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TEMAS LIVRES FREE THEMES


Jovens portadores de deficiência: sexualidade e estigma

Disabled adolescents: sexuality and stigma

Ana Helena Rotta Soares 1


Martha Cristina Nunes Moreira 1
Lúcia Maria Costa Monteiro 2

Abstract This paper is designed to extend discus- Resumo O presente artigo pretende ampliar a
sions of disability and sexuality, highlighting the discussão sobre deficiência e sexualidade valori-
expectations, beliefs, desires and experiences of zando as expectativas, crenças, desejos e experiên-
young people with physical disability and pre- cias de jovens com deficiência física. Refere-se a
senting the partial findings of the doctoral research um recorte parcial dos dados da pesquisa de dou-
project entitled “You laugh because I am different, torado “Vocês riem porque eu sou diferente, eu
I laugh because you are all the same: dimensions rio porque vocês são todos iguais: as dimensões da
of the quality of life in adolescents with spina bi- qualidade de vida em jovens portadores de espi-
fida”, which discusses the quality of life in two nha bífida”, que objetivou discutir a qualidade da
cultures: Brazilian and American. The percep- vida de jovens portadores de espinha bífida em
tion and interest of the participants, and their duas culturas: brasileira e norte-americana. A
need to discuss problems related to their sexuality percepção, interesse e problematização dos parti-
and its implications for their families, friends and cipantes em relação à sua sexualidade e seus des-
healthcare services spurred investigations of this dobramentos na sua família, serviço de saúde e
topic in greater depth, indicating the need to ad- círculo de amizades motivaram um maior apro-
dress concepts of sexuality on broader bases. The fundamento da temática e apontaram para a ne-
discourse of these youngsters stresses four aspects cessidade de abordar o conceito sexualidade de
related to the experience of sexuality: (1) Sexual- maneira englobante. Os discursos dos jovens prio-
ity and care; (2) Sexuality, body image and dis- rizam quatro aspectos relacionados à vivência da
credited characteristics; (3) Sexuality of people sexualidade: (1) sexualidade e cuidado; (2) sexua-
with special needs from the standpoint of violence, lidade, imagem corporal e as características desa-
and finally; (4) Sexuality and questions about creditáveis; (3) a sexualidade do portador de defi-
1
Saúde & Brincar –
Programa de Atenção
medical information. ciência física através do olhar da violência, e fi-
Integral à Criança Key words Adolescence, Disability, Stigma, Sex- nalmente; (4) a sexualidade e interrogação das
Hospitalizada, uality, Quality of life informações médicas.
Departamento de Ensino
IFF/FIOCRUZ. Av. Rui
Palavras-chave Juventude, Deficiência física,
Barbosa 716, Flamengo. Estigma, Sexualidade, Qualidade de vida
22250-020. Rio de Janeiro
RJ. ahrsoares@iff.fiocruz.br
2
Ambulatório de
Urodinâmica Pediátrica,
IFF/FIOCRUZ.
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Soares, A. H. R. et al.

Introdução portador de deficiência não tem direito a exercer a


sua sexualidade. Desta forma, o desenvolvimento
Segundo Heilborn et al.1, as idéias difundidas pelo desta faceta fundamental para o ser humano tem
senso comum e pela mídia sustentam que a ju- sido negligenciado, silenciado e desconsiderado
ventude deve ser protegida e disciplinada. Tal tanto pelas famílias de portadores de deficiência
proteção se refere tanto ao que se acredita serem quanto pelos profissionais de saúde que atendem
características próprias da adolescência, como a esta clientela. A dificuldade da sociedade em per-
irresponsabilidade, imaturidade, inconseqüência, ceber nestes jovens possibilidades de vinculação
quanto aos perigos da sociedade, como drogas, afetiva e sexual limita suas oportunidades de vida,
violência e sexo. Deste modo, observa-se ao lon- mantendo uma relação antagônica entre a ima-
go dos anos a associação da juventude com as gem dos mesmos como “não-pessoa” e o desen-
práticas de risco, relacionamentos transitórios, volvimento da sexualidade. Esta postura de nega-
irresponsabilidade e vitimização. Para o jovem ção das possibilidades sexuais destes jovens indi-
portador de deficiência, a questão do risco e o ca que os mesmos devem ser isolados, protegidos
sentimento de insegurança florescem com maior e infantilizados.
intensidade. A relação lógica de causa e efeito O presente artigo pretende ampliar a discus-
entre a juventude como uma ameaça constante a são sobre deficiência e sexualidade valorizando
si mesmo e à sociedade e a necessidade de pre- as expectativas, crenças, desejos e experiências de
venção a sua exposição a determinados fatores jovens portadores de deficiência física. Acredita-
fica ressaltada e intensificada quando a juventu- mos que tal proposta contribuirá para a trans-
de em referência foge dos padrões de “normali- formação da visão limitante e contraproducente
dade”. Desta forma, busca-se tanto na família, acerca desta população.
quanto nos serviços de saúde e finalmente, na
sociedade em geral, uma maneira para prevenir,
disciplinar e controlar a juventude deficiente. Métodos
O imaginário social que envolve o jovem de-
ficiente contribui para uma visão estigmatizante O presente artigo refere-se a um recorte parcial
e limitante pautada em valores, crenças e expec- dos dados da pesquisa de doutorado “Vocês riem
tativas sociais que traduzem o portador de defi- porque eu sou diferente, eu rio porque vocês são
ciência como um incapaz, frágil e vulnerável2. As todos iguais: as dimensões da qualidade de vida em
dificuldades destes jovens em exercitar seus di- jovens portadores de espinha bífida”5. O título do
reitos e buscar sua autonomia através da inser- trabalho reflete a presença do estigma através de
ção e participação social efetiva dizem respeito uma frase utilizada pelos jovens para diferenci-
essencialmente ao cumprimento dos direitos des- ar-se positivamente dos “normais”. A pesquisa
ta população, incluindo o direito à sexualidade. teve como objetivo explorar a qualidade de vida
O fator de risco ressaltado no caso destes jovens de pacientes portadores de espinha bífida em dois
se retroalimenta do pressuposto de que o indiví- serviços de referência: no Brasil e nos Estados
duo portador de deficiência é um ser incompleto Unidos. A percepção, interesse e problematiza-
sexualmente sem possibilidades ou desejos afeti- ção dos jovens participantes em relação a sua
vo-sexuais, que deve ser cuidado, disciplinado e sexualidade e seus desdobramentos na sua famí-
protegido. lia, serviço de saúde e círculo de amizades moti-
Para Lhomond3, a sexualidade é um fenôme- varam o aprofundamento da temática no senti-
no socialmente construído, apesar de ser consi- do de gerar conhecimento tanto para os mesmos
derado, muitas vezes, como uma evidência “na- e suas famílias como para profissionais de saúde
tural”. A autora aborda a concepção da sexuali- que lidam com esta clientela.
dade como um conjunto de leis, costumes, regras A pesquisa - de onde deriva a discussão desse
e normas variáveis no tempo e espaço, que reflete artigo acerca da sexualidade e a deficiência na
o pensamento social sobre a mesma, além da juventude - dividiu-se em duas etapas, sendo cada
maneira que a mesma é controlada e organizada uma delas referente à coleta de dados em dois
pela sociedade. Segundo Bastos & Deslandes4, uma serviços de saúde, ambos especializados no tra-
das maiores barreiras para a discussão da sexua- tamento de crianças e jovens portadores de espi-
lidade de pessoas com deficiência deve-se à escas- nha bífida. A primeira aconteceu no Children’s
sez de relatos de experiência sobre o assunto, que National Medical Center (CNMC), em Washing-
alimentada pelo preconceito e discriminação exis- ton, D.C., e a seguinte no Instituto Fernandes
tentes colabora para uma perspectiva de que o Figueira (IFF), no Rio de Janeiro. Na fase referi-
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da ao CNMC, foram incluídos no presente estu- e comum nos discursos dos jovens entrevista-
do quinze jovens, nove do sexo feminino e seis dos, principalmente nos relatos relacionados ao
do sexo masculino, entre 14 e 20 anos, portado- autocuidado, inserção social, autonomia e pro-
res de espinha bífida e usuários da Clínica de jeto de vida. No caso da espinha bífida, encon-
Espinha Bífida, entre março e julho de 2004. Na tramos um estigma central, relacionado à sua
fase seguinte, foram incluídos dez jovens, oito do visibilidade no corpo. Este estigma relaciona-se
sexo feminino e dois do sexo masculino, acom- ao caso da aparência física ligada ao processo
panhados pelo Ambulatório de Urodinâmica do simbólico de conquistar e ser conquistado, ten-
IFF entre janeiro e junho de 2005. O projeto de do o corpo como estratégia de sedução ou cone-
pesquisa foi submetido para avaliação ética e xão que merece uma exploração mais detalhada.
aprovado pelos setores responsáveis em ambas Desta maneira, inclui-se como quinta categoria
as instituições. empírica a sexualidade. Os dados discutidos a
A pesquisa teve como propósito discutir a seguir dizem respeito à análise desta categoria
noção de qualidade de vida de maneira amplia- especificamente. Ressaltamos que os nomes atri-
da, adotando-se um aporte qualitativo constru- buídos a seguir aos discursos dos jovens que
ído a partir das seguintes técnicas metodológi- participaram na pesquisa são fictícios, com a fi-
cas: (1) realização de entrevistas semi-estrutura- nalidade de proteger sua privacidade.
das; e (2) realização de um grupo focal com ado-
lescentes entrevistados.
A análise do material baseou-se teoricamente Resultados e discussão
na abordagem microssociológica6, com o recorte
das falas a partir dos domínios sugeridos por Sexualidade e cuidado
Parkin et al.7 no que concerne à qualidade de vida.
Considerando que tais domínios fragmentam a Devido à singularidade da espinha bífida no
experiência da vida revelando-se insuficientes que se refere às complicações miccionais, é im-
como estratégia de compreensão da realidade possível não pensar em sexualidade quando fa-
descrita, optamos pela organização de categori- lamos nos cuidados que a doença requer e de
as empíricas fundamentadas nos discursos dos suas leituras na família do indivíduo adoecido,
sujeitos. Inicialmente, reconhecemos que as ex- principalmente o cateterismo vesical.
periências primárias na família e no espaço de A relação entre a construção de uma visão
socialização secundária, representado pela esco- estigmatizante pelo jovem acerca do cateterismo
la, ganham destaque no discurso dos jovens, o e as crenças familiares pode ser observada na
que fundamenta o processo de sociabilidade e entrevista de Sharon, uma moça norte-america-
inserção social, nossa primeira categoria. A se- na de 16 anos, que relatou ter problemas com o
gunda categoria construída através dos dados cateterismo. Sharon começou o autocateterismo
foi denominada de autonomia e refere-se à pos- quando tinha cerca de 8 anos, mas diz ter muito
sibilidade de articulação entre as estratégias de medo do procedimento desde muito nova, prin-
autocuidado e a relação com a menor ou maior cipalmente de inserir a sonda incorretamente e
ampliação dos círculos sociais. A terceira catego- romper seu hímen, causando-lhe dor. Esta visão
ria, denominada de área médica, foi construída é compartilhada pela mãe da moça, que durante
em virtude da consideração de que a vivência da uma conversa informal anterior à entrevista com
doença crônica intermedia os espaços do cuida- a jovem, disse que sempre alertou a filha sobre a
do em saúde, e seus atores em interação constro- importância dos cuidados com o cateterismo,
em conjuntamente significados que interferem no tanto os físicos relacionados a infecções urinári-
processo de cuidado do jovem com espinha bífi- as, quanto o que ela chama de “outros”, aqueles
da. A quarta categoria se refere às estratégias de relacionados à área de manipulação.
enfrentamento do estigma e diz respeito tanto ao No caso de outra jovem, o autocateterismo
reconhecimento da especificidade da doença crô- como marco da autonomia é interpretado como
nica e dos quadros de deficiência física ou das algo negativo, já que a menina tem medo de ser
marcas invisíveis da doença como à maneira abandonada pela mãe após dominar seus cuida-
como o jovem administra tais especificidades. dos. Aqui podemos observar duas importantes
Finalmente, apesar da sexualidade não haver questões. Primeiro, observamos a interpretação
constado inicialmente como uma das dimensões do indivíduo adoecido da própria doença e dos
que compõem a qualidade de vida de jovens por- cuidados que a mesma requer como vínculo cen-
tadores de espinha bífida, o tema se fez presente tral entre o jovem e sua família. Para esta jovem,
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Soares, A. H. R. et al.

a doença se torna muito mais do que um atribu- tes, o portador de espinha bífida possivelmente
to que compõe sua identidade pessoal, tornan- terá dificuldades futuras, na adolescência e até na
do-se a característica principal que define sua vida adulta, no processo de aceitar e cuidar de
identidade estigmatizada e o cateterismo, o cui- seu corpo, bem como na compreensão das pos-
dado central que esta doença comporta, sua cen- sibilidades do mesmo.
tral fonte de interação. Sendo assim, a doença
toma um papel central na dinâmica familiar, tor- Sexualidade, imagem corporal
nando-se a delimitadora das interações entre o e as características desacreditáveis
indivíduo adoecido e sua família. Visível e palpá-
vel, a doença e seus cuidados, neste caso, se colo- O discurso dos jovens entrevistados também
cam como o vínculo principal entre mãe e filha, evidenciou que a sexualidade está altamente liga-
sendo esta a principal fonte de troca entre a me- da à imagem corporal dos mesmos, já que a vi-
nina e sua mãe. A segunda questão que emerge vência da espinha bífida tem um impacto consi-
com a análise é a perspectiva de que a vivência da derável nas experiências subjetivas e nas relações
doença e do estigma que a mesma comporta sociais que se constróem a partir das marcas cor-
aponta para “ganhos secundários”, que permi- porais de seus portadores. Apesar dos jovens afir-
tem que o jovem se isente de inúmeras responsa- marem que as atitudes sociais e culturais negati-
bilidades, protegendo-se emocionalmente da tran- vas que incidiram sobre seus corpos deficientes
sição natural para uma vida autônoma, além de não afetaram sua percepção corporal, muitos
marcar novamente seu corpo como algo que não disseram temer não ser aceitos pelo sexo oposto
lhe pertence. Isto porque a sua concepção corpo- devido a suas diferenças. Além disso, a procura
ral está ligada apenas aos cuidados com a doença de parceiros se torna cada vez mais difícil devido
e as obrigações desagradáveis que a mesma re- ao feedback negativo de experiências anteriores,
quer. Sendo assim, a experiência do corpo fica como podemos observar neste trecho da entre-
limitada a, simplesmente, um corpo adoecido, vista com Cameron, um rapaz de 18 anos, que
necessitado de cuidados, e não um instrumento tem como marca da espinha bífida uma forte
de conexão social, prazer e expressão. alteração na marcha, é usuário de calhas e uma
Além de configurar-se como um marco na adaptação no sapato. Não estou preparado para
vida do portador relacionado à sua autonomia, estar dentro de um relacionamento. Fui muito re-
o cateterismo também mobiliza a descoberta e o jeitado e esta é a razão pela qual não estou prepa-
questionamento sobre a sexualidade muito an- rado. Muitas meninas me falaram que queriam
tes da adolescência, já que compreende a mani- apenas ser minhas amigas, às vezes funcionava, às
pulação de uma região altamente associada ao vezes não, mas sempre ficava aquele sentimento de
desenvolvimento sexual e a erotização. Esta ma- rejeição. (Cameron, 18 anos).
nipulação intensifica questionamentos e fantasi- A fala de Cameron reflete nitidamente o pro-
as dos próprios jovens em relação à sua sexuali- cesso de construção de uma identidade deterio-
dade, como a presença ou falta de sensibilidade rada pelo estigma, ou seja, pelas marcas da do-
nesta região e a possibilidade de ereção e ou de ença. Isto porque, se entendemos a subjetividade
ejaculação para os meninos, e para a possibilida- como um processo interacional, os intercâmbi-
de de perda da virgindade durante o cateterismo os sociais negativos, principalmente o sentimen-
para as meninas. to de rejeição, podem causar distorções conside-
No começo da vida do portador de espinha ráveis na identidade do jovem. Durante a adoles-
bífida, a criança e sua família são confrontadas cência, a experimentação com a sexualidade nes-
com um leque de idéias fantasiosas relacionadas tas interações sociais percebidas como negativas
à sexualidade devido à repetição do cateterismo. pode ter ainda conseqüências mais graves, já que
Araújo8 identificou nestas famílias uma série de durante esta fase o sujeito busca com maior in-
fantasias em relação a esses procedimentos, tensidade a aceitação social e o sentimento de
como por exemplo, o rompimento do hímen. pertencer e participar ativamente do grupo.
Tendo em mente que essas crianças se desenvol- É importante ressaltar que a construção da
vem dentro das perspectivas, crenças e valores identidade pessoal está diretamente vinculada à
familiares, podemos observar como os porta- construção da imagem corporal e da auto-esti-
dores podem internalizar tais fantasias, ou até ma, principalmente na fase da adolescência,
mesmo a ansiedade gerada na família pelo pro- quando questões relacionadas à intimidade, de-
cedimento. Caso a visão familiar sobre o catete- sejo e sexualidade afloram. Helman9 discute a
rismo esteja influenciada por idéias estigmatizan- construção da imagem corporal através das in-
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terações sociais: O corpo social é uma parte im- sabia quem ele era. Foi vergonhoso. (Shannon, 19
portante da imagem do corpo, pois fornece a cada anos). Em um estudo sobre deficiência e imagem
pessoa uma base para perceber e interpretar suas corporal, Taleporos e McCabe 10 descrevem a
próprias experiências físicas e psicológicas. É tam- imagem corporal da mulher portadora de defici-
bém o meio através do qual a fisiologia do indiví- ência a partir de um processo relacional, onde
duo é influenciada e controlada pelos princípios pessoas com deficiências idênticas possuem dife-
que reagem à sociedade em que vive9. rentes sentimentos e atitudes em relação ao seu
A partir desta perspectiva, é importante pen- corpo devido a fatores sociais como educação,
sar como os jovens portadores de espinha bífida suporte social e atitudes sociais reais e percebi-
sofrem pressões culturais sobre seu corpo, bem das. Deste modo, o indivíduo que cresce com seu
como se sentem quando confrontados com a corpo sendo desvalorizado pela sociedade apren-
realidade de que este corpo não se adéqua aos de a se desvalorizar e, conseqüentemente, cria uma
padrões culturais impostos pela sociedade. Esta imagem corporal errônea e negativa. No caso dos
ligação entre identidade pessoal, imagem corpo- jovens entrevistados, o feedback da sociedade no
ral e sexualidade está fortemente marcada no dis- que diz respeito à sua sexualidade reforça a men-
curso das meninas entrevistadas, já que a mulher sagem do corpo adoecido como um objeto ina-
portadora de deficiência não se encontra isenta dequado, impuro e patético. No caso de Andrea,
das influências culturais e mensagens que cons- uma jovem norte-americana, seus companhei-
troem um determinado modelo de beleza. Por ros de turma fizeram uma aposta para ver se
razão de suas deformidades, a posição como algum menino tinha coragem de namorá-la. Se-
mulher fica praticamente impossibilitada. Assim, gundo a jovem, estas situações são comuns para
ela passa a ser invisível, e as possibilidades de portadores de deficiência e, em seu caso, a socie-
exercer e expressar sua sexualidade de maneira dade muitas vezes lhe mostrou que seu corpo
plena, buscando o prazer físico e psíquico, se torna não se encaixava no ideal social de beleza devido
inconcebível pela sociedade e em muitos casos às marcas corporais e, por isso, o lugar de na-
até por ela mesma. É interessante observar que morada, mulher ou mãe lhe era proibido.
esta visão da mulher portadora de deficiência No discurso de jovens brasileiros, a dificul-
como um ser incapaz de exercer sua sexualidade dade em adequar-se aos padrões de beleza se
transborda até os tratamentos de profissionais apresenta de maneira mais expressiva. A auto-
especializados nos cuidados de deficientes. Isso percepção não depende puramente do sujeito,
pode ser observado no caso de Carmem, que mas também das influências da mediação do
celebra a transformação de seu corpo de menina outro, bem como do condicionamento cultural,
para um corpo de mulher, porém não encontra ou seja, dos padrões de beleza que a sociedade,
apoio dentro do serviço de saúde para acompa- onde o indivíduo se encontra inserido, impõe. É
nhar esta transformação e adequar o material possível perceber que a sociedade brasileira con-
utilizado para suportar sua coluna: Olhe pra mim, temporânea demonstra um crescente interesse no
meus peitos estão crescendo, quero mostrá-los, mas alcance do corpo perfeito e cada vez mais mulhe-
este colete não me deixa. (Carmem, 17 anos). Po- res e homens se submetem a torturados esforços
demos acrescentar que esta estratégia de infanti- para obtê-lo. Segundo Del Priore11, a beleza insti-
lização, ou negação do desenvolvimento corpo- tui-se como prática corrente, pior, ela consagrou-
ral, social e psíquico do jovem, apresenta-se como se como condição fundamental para as relações
um modo de manter este jovem em uma posição sociais. Banalizada, estereotipada, ela invade o
de fragilidade, desqualificado e, conseqüentemen- quotidiano através da televisão, do cinema, da
te, de “não-pessoa”. Dentro desta mesma dinâ- mídia, explodindo num todo – o corpo nu, na
mica de padrões e cobranças do corpo, encon- maioria das vezes – ou em pedaços, pernas, costas,
tramos a perspectiva do corpo doente como in- seios e nádegas. Nas praias, nas ruas, nos estádios
capaz não apenas de se enquadrar na sociedade, ou nas salas de ginástica, a beleza exerce uma dita-
mas também de engajar-se em um relacionamen- dura permanente, humilhando e afetando os que
to ou de inspirar interesse. Um exemplo disso é o não se dobram ao seu império.
relato de Shannon; sua mãe invadia seu espaço, Com os padrões de beleza sendo cada vez
ligando para garotos do colégio, oferecendo a mais exigentes, a imperfeição estética do porta-
filha como acompanhante para os bailes da es- dor de deficiência torna-se ainda mais visível e,
cola, já que acreditava que a filha não era capaz conseqüentemente, menos aceitável. No seguinte
de atraí-los sozinha. Ela ligou pra toda a minha trecho, quando solicitado a descrever-se, José
agenda. Um cara veio até a minha casa e eu nem demonstra sua concepção do corpo perfeito e o
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Soares, A. H. R. et al.

desejo de possuí-lo em total oposição à sua rea- como estratégia para o encobrimento dos atribu-
lidade: Ah eu diria a maior mentira, sou moreno, tos desacreditados, é descrita por Goffman6 como
alto, forte, tenho olhos azuis. Às vezes no MSN uma técnica de controle de informação que limita
(programa virtual de mensagens instantâneas) eu a quantidade e a intensidade de experiências do
faço isso. (José, 15 anos). Apesar de não mencio- jovem. Recusando ou evitando brechas de intimi-
nar as marcas decorrentes da espinha bífida, o dade, o indivíduo pode evitar a obrigação conse-
mesmo jovem narra as dificuldades de encon- qüente de divulgar informação. Ao manter relações
trar uma namorada devido ao fato de encon- distantes, ele assegura que não terá que passar mui-
trar-se longe de uma estética ideal: Mulher é difí- to tempo com as pessoas porque, como já foi dito
cil. Esses dias elas tão muito exigentes, querem um quanto mais tempo se passa com alguém, maior é a
alto moreno, ou loiro de olhos azuis. Aí eu falo: Ah, possibilidade da ocorrência de fatos não previstos
o que é isso? Mulher é muito exigente às vezes. que revelam segredos6.
Quem quer um magro de óculos? (José, 15 anos).
Destaca-se no discurso do jovem a tecnolo- A sexualidade do portador de deficiência
gia de comunicação como uma importante ques- física através do olhar da violência
tão para a discussão da administração das mar-
cas estigmatizantes visíveis na atualidade. O uso Segundo Chauí12, podemos considerar a vio-
da Internet como espaço de socialização, princi- lência sob dois ângulos específicos: (1) através de
palmente para jovens, cria um universo extre- uma relação hierárquica de desigualdade com a
mamente tentador, apesar de muitas vezes isola- finalidade de dominação e opressão; e (2) por
dor para os portadores de deficiência. Neste es- uma ação que objetiva e coisifica o ser humano.
paço, com auxílio da distância física e da falta do Na segunda definição, encontramos as práticas
contato visual, o jovem pode engajar-se em dife- de negligência que levam à passividade, silêncio e
rentes comunidades virtuais, criando a ilusão de anulação do indivíduo.
amizades, encontros e namoros. Conforme ve- Ao observar a potencialidade de violência, em
mos na fala de José, o jovem pode romper com a situações onde agressor e vítima apresentam de-
realidade de sua condição e assumir outra identi- sigualdades no que diz respeito a suas condições,
dade. Contudo, apesar do contato virtual ser cada habilidades e poder, nos deparamos com a dis-
vez mais comum na atualidade, este pode repre- cussão do deficiente físico como vítima de vio-
sentar alguns problemas quando se discute o in- lência. Tinha um atendente que era meu primo.
divíduo estigmatizado. É importante mencionar Ele não fazia seu trabalho dentro dos padrões que
que, apesar de prazeroso, o universo virtual não devia. O banho era uma grande questão, porque
substitui as interações sociais tradicionais. Assu- ele era homem e você sabe. Ele era mais velho, não
mir uma identidade social diferente da realidade me sentia à vontade. Chegou a um ponto que eu
não se caracteriza como uma estratégia positiva raramente tomava banho, e isso não fica bem,
de enfrentamento do estigma vivido. muito desagradável. Ele me lavava para ir a escola
A imperfeição corporal também se encontra ou sair e eu odiava isso porque preferia tomar ba-
negativamente relacionada à sexualidade devido nho, mas eu fiz o que tinha que fazer. (Shannon,
ao fato de que a exploração da mesma coloca em 19 anos).
maior evidência as marcas, desvios e imperfei- O discurso de Shannon reflete exatamente a
ções. Sendo assim, encontramos a questão da re- visão do não-humano, destituída até mesmo de
pressão da experiência sexual, do prazer e do con- sua posição como mulher. O fato de seu cuida-
tato com o sexo oposto devido à necessidade de dor ser um homem mais velho, que é seu primo,
manter em segredo atributos desacreditáveis, ou é assumida como insignificante em decorrência
seja, aqueles que são potencialmente fontes de es- da diferença que seu corpo comporta. A jovem
tigma, porém não são visíveis à pessoas próxi- não é considerada como uma jovem mulher, en-
mas ou desconhecidas. Eduarda, que diz não ha- vergonhada e assustada com o contado íntimo e
ver despertado para o sexo, apesar de inúmeros indesejado com o sexo oposto. Segundo Goff-
relatos de situações que demonstrou este interes- man6, a pessoa estigmatizada não é vista como
se, nos conta que evita ficar excitada já que isto lhe completamente humana, levando a sociedade a
causa a perda de urina e a possível revelação de fazer vários tipos de discriminações através das
outras marcas da doença: Eu sou virgem, mas quais se reduzem suas possibilidades. A única ca-
quando tá ficando, beija e fica excitada acontece, e racterística a ser observada e levada em conta no
eu evito de ficar excitada. (Eduarda, 19 anos). Esta portador de deficiência é seu lugar como pessoa
manutenção voluntária da distância, empregada em desvantagem, um ser incompleto, sem dese-
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jos, medos ou possibilidades comuns a outras lidade se insere nesta perspectiva como um dis-
mulheres e homens. positivo disciplinar de controle dos corpos. Prin-
Esta percepção estigmatizante está exemplifi- cipalmente no caso das meninas, se fez evidente a
cada também nos cuidados com a higiene pes- questão da sexualidade disciplinada pela família
soal de Shannon, pois, as “não-pessoas”, como e sociedade, tendo como razão central o medo de
os animais, não carecem de cuidados diários de violência sexual que está fundamentada por in-
higiene. Assim, negligenciada, a jovem passava formações sobre a incidência de violência contra
longos períodos sem banhos e também sem qual- mulheres portadoras de deficiência. A prevalên-
quer acesso à pia ou ao espelho do banheiro. A cia da violência contra mulheres portadoras de
experiência de violência, conforme exemplificada deficiência tem sido vastamente documentada na
neste caso, se apresenta principalmente através América do Norte15. Sua situação de vulnerabili-
da negação da qualidade de humano da jovem e, dade e possível exploração é uma importante te-
conseqüentemente, da omissão em termos de mática e discussão essencial para a garantia dos
prover as suas necessidades físicas e emocionais. direitos dos portadores de deficiência. No entan-
Sua “anormalidade” corporal configura um im- to, nossos dados demonstraram que a percep-
pedimento irreparável e absoluto para a inspira- ção de perigo pode servir não apenas como um
ção de qualquer desejo sexual ou afetivo do ou- alerta, mas como uma estratégia de controle, in-
tro e, assim sendo, não existe a necessidade de fantilização e negação da sexualidade dos porta-
qualquer cuidado com o corpo, seja este referen- dores de deficiência, fazendo desta discussão de
te à aparência estética ou à higiene. Da mesma violência e vulnerabilidade mais um instrumen-
maneira, não existe qualquer consideração dos to de submissão dos mesmos. O discurso social
possíveis sentimentos de curiosidade, explora- excessivo acerca da posição da mulher deficiente
ção, erotização ou desconforto relacionados ao através de uma visão de alerta, de antecipação da
toque masculino. fragilidade ou de vulnerabilidade da mesma re-
Nos casos onde os jovens manifestam sua força e reproduz a lógica de preconceito da posi-
sexualidade, a mesma é percebida como algo gro- ção do portador de deficiência dentro do univer-
tesco, perverso e potencialmente perigoso. No so sexual e erótico. O corpo deficiente se define,
universo da posição do deficiente em sua família principalmente, como objeto de violência, repres-
e na sociedade em geral como um ser sexual, nos são e submissão, e não como um instrumento de
deparamos com a administração do portador expressão e prazer. O corpo deformado pela do-
de deficiência, de seu corpo e de sua sexualidade ença se encontra distante do modelo de beleza
através das informações oferecidas sobre seu es- socialmente aceito e procurado; assim, o interes-
paço social e sua experiência. Segundo Foucault14, se do “outro” por esse corpo passa a ser interpre-
a sexualidade incorpora uma visão de que a mes- tado, tanto pela sociedade em geral, como pela
ma não se limita, e por isso mesmo não deve ser família do portador de deficiência, como um dis-
compreendida como um impulso individual a túrbio, e não uma manifestação do desejo e da
ser contido; porém, precisa ser subordinada e sexualidade humana. Sendo assim, a família bus-
disciplinada a fim de servir ao controle social. ca proteger este jovem de possíveis situações de
Na leitura de Giddens da visão “foucaultia- abuso através da negação do desenvolvimento
na” sobre sexualidade, esta se apresenta como da sexualidade do mesmo. Esta questão está re-
um instrumento de gerenciamento social, inseri- fletida no discurso de Carmen, uma jovem de 17
do em um sistema que busca a ordem pública13. anos que se emociona ao relatar sua dificuldade
No século XVIII, o sexo se torna uma questão de em se relacionar com rapazes de sua idade devi-
“polícia”, no sentido de fortalecer e aumentar a do aos cuidados e preocupações de sua mãe: Três
sabedoria sobre o tema com o fim de regula- letras… m-ã-e. Ela não quer que eu tenha um
mentar suas práticas e estabelecer a participação namorado. Ela tem medo que eu fique grávida e de
do Estado como administrador das mesmas: outras coisas ruins que não quero falar.
[…] cumpre falar de sexo como uma coisa que não No Brasil, apesar da repressão e da limitação
deve simplesmente condenar ou tolerar mas gerir, das experiências de sexualidade aparecerem como
inserir em sistemas de utilidade, regular para o estratégias de disciplinização do corpo e de con-
bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão tenção do estigma produzida pelos próprios jo-
ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se14. vens, eles também retratam a família como pos-
A articulação entre a produção de saber e as sível repressor. No caso de Laura, as informa-
estratégias de poder, via disciplina no campo so- ções oferecidas pela mãe sobre suas possibilida-
cial, é fundamental na discussão acima. A sexua- des de conexão amorosa e sexual eram permea-
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Soares, A. H. R. et al.

das por sentimentos de dificuldade e inseguran- enfrentamento de duas barreiras: por um lado, a
ça relacionados à sua marca desacreditável, ante- vergonha e o segredo e, por outro lado, os avan-
cipando a rejeição do outro em função das dife- ços médicos, principalmente urológicos.
renças e alimentando as fantasias criadas em tor- Encontramos o medo da descoberta da mar-
no da sexualidade do jovem portador de defici- ca invisível. Conforme descrito anteriormente, a
ência. Apesar disso, a jovem enfrenta seus medos disfunção urinária e fecal relacionada à espinha
e, ao explorar sua sexualidade, se depara com bífida, bem como a diminuição da sensibilidade
uma realidade muito diferente da qual foi socia- do períneo, são marcas invisíveis da doença, já
lizada: Eu não contei pra minha mãe que eu perdi que se bem cuidadas não podem ser imediata-
a minha virgindade, eu tenho muito medo. Aí mente percebidas. Para estes jovens, a possibili-
minha mãe sempre fala que por eu ter esse proble- dade de revelação destes problemas é razão de
ma vai ser mais difícil pra mim, mas eu tive que extrema ansiedade, temor e, conseqüentemente,
superar isso e eu sei que não é. A minha mãe fala em alguns casos, a opção pela não procura de
que vai ser muito difícil pra mim me relacionar oportunidades de relacionamento íntimos: Não
com meu namorado porque eu uso fralda. E eu saio muito, mas já tive um namorado. Ele não sa-
descobri que não é. (Laura, 17 anos). bia […]. Quando vou ao banheiro, tranco a porta
Para Goffman6, o processo de administrar o porque tenho que usar o cateter e ninguém nunca
estigma instaurado através do controle ou da vê meu cateter, eu escondo. Como minhas bolsas,
manipulação de informações para com os filhos ninguém consegue tocá-las, estão sempre comigo.
é comum quando observamos famílias com fi- Eu tenho medo de meninos, de ter acidentes e logo
lhos portadores de diferenças: […] podem-se con- ter que contar e eles não me aceitarem. (Raquel,
siderar as crianças da casa não só como perigosos 17 anos).
receptáculos da informação mas, também, como Além da vergonha como centro das questões
tendo uma natureza tão frágil que tal conhecimen- da sexualidade devido à percepção de seus pro-
to poderia afetá-lo seriamente. No caso específico blemas urinários e fecais, os rapazes portadores
da espinha bífida, este processo se intensifica, vis- de espinha bífida ainda lidam com as possíveis
to que o jovem, além de ser o foco de controle e limitações eréteis ou de ejaculação. Estas se fa-
informação, é também a razão dos segredos. Ape- zem presente em seus discursos como uma gran-
sar deste caso bem sucedido, o extremo temor de de interrogação, já que muitos nunca discutiram
rejeição pelo parceiro é uma característica nortea- tais problemas com seus médicos, pais ou pro-
dora da fala dos jovens entrevistados. A distância fessores. Assim sendo, estes distúrbios relatados
entre o corpo ideal e o corpo deficiente parece acarretam um sentimento de não possuir o es-
subsidiar os temores que refletem também os sen- sencial para sua identidade masculina: Tenho
timentos de autoconfiança e competência dos jo- medo que não aceitem isso que tenho. Você sabe, os
vens. A própria Laura ilustra esta questão quan- problemas lá de baixo. Não a urina, o outro pro-
do nos diz: O problema mesmo é a sonda. Sei lá, blema. (Matt, 17 anos).
pode pensar: Ah você não serve, você é doente. Achar Esta preocupação e interrogação são um re-
que as mulheres da rua são melhor porque não tem flexo real dos conhecimentos médicos sobre o
problema. (Laura, 17 anos). tema. Segundo profissionais do CNMC, aproxi-
madamente 75% dos homens portadores de es-
A sexualidade pinha bífida são capazes de ter ereções. Apesar
e interrogação das informações médicas disso, a habilidade de manter a ereção durante a
relação sexual é desconhecida. Assim, os planos
A pesquisa mostra que os planos futuros dos futuros, já permeados pela experiência da doen-
jovens entrevistados se encontram permeados ça, se encontram com as expectativas dos avan-
pela experiência da doença, bem como pela difi- ços médicos que permitam a relação sexual: Es-
culdade da expressão e experiência de sua sexua- pero ter uma família, se todas essas coisas, ou seja,
lidade. Identificamos que os jovens portadores se estes caras (médicos) conseguirem alguma coisa
de espinha bífida, apesar de verbalizarem o dese- pra me ajudar. Eles tem que se assegurar que tudo
jo, tanto de realização profissional e pessoal, funciona. Basicamente para que eu possa ter rela-
como de integração social, sentem que a presen- ções sexuais (Sam, 20 anos).
ça da doença em suas vidas age como uma bar- No caso das jovens mulheres estudadas, to-
reira para o alcance destas metas. Seus planos das demonstraram muitos questionamentos,
pessoais relacionados à iniciação da vida sexual, incertezas e/ou ansiedade em relação à questão
casamento e à família se constroem através do da sexualidade ligada à reprodução. Aparente-
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Ciência & Saúde Coletiva, 13(1):185-194, 2008


mente, para elas, a falta de informação sobre a ponente corporal e seus desdobramentos, o risco
hereditariedade da espinha bífida influencia for- de violência e a administração das informações e
temente suas opções de constituir uma família e, a escassez de conhecimento sobre a temática.
em alguns casos, até de procurar um parceiro. Constatou-se no discurso dos jovens a exis-
Em sua grande maioria, os jovens entrevistados tência de uma carência referente às discussões
afirmaram não querer filhos, ou estarem em sobre sexualidade e deficiência física, tanto den-
dúvida acerca do tema, visto que temem que os tro das famílias quanto dentro de seus serviços
mesmos nasçam com a mesma doença. É im- de saúde respectivos. Acreditamos que a escassez
portante ressaltar que, em alguns casos, estas de informações referentes às possibilidades eré-
preocupações não foram abordadas por profis- teis, administração da disfunção urinária e fecal
sionais de saúde, e devido ao constrangimento no que diz respeito a situações de contato sexual
de alguns jovens em colocar seus questionamen- e, finalmente, as possibilidades reprodutivas de
tos, estes nunca foram discutidos. Os discursos jovens portadores de espinha bífida reflete a ne-
abaixo retratam tais preocupações: Queria ser cessidade da transformação do olhar da comu-
muito feliz, encontrar um marido, um namorado nidade científica e dos profissionais de saúde re-
que sei lá [...]. Eu tenho uma pergunta. Esse pro- lativo a esta população. O exercício da sexualida-
blema que eu tenho pode ter problema de não ter de é um direito de todos e a carência de informa-
filho?Eu tenho medo, porque eu queria saber tam- ções com relação a diversas questões que envol-
bém se eu tivesse filhos se ele pode ter isso também. vem a sexualidade do portador de deficiência é
(Mariana, 18 anos); e Eu quero, mas eu tenho um impedimento para o mesmo. Tornam-se ne-
medo do meu filho ter algum problema. E eu nunca cessárias medidas educativas que abordem a saú-
falei com o médico. (Laura, 17 anos). de do adolescente portador de deficiência de
maneira abrangente, garantindo a discussão de
temáticas essenciais para o alcance de seus direi-
Considerações finais tos humanos, inclusive seus direitos sexuais. Ao
ignorar esta lacuna, contribui-se para a desin-
A sexualidade do portador de deficiência deve ser formação e insegurança do portador de defici-
abordada de maneira englobante, levando em ência, além de alimentar as percepções estigmati-
consideração tanto os aspectos físicos e subjeti- zantes em torno das suas possibilidades de vida.
vos como os valores, crenças e expectativas da Sendo assim, as perspectivas de fragilidade, inca-
sociedade na qual o indivíduo se encontra inseri- pacidade e anormalidade tornam-se “verdades”
do. Através dos discursos dos jovens brasileiros e sociais que limitam as possibilidades futuras des-
norte-americanos, podemos observar que o im- tes jovens, tanto no sentido de oportunidades
pacto da diferença na sexualidade é significante, oferecidas quanto no que diz respeito às própri-
principalmente no que diz respeito ao seu com- as aspirações e interesses dos mesmos.
194
Soares, A. H. R. et al.

Colaboradores Referências

AHR Soares foi responsável pela análise e con- 1. Heilborn ML, Aquino EML, Bozon M, Knauth DR,
cepção dos dados da pesquisa, redação do artigo organizadores. O aprendizado da sexualidade: repro-
dução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de
e da revisão a ser publicada. MCN Moreira foi Janeiro: Editora Fiocruz e Garamond; 2006.
responsável pela concepção, delineamento e su- 2. Soares AHR, Moreira MCN, Monteiro LMC, Pohl
pervisão da pesquisa, revisão crítica do artigo e HG. The quality of life of adolescents with spina bifida
aprovação da versão a ser publicada. LMC Mon- at the Children’s National Medical Center – Washing-
teiro foi responsável pela concepção e delinea- ton DC. Rev C S Col [periódico na Internet]. 2006.
[acessado 2007 Jan 02]; 11(3): [cerca de 10 p]. Dispo-
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Artigo apresentado em 27/02/2007


Aprovado em 21/05/2007
Versão final apresentada em 15/06/2007

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