panta rei/rhei – tudo muda, tudo flui - Heráclito); só que
não necessariamente na direção que desejamos. Como veremos, há obstáculos Objetivos (tempo,
recursos, estruturas, instalações, leis, normas, etc.) e Subjetivos (formas de sentir, pensar e agir
fortemente enraizadas).
2.Como diz o caipira, com toda simplicidade e objetividade; “É, doutor, tá melhorando para pior!”
2
5.A inovação da escola é possível. A História revela: nem sempre a escola foi assim; nem sempre a
escola está sendo assim. “Uma Outra Escola É Possível”.
6.A questão não é só conseguir uma concretizar uma inovação, mas também conseguir mantê-la
(sustentabilidade da mudança).
7.Há várias pessoas querendo inovar (cuidado com a falta de conhecimento de outras iniciativas ou
buscas de inovação, assim como com o viés narcisista, do “iluminado” ou “salvador da pátria”).
8.As inovações atualmente desencadeadas estão marcadas por grande diversidade. Podemos citar as
seguintes modalidades de práticas de inovação:
Desescolarização: pais tiram filho da escola e oferecem educação em casa;
Suporte Familiar: pais mantém filho na escola, mas oferecem em casa uma experiência
alternativa ao modelo escolar predominante;
Paraescolar: prática inovadora é oferecida por outra instituição ou organização que não a
própria escola onde aluno estuda;
Complemento Escolar: prática diferenciada é oferecida na mesma escola, mas de forma
complementar, geralmente no contraturno;
Escolar: a escola busca se transformar.
Há ainda uma grande diversidade nas ênfases dadas, nos focos da inovação que são
assumidos na escola:
Proposta Curricular/Programa/Conteúdo
Método/Metodologia de Ensino
Avaliação da Aprendizagem
Ambiente, Arquitetura (Sala de Aula/Escola)
Uso intenso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
Contato mais intenso com a Natureza, Educação Ambiental
Contato mais intenso com a Comunidade
Experiência mística, espiritual
Protagonismo dos Alunos (Assembleias de Escola); democracia interna (grêmio,
representantes de classe)
Inclusão
Gestão democrática
Dimensão Político-Ideológica: visão crítica do mundo, cidadania crítica
Material Didático
Técnicas de Ensino
Combate ao consumismo
Educação financeira
Intersetorialidade (redes estabelecidas com diferentes setores ou instituições para garantir os
direitos dos estudantes).
No âmbito da educação formal, as inovações têm ocorrido nos vários níveis de ensino, da
Educação Infantil à Pós-Graduação, incluindo Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena,
Quilombola, Prisional, Escolas Técnicas, etc., em instituições públicas, privadas ou comunitárias.
Em relação aos sujeitos que desencadeiam as inovações também há um amplo leque de
possibilidades: dirigentes do sistema de ensino, supervisores escolares, gestores escolares,
coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, alunos, pais, funcionários, membros da
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comunidade local, voluntários, membros de organizações não governamentais ou universidades, etc.3
Como diz Morin, qualquer um de nós, onde quer que esteja, está na luta inteira! (1998: 14)
II-Justificativa (Metarreflexão)
A reflexão sobre o processo de inovação educacional é relevante porque:
1.A reflexão/teoria/informação é limitada, mas imprescindível (por detrás de toda prática sempre há
uma justificativa, uma teoria).
3.Nosso posicionamento (“Todo ponto de vista é a vista a partir de um determinado ponto”): de que
lugar falamos? Posicionamo-nos na linha da defesa da escola, de uma determinada concepção de
escola! Uma escola de qualidade social, democrática é aquela que assume a função de propiciar:
3.Numa escola municipal em São Paulo, quem começou foi a merendeira. Ao invés de jogar o arroz na bandeja, ela passou a
pôr numa cumbuca, virar, e colocar uma salsinha por cima. Esta foi a inovação introduzida. Diante disto, os alunos sentiram-
se mais respeitados, e começaram a jogar menos arroz na parede, a sujar menos o refeitório. Quando o refeitório ficou limpo,
eles perceberam a sujeira costumeira do pátio. O pátio começou a ficar mais limpo; depois foram os banheiros. Até na sala
dos professores, houve um que trouxe uma toalhinha e colocou na bandeja do café.
4
Aprendizagem Efetiva
Desenvolvimento Humano Pleno e
Alegria Crítica (Docta Gaudium)
através da apropriação crítica, criativa, significativa e duradoura dos Saberes Necessários (Proposta
Curricular) por parte de Cada Um e de Todos os Alunos, visando a formação da consciência, do
caráter, da cidadania e da formação para o trabalho, pautada na solidariedade, na autonomia, na
justiça, na paz e na responsabilidade.
1.Flutuação Conceitual
Do que exatamente estamos falando quando nos referimos ao processo de inovação da
escola? Este é um campo em que devemos investir mais, já que existe um espectro enorme de
significações. Podemos intuir isto a partir da própria denominação (geralmente, autodenominação):
Modernização, Atualização, Renovação, Mudança, Transformação, Inovação, Revolução, Libertação,
Emancipação, Educação Diferenciada, Novas Alternativas Educacionais, Alternativas para uma Nova
Educação/ANE, Reinvenção da Educação, etc.4
Um outro aspecto a ser considerado é que há diferentes graus de inovação na escola: baixo
impacto (ex.: um professor introduz alguma alteração metodológica em algumas de suas aulas), médio
impacto (ex.: vários professores assumem algumas inovações em suas aulas), ou alto impacto (ex.:
toda escola passa a trabalhar com o currículo por projetos).
4.Trabalho por Projetos (Dewey, Kilpatrick, Montessori, Decroly, Claparède, Freinet, etc.); Centro de Interesse (Decroly);
Estudo do Meio;; Estudo de Caso; Experimentação; Solução de Problemas (PBL/ABP); Unidades Didáticas (Henry C.
Morrison); Complexos Temáticos (Pistrak); Atelier/Oficina (Freinet); Mapas Conceituais (Novak); Abordagem Reggio Emilia
(Loris Malaguzzi); Temas Geradores (Freire); Formação das Ações Mentais por Estágios (Galperin); Experiência de
Aprendizagem Mediada (Feuerstein); Abordagem Lóczy (Emmi Pikler – Budapeste/Hungria); Pedagogia da Alternância;
Educar pela Pesquisa (Pedro Demo); Metodologia da Problematização (Neusi Berbel); Pedagogia Empreendedora; Sala de
Aula Invertida; M-learning (Aprendizagem Móvel); Metodologia da Gamificação; Design Thinking (“Método dos Post-its”);
Cultura Maker (“Aprendizagem Mão na Massa”); Summit Schools (Ensino Híbrido); Ensino Híbrido/Blended (Presencial e
Virtual); Aprendizagem por Pares/Peer Instruction; Team-Based Learning-TBL/Aprendizagem por Times; etc. Há também
movimentos internacionais de escolas como “Escolas Democráticas”, “Movimento da Escola Moderna-MEM”, “Escolas
Waldorf”, “Fazer a Ponte” (Escola da Ponte, em Portugal; EMEF Amorim Lima, CEU Heliópolis, Projeto Âncora, em São
Paulo; Comunidade de Aprendizagem Paranoá, em Brasília, entre outras), etc.
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etc.).5 Notem bem: não se trata de desqualificar as pequenas inovações (de baixo impacto),
mas de se perder a visão crítica. O problema não é ter uma prática nova limitada, mas não ter
visão crítica sobre ela, achar que já inovou só porque fez uma ou outra mudança. Outro
aspecto a ser considerado é que não basta se criar um bom ambiente de trabalho, relações
humanas significativas, mas não se mexer na própria estrutura alienante da escola.
4.Armadilha Histórica
A mudança da prática educacional é muito difícil porque há uma armadilha historicamente
montada, composta por cinco elementos básicos:
Desmonte Social (incluindo a Família)
Desvalorização e desmonte da Educação Escolar
Currículo Disciplinar Instrucionista e Avaliação Classificatória e Excludente
Formação Frágil do Professor (Imprinting Escolar Instrucionista)
Justificativas Ideológicas para Fracasso: quando aluno não aprende, é muito comum atribuir-
se a responsabilidade à família e/ou ao próprio aluno; desta forma, presos na armadilha, a
escola e os educadores não se implicam, não colocam em questão suas práticas, não se veem
nem como parte do problema, nem como parte da solução.
5.Acrise de inovações é tão grande que uma educadora portuguesa ganhou até uma apresentação sobre isto num TEDx-
Technology, Entertainment, Design...
6.Segundo relato do Prof. José Pacheco, este foi um dos fatores decisivos para a proposição do “derrubar” as paredes das
salas de aula da Escola da Ponte, em 1976, para que os professores começassem a trabalhar de forma coletiva.
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Leitura da Realidade As pessoas têm leituras bem diferenciadas (em parte relacionadas à Sensibilidade, em
parte devido a diferentes concepções teóricas). Em quanto para alguns há uma crise
profunda no sistema escolar, outros estranham: “Crise, que crise? Nunca tivemos
tantos alunos na escola, nunca tivemos tanta tecnologia, materiais, formação, etc.”
Projeção da Este é um grande divisor: o que as pessoas querem com a escola? Quais seus
Finalidade sonhos, suas expectativas? Nem todos querem as mesmas coisas: preparar para o
vestibular, para o mercado de trabalho, para a vida, ser vida, etc.
Plano de Ação Há diferentes formas de encaminhamentos, desde o maior contato dos alunos com a
Natureza, até o uso intensivo das TICs, jogar fora os conteúdos tradicionais, quebrar
as paredes, etc.
Ação Ação é que não falta nas escolas! O problema é o tipo de ação, para onde apontam,
etc. Há que se considerar ainda o descompasso entre o plano de ação e a ação
efetiva: é preciso verificar, não podemos nos pautar apenas pelo plano, porque, não
poucas vezes, ação e plano de ação “não se conhecem”...
Avaliação As avaliações que as pessoas fazem de suas atividades também costumam ser bem
diferentes (fato relacionado às outras dimensões da AtH, em especial à leitura da
realidade)
Existe uma Ecologia da Ação (Morin): processo de interação entre as ações, uma vez
desencadeadas. A ação (do sujeito e/ou grupo) não é a única; à semelhança de uma somatória
de vetores, entra no jogo de interações com outras ações desencadeadas anteriormente (daí a
necessidade de um bom Diagnóstico), ou das ações desencadeadas a partir da ação do
sujeito/grupo (seja como apoio, seja como reação à nova ação). Deve ficar claro que quem não
está concordando com a inovação pode ajudar, e muito, se joga claro, pois isto serve como
provocação para o aprofundamento, antídoto para os modismos, resgate dos fundamento da
inovação;
A perspectiva de inovação entra em confronto com onda de padronização do ensino (privado
ou público), através da adoção acrítica de material didático estruturado e, sobretudo, pela
avaliação de sistema de larga escala.
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IV-Exigências para a Inovação
1.Intencionalidade/Projeto
Para não se cair em modismos ou reprodução do mesmo, há um grande nó a ser desatado: o
que, de fato, queremos com a escola? Sêneca (4 a.C.-65) dizia que “Não há ventos favoráveis para
quem não sabe para onde navega”. Algo semelhante diz o Gato, em Alice no País das Maravilhas, no
diálogo com Alice: “Que caminho devo tomar para sair daqui”, diz Alice. “Para onde quer ir?”, pergunta
o Gato, “Não me importo muito”, ela afirma, “Então, qualquer caminho serve”, afirma o Gato. A
intencionalidade é uma marca tipicamente humana:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente
sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um
resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o
material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual
constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. (Marx,
1980: 202)
2.Liderança
Embora a inovação seja tarefa de todos, na prática a constatação é sempre a mesma, qual
seja, o papel imprescindível da liderança: tem de ter alguém (um sujeito ou um grupo) pura “puxar”,
para provocar, para incentivar. Observa-se a importância da força moral de um líder, de um bom
diretor ou de um bom coordenador pedagógico na escola, por exemplo. O líder é aquele que consegue
fazer com que cada um dê o melhor de si em função do projeto comum. Para evitar o risco do
caudilhismo, o mito do “líder nato”, o conceito de liderança emergencial, de Lauro de Oliveira Lima é
bastante interessante: de acordo com a necessidade posta no momento, diferentes líderes podem
assumir a direção dos trabalhos por um determinado período. O problema da duração, da continuidade
da inovação tem a ver exatamente com a formação de novas lideranças.
4.Enraizamento
Se a grande base do trabalho educativo são as pessoas, é fundamental manter o coletivo
escolar que está envolvido com o projeto de inovação, superando o grave problema da rotatividade. A
continuidade do grupo é condição para que vínculos possam ser criados entre os educadores, entre os
educadores e os educandos e a comunidade, e para o próprio amadurecimento da inovação. Além das
mudanças inevitáveis em função dos imprevistos da vida, há uma mudança desejável que é aquela
das pessoas que realmente não desejam participar do processo de mudança da escola. Como nos
alerta Simone Weil (1909-1943): O desenraizamento é de longe a doença mais perigosa das
sociedades humanas, pois multiplica-se a si mesmo. Seres verdadeiramente desenraizados não têm
senão dois comportamentos possíveis: ou caem numa inércia de alma quase equivalente à morte, [...]
ou se jogam numa atividade que tende sempre a desenraizar, muitas vezes pelos métodos mais
violentos, aqueles que ainda não estejam desenraizados ou que o estejam só em parte. (2001: 46).
5.Formação
A educação escolar é uma das mais bonitas e complexas atividades humanas. Todavia, é
também, muitas vezes, uma das mais banalizadas e distorcidas. Inovar implica uma formação ainda
mais rigorosa, pois significa enfrentar os equívocos historicamente incorporadas no cotidiano escolar
(Currículo Disciplinar Instrucionista e Avaliação Classificatória e Excludente).
7.Resiliência
Os sujeitos participantes do processo de inovação precisam desenvolver a impaciente
paciência histórica: ver/sentir a urgência da inovação, mas ao mesmo tempo ter a visão histórica,
compreender um pouco da complexidade dos processos.
7.Em situações limites, algumas escolas desenvolvem a arte de trapacear: não têm pudor em mentir para o opressor, a fim de
poder dar continuidade ao trabalho inovador.
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V-Sobre o Processo de Inovação
Visando o desenvolvimento de tecnologias de inovação, refletiremos, na sequência, sobre
alguns elementos do processo de inovação educacional.
1.Fases do Processo
Concepção/Gênese da Inovação
Implementação
Consolidação Instituinte (não esclerosar, mumificar).
Limite Externo
(Natureza, Sociedade)
Zona de
Autonomia
Relativa
(// ZDP)
Limite Interno
Projetado pelo Sujeito
Contradições do Sujeito
Zona de Ação Atual (Eu e/ou o Outro Armadilha)
— Esquema: Zona de Autonomia Relativa—
No esquema acima, representamos os limites internos e externos por círculos. É claro que no
concreto da escola não é assim que acontece, uma vez que para cada campo de atuação teremos
diferentes níveis de limites. O esquema a seguir traz uma representação mais condizente com a
prática.
Zona de Repressão
LE
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A visibilidade externa da inovação deve ser evitada logo no começo para não provocar reações
que o grupo ainda não conseguiria suportar, e levaria ao aborto da iniciativa. Depois, deve ser
incentivada como forma de consolidação da inovação na medida em que contribui para o
fortalecimento da autoestima do grupo, para a função social de intercâmbio com outras escolas, além
de ser uma forma de avaliação externa constante.
A visibilidade interna é fundamental desde o começo: não basta viver a inovação, é preciso
compreendê-la. No caso do aluno, por exemplo: certamente terá o confronto com amigos e colegas
que estudam em escolas de linha tradicional; deve ter argumentos para justificar as novas práticas que
está vivendo. Certa feita, diante de uma amiga que dizia que sua escola era “forte” porque tinha
semana de prova (argumento aprendido de seus professores), a outra afirma: “Minha escola é mais
forte ainda porque tem prova todo dia”. Na verdade, a escola que estudava era de linha alternativa,
onde não havia mais avaliações através de provas e sim pelo conjunto de atividades que os alunos
desenvolviam; a resposta que deu certamente também foi aprendida de seus professores, ao
justificarem a inovação introduzida. O universo escolar, os rituais, os dispositivos, não podem ser
estranhos aos alunos. Pelo contrário, eles devem dominar seu sentido, a ponto de poderem explicar a
qualquer visitante que lá chega.
4.Amplitude da Inovação
Sala de Aula/Espaço de Estudo: ótimo para começar, uma vez que está dentro da Zona de
Autonomia Relativa de cada professor
Rede de Ensino: horizonte desejado
Escola: unidade básica de Inovação
5.Visão de Processo
Valorizar a inovação possível de ser feita no momento histórico específico, mas não se
acomodar com ela!
Percebemos dois riscos:
Não valorizar o pequeno passo dado (ficar esperando a possibilidade de uma inovação
“extraordinária”, “fantástica”)
Valorizá-lo demais (e com isto se acomodar, anestesiar o senso crítico).
8.Cada processo de mudança tem um ponto de partida, mas isto será determinado por sua realidade concreta. Se quiserem, o
único ponto de partida universal, presente em todos os processos de mudança, que podemos identificar é a insatisfação, o
despertar, acordar, perceber que algo não vai bem, algum elemento que incomoda muito, e se indignar.
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que se questionam, perguntam pelo sentido, desassossegadas e desassossegadoras (fraternas
provocações), comprometidas com uma clara matriz axiológica definida coletivamente.
9.Condensação de palestra proferida a professores e alunos de Juazeiro (BA) em 19/04/86 e publicado na Revista de Cultura
Vozes 80(7):63-66, set./1986.
10.Muito sinteticamente, apontamos alguns caminhos para o desenvolvimento pessoal (e coletivo) do afeto: consciência da
incompletude; resgate da criança interior, do brincar, enfim do devir-criança; amizade como forma de experimentar o afeto
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o tema mais importante, porém também mais complexo e mais distorcido. Em nome do amor quantas
barbaridades foram/são feitas. Quando falamos para os professores que o princípio fundamental é o
amor, muitos sentem-se tranquilos porque entendem que amam seus alunos. Todavia, temos de
lembrar que há um espectro de afetos. Num extremo há o Desafeto, que é aquele professor que não
aguenta mais os alunos. Em outro estágio temos a Indiferença, que é aquele professor que vai tocando
os dias, com os alunos ou apesar dos alunos, muito voltado para ele mesmo. O terceiro elemento do
espectro, muito delicado porque confunde muito, é o Afeto Enquadrador: entre a criança e o esquema
da escola, o professor opta pelo esquema da escola, não por maldade, mas por achar que é certo, já
que “sempre foi assim”, “todo mundo faz assim”, “fizeram assim comigo”. O professor “ama” o aluno
desde que ele entre no esquema! O quarto elemento do espectro é o Afeto Radical: entre a criança e o
esquema da escola, o professor opta pela criança. É o professor que se compromete com a criança,
vai fazer de tudo para que ela aprenda, se desenvolva e seja feliz. Nosso horizonte é o quinto
elemento do espectro, o Afeto Radical Transformador: os professores, no coletivo (porque já não se
trata apenas uma postura pessoa, mas de uma comunidade de aprendizagem), optam pela criança e
contra o esquema da escola. Tal amor pelas crianças não é piegas; é uma das formas de manifestar o
amor pela humanidade (amor mundi - Arendt). São experiências como estas que estamos vendo, no
Brasil e no mundo, de mudanças substanciais no currículo, de reinventar a escola, de inovações
radicais.
O que fica patente nas escolas que inovam é o quanto o projeto depende das pessoas, que não
adianta existirem dispositivos, reorganização dos espaços e tempos se não houver pessoas que sejam
coerentes com o projeto, que vivam os valores que o projeto propõe (ex.: de um lado, alguém se sentir
dono do projeto, diminuir a participação do coletivo nas decisões, diminuir a formação dos educadores,
deixar a vaidade subir à cabeça; de outro, não se exercer suficientemente a autonomia, deixar-se
levar, não se posicionar, não questionar). Partilhar de um dispositivo educativo é partilhar, antes de
tudo, do sentido subjacente a ele, da visão de mundo, dos pressupostos. (texto Escola da Ponte-AEC)
Esta clareza sobre o “segredo da inovação” nos remete à questão da distinção entre Método de
Ensino e Método de Educação. O método de ensino pode até não ser tão avançado didaticamente
(ex.: uma prática mais diretiva, ao invés de se trabalhar com projetos), mas o método de educação é
muito avançado uma vez que que é marcado pelo:
Profundo respeito pelo aluno, o que implica, entre outras coisas, a crença inabalável de que a
criança/jovem/adulto tem direito a aprender e pode aprender se forem dadas as condições; não
desvitalizar o aluno, pelo contrário, favorecer o empoderamento pessoal; não abandonar o aluno aos
seus próprios recursos (Arendt, 1997); prestar atenção, levar aluno a sério, ouvir o aluno, olhar para o
aluno, deixar-se tocar/afetar por suas Necessidades/Desejos; incentivo para que perguntem,
questionem; contrato didático levado a sério muito fortemente, etc.
Presença do professor, estar inteiro na atividade de ensino visando a atividade de estudo do
aluno;
Clareza de que há um projeto na instituição do qual faz parte.
A partir disto, daí sim, buscam-se formas de trabalho, dispositivos pedagógicos mais
adequados à forma de Ser e de Aprender do aluno.
A inovação, o futuro da escola não está “escrito nas estrelas”. A escola é uma construção
histórico-cultural. A inovação, o escola do futuro tem projetos em disputa aqui e agora. De que lado
você está?
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