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[agosto de 2018]

Inovação Tecnológica ou Tecnologia de Inovação Educacional?


—Observações Metodológicas—
Celso dos S. Vasconcellos1

Há quatro principais obstáculos que impedem o domínio da


verdade, e que impelem todo homem, mesmo culto, e dificilmente
permite a alguém ganhar um claro aprendizado, a saber:
1.Submissão à falsa e indigna autoridade
2.Influência dos costumes (o peso dos hábitos)
3.Preconceitos populares
4.Ocultamento de nossa própria ignorância acompanhada da
ostentação de nosso conhecimento. Roger Bacon
(~1214-1292), in: Opus Majus

Introdução
Com todas as mudanças que estão ocorrendo no mundo, em nosso país, e no campo da
educação, há urgência de se repensar a prática pedagógica. Pela primeira vez na História, a instituição
Escola está em risco de extinção e por diferentes frentes: desde a falta de professores para assumirem
as aulas, o avanço do ensino doméstico, a educação a distância, até a violência contra os mestres e a
depredação das instalações escolares. Há um forte apelo pela mudança, pela inovação educacional.
Neste contexto, as inovações tecnológicas, advindas do exponencial desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação, têm um destaque especial.
De imediato, quando falamos em tecnologia na educação, nos vem à mente a tabuinha
medieval (a rigor, já utilizada desde a antiguidade greco-romana). Como se sabe, na Idade Média, pelo
fato de o papel ser muito raro e caro, os alunos usavam aquelas tabuinhas de madeira (depois de
ardósia), cobertas de cera ou areia fina, onde, faziam suas anotações, os seus exercícios. É muito
interessante porque o tamanho, o formato, é muito semelhante ao tablet atual. Se considerarmos que
com a tabuinha eles estavam copiando os clássicos, fazendo exercícios de memorização, ações
bastante limitadas, podemos vislumbrar o que podem fazer hoje com a nova tabuinha eletrônica... Os
meios tecnológicos (tablets, smartphones, notebooks, livros e plataformas digitais, etc.) criam
condições para que possamos romper essa estrutura de sala de aula em que o professor é o único
detentor do saber.
O professor António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, tem trazido esta reflexão sobre uma
tecnologia desenvolvida a partir do início do século XIX, fundamentalmente, no processo de
consolidação da escola pública: o quadro negro. O uso do quadro, no contexto do ensino frontal,
acabou configurando totalmente o tempo e o espaço da escola, já que é do quadro que vai emergir o
conhecimento trazido pelo professor. Para isso, os alunos devem estar dispostos um atrás do outro, e
numa postura de reprodução do saber, que depende exclusivamente do professor. As novas
tecnologias da informação e da comunicação criam condições para uma reinvenção da sala de aula,
como por exemplo, para sair da metodologia meramente expositiva e se caminhar para o currículo
organizado por projetos.
Uma outra contribuição que a tecnologia pode dar é no processo de interação, sobretudo a
interação fora da sala de aula. Através dessas tecnologias, o professor pode ter contato com o aluno
praticamente a qualquer hora, e em qualquer lugar, possibilitando novas formas de interação. É claro
que isso traz também a necessidade de se repensar a própria questão do contrato de trabalho

1.Prof.
Celso dos Santos Vasconcellos é Doutor em Educação pela USP, Mestre em História e Filosofia da Educação pela
PUC/SP, Pedagogo, Filósofo, pesquisador, escritor, conferencista, professor convidado de cursos de graduação e pós-
graduação, consultor de secretarias de educação, responsável pelo Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria
Pedagógica. celsovasconcellos@uol.com.br www.celsovasconcellos@uol.com.br
1
docente, o que isto vai significar em termos de horas de trabalho, etc. Mas as possibilidades são
enormes!
O professor não deve ficar alheio às novas tecnologias da informação e da comunicação.
Pelo contrário, deve dominá-las para colocá-las a serviço de um projeto emancipador, que atenta às
demandas essenciais dos fundamentos humanos (maternagem, paternagem, infância, juventude,
maturidade, amizade, amor, aprendizagem, desenvolvimento, etc.). Justamente, para não cairmos em
armadilhas como modismos, pseudoinovações, inovações conservadoras e coisas do tipo, nossa
preocupação vai no sentido de pensarmos a inovação tecnológica no quadro geral da tecnologia da
inovação educacional.
Este texto apresenta um conjunto de breves observações metodológicas que podem servir
como um roteiro para o aprofundamento desta tão importante quanto complexa questão da Inovação
Educacional.

I-Teses Básicas sobre o Processo de Inovação


1.A realidade é contraditória, o que significa dizer que tem luzes e sombras, aspectos positivos e
negativos fortemente entrelaçados.

2.Nem tudo precisa ser inovado. Há aspectos positivos da realidade que devem ser preservados. Da
mesma forma, nem toda inovação é inevitavelmente para melhor.2

3.Há inovações da escola que são Necessárias/Desejáveis. Existe um conjunto enorme de indicadores
revelando os limites e contradições do modelo hegemônico da escola contemporânea:
Baixo nível de aprendizagem (revelado por avaliações de sistema ou pela própria percepção
do professor)
Necessidade de ajuda externa aos alunos (pais, professores particulares, psicopedagogos,
psicólogos, psicanalistas – mais tarde para superar traumas)
Evasão
Reprovação
Talentos desperdiçados (de alunos e professores)
Queixa dos professores dos anos seguintes
Baixo desenvolvimento humano
Desgaste de alunos e professores em sala de aula
Analfabetismo Funcional
Analfabetismo Científico
Pouco empreendedorismo (participação em grupos de estudo, projetos de pesquisa,
publicação em revistas especializadas, participação em ONG’s, Movimentos Sociais, etc.)
Queixa dos empresários pelo baixo nível da formação dos alunos.
O fato de a realização da inovação ser muito difícil não deve ser servir de desculpa ou de
justificativa para amenizar a crítica, ou para se conformar com “pequenos ajustes na velha
engrenagem”.

4.A inovação não é fácil. Mudança sempre há (Panta rei/rhei – tudo muda, tudo flui - Heráclito); só que
não necessariamente na direção que desejamos. Como veremos, há obstáculos Objetivos (tempo,
recursos, estruturas, instalações, leis, normas, etc.) e Subjetivos (formas de sentir, pensar e agir
fortemente enraizadas).

2.Como diz o caipira, com toda simplicidade e objetividade; “É, doutor, tá melhorando para pior!”
2
5.A inovação da escola é possível. A História revela: nem sempre a escola foi assim; nem sempre a
escola está sendo assim. “Uma Outra Escola É Possível”.

6.A questão não é só conseguir uma concretizar uma inovação, mas também conseguir mantê-la
(sustentabilidade da mudança).

7.Há várias pessoas querendo inovar (cuidado com a falta de conhecimento de outras iniciativas ou
buscas de inovação, assim como com o viés narcisista, do “iluminado” ou “salvador da pátria”).

8.As inovações atualmente desencadeadas estão marcadas por grande diversidade. Podemos citar as
seguintes modalidades de práticas de inovação:
Desescolarização: pais tiram filho da escola e oferecem educação em casa;
Suporte Familiar: pais mantém filho na escola, mas oferecem em casa uma experiência
alternativa ao modelo escolar predominante;
Paraescolar: prática inovadora é oferecida por outra instituição ou organização que não a
própria escola onde aluno estuda;
Complemento Escolar: prática diferenciada é oferecida na mesma escola, mas de forma
complementar, geralmente no contraturno;
Escolar: a escola busca se transformar.
Há ainda uma grande diversidade nas ênfases dadas, nos focos da inovação que são
assumidos na escola:
Proposta Curricular/Programa/Conteúdo
Método/Metodologia de Ensino
Avaliação da Aprendizagem
Ambiente, Arquitetura (Sala de Aula/Escola)
Uso intenso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
Contato mais intenso com a Natureza, Educação Ambiental
Contato mais intenso com a Comunidade
Experiência mística, espiritual
Protagonismo dos Alunos (Assembleias de Escola); democracia interna (grêmio,
representantes de classe)
Inclusão
Gestão democrática
Dimensão Político-Ideológica: visão crítica do mundo, cidadania crítica
Material Didático
Técnicas de Ensino
Combate ao consumismo
Educação financeira
Intersetorialidade (redes estabelecidas com diferentes setores ou instituições para garantir os
direitos dos estudantes).
No âmbito da educação formal, as inovações têm ocorrido nos vários níveis de ensino, da
Educação Infantil à Pós-Graduação, incluindo Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena,
Quilombola, Prisional, Escolas Técnicas, etc., em instituições públicas, privadas ou comunitárias.
Em relação aos sujeitos que desencadeiam as inovações também há um amplo leque de
possibilidades: dirigentes do sistema de ensino, supervisores escolares, gestores escolares,
coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, alunos, pais, funcionários, membros da

3
comunidade local, voluntários, membros de organizações não governamentais ou universidades, etc.3
Como diz Morin, qualquer um de nós, onde quer que esteja, está na luta inteira! (1998: 14)

II-Justificativa (Metarreflexão)
A reflexão sobre o processo de inovação educacional é relevante porque:

1.A reflexão/teoria/informação é limitada, mas imprescindível (por detrás de toda prática sempre há
uma justificativa, uma teoria).

2.Buscam-se elementos generalizáveis, que possam ser transformados em tecnologias de inovação e


aproveitados por outras escolas que também estão em busca de inovações.
Não há “receita”, muito menos “receita infalível”; não há como garantir previamente o absoluto
sucesso de uma inovação. A própria reflexão teórica vai até certo ponto; depois, é preciso partir para a
ação, onde novos elementos (determinações, possibilidades, desafios, resistências, interferências,
interações, pontos de apoio) surgirão. Há uma questão de ordem ontológica: a dificuldade para cumprir
uma série de propósitos está ligada precisamente ao fato de que é necessário transformar a dinâmica
do pensamento, com sua fluidez e liberdade, na dinâmica rígida e resistente da ação real (Vygotski,
1997: 267).
Todavia, se não há “receita”, há Méthodos (do grego, metà/fim + hodós/caminho), qual seja, o
caminho para se atingir determinada finalidade, partindo de determinada realidade. Todo o processo
reflexivo caminha no sentido de nos ajudar a ter uma intervenção a mais adequada possível (daí
também a necessidade da avaliação ao longo do processo).
Segundo dados do MEC/Inep, temos no Brasil mais de 180 mil escolas de educação básica. No
levantamento feito pelo grupo de trabalho Inovação e Criatividade na Educação Básica
(http://criatividade.mec.gov.br/) do MEC (em 2015, iniciativa do ministro Renato Janine Ribeiro), foram
identificadas 178 instituições inovadoras (75% são escolas, com igual proporção entre públicas e
privadas, e 25% são organizações educativas). O fato de termos 178 experiências realmente
inovadoras (não aquela coisa de simplesmente colocar “uma florzinha na grade do currículo, como
denuncia o professor Miguel Arroyo) é muito positivo. Entretanto, frente ao número total de escolas, o
gradiente é assombroso! Mesmo que consideremos que muitas escolas nem se inscreveram, que os
critérios do MEC foram equivocados, e multipliquemos por 100 este número, não chegamos nem a
10% do total das escolas! Qual seja, o problema da inovação é gravíssimo!
Devemos considerar a Dialética Universal-Particular-Singular:

Toda escola, em certos aspectos, é:


Igual a todas as outras escolas,
Igual a algumas das outras escolas,
Diferente de todas as outras escolas (cf. Kluckhohn & Murray)

O que se busca é uma possível unidade de princípios, e não uma uniformização ou


padronização das ações (perigo dos modismos).

3.Nosso posicionamento (“Todo ponto de vista é a vista a partir de um determinado ponto”): de que
lugar falamos? Posicionamo-nos na linha da defesa da escola, de uma determinada concepção de
escola! Uma escola de qualidade social, democrática é aquela que assume a função de propiciar:

3.Numa escola municipal em São Paulo, quem começou foi a merendeira. Ao invés de jogar o arroz na bandeja, ela passou a
pôr numa cumbuca, virar, e colocar uma salsinha por cima. Esta foi a inovação introduzida. Diante disto, os alunos sentiram-
se mais respeitados, e começaram a jogar menos arroz na parede, a sujar menos o refeitório. Quando o refeitório ficou limpo,
eles perceberam a sujeira costumeira do pátio. O pátio começou a ficar mais limpo; depois foram os banheiros. Até na sala
dos professores, houve um que trouxe uma toalhinha e colocou na bandeja do café.
4
Aprendizagem Efetiva
Desenvolvimento Humano Pleno e
Alegria Crítica (Docta Gaudium)
através da apropriação crítica, criativa, significativa e duradoura dos Saberes Necessários (Proposta
Curricular) por parte de Cada Um e de Todos os Alunos, visando a formação da consciência, do
caráter, da cidadania e da formação para o trabalho, pautada na solidariedade, na autonomia, na
justiça, na paz e na responsabilidade.

III-Dificuldades no Processo de Inovação


Os homens fazem sua própria história (...) mas não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo
o cérebro dos vivos. (Marx, 1986: 17)

1.Flutuação Conceitual
Do que exatamente estamos falando quando nos referimos ao processo de inovação da
escola? Este é um campo em que devemos investir mais, já que existe um espectro enorme de
significações. Podemos intuir isto a partir da própria denominação (geralmente, autodenominação):
Modernização, Atualização, Renovação, Mudança, Transformação, Inovação, Revolução, Libertação,
Emancipação, Educação Diferenciada, Novas Alternativas Educacionais, Alternativas para uma Nova
Educação/ANE, Reinvenção da Educação, etc.4
Um outro aspecto a ser considerado é que há diferentes graus de inovação na escola: baixo
impacto (ex.: um professor introduz alguma alteração metodológica em algumas de suas aulas), médio
impacto (ex.: vários professores assumem algumas inovações em suas aulas), ou alto impacto (ex.:
toda escola passa a trabalhar com o currículo por projetos).

2.Fragilidade das Inovações


Falta de sistematização das práticas: esta é uma das maiores fragilidades, seja no sentido de
o próprio grupo apropriar-se da inovação, de as práticas serem (re)conhecidas, seja no sentido
de possibilitar a comunicação para outras instituições interessadas (condição também para a
visibilidade).
Setoriais: muito frequentemente as inovações são setoriais e não da escola como um todo.
Falta de continuidade: este é outro ponto muito delicado nos processos de inovação. Seja
pelas dificuldades encontradas, seja pela rotatividade da equipe de educadores ou de
mantenedores (públicos ou privados), é comum vermos inovações que não passam de quatro
ou cinco anos.
Pseudoinovações: mudanças em aspectos superficiais (ex.: musiquinhas para decorar
tabuada, meses do ano, ditongos, coletivos; fazer projetos “vitrines”, só para serem mostrados,

4.Trabalho por Projetos (Dewey, Kilpatrick, Montessori, Decroly, Claparède, Freinet, etc.); Centro de Interesse (Decroly);
Estudo do Meio;; Estudo de Caso; Experimentação; Solução de Problemas (PBL/ABP); Unidades Didáticas (Henry C.
Morrison); Complexos Temáticos (Pistrak); Atelier/Oficina (Freinet); Mapas Conceituais (Novak); Abordagem Reggio Emilia
(Loris Malaguzzi); Temas Geradores (Freire); Formação das Ações Mentais por Estágios (Galperin); Experiência de
Aprendizagem Mediada (Feuerstein); Abordagem Lóczy (Emmi Pikler – Budapeste/Hungria); Pedagogia da Alternância;
Educar pela Pesquisa (Pedro Demo); Metodologia da Problematização (Neusi Berbel); Pedagogia Empreendedora; Sala de
Aula Invertida; M-learning (Aprendizagem Móvel); Metodologia da Gamificação; Design Thinking (“Método dos Post-its”);
Cultura Maker (“Aprendizagem Mão na Massa”); Summit Schools (Ensino Híbrido); Ensino Híbrido/Blended (Presencial e
Virtual); Aprendizagem por Pares/Peer Instruction; Team-Based Learning-TBL/Aprendizagem por Times; etc. Há também
movimentos internacionais de escolas como “Escolas Democráticas”, “Movimento da Escola Moderna-MEM”, “Escolas
Waldorf”, “Fazer a Ponte” (Escola da Ponte, em Portugal; EMEF Amorim Lima, CEU Heliópolis, Projeto Âncora, em São
Paulo; Comunidade de Aprendizagem Paranoá, em Brasília, entre outras), etc.
5
etc.).5 Notem bem: não se trata de desqualificar as pequenas inovações (de baixo impacto),
mas de se perder a visão crítica. O problema não é ter uma prática nova limitada, mas não ter
visão crítica sobre ela, achar que já inovou só porque fez uma ou outra mudança. Outro
aspecto a ser considerado é que não basta se criar um bom ambiente de trabalho, relações
humanas significativas, mas não se mexer na própria estrutura alienante da escola.

3.Ideologia (no seu sentido negativo)


Encobre o problema
Desvia a atenção do problema
Justifica a situação
Justapõe a situação problemática a uma outra de valência positiva

4.Armadilha Histórica
A mudança da prática educacional é muito difícil porque há uma armadilha historicamente
montada, composta por cinco elementos básicos:
Desmonte Social (incluindo a Família)
Desvalorização e desmonte da Educação Escolar
Currículo Disciplinar Instrucionista e Avaliação Classificatória e Excludente
Formação Frágil do Professor (Imprinting Escolar Instrucionista)
Justificativas Ideológicas para Fracasso: quando aluno não aprende, é muito comum atribuir-
se a responsabilidade à família e/ou ao próprio aluno; desta forma, presos na armadilha, a
escola e os educadores não se implicam, não colocam em questão suas práticas, não se veem
nem como parte do problema, nem como parte da solução.

5.Divergências entre os Sujeitos da Ação

Aspecto Possíveis Divergências


Realidade Os sujeitos efetivamente atuam em diferentes realidades escolares: públicas, privadas,
comunitárias; cidade, campo, litoral; infantil, fundamental, médio, etc.
Sensibilidade Processos (sociais, institucionais, individuais) de embotamento, de embrutecimento da
sensibilidade. Diferentes sensibilidades levam a diferentes ênfases dos sujeitos no
processo de inovação: alguns muito preocupados com os conteúdos alienantes, outros
com o isolamento entre as disciplinas, outro com o isolamento entre os professores
(com o fato de cada um estar sofrendo sozinho no seu canto)6
Motivo O grau de envolvimento dos sujeitos com a atividade varia bastante (desde o super
engajado até o marcado pela predominância da pulsão para o desistério)

5.Acrise de inovações é tão grande que uma educadora portuguesa ganhou até uma apresentação sobre isto num TEDx-
Technology, Entertainment, Design...

6.Segundo relato do Prof. José Pacheco, este foi um dos fatores decisivos para a proposição do “derrubar” as paredes das
salas de aula da Escola da Ponte, em 1976, para que os professores começassem a trabalhar de forma coletiva.
6
Leitura da Realidade As pessoas têm leituras bem diferenciadas (em parte relacionadas à Sensibilidade, em
parte devido a diferentes concepções teóricas). Em quanto para alguns há uma crise
profunda no sistema escolar, outros estranham: “Crise, que crise? Nunca tivemos
tantos alunos na escola, nunca tivemos tanta tecnologia, materiais, formação, etc.”
Projeção da Este é um grande divisor: o que as pessoas querem com a escola? Quais seus
Finalidade sonhos, suas expectativas? Nem todos querem as mesmas coisas: preparar para o
vestibular, para o mercado de trabalho, para a vida, ser vida, etc.
Plano de Ação Há diferentes formas de encaminhamentos, desde o maior contato dos alunos com a
Natureza, até o uso intensivo das TICs, jogar fora os conteúdos tradicionais, quebrar
as paredes, etc.
Ação Ação é que não falta nas escolas! O problema é o tipo de ação, para onde apontam,
etc. Há que se considerar ainda o descompasso entre o plano de ação e a ação
efetiva: é preciso verificar, não podemos nos pautar apenas pelo plano, porque, não
poucas vezes, ação e plano de ação “não se conhecem”...
Avaliação As avaliações que as pessoas fazem de suas atividades também costumam ser bem
diferentes (fato relacionado às outras dimensões da AtH, em especial à leitura da
realidade)

Existe uma Ecologia da Ação (Morin): processo de interação entre as ações, uma vez
desencadeadas. A ação (do sujeito e/ou grupo) não é a única; à semelhança de uma somatória
de vetores, entra no jogo de interações com outras ações desencadeadas anteriormente (daí a
necessidade de um bom Diagnóstico), ou das ações desencadeadas a partir da ação do
sujeito/grupo (seja como apoio, seja como reação à nova ação). Deve ficar claro que quem não
está concordando com a inovação pode ajudar, e muito, se joga claro, pois isto serve como
provocação para o aprofundamento, antídoto para os modismos, resgate dos fundamento da
inovação;
A perspectiva de inovação entra em confronto com onda de padronização do ensino (privado
ou público), através da adoção acrítica de material didático estruturado e, sobretudo, pela
avaliação de sistema de larga escala.

6.Falta de Convencimento da Necessidade de Inovação


Quando se vai desencadear a inovação, é comum aparecer a falta de convencimento mais
profundo dos envolvidos, em especial dos professores. Diante do tamanho do desafio, explicita-se a
dúvida: será que a inovação realmente é necessária?
Por que mudar se sempre foi assim? (isto não é verdade!)
Por que mudar se todo mundo faz assim? (isto não é verdade!)
Será que tem tanta gente assim errada? Será que não são vocês que têm algum problema mal
resolvido, que estão querendo criar pelo em casca de ovo? Rubem Alves (1995: 31) já nos
alertava: “Lembrem-se daquele maravilhoso aforismo de T. S. Eliot: ‘Num país de fugitivos os
que andam na direção contrária parecem estar fugindo’."
-Por que mudar se fizeram assim comigo? (isto, normalmente, é verdade...)
Não devemos esquecer da força daquilo que está estabelecido há séculos. A morte da Escola
Instrucionista já foi anunciada muitas vezes, todavia, continua muito viva e atuante em tantos e tantos
contextos...

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IV-Exigências para a Inovação

1.Intencionalidade/Projeto
Para não se cair em modismos ou reprodução do mesmo, há um grande nó a ser desatado: o
que, de fato, queremos com a escola? Sêneca (4 a.C.-65) dizia que “Não há ventos favoráveis para
quem não sabe para onde navega”. Algo semelhante diz o Gato, em Alice no País das Maravilhas, no
diálogo com Alice: “Que caminho devo tomar para sair daqui”, diz Alice. “Para onde quer ir?”, pergunta
o Gato, “Não me importo muito”, ela afirma, “Então, qualquer caminho serve”, afirma o Gato. A
intencionalidade é uma marca tipicamente humana:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente
sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um
resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o
material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual
constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. (Marx,
1980: 202)

Como o Zeitgeist, o “espírito do tempo”, pelo menos no plano discursivo, é o de mudança,


transformação, inovação educacional, as pessoas e as instituições podem cair no erro de começar a
inovar porque “tem que” inovar, partindo para mudanças superficiais ou equivocadas, sem estarem
pautadas numa intencionalidade, num projeto construído coletivamente.

2.Liderança
Embora a inovação seja tarefa de todos, na prática a constatação é sempre a mesma, qual
seja, o papel imprescindível da liderança: tem de ter alguém (um sujeito ou um grupo) pura “puxar”,
para provocar, para incentivar. Observa-se a importância da força moral de um líder, de um bom
diretor ou de um bom coordenador pedagógico na escola, por exemplo. O líder é aquele que consegue
fazer com que cada um dê o melhor de si em função do projeto comum. Para evitar o risco do
caudilhismo, o mito do “líder nato”, o conceito de liderança emergencial, de Lauro de Oliveira Lima é
bastante interessante: de acordo com a necessidade posta no momento, diferentes líderes podem
assumir a direção dos trabalhos por um determinado período. O problema da duração, da continuidade
da inovação tem a ver exatamente com a formação de novas lideranças.

3.Trabalho Coletivo Constante


Seja para avançar nos projetos, seja para criar as condições de concretizar a inovação, o
trabalho coletivo constante (Reunião Pedagógica Semanal, Hora-Atividade, HTPC, ATPC, etc.) é
imprescindível, uma vez que possibilita a troca de saberes/experiências e sugestões; a participação do
grupo nas decisões e elaborações de atividades; a abertura para o diálogo, a consciência de que
podemos aprender com outras pessoas; a socialização de atividades ou propostas de trabalho; o
trabalho de estudo de casos; a responsabilização coletiva visto que o educando é da escola; o saber
8
contextualizado; todos os professores planejarem, executarem e avaliarem juntos; a participação
efetiva dos educadores na gestão da escola; o planejamento do dia a dia (reflexão sobre o processo
ensino-aprendizagem); a ecologia das ações (para que a iniciativa de um não acabe por anular a de
outro, por falta de conhecimento e interação).

4.Enraizamento
Se a grande base do trabalho educativo são as pessoas, é fundamental manter o coletivo
escolar que está envolvido com o projeto de inovação, superando o grave problema da rotatividade. A
continuidade do grupo é condição para que vínculos possam ser criados entre os educadores, entre os
educadores e os educandos e a comunidade, e para o próprio amadurecimento da inovação. Além das
mudanças inevitáveis em função dos imprevistos da vida, há uma mudança desejável que é aquela
das pessoas que realmente não desejam participar do processo de mudança da escola. Como nos
alerta Simone Weil (1909-1943): O desenraizamento é de longe a doença mais perigosa das
sociedades humanas, pois multiplica-se a si mesmo. Seres verdadeiramente desenraizados não têm
senão dois comportamentos possíveis: ou caem numa inércia de alma quase equivalente à morte, [...]
ou se jogam numa atividade que tende sempre a desenraizar, muitas vezes pelos métodos mais
violentos, aqueles que ainda não estejam desenraizados ou que o estejam só em parte. (2001: 46).

5.Formação
A educação escolar é uma das mais bonitas e complexas atividades humanas. Todavia, é
também, muitas vezes, uma das mais banalizadas e distorcidas. Inovar implica uma formação ainda
mais rigorosa, pois significa enfrentar os equívocos historicamente incorporadas no cotidiano escolar
(Currículo Disciplinar Instrucionista e Avaliação Classificatória e Excludente).

6.Relação com o Poder


O processo de inovação esbarra ou confronta-se com várias instâncias de poder dentro e fora
da escola. Há situações, por exemplo, em que um grupo de professores deseja desencadear uma
mudança e a direção da escola “não permite”, como se a escola fosse sua. Outras vezes, a resistência
pode vir de algum órgão do sistema educacional local ou regional. São situações que exigem um
discernimento para ver a “briga que vale a pena ser comprada”. O apoio dos dirigentes do sistema de
educação nem sempre é prática tranquila, em função das mudanças dos próprios dirigentes ou das
políticas públicas; além disto, muitas vezes, o apoio é cobrado em termos de cooptação ideológica, de
servir de “vitrine” para o dirigente, etc. A linha geral indicada é de um alinhamento ou enfrentamento
crítico com as instâncias de poder.
Em vários casos, as escolas precisam de uma assessoria jurídica, uma vez que os dirigentes
afirmam, por exemplo, que a pretendida mudança não tem base legal, que fere a LDB ou as
determinações dos Conselhos de Educação. Por outro lado, a prática tem relevado também que nem
sempre vale a pena radicalizar o confronto, pois acabamos entrando no campo “deles”, qual seja, o
formalismo, o legalismo, e um contenda pode levar ser arrastada por anos, comprometendo a
inovação. Aqui, as competências de negociação são muito relevantes.7

7.Resiliência
Os sujeitos participantes do processo de inovação precisam desenvolver a impaciente
paciência histórica: ver/sentir a urgência da inovação, mas ao mesmo tempo ter a visão histórica,
compreender um pouco da complexidade dos processos.

7.Em situações limites, algumas escolas desenvolvem a arte de trapacear: não têm pudor em mentir para o opressor, a fim de
poder dar continuidade ao trabalho inovador.
9
V-Sobre o Processo de Inovação
Visando o desenvolvimento de tecnologias de inovação, refletiremos, na sequência, sobre
alguns elementos do processo de inovação educacional.

1.Fases do Processo
Concepção/Gênese da Inovação
Implementação
Consolidação Instituinte (não esclerosar, mumificar).

2.Zona de Autonomia Relativa (ZAR)


Existem limites que transcendem o sujeito, grupo ou instituição, uma vez que estão dados por
fatores naturais ou sociais mais amplos. Sabemos dos limites de qualquer ser humano e de qualquer
instituição: há um princípio de realidade a ser encarado. É preciso saber lidar com a nossa não-
onipotência: não podemos tudo. Evidentemente, estes limites não são absolutos, mas históricos, o que
significa que, de diferentes formas e em diferentes medidas, podem ser quebrados e superados,
correspondendo mesmo a um autêntico compromisso com a conquista de uma educação de qualidade
social.
Todavia, com muita frequência, o limite que limita efetivamente a ação dos sujeitos e da
instituição não é este externo, e sim um outro que tem a ver com a autolimitação e/ou com as
contradições dos próprios sujeitos, individual ou coletivamente considerados. A ZAR é o espaço entre
o limite externo (dado pela Natureza e pela Sociedade) e o limite interno (dado pela projeção
imaginária e/ou pela efetiva contradição do sujeito/grupo) da ação do sujeito e/ou de uma determinada
instituição (Vasconcellos, 2017b: 222). É um campo privilegiado para se produzir inovações.

Limite Externo
(Natureza, Sociedade)

Zona de
Autonomia
Relativa
(// ZDP)

Limite Interno
Projetado pelo Sujeito
Contradições do Sujeito
Zona de Ação Atual (Eu e/ou o Outro  Armadilha)
— Esquema: Zona de Autonomia Relativa—

No esquema acima, representamos os limites internos e externos por círculos. É claro que no
concreto da escola não é assim que acontece, uma vez que para cada campo de atuação teremos
diferentes níveis de limites. O esquema a seguir traz uma representação mais condizente com a
prática.
Zona de Repressão
LE

Zona de Ação Atual LI

Zona de Autonomia Relativa

— Esquema: Zona de Autonomia Relativa—

3.Papel da Visibilidade (interna e externa) da Inovação

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A visibilidade externa da inovação deve ser evitada logo no começo para não provocar reações
que o grupo ainda não conseguiria suportar, e levaria ao aborto da iniciativa. Depois, deve ser
incentivada como forma de consolidação da inovação na medida em que contribui para o
fortalecimento da autoestima do grupo, para a função social de intercâmbio com outras escolas, além
de ser uma forma de avaliação externa constante.
A visibilidade interna é fundamental desde o começo: não basta viver a inovação, é preciso
compreendê-la. No caso do aluno, por exemplo: certamente terá o confronto com amigos e colegas
que estudam em escolas de linha tradicional; deve ter argumentos para justificar as novas práticas que
está vivendo. Certa feita, diante de uma amiga que dizia que sua escola era “forte” porque tinha
semana de prova (argumento aprendido de seus professores), a outra afirma: “Minha escola é mais
forte ainda porque tem prova todo dia”. Na verdade, a escola que estudava era de linha alternativa,
onde não havia mais avaliações através de provas e sim pelo conjunto de atividades que os alunos
desenvolviam; a resposta que deu certamente também foi aprendida de seus professores, ao
justificarem a inovação introduzida. O universo escolar, os rituais, os dispositivos, não podem ser
estranhos aos alunos. Pelo contrário, eles devem dominar seu sentido, a ponto de poderem explicar a
qualquer visitante que lá chega.

4.Amplitude da Inovação
Sala de Aula/Espaço de Estudo: ótimo para começar, uma vez que está dentro da Zona de
Autonomia Relativa de cada professor
Rede de Ensino: horizonte desejado
Escola: unidade básica de Inovação

5.Visão de Processo
Valorizar a inovação possível de ser feita no momento histórico específico, mas não se
acomodar com ela!
Percebemos dois riscos:
Não valorizar o pequeno passo dado (ficar esperando a possibilidade de uma inovação
“extraordinária”, “fantástica”)
Valorizá-lo demais (e com isto se acomodar, anestesiar o senso crítico).

VI-Sobre o “Segredo” da Inovação


São inúmeros os caminhos e as possibilidades de inovação. Onde estaria o “segredo”, aquilo
que realmente é importante mudar, inovar?

1.Ponto de Partida: Sensibilidade


Em termos de prática, não há um ponto absoluto de gênese, pelo qual todas as inovações
deveriam começar (ex.: pela melhoria do salário, ou pela formação do professor, ou pela reforma da
família).8 Todavia, há um ponto essencial em termos de postura do educador que tem se constituído
em privilegiado ponto de partida da inovação: a Sensibilidade! Trata-se de romper com a indiferença
(Indignai-vos!), com a normose (a doença da normalidade -Crema, 2003), e canalizar a indignação, a
justa raiva (Freire, 2000), a angústia, a compaixão, o inconformismo. É necessário se espantar, se
indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade (Nise da Silveira). O que encontramos
sempre nas escolas que inovam é pessoas inquietas, que não se conformam com o que está dado,

8.Cada processo de mudança tem um ponto de partida, mas isto será determinado por sua realidade concreta. Se quiserem, o
único ponto de partida universal, presente em todos os processos de mudança, que podemos identificar é a insatisfação, o
despertar, acordar, perceber que algo não vai bem, algum elemento que incomoda muito, e se indignar.

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que se questionam, perguntam pelo sentido, desassossegadas e desassossegadoras (fraternas
provocações), comprometidas com uma clara matriz axiológica definida coletivamente.

2.Ponto de Chegada: Intencionalidade


Muito sinteticamente, apontamos a seguinte intencionalidade, o seguinte sentido para o
Ensino/Estudo:
Compreender o mundo em que vivemos. Tal perspectiva corresponde ao desenvolvimento
da (tomada de) consciência, à necessidade humana fundamental de viver num mundo que faça
sentido, de compreensão crítica da condição humana e da realidade nos seus vários campos. Uma vez
compreendido, o sujeito pode usufruir o objeto, partir para o conhecimento de outro objeto, ou
transformá-lo;
Usufruir o patrimônio acumulado pela humanidade, isto é, participar do riquíssimo acervo
simbólico e material (inclusive para sua sobrevivência), das conquistas histórico-culturais (de maneira
consciente, não predatória, sustentável), e sobretudo,
Transformar este mundo, qual seja, colocar este conhecimento a serviço da alteração do
currículo pessoal (superar-se), assim como do currículo da Polis (construção de uma realidade melhor,
mais justa, solidária e plena), na perspectiva da formação omnidimensional do ser humano, através do
trabalho e do engajamento social.
Entendemos que a tarefa básica da escola é comprometer-se visceralmente com:
Aprendizagem Efetiva
Desenvolvimento Humano Pleno
Alegria Crítica (Docta Gaudium)
por parte de cada um e de todos os educandos, através da apropriação crítica, criativa,
significativa e duradoura dos saberes necessários (conceituais, procedimentais e atitudinais) visando a
potencialização da consciência, do caráter, da cidadania e da formação para o trabalho, pautada na
solidariedade, na autonomia, na justiça, na paz e na responsabilidade.

3.Trajetória: Projeto como Referência


O caminho a ser trilhado na inovação, a articulação entre o ponto de partida e o ponto de
chegada, deve ser fundamentado num projeto, que articula as três dimensões nucleares da Atividade
Humana: Análise da Realidade, Projeção da Finalidade e Elaboração das Formas de Mediação.

4.Dialética entre Estruturas e Pessoas


A prática das redes ou escolas que fazem diferença deixa muito clara a necessidade de se
mudar as estruturas e as pessoas, as pessoas e as estruturas. Esta ideia, aparentemente tão simples,
é de difícil assimilação em função da tradição do pensar dicotômico, onde se valoriza um aspecto ou
(exclusivo) outro. As estruturas fazem as pessoas (quando nascemos, já encontramos um mundo
montado em determinadas bases); através do processo de Subjetivação, o sujeito vai se constituindo
histórico-culturalmente (lembrar, por exemplo, de Vygotsky quando afirma que as funções psicológicas
superiores primeiro estão entre nós e só depois em mim – movimento Inter  Intrapessoal). Porém,
através do processo de Objetivação, as pessoas fazem as estruturas. As estruturas (sociais ou
curriculares) não são, como parece muitas vezes, “entidades metafísicas” — pelo contrário, são
também construtos humanos histórico–culturais. Portanto, passíveis de mudanças.
Quem introduz a inovação é o sujeito (individual e coletivo) marcado por uma nova
sensibilidade, por uma nova postura; todavia, face à histórica estruturação equivocada da escola, esta
nova postura durará pouco tempo se não buscarmos dar alguns passos, ainda que pequenos num
primeiro momento, fortalecendo-se identificando aliados, fazendo grupo de estudo, criando dispositivos
pedagógicos, novas rotinas, novos materiais didáticos, etc., que deem sustentação concreta ao
projeto, para não ficar, a todo momento, tendo de “reinventar a roda”, ou na dependência do “humor”
de cada um – educadores e educandos. Como afirma Paulo Freire (1921-1997): O coração da gente
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muda quando a gente muda o mundo que cria o coração da gente; fora disso, não muda. A gente vai
mudando com a mudança que a gente vai fazendo na realidade. É a mudança da realidade que muda
a gente9.
Portanto, é preciso pensar as pessoas e as estruturas, o professor (e os alunos) e os
dispositivos pedagógicos. É fundamental romper com a visão dicotômica: não se trata de optar por
uma coisa ou outra, mas sim de articular uma coisa e outra (e ainda aquilo vai emergir no processo).
Como diz Pedro Casaldáliga: A verdadeira revolução definitivamente transformadora da sociedade
humana é tanto psicológica como sócio-político-econômica. Devemos transformar simultaneamente —
sublinhem o advérbio para evitar escapismos dualistas— tanto as pessoas como as estruturas (1988:
38). Há um deslocamento: pessoas ou estruturas  pessoas e estruturas. A centralidade, certamente,
é das pessoas que são as criadoras e gestoras das estruturas, mas não podemos esquecer que as
pessoas são plasmadas no/pelo contexto em que estão inseridas. É preciso desejo, compromisso,
caráter, superação de preconceitos, crença na humanidade (ser genérico) e no aluno (ser singular). O
desejo e o compromisso, todavia, precisam acionar a criatividade das pessoas e se desdobrar em
novas mediações, novos instrumentos, novas tecnologias, novos dispositivos pedagógicos, que dão
suporte para o desejo e compromisso, se não quisermos enveredar por uma concepção idealista,
voluntarista. Os próprios dispositivos, por sua vez, deverão ser constantemente avaliados para ver se
estão voltados para as pessoas, coerentes com a intencionalidade maior do projeto, gerando
sucessivos aperfeiçoamentos das práticas. As pessoas são o ponto de partida (criadoras do currículo),
as que fazem a travessia (mediação e trajetória) e o ponto de chegada (formação humana). Como
vemos, é um processo recorrente, em que não há uma gênese absoluta num ou noutro polo da relação
pessoa-estrutura (Vasconcellos, 2017b)

5.Princípio e Fundamento: Afeto Radical Transformador


Pelas pesquisas, estudos e observações das práticas podemos afirmar que, considerados de
forma autônoma, o “segredo” não está na:
Metodologia de trabalho em sala de aula
Dispositivos Pedagógicos
Conteúdo, Material Didático
Uso das TICs
Número de Alunos em sala
Arquitetura Escolar
Fundamento Epistemológico
Avaliação
Como sabemos que o segredo não está aí? Já vimos muitas instituições que investiram
pesado, por exemplo, na inovação da metodologia de trabalho dos alunos ou no uso da tecnologia, e
os resultados ou foram pífios, ou não se sustentaram por muito tempo, porque o par complementar
fundamental, o elemento essencial, apontado na sequência, foi menosprezado. Cabe destacar que
estes aspectos são muito importantes para consolidar a inovação.
Onde estaria, então, o “segredo”? Entendemos que, para além de toda superfície ou modismo,
o elemento essencial na inovação educacional está no
Afeto Radical/Afeto Radical Transformador!

O princípio e o fundamento da existência (e, portanto, da educação e da inovação) é o


amor/afeto. O que as pessoas mais procuram na vida é o amor.10 Mas é muito difícil falar sobre ele. É

9.Condensação de palestra proferida a professores e alunos de Juazeiro (BA) em 19/04/86 e publicado na Revista de Cultura
Vozes 80(7):63-66, set./1986.
10.Muito sinteticamente, apontamos alguns caminhos para o desenvolvimento pessoal (e coletivo) do afeto: consciência da

incompletude; resgate da criança interior, do brincar, enfim do devir-criança; amizade como forma de experimentar o afeto
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o tema mais importante, porém também mais complexo e mais distorcido. Em nome do amor quantas
barbaridades foram/são feitas. Quando falamos para os professores que o princípio fundamental é o
amor, muitos sentem-se tranquilos porque entendem que amam seus alunos. Todavia, temos de
lembrar que há um espectro de afetos. Num extremo há o Desafeto, que é aquele professor que não
aguenta mais os alunos. Em outro estágio temos a Indiferença, que é aquele professor que vai tocando
os dias, com os alunos ou apesar dos alunos, muito voltado para ele mesmo. O terceiro elemento do
espectro, muito delicado porque confunde muito, é o Afeto Enquadrador: entre a criança e o esquema
da escola, o professor opta pelo esquema da escola, não por maldade, mas por achar que é certo, já
que “sempre foi assim”, “todo mundo faz assim”, “fizeram assim comigo”. O professor “ama” o aluno
desde que ele entre no esquema! O quarto elemento do espectro é o Afeto Radical: entre a criança e o
esquema da escola, o professor opta pela criança. É o professor que se compromete com a criança,
vai fazer de tudo para que ela aprenda, se desenvolva e seja feliz. Nosso horizonte é o quinto
elemento do espectro, o Afeto Radical Transformador: os professores, no coletivo (porque já não se
trata apenas uma postura pessoa, mas de uma comunidade de aprendizagem), optam pela criança e
contra o esquema da escola. Tal amor pelas crianças não é piegas; é uma das formas de manifestar o
amor pela humanidade (amor mundi - Arendt). São experiências como estas que estamos vendo, no
Brasil e no mundo, de mudanças substanciais no currículo, de reinventar a escola, de inovações
radicais.
O que fica patente nas escolas que inovam é o quanto o projeto depende das pessoas, que não
adianta existirem dispositivos, reorganização dos espaços e tempos se não houver pessoas que sejam
coerentes com o projeto, que vivam os valores que o projeto propõe (ex.: de um lado, alguém se sentir
dono do projeto, diminuir a participação do coletivo nas decisões, diminuir a formação dos educadores,
deixar a vaidade subir à cabeça; de outro, não se exercer suficientemente a autonomia, deixar-se
levar, não se posicionar, não questionar). Partilhar de um dispositivo educativo é partilhar, antes de
tudo, do sentido subjacente a ele, da visão de mundo, dos pressupostos. (texto Escola da Ponte-AEC)
Esta clareza sobre o “segredo da inovação” nos remete à questão da distinção entre Método de
Ensino e Método de Educação. O método de ensino pode até não ser tão avançado didaticamente
(ex.: uma prática mais diretiva, ao invés de se trabalhar com projetos), mas o método de educação é
muito avançado uma vez que que é marcado pelo:
Profundo respeito pelo aluno, o que implica, entre outras coisas, a crença inabalável de que a
criança/jovem/adulto tem direito a aprender e pode aprender se forem dadas as condições; não
desvitalizar o aluno, pelo contrário, favorecer o empoderamento pessoal; não abandonar o aluno aos
seus próprios recursos (Arendt, 1997); prestar atenção, levar aluno a sério, ouvir o aluno, olhar para o
aluno, deixar-se tocar/afetar por suas Necessidades/Desejos; incentivo para que perguntem,
questionem; contrato didático levado a sério muito fortemente, etc.
Presença do professor, estar inteiro na atividade de ensino visando a atividade de estudo do
aluno;
Clareza de que há um projeto na instituição do qual faz parte.
A partir disto, daí sim, buscam-se formas de trabalho, dispositivos pedagógicos mais
adequados à forma de Ser e de Aprender do aluno.

A inovação, o futuro da escola não está “escrito nas estrelas”. A escola é uma construção
histórico-cultural. A inovação, o escola do futuro tem projetos em disputa aqui e agora. De que lado
você está?

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radical; estudo para potencializar a dialética cognição-afetividade; grupo de estudo como espaço de partilha de vida; “tocar a
chaga” daquele que sofre, para além dos interesses imediatos (do próprio umbigo); deixar-se tocar pela Natureza e pela Arte.
14
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