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106 f.
A meus pais, meus amores, Maura Cavalcante e “Chico Léo”, exemplos de ética,
honestidade e simplicidade.
A meus amados sobrinhos, Isadora e Estêvão, que fazem os meus dias mais felizes.
Agradeço
A meu Deus, por nunca ter me faltado. Não conto as vezes que chamei por Teu nome, quando
tudo parecia não dar certo. Sua misericórdia e seu amor são imensuráveis e por isso agradeço,
primeiramente, a Ti.
A minha Olívia, por ter existido bem no meio dessa caminhada. Se não fosse você, talvez eu
não tivesse encontrado forças para seguir. Só o seu sorriso (des)constrói todos os meus
sentidos e discursos.
A meu esposo Bruno, pela paciência, pelo amor, pelo incentivo (sempre me dizendo que ia
dar tempo, quando eu pensava que não). Só consegui chegar até aqui, porque você também
esteve ao meu lado.
A minha mãe, Maura, que não hesitou, mesmo com o seu limitado tempo, em me socorrer,
quando me encontrava em meio a muitas dúvidas. Obrigada, minha mãe, por você ser o meu
orgulho! Espero um dia ser igualzinha a você.
Ao meu pai, Chico Léo, pelo sábio silêncio e pelo seu amor inquestionável.
A meu Orientador, Dr. Gilton Sampaio, que, mesmo com o seu limitado tempo, nunca
deixou de atender-me em meus anseios e inquietudes. Obrigada, por ter guiado meus passos
nessa minha empreitada. Sem você nada disso teria sido possível.
A minhas amigas/irmãs por afinidade: Ana Maria (Aninhazinha), Vânia (Vaninha), Aline
Raquel (Esponjinha), Shirley (Shirlynha), Lidiana, Luzinete e Aline Gomes, por terem
compartilhado comigo a angustia e a felicidade dessa conquista. São presentes de Deus.
Agradeço todos os dias por vocês existirem em minha vida.
A Viviane (Vivi), Liliane (Lili), Larissa (Lalá), Zaíra, (Zazá), Amanda Moura (Mandica),
pela amizade que transcende o tempo e a distância.
Aos doutores que fazem o PPGL, que fizeram “apaixonar-me” pelas Letras. Obrigada pelo
conhecimento compartilhado, sem os quais não seria possível a realização de nossa pesquisa!
Aos colegas de mestrado, pelos momentos de discussões, alegrias, angústias, em sala de aula
e fora dela. Cada um de vocês teve uma quota de participação na realização dessa conquista.
A Francimeire Cesário e a Marcos Luz, mais do que colegas de mestrado, amigos que
sempre atendenderam aos meus chamados, quando eu me achava perdida em meio à
complexidade teórica da linguagem.
A todos que direta ou indiretamente participaram na construção desse trabalho. Obrigada pelo
apoio!
Nas entranhas do Direito,
Vi, em grande estardalhaço,
A linguagem se aninhando
Nas encostas do Cangaço.
RESUMO
ABSTRACT
Given the comprehension that the Law consists essentially of language, we decided to
conduct a research that would show this connection at one of the main convergence points:
the discourse. On this perspective, we opted to research argumentation, dialogicity and the
effects of sense in the legal discourse, based on the theories defended by Mikhail Bakhtin
(1976, 1988, 1997, 2004), by Chaim Perelman (2000, 2005) and Sírio Possenti (2009),
carrying out a research entitled “The argumentation and the effects of sense in the legal
discourse: the dialogues of Law through the cangaço”. Analyzing the argumentation on the
legal discourse about the cangaço, considering the dialogic processes of language and their
effects of sense, in procedure against Virgulino Ferreira, commonly known as Lampião, and
his accomplices – lawsuit No 883/2000, our research corpus, we selected speeches of various
individuals who took part of the lawsuit as witnesses, Police chief, prosecuting counsel
representatives, public defensor and even the judge, whereby was possible: to understand the
dialogic relations that manifest in the judicial processes; to identify and analyze the
argumentative tactics used by the prosecution and by the defense, when they supported their
theses; and verify the effects of sense assigned to cangaço, on this lawsuit (specific objectives
of research). In response to the first objective, we understood that the dialogic relations are in
the entire lawsuit, wherein the dialogic marks of the other and of the socio-historical and
ideological context can be found in the discourses that compose it, from the beginning until
the final moment: the decision. In relation to the second objective, we identified, by analysis
of speeches related to the final allegations of the defense and of the prosecution, the
argumentative tactics used to support their theses. About the tactics used by the prosecution,
we identified those based on the structure of the real: with the authority arguments and the
fortiori and the bonding tactics almost logical: with arguments of the comparison and the
transitivity; about the tactics used by the defense, we identified the bonding almost logical:
with the argument of the retorsion. Corresponding to the third objective presented above, we
were able to see that from the lawsuits the senses rise: the cangaço is a synonymous of
banditry and that the cangaço is, indeed, a victim of society. We hope, with this research, to
contribute, essentially, to the studies focused on the basic theories in our work, to evidence
the intimate connection between the sciences of Law and Language, to collaborate with the
transcription of a rich corpus, by their cultural-historical nature, to several other areas that
focus on studies on the cangaço.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11
2. A CONSTRUÇÃO DO OBJETO................................................................................. 40
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 80
ANEXOS ............................................................................................................................ 83
ANEXO A - Denúncia feita pelo Promotor de Justiça Manoel Augusto Abath ................. 84
ANEXO D – Julgamento da denúncia feito pelo juiz Janúncio Gorgônio de Nóbrega ...... 92
ANEXO H- Sentença proferida pelo Juiz de Direito João Afonso da Silva Pordeus ......... 100
11
INTRODUÇÃO
Iniciamos este texto afirmando que não há como falar em Direito sem nos referirmos à
linguagem. É essa a ideia que assumimos diante da experiência adquirida, ao estudarmos o
discurso jurídico sob a ótica de teorias de diferentes áreas, sobretudo do Direito, da
Linguística, da Filosofia da Linguagem e, em especial, da Nova Retórica. Essa experiência
nos leva a afirmar que todos os profissionais da área jurídica devem ter algum contato, por
mínimo que seja, com os estudos Linguísticos, por ser da linguagem que o Direito
essencialmente se constitui.
Foi partindo dessa concepção de que o Direito não existe sem a linguagem que
decidimos aprofundar os conhecimentos sobre essas áreas de conhecimento, na tentativa de
evidenciarmos, ainda mais, a relação em que elas se envolvem e, por que não dizer, também,
para mostrar aos profissionais da justiça, bem como às universidades que os preparam, que,
mais do que complementar, é essencial compreender as teorias que explicam esse fenômeno
sendo, por este motivo, necessária a inclusão de disciplinas dessa área nos cursos de
graduação da área jurídica.
Vale salientar que sentimos essa necessidade por termos vivenciado essa realidade,
tendo em vista a nossa formação acadêmica em Direito, e observamos, durante a realização do
curso, a carência de disciplinas voltadas para os estudos da linguagem, sobretudo, sobre uma
de suas formas que consideramos essencial para a construção do direito: a argumentação.
Optamos, então, como forma de aprofundar o conhecimento sobre as ciências da
linguagem e de contribuir para essa ampliação de conhecimentos e conscientização da
necessidade de estudos nessa área, por realizar uma pesquisa que envolvesse o Direito e a
linguagem em um dos principais pontos em que elas se encontram: o discurso. Escolhemos,
para isso, um corpus jurídico/histórico: o processo criminal, tramitado na Comarca de Pau dos
Ferros/RN, contra Virgulino Ferreira, mais conhecido por “Lampião”, e seu bando pelos
crimes cometidos por esses cangaceiros no então distrito de Vitória (hoje Marcelino Vieira).
A escolha desse corpus se deu em virtude da possibilidade de se realizar estudos sobre a
linguagem envolvendo conhecimentos jurídicos; para isso trabalhamos com textos datados do
ano de 1927.
Assim, decidimos analisar a argumentação nos discursos que constituem a ação penal
tramitada contra Virgulino e seus comparsas, considerando os processos dialógicos da
linguagem e seus efeitos de sentido (nosso objetivo geral).
12
estão inseridas. Não podemos, segundo esse pensamento, atribuir um único sentido a um
determinado discurso, por exemplo, se esse discurso pode ser interpretado de várias formas
por pessoas com ideias diferentes e em circunstâncias diferentes, ou seja, são vários os efeitos
que emergem desse discurso e caberá a cada um atribuir-lhe sentido. Indo mais além, Possenti
(2001) afirma que pelo fato de o discurso ser constituído de outros discursos, é possível
chegar à conclusão de que o próprio (o discurso) é desprovido de sentido. Sendo assim,
entendemos que o sentido é o produto que surge do que Baronas (s.d) entende como formação
ideológica e o que vem antes disso são os seus efeitos. E é como base no pensamento de que
são vários os sentidos manifestados sobre fatos, circunstâncias e pessoas, especialmente sobre
Lampião e o cangaço, que, respondendo a nossa terceira questão de pesquisa, também citada
acima, nos propomos verificar os efeitos de sentido atribuídos ao cangaço, no processo
criminal que nos propomos analisar.
Para efetivação dos objetivos e melhor organização do trabalho, estruturamos o
conteúdo em três capítulos: o primeiro deles, que tratará do referencial teórico, intitulado de
"Um encontro de teorias”, no qual discutiremos os conceitos basilares de nossa pesquisa,
buscando sempre mostrar a aproximação entre as áreas do Direito e da Linguagem. Nele,
discutiremos, essencialmente, os conceitos de linguagem, argumentação e efeitos de sentido,
considerando, também, dentro dessa perspectiva, os conceitos de gênero discursivo, discurso
jurídico e Direito.
No segundo capítulo, que chamamos da “Construção do objeto”, trataremos da
caracterização geral da pesquisa, momento em que detalharemos o corpus, o universo da
pesquisa, os procedimentos metodológicos e os critérios adotados para a realização da análise.
O terceiro capítulo, que chamamos de “Lampião e o cangaço em processo criminal:
estudos sobre a argumentação, a dialogicidade e os efeitos de sentido”, diz respeito à análise
do corpus, momento em que aplicaremos os critérios elencados ainda no segundo capítulo e
levantaremos as respostas às questões de pesquisa, apresentadas neste texto introdutório.
Respondendo às questões de análise, correspondentes aos objetivos específicos, neste capítulo
evidenciaremos os conceitos defendidos pelos teóricos citados no referencial, fundamentando
as respostas das questões levantadas com recortes de textos do corpus, através dos quais
faremos a análise e chegaremos ao resultado almejado.
Apresentaremos, por último, as considerações finais do trabalho, em cuja parte
faremos uma retomada da pesquisa desde a teoria à análise do corpus, refazendo o caminho
percorrido do primeiro capítulo aos resultados do trabalho.
15
1 UM ECONTRO DE TEORIAS
Optamos por intitular esse primeiro capítulo como “Um encontro de teorias”, porque
buscamos, nesta unidade do trabalho, ao mesmo tempo em que apresentamos as teorias
fundamentadoras, discutir a proximidade entre os estudos da Linguagem e o Direito.
Realizaremos, assim, um percurso dividido em dois caminhos: o caminho da linguagem e o
caminho do Direito, que, apesar de seguirem veredas diferentes, se encontram em um ponto
comum: o discurso.
Iniciaremos essas discussões tratando das teorias bakhtinianas sobre linguagem,
momento em que debateremos as noções preliminares da linguagem enquanto instrumento de
interação e as relações dialógicas manifestadas nos discursos. Entendemos que as discussões
sobre as teorias de Bakhtin são de imensurável amplitude, mas tentaremos focar o dialogismo,
tema de um dos nossos objetivos.
Após a abordagem inicial sobre linguagem, continuaremos a discussão tratando dos
conceitos sobre argumentação, de Chaim Perelman (2005), considerando, de maneira breve, a
Retórica, e aprofundando os conhecimentos acerca da Nova Retórica, defendida por este
autor. Por último, trataremos da noção de efeitos de sentido, já que uma de nossas intenções é
verificar os efeitos de sentido produzidos no processo.
Para serem analisadas, portanto, as técnicas argumentativas dos discursos que
compõem o processo contra Lampião e seu bando, e compreender os processos dialógicos que
se manifestam em processos judiciais, dois de nossos objetivos específicos, precisamos,
primeiramente, estudar os conceitos de linguagem, dialogismo, argumentação, orador,
auditório e acordo, ethos, pathos, logos, gênero discursivo, discurso jurídico, dentre outros
que também seguem a linha de pensamento dessa pesquisa; bem como entender a noção de
efeitos de sentidos, para podermos verificar os sentidos que se manifestam em processos
judiciais, discutindo aqueles que são atribuídos ao cangaço (terceiro objetivo de nosso
trabalho), através dos discursos que constituem o processo judicial contra “Lampião” e seu
bando.
circunstâncias nas relações cotidianas, nas quais se envolvem. Para Bakhtin (1988, p. 100),
“[...] a linguagem coloca-se nos limites do seu território e nos limites do território de outrem.
[...] ela está povoada ou superpovoada de intenções de outrem.” Assim sendo, como atividade
constitutiva, em que o locus de realização é a interação verbal, a linguagem é esse
instrumento, através do qual os sujeitos interagem, e, nesse processo de interação, produzem
discursos intensamente marcados pelo outro e pelos contextos de produção.
Essa é a essência do pensamento de Bakhtin (2004). Na constituição do discurso, o
indivíduo não é o único responsável pelo seu conteúdo. No processo de produção discursiva,
o indivíduo interage com outros sujeitos e com o contexto, e esse discurso é o que podemos
chamar de produto sócio-histórico. Podemos dizer que a própria língua é um produto desse
processo, e a palavra, signo verbal, é o principal meio responsável por essa forma de
interação social.
Defendendo a ideia de que a linguagem é um instrumento de interação, Bakhtin (2004)
critica o subjetivismo individualista1 e o objetivismo abstrato2. Ele afirma que a verdadeira
substância da língua é constituída “[...] pelo fenômeno social de interação verbal, realizada
através da enunciação ou enunciações. A interação verbal constitui, assim, a realidade
fundamental da língua” (BAKTHIN, 2004, p. 123). Segundo Bakhtin (2004, p. 124), “a
língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema
linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Portanto, a enunciação, independente da maneira que se apresente, será um produto da
interação entre indivíduos, e a palavra, principal meio de expressão da enunciação, estará
condicionada aos sujeitos a quem ela será dirigida, sendo, também, pois, produto da interação
entre os sujeitos envolvidos na relação dialógica. A palavra, assim, “[...] variará se se tratar de
uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia
social, se estiver ligada ao locutor por laços mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.)”
(BAKHTIN, 2004, p.112). “A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros.
1
“O psiquismo individual constitui a fonte da língua, como fundamento da língua (no sentido de toda atividade de linguagem
sem exceção). As leis da criação linguística – sendo a língua uma evolução ininterrupta, uma criação contínua – são as leis da
psicologia individual, e são elas que devem ser estudadas pelo linguista e pelo filósofo da linguagem. Esclarecer o fenômeno
linguístico significa reduzi-lo a um ato significativo”(BAKHTIN, 2004, p. 72).
2
“Nós podemos sintetizar o essencial das considerações da segunda orientação nas seguintes proposições: 1. A língua é um
sistema estável, imutável, de formas linguísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual a consciência individual e
peremptória para esta. 2. As leis da língua são essencialmente leis linguísticas específicas, que estabelecem ligações entre os
signos linguísticos no interior de um sistema fechado (...). 3. As ligações linguísticas específicas nada têm a ver com valores
ideológicos (...). Entre a palavra e seu sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo
artístico. 4. (...) Entre o sistema da língua e sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos
entre si. (BAKHTIN, p. 82-83)
18
Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre meu interlocutor. A
palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (BAKHTIN, 2004, p. 113).
Essa constante interação enunciativa entre sujeitos e o contexto é o que Bakhtin
denomina de dialogismo, cujo conceito expressa a ideia de que não há que se falar em
discurso próprio, pois o discurso consiste em uma soma de enunciados. Klaus (2010), em
estudo sobre o dialogismo de Bakhtin, bem explica essa concepção; vejamos:
isso, precisa convencer (argumentar) o Legislativo de que o seu projeto é pertinente para
atender às necessidades sociais; a segunda fase, de interpretação, na qual os representantes
das partes interessadas interpretam as regras de maneira a adequá-las a suas teses, produzidas
para adesão de seu auditório, utilizando-se, assim, de técnicas argumentativas baseadas no
interacionismo entre o sujeito, os fatos e o auditório ao qual se dirige; e a terceira fase, de
aplicação, na qual o juiz, através da interação entre a lei, os fatos, o meio e os argumentos
levantados pelas partes interessadas (interação entre sujeitos), procurará julgar os conflitos da
forma mais razoável e eficiente, justificando (argumentando), assim, a sua decisão como
sendo a mais justa.
Percebemos que a argumentação, expressa pela linguagem como fruto da interação
entre sujeitos e os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos, está presente em todos
os momentos de constituição do Direito: na construção das regras - argumentação do
legislador; na interpretação - argumentação dos sujeitos representantes dos direitos dos
cidadãos : Ministério Público, Advogado, Defensor Público, Procurador de Justiça; e na sua
aplicação - argumentação do juiz, em cuja fase a decisão tomada é efetivamente a mais
adequada, sendo necessário, para a construção dessa argumentação, levar em conta a interação
entre sujeitos e fatos.
Imaginemos, pois, a falta do interacionismo na produção da linguagem para a
constituição do Direito, em sua produção, interpretação e aplicação. Idealizemos, por
exemplo, um mundo em que as regras de convivência sejam estagnadas, em que a Lei de
Talião (“olho por olho, dente por dente”), encontrada no Código de Hamurabi, em 1780 a.C.,
ainda permanecesse em nosso ordenamento jurídico. Se assim fosse, constataríamos que a
sociedade, sem o fenômeno da interação, nunca haveria se tornado civilizada; seria, sim, uma
humanidade consumida pela barbárie.
Logo, percebemos que o fenômeno do interacionismo da linguagem, defendido por
Mikhail Bakhtin (2004), está presente nos mais diversos campos das atividades humanas,
sobretudo no meio jurídico. Se não existisse a interação entre os sujeitos no processo da
linguagem não existiria o Direito, e, portanto, não existiria uma sociedade organizada.
O Direito, “conjunto de princípios, regras e instituições destinado a regular a vida em
sociedade” (MARTINS, 2008, p.4), por si só (re)cria-se a todo instante fundamentado na
adaptação ao contexto social; acrescenta-se a isso o fato de este mesmo Direito ser uma
ciência jurídica completamente dependente da palavra (e da linguagem) como instrumento
efetivador de seu objetivo.
21
A reflexão sobre a linguagem jurídica não pode ser vista como um exercício
de atenuada pertinência. Tampouco pode ser encarada como uma atividade
subalterna às questões ditas centrais do meio jurídico. De fato, pensar a
linguagem do Direito é tarefa de relevância extrema, uma vez que a
atividade discursiva sempre comparece ao primeiro plano da prática jurídica.
Entendendo-se, todavia, que se a existência social é, por excelência, uma
vida de práticas verbais e a linguagem impregna, produz e é moldada por
toda e qualquer atividade humana, sejam profissionais, institucionais,
artísticas etc, não haveria primazia para o Direito a presença do interesse de
estudos lingüísticos.
Logo, assim como o Direito necessita da linguagem para assegurar a decisão mais
eficiente e justa sobre os fatos analisados, a enunciação, para sua existência, necessita de dois
indivíduos socialmente organizados, e, para que haja a organização social no meio no qual
interagem estes indivíduos, é preciso que sejam estabelecidas, pelo Direito, regras de conduta.
Em outra passagem de sua obra, Bakhtin (2004, p. 34) afirma que “a consciência só se
torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e,
consequentemente, somente no processo de interação social”. Assim, diz Bakhtin (2004, p.
35):
O ideológico enquanto tal não pode ser explicado em termos de raízes supra
ou infra-humanas. Seu verdadeiro lugar é o material social particular de
signos criados pelo homem. Sua especificidade reside, precisamente, no fato
de que ele se situa entre os indivíduos organizados, sendo o meio de sua
comunicação.
Muitos foram os que estudaram a Retórica, no decorrer da história. Uma das grandes
contribuições para esses estudos foi a teoria de Aristóteles, que dispôs a Retórica como um
sistema coerente e lógico. Segundo Perelman e Tyteca (2005, p. 2), “o raciocínio more
geométrico era o modelo proposto aos filósofos desejosos de construir um sistema de
pensamento que pudesse alcançar a dignidade de uma ciência”.
Descartes, filósofo francês, considerava que, quando há posições contrárias sobre um
mesmo assunto, dentre as duas teses uma está errada.
“Todas as vezes que dois homens formulam sobre a mesma coisa um juízo
contrário, é certo”, diz Descartes, “um dos dois se engana. Há mais, nenhum
deles possui a verdade; pois se um tivesse dela uma visão clara e nítida
poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela acabaria por forçar sua
convicção” (DESCARTES, apud PERELMAN, 2005, p. 2).
eram reconhecidas pelas próprias ciências naturais. Qualquer proposição, portanto, não seria
discutível, deveria ser, necessariamente, aceita.
Foi diante de situações em que a lógica não encontraria solução exata para os
problemas que Perelman e Tytetca (2005) questionaram o raciocínio lógico defendido por
Descartes.
A Nova Retórica, fundada por Chaim Perelman, “constitui uma ruptura com uma
concepção da razão e do raciocínio oriunda de Descartes” (PELREMAN e TYTECA, 2005,
p.1). Ela considera que ambas as partes envolvidas no diálogo “possuem opiniões válidas e
razoáveis, pois os problemas humanos, práticos, políticos e morais não podem ser reduzidos à
antinomia, ao verdadeiro ou falso” (MANELI, 2004, p.26). Essas opiniões válidas e razoáveis
são expostas de maneira a conseguir a adesão da opinião que, inicialmente, se mostra
contrária uma a outra, através da argumentação.
25
O que é simplesmente racional nem sempre é o mais justo. Assim como a própria
ciência do Direito, a justiça deve acompanhar a evolução humana de maneira a corresponder
às expectativas da sociedade, que se modificam no curso do tempo. O racionalismo, na
concepção de seus seguidores, não permite a discussão, não levando, assim, em consideração
os argumentos acerca das mudanças no meio social.
aquele que discursa, e o auditório, que diz respeito a quem o discurso é dirigido. Sobre
aquele que discursa, entendemos que não existe dificuldade em conceituá-lo, no entanto,
quanto ao auditório, é preciso que tenhamos maior clareza para compreendê-lo, pois nem
sempre é o que entendemos ser.
A noção que temos sobre quem é o auditório, numa relação discursiva, pode ser
errônea, se levarmos em consideração alguns elementos da citação acima. Segundo Perelman
e Tyteca (2005, p. 22), é “preferível definir o auditório como o conjunto daqueles que o
orador quer influenciar com sua argumentação”. Se definirmos o auditório como aqueles a
quem nos dirigimos, a quem pretendemos atingir com os nossos discursos, certamente
estaremos abrangendo todos os nossos interlocutores.
A importância de sabermos definir o auditório, seja ele um auditório universal3 ou
particular (o interlocutor4 ou o próprio sujeito5), está na maior chance de obtermos sucesso ao
tentar influenciá-lo com as argumentações; afinal, sabendo a quem estamos nos dirigindo,
poderemos estudar quais os fatores e em que circunstâncias o auditório poderá ser
influenciado. “O conhecimento daqueles que se pretende conquistar é, pois, uma condição
prévia de qualquer argumentação eficaz” (PERELMAN e TYTECA, 2005, p. 23).
Um terceiro elemento, chamado de acordo, é figura presente, segundo Perelman, em
um discurso argumentativo. Segundo ele, a conquista da adesão do auditório, através da
argumentação, pressupõe a ideia de acordo. “Tanto o desenvolvimento como o ponto de
partida da argumentação pressupõem acordo do auditório” (PERELMAN e TYTECA, 2005,
p. 73). O acordo dá-se na construção dos argumentos, momento em que o orador deve levar
em consideração a reflexão que seu auditório faz acerca do que está sendo discutido, pois
qualquer argumentação deve apoiar-se em teses admitidas pelo auditório. Este, ao analisar o
3
“constituído pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais” (PERELMAN e TYTECA,
2005, p. 34)
4
É [...] a quem especialmente nos dirigimos (PERELMAN e TYTECA, 2005, P. 34)
5
“é o estabelecido pelo próprio locutor; é o caso, verbi gratia, do exame de consciência em que alguém pesa os prós e os
contra para tomar uma decisão” (HENRIQUES, 2008, p. 34)
27
discurso de seu orador, poderá interpretá-lo a sua maneira ou, muitas vezes, construir seus
próprios argumentos.
De acordo com Perelman e Tyteca (2005, p.213),
Essa reflexão realizada pelo ouvinte poderá ser conduzida pelo orador, de modo “que
este mesmo forneça aos ouvintes certos argumentos referentes às características de seu
próprio enunciado, ou então que forneça certos elementos de informação que favorecerão esta
ou aquela argumentação espontânea do ouvinte” (PERELMAN e TYTECA, 2005, p.213).
Assim, o orador age de tal modo sobre o ouvinte que poderá influenciar no resultado final: a
adesão do ouvinte a sua tese.
É dessa forma que se dá o processo argumentativo do orador na busca da adesão do
seu auditório: orador deve interagir com a reflexão dos seus ouvintes ao defender a sua tese
principal. Abreu (1999, p. 46) explica com clareza como se deve dar o processo de
argumentação na defesa de uma tese. Para ele,
Deverá, portanto, existir uma tese inicial, preparatória, que geralmente é uma opinião
comum ao próprio auditório, para facilitar a adesão à tese principal a ser defendida pelo
orador. Essa transposição de teses é chamada de acordo entre o orador e o auditório, o qual
requer do orador o conhecimento sobre as ideias, opiniões e crenças do auditório que se
pretende conquistar.
todo e suas partes sob dois aspectos: a inclusão das partes no todo e a divisão do todo em suas
partes.
Os argumentos baseados na estrutura do real buscam, nas opiniões que se formam
acerca da realidade e que estão ligadas entre si, fundar argumentação que possibilite passar de
um desses elementos da “realidade” para outro, sob a forma de sucessão ou coexistência. A
relação de sucessão ocorre, quando os argumentos “a) [...] tendem a relacionar dois
acontecimentos sucessivos dados entre eles, por meio de um vínculo causal; b) [...] dado um
acontecimento, tendem a descobrir a existência de uma causa que pôde determiná-lo; c) [...]
dado um acontecimento, tendem a evidenciar o efeito que dele deve resultar” (PERELMAN e
TYTECA, 2005, p. 299). Já a relação de coexistência, segundo Perelman e Tyteca (2005), é
uma forma de ligação entre realidades de níveis desiguais, sendo uma mais fundamental, mais
explicativa do que a outra. Vejamos os tipos de argumentos baseados na estrutura do real:
• de autoridade: fazer uso de palavras/opiniões de pessoa reconhecida para reforçar
a tese defendida;
• a fortiori: “tal argumento repousa na dupla hierarquia em que se estabelece uma
escala de valores e, portanto, na hierarquia qualitativa e quantitativa que se refere a
uma relação entre pessoas e seus atos” (HENRIQUES, 2008, p. 68);
• Desperdício: “é aquele que alega uma oportunidade que não se deve perder, um
meio que existe e do qual é preciso servir-se” (PERELMAN, 1996, apud
HENRIQUES, 2008, p. 70);
• Pragmático: “aquele que permite apreciar um ato ou um acontecimento consoante
suas consequências favoráveis e desfavoráveis” (PERELMAN e TYTECA, 2005,
p. 303).
Os argumentos que fundam a estrutura do real são aqueles que utilizam um caso
particular, generalizando-o, para se estabelecer aquilo que se acredita ser a realidade
construída. Segundo Perelman e Tyteca (2005), trata-se dos argumentos que se utilizam: do
exemplo: baseado em um acordo preliminar entre o orador e auditório, usa-se um caso
particular como regra, generalizando-o; da ilustração: “enquanto o exemplo era incumbido de
fundamentar a regra, a ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma regra conhecida e
aceita” (PERELMAN e TYTECA, 2005, p. 407); do modelo e antimodelo: a argumentação
baseada no modelo acontece quando um comportamento estimula uma ação, promovendo
certa conduta, já a argumentação baseada no antimodelo aquele comportamento permite
afastar-se de determinada conduta; da analogia: estabelece uma relação de semelhança entre
30
relações que unem duas entidades; segundo Perelman e Tyteca (2005, p. 453) “é em função da
teoria argumentativa da analogia que o papel da metáfora ficará mais claro”.
Enquanto os argumentos de ligação unem, “os argumentos por dissociação são aqueles
que, ao invés de proceder através da ligação e ruptura de associações anteriormente
estabelecidas, procuram solucionar uma incompatibilidade do discurso, restabelecendo uma
visão coerente da realidade” (PACHECO, 2011). Segundo Perelman e Tyteca (2005, p. 467),
“a técnica de ruptura de ligação consiste, pois, em afirmar que são indevidamente associados
elementos que deveriam ficar separados e independentes”. Henriques (2008) aponta os tipos
de argumentos que se baseiam na dissociação de ideias. Vejamos:
• Distinguo: “o indivíduo tem por objetivo estabelecer diferenças para se chegar à
clareza”. (HENRIQUES, 2008, p. 78)
• Dilema: “argumento pelo qual se obriga o adversário a uma alternativa, cada uma
de cujas partes conduz a mesma conclusão” (JOLIVET, apud HENRIQUES,
2008).
• por exclusão: “consiste tal argumento na proposta de hipóteses que se vão
eliminando uma por uma até a aceitação de uma delas” (HENRIQUES, 2008, p.
80).
Essas técnicas argumentativas, definidas por Perelman e Tyteca (2005) como
esquemas, podem ser apresentadas, consciente ou inconscientemente, pelos sujeitos, na
construção de suas teses.
No Direito, tanto a defesa como a acusação, atuantes em um processo, utilizarão
técnicas argumentativas, seja consciente ou inconscientemente, em defesa de suas teses, e é
com base nessas técnicas, que o auditório, seja ele constituído de juiz ou jurados, analisará os
argumentos levantados pelas partes em seus discursos (jurídicos) para poderem chegar à
decisão mais razoável, eficiente e justa.
Perelman e Tyteca (2005, p.16) afirmam que “a argumentação visa à adesão dos
espíritos e, por isso mesmo, pressupõe a existência de um contato intelectual”. No discurso
argumentativo, deve haver esse contato intelectual entre os envolvidos no discurso, pois o
orador deve preocupar-se em penetrar no mundo de seu interlocutor, pensar nos argumentos
31
que podem influenciá-lo, sempre tentando entender seu estado de espírito, para que possa
conseguir a adesão do mesmo a sua tese.
Referenciamos, nas discussões teóricas até então realizadas, o termo discurso jurídico;
convém agora explicarmos essa classificação discursiva, mas, antes de compreendermos o
discurso jurídico propriamente dito, faremos uma explanação sobre gêneros discursivos na
visão bakhtiniana e swalesiana, cujas definições nos parecem ser afins.
Bakhtin (1997) afirma que todas as esferas da atividade humana estão relacionadas à
língua, através de enunciados, e a forma como a língua é usada varia de acordo com a
atividade realizada. Sendo assim, cada atividade humana busca elaborar seus tipos
relativamente estáveis e esses tipos são denominados gêneros discursivos. Vejamos:
como o gênero depende da comunidade para sua existência, a comunidade precisa do gênero
para realizar suas atividades e atingir os seus objetivos. Mas antes de adentrarmos a questão
da importância do gênero para a comunidade discursiva, apresentaremos as seis características
apresentadas por Swales (1990) como sendo as definidoras da comunidade discursiva, para
melhor compreendermos essa afirmação.
A primeira delas se expressa enquanto “conjunto de objetivos que os usuários dos
gêneros mantêm em comum” (RODRIGUES, 2009, p. 23). Para que se caracterize como
comunidade discursiva, o grupo deverá ter objetivos em comum, podendo esses estarem
expressos ou não.
A segunda e a terceira características são bem definidas por Rodrigues; vejamos:
A quarta característica, chamada de critérios por Sakata (2009, p.198), diz respeito à
utilização de um ou mais gêneros textuais “no favorecimento discursivo dos seus objetivos”.
Tais gêneros podem ser específicos da comunidade discursiva, criados pela própria
comunidade, ou podem ser de outras comunidades amoldadas a suas necessidades.
A capacidade que as comunidades têm de desenvolver um léxico próprio que servem
aos seus objetivos, dispondo de termos com significados específicos para o uso dos gêneros,
bem como a organização hierárquica de seus membros, seja de forma explícita ou implícita,
“que se caracteriza pela necessidade de se haver um nível de entrada de membros com um
grau de conteúdo relevante e perícia discursiva” (SAKATA, 2009, p. 201), correspondem,
respectivamente, à quinta e à sexta características elencadas por Swales.
Ao reunirmos todas as características (ou critérios) que definem a comunidade
discursiva, chegamos à seguinte conclusão sobre seu conceito: comunidade discursiva é, pois,
um grupo de pessoas reunidas em torno de objetivos comuns, interagindo entre si, as quais,
através de gêneros, léxico próprio e organização hierárquica, conseguem atingir esses
objetivos.
Após a definição do conceito de comunidade discursiva, podemos entender mais
claramente a importância do gênero para essa comunidade: é através dos gêneros que elas (as
comunidades discursivas) realizam suas atividades, com a finalidade de alcançar os objetivos
do grupo.
36
próprio indivíduo. Muitas vezes, essas mudanças não estão evidentes aos olhos do homem
comum e é preciso que o próprio homem utilize meios para evidenciá-las.
No meio jurídico, é através do discurso, sobretudo da argumentação, que o defensor de
um indivíduo que tenha cometido um ilícito penal, por exemplo, constrói a sua tese de defesa.
O auditório, muitas vezes, não conhece o fato propriamente dito, ou até conhece, mas
desconhece as circunstâncias as quais levaram esse indivíduo a cometer tal delito; todavia, é
através dos argumentos que o defensor tenta mostrar o que para ele é a “realidade dos fatos”,
mediante as circunstâncias, que culminaram na realização do ato ilícito. Assim como a defesa,
a acusação procura mostrar, sob seu ponto de vista, também através do discurso, o que para
ela constitui a “realidade dos fatos”, adequando a aplicabilidade das normas àquilo que
defende como direito. Nesse contexto, os argumentos usados pelo orador, seja ele
representante da defesa ou da acusação, fortificam e sustentam as teses que defendem para a
conquista da adesão do auditório, teses essas sustentadas pelos três pilares fundamentais, já
mencionados: o ethos, o pathos e o logos.
O orador, na defesa de sua tese, baseado nos argumentos manifestados em seu
discurso, neste caso o discurso jurídico, deve considerar as mudanças das circunstâncias, a
evolução social, a sensibilidade, o desenvolvimento da moral e os critérios modificáveis da
decadência, critérios esses defendidos por Maneli (2004), possibilitando, assim, à justiça
tomar a decisão mais razoável, eficiente e justa.
Isso revela, portanto, a importância do discurso na aplicação das normas de conduta
social ao ser humano. Através dele, os direitos dos homens poderão ser identificados e, por
que não dizer, dependendo das circunstâncias, serão construídos.
Entendemos, assim, que o sentido não existe por si só. Trata-se, portanto, de um
produto da intenção persuasiva/argumentativa do enunciador que visa, através do enunciado, a
imprimir determinado sentido ao que se refere. No entanto, por mais que o enunciador
pretenda imprimir determinado sentido ao seu enunciado, não quer dizer que a este, de fato,
seja atribuído apenas esse sentido; pelo contrário, não existem limitações para os sentidos de
um enunciado, pois as interpretações feitas pelos indivíduos a quem se dirige a informação
são as mais diversas possíveis; daí a noção de efeitos de sentido.
Segundo Maliska (2011), “(...) o sentido não está atrelado ao significante, que um
texto pode ter muitos sentidos, que o sentido é antes um produto, resultado de um processo:
uma produção, cujos efeitos, são efeitos de sentido”. Sendo assim, consideramos que é com o
processo de interação entre sujeitos e o meio social, manifestado através dos discursos, que
emergem os sentidos.
possibilidade de delimitá-los, já que cada indivíduo pode atribuir-lhes de acordo com suas
ideias, moral, formações, com o contexto no qual estão inseridos, dentre outros fatores que
poderão fazer a diferença.
Ao observarmos, por exemplo, os discursos que fazem um processo judicial,
percebemos que a um mesmo fato são atribuídos sentidos diferentes. São teses diferentes
defendidas para a conquista da adesão de um auditório, seja ele o juiz ou os jurados,
dependendo da natureza processual.
Em um processo penal são muitos os discursos e os sentidos que se produzem nas
diferentes peças, os quais revelam as marcas da dialogicidade. No caso específico do
processo, corpus dessa pesquisa, são envolvidos, essencialmente, os discursos das vítimas,
das testemunhas, do delegado, do ministério público, do defensor público, de um dos réus e
do juiz, todos atribuindo sentidos ao fato ocorrido; o que reflete direta ou indiretamente na
construção simbólica do cangaço, que tem na figura de Lampião e demais cangaceiros a
expressão de um estilo de vida que marcou a história do nordeste.
40
2 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO
2.2 Do corpus
O corpus que utilizamos para a realização desse estudo foi o processo contra Lampião
e seu bando tramitado na Vara Criminal da Comarca de Pau dos Ferros-RN – AÇÃO PENAL
41
N° 883/200. Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual, no ano de
1927, através do qual se imputa a prática dos delitos previstos no art. 294, § 1°, e art. 353,
ambos da Consolidação das Leis Penais, vigente na época, à Virgulino Ferreira, vulgo
Lampião, e alguns de seus comparsas, pelo fato de, no dia 10 de junho de 1927, terem
subtraído, com emprego de violência, vários objetos, animais e dinheiro de diversas fazendas
do Município de Pau dos Ferros (distrito de Vitória – atual Marcelino Vieira), bem como
atacado o destacamento do então Tenente Napoleão Agra, produzindo na pessoa do soldado
José Monteiro de Matos ferimentos, que deram causa a sua morte.
Tal processo ficou paralisado por mais de 67 (sessenta e sete) anos. Por muito tempo
os Autos permaneceram em cartório, aguardando a captura dos acusados para que pudessem
ser julgados pelo Júri Popular, mas com a morte de Lampião e alguns comparsas, em 1938,
em Angicos/SE, o processo começou a ser visto pelo seu caráter histórico.
Assim sendo, para resguardar o processo original, dada a sua grandeza histórica, o Juiz
Dr. João Afonso Morais Pordeus determinou que fossem feitas cópias dos autos, realizando
nova autuação. Além de, em virtude da necessidade de determinar a sentença terminativa do
caso, visto que até determinado momento não havia sido concluído o processo, o Juiz
supracitado determinou vistas dos autos ao Ministério Público, o qual pugnou pela declaração
da extinção de punibilidade pela prescrição punitiva do Estado.
Após a análise dos relatos da promotoria, o Sr. Juiz declarou, nos termos do art. 107,
IV, c/c os artigo 109, IV, e § único, do CP (Código Penal), bem como do artigo 61 do CPP
(Código de Processo Penal), definitivamente exaurido o referido processo, reconhecendo a
extinção da pretensão punitiva por parte do Estado, em virtude do decurso do prazo
prescricional, e, consequentemente, o arquivamento dos autos, em 07 de dezembro de 2001.
O referido processo constitui-se, essencialmente, de: sumário de culpa, recebimento de
denúncia, inquérito policial, autos de queixa, inquirição de testemunhas, mandatos, certidões,
julgamentos, sentenças, depoimentos testemunhais, alegações finais da acusação e da defesa e
sentença.
Os documentos que constituem o corpus são de extrema relevância para a análise das
técnicas argumentativas utilizadas pelos sujeitos no discurso jurídico do processo, assim
poderemos analisar as técnicas argumentativas utilizadas pelos sujeitos na construção de suas
teses, examinando quais os efeitos de sentido produzidos, através desses discursos, sobre
Lampião e o cangaço.
O que nos chamou a atenção para desenvolvermos uma pesquisa sobre esse objeto foi,
além do caráter sócio-histórico e cultural de que se reveste, a possibilidade de realizarmos
42
estudos linguísticos sobre um discurso jurídico do início do século XX, podendo ser
compreendido à luz da Nova Retórica de Perelman. Como em processo dessa natureza, o
auditório do discurso é bastante restrito, e, tendo em vista que este não chegou à fase de Júri
Popular, este estudo abre a possibilidade, também, de ampliação desse auditório, já que
realizamos a transcrição do processo, que, datado de 1927, fora escrito à mão.
Apesar de serem muitas as peças que constituem o processo como um todo, quais
sejam: sumário de culpa, recebimento de denúncia, inquérito policial, autos de queixa,
inquirição de testemunhas, mandatos, certidões, julgamentos, sentenças, depoimentos
testemunhais, alegações finais da acusação e da defesa, e sentença, optamos por fazer alguns
recortes dos textos, para que fizéssemos uso daqueles que nos proporcionariam maior suporte
para a consecução dos objetos propostos. Para tanto, escolhemos as peças, cujos discursos
melhor oferecem a possibilidade de análise da dialogicidade, da argumentação e dos efeitos
de sentido produzidos.
Agora, a título de conhecimento, passaremos a discutir alguns conceitos sobre as peças
que compõem o processo contra Lampião e seu bando, para melhor compreensão em relação
aos trâmites processuais da ação penal.
Chamamos a atenção, para melhor entendimento, que preferimos dividir os conceitos
em duas fases: a fase policial e a fase judicial - a primeira, que diz respeito a todas as ações
policiais, que são efetivadas para o auxílio da investigação criminal, e a segunda cuja
responsabilidade deixa de ser de competência policial para ser de competência judicial; mas
que não serão seguidas necessariamente nesta ordem, tendo em vista que os textos do corpo
processual não obedecem a uma ordem sequencial. Atente-se, ainda, para os números das
páginas que serão citadas no decorrer da apresentação das peças, cuja paginação corresponde
à transcrição digitada.
judicial do processo, a autuação da denúncia e do inquérito policial, que, embora tenha sido
realizada ainda no ano de 1927, fora determinada pelo Juiz João Afonso Morais Pordeus, na
data de 18 de janeiro de 2000, após determinação de busca do número de registro nos livros
de Registro de Feitos Criminais da Comarca de Pau dos Ferros.
A autuação é, digamos, o registro de um documento; neste caso, consta da denúncia e
do inquérito policial, que, verificadas as informações, a ele é atribuído um número de registro
e protocolo de encaminhamento, preparando-o para uma tramitação interna.
O número de registro do processo, corpus desse trabalho, é 883/2000 e ocorreu na
Vara Criminal da Comarca de Pau dos Ferros.
A peça que segue a autuação determinada pelo juiz João Afonso é a atuação realizada
pelo cartório, datado de vinte de novembro de 1931, cujo número não foi encontrado nos
livros de Registros de Feitos Criminais da Comarca de Pau dos Ferros; daí a determinação de
nova atuação para registro de número de identificação.
Na página 3 do processo transcrito, segue o recebimento da denúncia oferecida pelo
Ministério Público (fase judicial), no ano de 1927.
A denúncia, segundo o renomado jurista, professor e promotor de justiça Fernando
Capez (2006):
Pau dos Ferros, hoje Marcelino Vieira, solicitando a punição dos acusados nas penas dos arts.
294,§ 1º e 356 do Código Penal vigente na época (Código Penal Brasileiro de 1890)6.
As próximas peças correspondem ao inquérito policial (fase policial), que é “o
conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração
penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo” (CAPEZ,
2006, p. 72).
No corpus em análise, o inquérito, que se inicia na página 5, compõe-se de: 1) autos
de queixas, acompanhados pela autoridade policial, nos quais os queixosos: Aprízio da Silva,
João Damião de Araújo, Luiz Pereira da Silva, Vicente Ferreira de Lima, Antônio Rosa da
Silva, José Barreto do Nascimento, Francisco Thomaz de Aquino, José Moysés, Manoel
Ferreira de Lima, João Fernandes da Silva, Manoel José da Silva, Manoel Joaquim, José
Belarmino da Silva, João Vicente da Silva, Raimundo Rodrigues do Nascimento, Francisco
Germano da Silveira, Coronel Marcelino Vieira da Costa, Martiniano de Souza Rêgo e
Marcelino do Nascimento, através de suas declarações, registraram o que sabiam sobre os
fatos ocorridos (páginas 6 a 22 do processo); 3) autuação de portaria de intimação dos
peritos e testemunhas para realização do exame cadavérico no corpo do soldado José
Monteiro de Matos (páginas 25 e 26); 4) auto de exame cadavérico do soldado José
Monteiro de Matos (página 29); 5) inquirições das testemunhas: José Pereira Umbelino,
Teotônio José do Nascimento, Avelino Moreira do Nascimento, João Porfírio da Silva,
Venâncio Ferreira Alencar, Antônio Lopes Cardoso, José Fernandes, para elucidação dos
fatos (páginas 31 a 41); 6) relatório conclusivo elaborado pelo delegado Jacinto Tavares,
após ter acompanhado as declarações (páginas 42 e 43); 7) remissão dos autos ao Juiz de
Direito da Comarca (páginas 43 e 44); dentre outros documentos, como, por exemplo,
certidões emitidas pelo escrivão.
Remitidos os autos ao Juiz de Direito, este, por sua vez, com base na denúncia e
declarações colhidas em fase de inquérito policial, declarou a prisão preventiva de Lampião e
seus comparsas, solicitando a expedição dos mandatos para cumprimento de sua determinação
(páginas 44 e 45).
Mesmo já havendo sido instaurado o inquérito policial, Martiniano de Souza Rêgo,
Segundo Suplente do Delegado de Polícia, remeteu auto de perguntas feitas pela autoridade
6
Art. 294. Matar alguém: § 1º Si o crime for perpetrado com qualquer das circunstâncias agravantes mencionadas nos §§ 2º,
3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 16º, 17º, 18º e 19º do art. 39 e § 2º do art. 41: Pena – de prisão celular por doze a trinta
anos.
Art. 356. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, fazendo violência à pessoa ou empregando força contra a
coisa: Pena – de prisão celular por dois a oito anos.
45
Pedro, Pai Velho, Antônio Farol, José Pretinho, Pinhão, Jatobá, Benedito, Mourão, Antônio
Leite, Delfino, Virgulino Ferreira, Miguel, Trovão, Serra d’Umam e Jararaca.
Na página 98 do processo, o escrivão do feito, Abílio Deodato, certifica que o
cangaceiro Francisco Ramos, vulgo “Mormaço”, não mais existe, tendo sido assassinado no
município de Mossoró, e, na sequência (página 99), com base no depoimento deste mesmo
cangaceiro, o Ministério Público, através do Promotor de Justiça, Claudionor Telógio de
Andrade, requer que se junte aos autos o atestado de óbito do referido cangaceiro, bem como
dos cangaceiros Colchete e Jararaca, também assassinados no município de Mossoró. Quanto
aos demais cangaceiros, no mesmo documento o promotor solicita as testemunhas para
prestarem depoimentos.
A próxima peça processual a ser apresentada é a declaração de suspeição do juiz José
Fernandes Vieira, que solicita a remissão do processo para outro juiz de direito pelo fato de
uma das vítimas, o Sr. Marcelino Vieira da Costa, ser seu pai. No Direito, segundo Machado
(2007, p. 130), a suspeição “enquanto fenômeno do mundo do processo é a circunstância de
caráter subjetivo que gera a desconfiança ou suspeita de que o juiz seja parcial; é a
circunstância que faz nascer a presunção relativa de parcialidade”. Neste caso, o juiz,
obedecendo à lei vigente na época (hoje regulamentada pelo artigo 135, II do CPC), declarou,
de ofício, a suspeição pelo grau de parentesco que tinha com uma das vítimas do processo.
Sendo os autos remetidos ao Juiz Distrital da Comarca de Pau dos Ferros, Juiz José
Ferreira da Costa, foi lançado edital de citação7 dos acusados, após não haverem sido citados
pelo Oficial de Justiça da Comarca, por não terem sido encontrados, e, aos vinte e seis dias de
setembro de mil novecentos e trinta, o referido edital foi juntado ao processo (página 101).
A próxima peça do processo é a certidão dos autos de exame cadavérico dos
cangaceiros Jararaca e Colchete. É importante ressaltar que o juiz da Comarca de Mossoró,
Eufrásio Mário de Queiroz, deixou de enviar o exame cadavérico do cangaceiro Francisco
Ramos, por esse não se encontrar no cartório da referida Comarca (página 105).
Segue, no decorrer do processo, a citação, por meio de oficial de justiça, das
testemunhas: José Pereira Umbelino, Teotônio José do Nascimento, João Porfirio da Silva e
Venâncio Ferreira Alencar para deporem (página 109). Na sequência, mais uma vez, lança-se
edital de citação aos réus (página 111) e emite-se mandado de citação às testemunhas para se
fazerem presentes em audiência, no dia 26 de outubro de 1931; sendo essa remarcada pelo
7
É uma forma de citação feita nos casos em que o réu é desconhecido ou incerto; quando ignorado, incerto ou inacessível o
lugar em que se encontra e nos casos expressos em lei. disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/292003/citacao-
por-edital. Acesso: 06/09/11
47
juiz para o dia 20 de novembro, em virtude de seus muitos afazeres; lançando-se, portanto,
novo edital para os réus e mandato para as testemunhas (página 111).
No dia 20 de novembro, conforme certidão constante na página 114, o juiz se
encontrava doente, sendo remarcada, assim, a audiência para o dia 16 de dezembro, lançando-
se, mais uma vez, edital de citação dos réus e determinação de citação de testemunhas.
Pelo fato das testemunhas não comparecerem na audiência marcada, o juiz determinou
nova citação para comparecimento em audiência, no dia 16 de janeiro, sob pena da lei,
lançando, mais uma vez edital de intimação e mandado (páginas 118 e 119).
O Defensor Público, Escolástico Bezerra, apresentou defesa oral aos réus com base na
negativa de autoria, diante da falta das testemunhas na audiência anterior (páginas 120 e 121).
Em audiência, no dia 16 de janeiro de 1932, cujo termo segue anexo no processo na
página 139, os réus foram inertes diante de seu direito de defesa (faltaram à audiência), mas
as testemunhas foram devidamente inquiridas, como se pode ver no termo de assentamento
seguido pelos depoimentos (páginas 121 a 124).
Obedecendo-se a sequência do processo (páginas 125 a 127), observamos as alegações
finais, em que o Ministério Público (acusação), na pessoa do Promotor de Justiça Claudionor
Telógio de Andrade, levanta seus argumentos para o julgamento da denúncia a favor de sua
tese, além de solicitar a extinção da ação penal quanto aos bandoleiros “Jararaca” e
“Mormaço”, por estarem provadas as suas mortes, e o Defensor Público (defesa), que,
também através da argumentação, tenta convencer o seu auditório, neste caso o juiz de Direito
Janúncio Gorgônio da Nóbrega, de que a melhor decisão será aquela baseada na tese da
defesa. Chamamos a atenção para as alegações finais da acusação e da defesa que são de
fundamental importância para os estudos sobre a argumentação, pois, dentre as peças do
processo, estes são os principais gêneros que utilizamos para a análise das técnicas
argumentativas.
Em seguida, verificamos a posição do juiz (páginas 128 a 130), na qual, segundo ele,
encontram-se provados os fatos arguidos na denúncia, julgando, assim, em parte, procedente
quanto aos denunciados: Virgolino Ferreira (Lampião), Sabino Gomes, Antônio Leite,
também conhecido por Massilon e Benevides, Navieiro, Delfino, Coqueiro, Ezequiel, Luiz
Pedro, Virgínio, Mergulhão, José Roque Oliveira, vulgo Alagoano, Félix, Miúdo, Serra d’
Uman, José Coco, José Pretinho, de Pajeú, Mourão, Benedito, Jatobá, Pinhão da Serra do
Mato, Trovão, Miguel, Euclides, Rio Preto, Pinga-Fogo, Lua Branca, Pai Velho, Antônio
Farol, Valatão de Tal, Zé Latão, Luiz Sabino, Casca Grossa, Balão, Português, Relâmpago,
Bem-te-vi, Manoel Mauricio, João Vicente, Dois Jurema, Ás de Ouro, Candieiro, Capão,
48
Caiçara, Gato, Palmeira, Manoel Antônio, Cocada, Jurití, Romeiro, Tenente do Riacho do
Navio, Sabiá, André Marinheiro e José Marinheiro, José Boco e Manoel Leite; julgando
improcedente a denúncia quanto aos cangaceiros “Momarço”, “Jararaca” e “Colchete”, por
existir provas nos autos de seus falecimentos. No final do julgamento da denúncia, o juiz
solicita que sejam lançados os nomes dos réus no rol dos culpados e que se expeçam os
respectivos mandatos de prisão.
Sendo todos intimados, através de edital de intimação (página 133), em 28 de janeiro
de 1934, a comparecerem no prazo de 20 dias a fim de ouvirem a leitura da sentença do
julgamento da denúncia. Como os cangaceiros não compareceram em juízo (conforme
certidão na página 134), seus nomes foram lançados no rol dos culpados, no dia 17 de
fevereiro de 1934.
No dia quinze de março de 1934, os autos foram remetidos à Secretaria do Superior
Tribunal de Justiça do Estado, e, através do acórdão de fls. 135-v, de 25 de abril de 1934, é
confirmada a decisão de extinção da ação penal contra os cangaceiros “Mormaço”, “Jararaca”
e “Colchete” (páginas 137 e 138), e o seu cumprimento foi determinado em 7 de junho de
1934.
Contados setenta e três anos da data em que ocorreu o fato alegado pelas vítimas e
testemunhas, em 18 de janeiro de 2000, o então juiz da Vara Criminal da Comarca de Pau dos
Ferros, João Afonso Morais Pordeus, observando não haver nenhuma sentença terminativa do
caso, determinou que fossem feitas cópias do processo, com nova autuação, como já fora
explicitado no início do texto, bem como determinou vistas ao Ministério Público (Página
142). O Ministério Público, por sua vez, através da pessoa do promotor de justiça, Maranto
Filgueira Rodrigues de Carvalho, emitiu parecer requerendo a declaração de Extinção da
Punibilidade8 de Virgulino Ferreira Lampião e seus comparsas (página 147).
Em decisão prolatada pelo Juiz João Afonso, a justiça reconheceu a extinção da
pretensão punitiva por parte do Estado, por haverem transcorridos mais de sessenta e sete
anos, entre a data de pronúncia e a data da sentença terminativa9, e por não haverem sido
punidos os réus pelos crimes cometidos, dentro do prazo prescricional de 20 e 12 anos, o juiz
determinou o arquivamento dos autos (páginas 150 e 155).
8
É quando existem causas que impedem o Estado de punir o agente. Algumas dessas causas são: a morte do agente; a
retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; a prescrição, decadência ou perempção, dentre outras
causas.
9
25.04.1934 – data da pronúncia (confirmação do Superior Tribunal de Justiça) - 07.12.2001 – data de registro da sentença
terminativa do processo.
49
Tem o Direito princípios próprios, como qualquer ciência, ainda que não seja
exata. Exemplos são: o princípio da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade
etc.
Possui o Direito inúmeras regras. Algumas delas são compendiadas em
códigos como o Código Civil, o Código Tributário Nacional (CTN), o
Código Comercial, o Código de Processo Civil (CPC), além de inúmeras leis
esparsas.
As instituições são entidades que perduram no tempo. O Direito tem várias
delas, como os sindicatos, os órgãos do Poder Judiciário, do Poder Executivo
etc. (MARTINS, 2008, p.4).
10
“É o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza
criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica” (NORONHA, apud MARTINS, 2008, p. 184).
51
discursos construídos pelos sujeitos participantes do processo, nos quais foram levantados
fatos e argumentos para se chegar à decisão mais eficiente e justa.
11
Época em que o cangaço para muitos foi um fenômeno ocorrido no nordeste brasileiro no qual os bandidos cometiam toda
sorte de roubos, depredações e assassinatos, e para outros o cangaço era um meio de vida para aqueles que se sentiam
injustiçados pela sociedade da época.
54
“Certifico que os borrões constantes nas folhas retro destes autos, foram em
conseqüência de uma gallinha, que, pulando sobre a mesa, onde se achava
um tinteiro sem a rolha, virou-o, derramando a tinta por cima não só destes
autos, como ainda sobre outros papeis que se achavam tambem sobre a
referida meza. O referido é verdade; dou fé.”
Pau dos Ferros, 4 de outubro de 1927
Abílio Deodato do Nascimento
Escrivão do feito”
causa ao direito; em segundo lugar a fundamentação, parte da petição em que serão dispostos
os dispositivos legais, citações doutrinárias, jurisprudências e outras fontes do Direito, que
darão alicerce, sustentabilidade ao direito; e, por fim, em terceiro lugar, o pedido, peça em
que é explicitado o que se requer da justiça diante dos fatos narrados e da fundamentação
exposta. Foi, portanto, com base na estrutura de uma petição inicial que elaboramos a
estrutura da análise das peças que compõem o corpus de nossa pesquisa.
Primeiro apresentaremos, representando a narrativa de nosso trabalho, as questões que
dão base de sustentação a nossa pesquisa, já que são estas questões as representantes diretas
dos objetivos específicos para os quais serão obtidos resultados, que, por sua vez, representam
figurativamente o direito conquistado. Assim, a primeira parte de nossa análise será intitulada
“Da questão”. Como serão três questões a serem respondidas, a sequência será: “Da questão
1”, “Da questão 2” e “Da questão 3”.
No segundo momento da análise, apresentaremos de maneira direta, a resposta a cada
questão para podermos apresentar, na sequência, a sua fundamentação. O segundo item é
intitulado, portanto, de “Da resposta”.
Seguindo ainda o raciocínio da estrutura da petição inicial, partiremos para o terceiro
item intitulado de “Da fundamentação e análise”, momento em que exporemos os recortes
dos textos que traduzem a resposta apontada, realizando, nesse momento, uma análise
minuciosa com base nos conceitos abordados no referencial, como forma de dar
sustentabilidade à resposta apresentada.
Na sequência, apresentaremos o item que intitulamos de “Dos resultados”, momento
em que apresentaremos sucintamente os resultados obtidos na análise. Esse item corresponde
ao que chamamos na petição inicial de “pedido”, porque o pedido, na peça inaugural do
processo, representa o que se espera como resultado da ação.
Isto posto, retomando a intencionalidade da elaboração dessa estrutura, optamos por
utilizar essa forma de análise como uma maneira de aproximar ainda mais esses campos de
conhecimento a Linguagem e o Direito. Aplicando uma estrutura que, de certa forma, “foge”
aos padrões dos trabalhos científicos realizados na área da linguagem, entendemos que
conseguimos ampliar ainda mais os horizontes, nessa área dessa ciência, provando a constante
interação da linguagem com a área da ciência jurídica, permitindo, desta forma, que ideias ou
estruturas aplicadas em outras ciências possam ganhar espaço no vasto e rico mundo dos
estudos da linguagem.
Explicaremos, abaixo, como se dará o processo de análise, para melhor compreensão
dos itens supracitados. Vejamos:
56
Exemplo:
Da questão 1
Como se dão as relações dialógicas em processos jurídicos?
Da Questão 2
Que técnicas argumentativas foram utilizadas pela defesa e pela acusação, no processo
contra Lampião e seu bando, em defesa de suas teses?
Questão 3
Que efeitos de sentido sobre o cangaço emergem dos discursos que compõem o processo?
• Da questão 1
• Da fundamentação e da análise
Recorte A
Espaço destinado para a identificação do argumento
Questão 1 Resultado
3.1.1 Estudo 1
• Da questão 1
• Resposta
• Da fundamentação e análise
B - Constata-se pelo depoimento das testemunhas de fls a fls, que esses bandidos
assaltaram e roubaram neste município as propriedades dos citados [...] causando-lhes um
prejuiso de muitos contos de reis; que no logar Caiçara esse grupo de bandidos atacou um
contingente da força publica matando o soldado José Monteiro de Mattos em quem os
bandidos (incompreensível) seu ódio, apunhalando-o depois de morto e esmagando parte da
cabeça, conforme se verifica do auto de exame cadavérico de fls; que essa horda de
bandidos era chefiada pelo scelerado Virgulino Ferreira Lampeão tendo por auxiliares
[...]e outros cujos nomes não foi possivel saber; que uma parte da força atacada ia de
automóvel, sendo que dois desses carros ficaram no logar do ataque e foram incendiados
pelos bandidos; que esse grupo seguia montado em animaes que roubara e agia com
rapidez, uma ânsia (vandálica) de praticar o mal. (Relatório de conclusão do Delegado
Jacintto Tavares Ferreira, grifo nosso)
C - E quanto aos demais bandidos, opino pela pronuncia dos mesmos em virtude dos
depoimentos testemunhaes afirmarem que eles, quando passaram por este município,
cometeram as depredações, roubos e toda sorte de abusos. (Alegações finais do
Representante do Ministério Público Claudionor Telogio de Andrade, grifo nosso).
Com efeito, resaltam dos depoimentos das testemunhas, tanto do inquérito, como da
formação da culpa, que, no dia 10 de junho de 1927, no logar “Caiçara”, do município de
Pau dos Ferros, os denunciados, chefiados por Lampeão, atacaram inexperadamente o
destacamento do então Te. Napoleão Agra, produzindo na pessoa do soldado José Monteiro
62
de Matos, os ferimentos descritos no auto de exame cadavérico de fls. 29, dos quaes lhe
adveio morte instantânea.
A subtração dos objetos, animais e dinheiro, de que tratam os autos, feitas pelos referidos
denunciados, empregando violência, acha-se igualmente provada dentro dos mesmos
autos. (Julgamento da denúncia feito pelo juiz Januncio Gorgonio da Nobrega, grifo nosso).
No recorte “B”, que faz parte do relatório de conclusão do delegado Jacinto Tavares,
podemos observar que sua posição em relação às queixas prestadas é de que de fato os crimes
foram cometidos por Lampião e seu bando. O delegado não cita diretamente os discursos dos
queixosos, mas fundamenta sua conclusão nos discursos das supostas vítimas, acreditando,
assim, que foram cometidos assaltos e roubos, quando afirma “(...) que esses bandidos
assaltaram e roubaram neste município as propriedades dos citados (...)”, bem como
cometido assassinato, ao afirmar que “esse grupo de bandidos atacou um contingente da
força publica matando o soldado José Monteiro de Mattos”. Por último, o delegado
corrobora com a afirmação dos queixosos de que os bandidos que cometeram os crimes foram
Lampião e seu bando; vejamos: “que essa horda de bandidos era chefiada pelo scelerado
Virgulino Ferreira Lampeão”. Embora o delegado não tenha presenciado o fato, em seu
discurso, utilizando-se exclusivamente dos discursos de outros, assume posições e faz
afirmações, situação essa que revela a voz do outro prevalecendo sobre a voz do próprio
enunciador.
No recorte “C”, o Representante do Ministério Público, argumentando a favor da
procedência da denúncia, usou os depoimentos das testemunhas como fundamentação para
sua defesa: “opino pela pronuncia dos mesmos em virtude dos depoimentos testemunhaes
afirmarem que eles, quando passaram por este município, cometeram as depredações,
roubos e toda sorte de abusos”. Observe-se que a própria construção do discurso da acusação
foi pautada em argumentos que referenciam o outro, o discurso do outro. Neste caso, o
representante do parquet usou as alegações (enunciações) de outras pessoas para fortificar a
sua tese de que os “bandoleiros” deveriam ser pronunciados, por terem as testemunhas
afirmado que foram eles, de fato, os autores dos crimes ocorridos em Vitória.
No recorte “D”, verificamos que o julgamento da denúncia feito pelo Juiz Janúncio
Gorgônio também se fundamenta nos depoimentos testemunhais. Assim como no recorte
anterior e como em toda ação judicial, seja ela de natureza penal ou não, o juiz, no ato da
elaboração de sua sentença usa, como fundamentos de sua decisão, discursos de outras
pessoas - as testemunhas; o próprio discurso legal (aqui nos referimos às disposições legais,
leis, artigos, incisos, jurisprudências, doutrinas); os discursos da defesa e da acusação. Com
base em todos estes agentes incidentes é que o juiz chegará à decisão que considera mais justa
ao caso em questão, cuja decisão revela uma tese construída e defendida dialogicamente.
Sendo assim, é perceptível a presença do outro nos discursos que compõem o processo
criminal contra Lampião e seu bando.
64
sociedade regida pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob a ótica do Direito, precisam
acompanhar o contexto no qual se encontram, no momento de sua aplicação.
Nos discursos jurídicos é comum encontrarmos colocações que nos remetem
imediatamente ao contexto sócio-histórico-ideológico de produção do discurso. Muitos são os
sujeitos que compõem um processo jurídico, de natureza penal ou não, que adequam o seus
discursos ao que possivelmente pode ser aceito pelo auditório naquele momento. Neste caso
há uma preocupação por parte do enunciador de, amoldar a enunciação às “necessidades” do
auditório; o que confirma esse caráter interacionista da linguagem.
Analisemos os recortes para melhor explicitarmos essa discussão.
No recorte “E”, compreendemos que o discurso da testemunha João Porfírio da Silva
apresenta fortes marcas do contexto social, histórico e ideológico em que vive naquele
momento. Percebemos que o referido, em suas colocações, afirma com clareza que “[...]
apesar de não conhecer (incompreensível), sabe no entretanto que o seu costume e de roubar,
matar e deflorar”. Diante dessa afirmativa, constatamos que o discurso dessa testemunha está
diretamente vinculado a sua formação ideológica, que se baseia no contexto social e histórico
da sociedade, em uma época em que o cangaço e as figuras dos cangaceiros representavam
para a sociedade um perigo, digamos, quase irremediável, em virtude da violência com a qual
os cangaceiros se apresentavam à sociedade e suas ardilosas fugas e impenetráveis
esconderijos que marcaram o sertão nordestino. No momento em que a testemunha afirma não
conhecer os “bandidos”, entendemos que suas afirmações, portanto, se basearam, única e
exclusivamente, no que a sociedade da época afirmava sobre quem eram e o que
representavam Lampião e seu bando para a sociedade como um todo.
No recorte “F”, observamos que o discurso do representante do Ministério Público
utiliza o contexto sócio-histórico-ideológico como argumento para fortalecer sua tese de que
de fato foram Lampião e seus comparsas que cometeram os crimes alegados pelas supostas
vítimas. Apoiado-se na ideia aceita pela sociedade de que Lampião era o “terror dos sertões” e
que suas ações criminosas conhecidas em todo o nordeste o qualificam negativamente ao
ponto de justificar a sua autoria nos crimes alegados, o parquet (representante do Ministério
Público) tenta convencer o seu auditório, neste caso, o juiz, de que os cangaceiros devem ser
pronunciados e responder junto à justiça pelos crimes que cometeram.
No recorte “G”, percebemos a presença, no discurso, do contexto sócio-histórico-
ideológico, quando ele é apontado pelo próprio Defensor Público, no momento em que afirma
que “todo e qualquer elemento se aproveitava daquela oportunidade para cometer toda sorte
de roubos, degloriamentos, estupros, violencias brutaes, com a mascara Lampeonesca.
66
• Resultados
Questão 1 Resultado
12
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código,
regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
Com base nos conceitos que constituem todo o aparato teórico, neste trabalho, sobre
uma das principais ferramentas utilizadas para a construção do Direito: a argumentação,
elencaremos as técnicas argumentativas utilizadas pelo Ministério Público e pela Defensoria
Pública, no processo criminal contra Lampião e seu bando, tramitado na Comarca de Pau dos
Ferros/RN.
Para tanto faremos a análise de recortes dos discursos do Ministério Público e da
Defensoria Pública, acusando e defendendo, respectivamente, os imputados: Lampião e seu
bando. Na oportunidade, conheceremos os argumentos levantados pelas partes em defesa de
suas teses em prol da conquista da adesão de seu auditório: o juiz.
3.2.1 Estudo 2
• Da questão 2
Que técnicas argumentativas foram utilizadas pela defesa e pela acusação, no processo
contra Lampião e seu bando, em defesa de suas teses?
• Resposta
pelos crimes tipificados no processo foram, de fato, os acusados, requerendo a pronúncia dos
cangaceiros, com exceção dos bandidos: José Leite de Santana (vulgo Jararaca) e de
Francisco Ramos (vulgo Mormaço), tendo em vista que os mesmos morreram na cidade de
Mossoró, de acordo com certidão e ofício constantes no processo.
Neste mesmo discurso de pedido de pronúncia, o Promotor usa argumentos para
convencer o juiz de que os cangaceiros devem realmente ser pronunciados. Pudemos, então,
observar, que o Promotor de Justiça fez uso de técnicas, consciente ou inconscientemente, na
construção de seus argumentos, para convencimento do juiz.
Identificamos, assim, no texto, os seguintes argumentos tipificados por Perelman e
Tyteca (2005): o argumento a fortiori (argumento baseado na estrutura do real), o argumento
da comparação (argumento quase lógico), o argumento da transitividade (argumento quase
lógico) e o argumento de autoridade (argumento quase lógico).
Sobre as técnicas utilizadas pela defesa, que adotou a tese de negativa de autoria,
identificamos o argumento da retorsão (argumento quase lógico).
Recorte “A”
Sobre o argumento a fortiori
[...] A nossa historia politica, literária, nunca registrou fatos tão horripilantes, como
os que tem praticado Lampeão e o seu grupo. É uma cousa verdadeiramente dolorosa,
que constrange e comove a alma de todos. Lampeão, como é notoriamente, sabido, tem
sido e continua, sendo o terror dos sertões nordestinos, tem sido um verdadeiro
(incompreensível), um fiel da infâmia, da desgraça e da infelicidade, sorrateiro e
levianamente (incompreensível) das famílias sertanejas do nordeste!
A imaginação humana jamais descreveu typos destes maiz, que além de roubar, matar,
deflorar, etc... [...]. (Alegações finais da acusação)
Perelman e Tyteca (2005, p.334), “[...] a simples repetição de um ato pode acarretar, seja uma
simples reconstrução da pessoa, seja uma adesão fortalecida à construção anterior”.
Neste caso, o Promotor, com o argumento a fortiori, que se constitui de acordo com a
construção social da realidade (por isso a classificação desse argumento no grupo dos
argumentos baseados na estrutura do real), retratou Lampião como sendo “um fiel da
infâmia”, “da desgraça” e “da “infelicidade”, “por ter roubado, matado, deflorado, etc...”
como, segundo o Promotor, relatam os fatos da história política e literária do país.
Apesar de o fato, nesse momento, ainda não ser uma realidade comprovada, o
Promotor levou em consideração a opinião geral sobre Lampião e os seus comparsas,
tomando como fundamentação outros fatos e circunstâncias que levam a crer ou que
realmente comprovam ações negativas protagonizadas pelos cangaceiros; e foram essas
atitudes passadas, descritas por opiniões ou verdades, que fez com que o Ministério Público
qualificasse os acusados negativamente, justificando, dessa forma, a sua tese de que os
acusados deveriam ser pronunciados.
Essa é uma estratégia comum utilizada pelos representantes das partes em um processo
criminal em defesa de suas teses e pela própria justiça, como podemos perceber, por exemplo,
nos benefícios que são concedidos a um réu que não tem antecedentes criminais. O próprio
Perelman e Tyteca (2005) cita a necessidade da moral e do direito conhecerem as noções de
pessoas e ato e suas ligações.
Recorte “B”
Sobre o argumento da comparação
O Promotor de Justiça, nesta passagem do texto, faz uma espécie de comparação dos
atos cometidos pelos cangaceiros com os atos cometidos pelos irracionais (animais que não
fazem uso do raciocínio, da razão). Este argumento, como já apresentado, confronta
realidades diferentes para fazer uma espécie de avaliação, uma em relação a outra. Em seu
discurso, no trecho descrito, o representante da acusação usou o argumento da comparação
para desqualificar, ainda mais, as ações cometidas e/ou supostamente cometidas pelos
cangaceiros, haja vista que deixa explícita a superioridade da irracionalidade de Lampião e
70
seu bando, em seus atos, a tal ponto de serem esses atos desaprovados, ou melhor,
condenados até pelos animais ‘irracionais’ (grifo nosso).
Assim, de acordo com o raciocínio do Promotor, alguns atos são comuns entre os
irracionais, mas para o ser humano são considerados atos de crueldade, ou seja, os irracionais
estão acostumados a lidar com situações de maleficência, eles agem friamente, mais até do
que os mais frios homens comuns, e se a ação de um homem comum chegar a ser repugnada
por um irracional, isso quer dizer que tal atitude foi de extrema crueldade, atitude esta que
chega a superar a própria irracionalidade do ser.
Sendo assim, podemos observar o argumento de comparação utilizado pelo Promotor
de Justiça em defesa de sua tese. Este argumento, como podemos verificar, também foi
utilizado para justificar a acusação dos cangaceiros e, consequentemente, o pedido de
pronúncia dos acusados.
Recorte “C”
Sobre o argumento da transitividade
Em quase todos os Estados do nordeste Lampeão está pronunciado, restava no Rio
Grande do Norte. (Alegações finais da acusação)
Recorte “D”
Sobre o argumento de autoridade
E quanto aos demais bandidos, opino pela pronuncia dos mesmos em virtude dos
depoimentos testemunhaes afirmarem que eles, quando passaram por este município,
cometeram as depredações, roubos e toda sorte de abusos (Alegações finais da
acusação).
Recorte “E”
Sobre o argumento de retorsão
Somando se alardiou (incompreensível) a passagem de Lampeão e seu bando, todo e
72
qualquer elemento se aproveitava daquela oportunidade para cometer toda sorte de roubos,
degloriamentos, estupros, violencias brutaes, com a mascara Lampeonesca, quando talvez
Lampeão estivesse muito distante deste estado.
Lampeão, estou certo, tem sido uma vitima dos exploradores do momento, tanto assim, que
a policia em combate renhido que dera na Caiçara não reconhecera os inimigos. Apenas
por suposição e esta não merece prova para uma condenação ou pronuncia (...). (Alegações
finais da defesa).
• Dos resultados
Questão 2 Resultado
Que técnicas argumentativas foram utilizadas
pela acusação, no processo contra Lampião e
seu bando, em defesa de suas teses?
Foram utilizadas as técnicas baseadas na
estrutura do real: com os argumentos de
Sobre as técnicas argumentativas da acusação autoridade e a fortiori e as técnicas de
ligação quase lógicas: com argumentos da
comparação e da transitividade.
Foi identificado o uso de pelo menos uma
Sobre as técnicas argumentativas da defesa técnica, sendo ela de ligação quase lógica:
com o argumento da retorsão.
73
3.3 Os efeitos de sentido sobre o cangaço em processo tramitado na comarca de Pau dos
Ferros/RN
3.3.1 Estudo 3
• Da Questão
Que efeitos de sentido sobre o cangaço emergem dos discursos que compõem o processo?
• Da Resposta
grupo, defendido pelas vítimas, testemunhas e Ministério Público, e outro que qualifica o
cangaço como vítima da sociedade. Vejamos a análise abaixo para melhor fundamentarmos
nossa resposta.
• Da fundamentação
Embora sejam muitos os discursos que trazem em si uma carga de sentido negativo
sobre o fenômeno do cangaço, optamos, porque consideramos importantes para o resultado do
processo, os discursos de uma das testemunhas e do Representante do Ministério Público, os
75
Recorte “C”
O cangaço enquanto vítima da sociedade
Quando no termo de defesa oral eu basiei a defesa dos meus constituintes na negativa do
crime, é porque eu poderia fazer com toda (incompreensível). Somando se alardiou
76
Com base nas alegações finais da Defensoria Pública, apresentadas no recorte “C”,
podemos perceber que o sentido que emerge do discurso da defesa é o de que Lampião e seu
bando, na verdade, estão sendo vítimas da sociedade. Os queixosos e, em momento posterior,
as testemunhas, mesmo sem conhecer as figuras dos cangaceiros com propriedade, somente
de “ouvir dizer”, os apontaram como autores dos crimes acontecidos em Vitória, sendo assim,
aproveitando-se dessa falta de conhecimento dos acusados por parte dos sujeitos que fazem a
acusação, o Defensor Público transmitiu o sentido de que o acusado Lampião - e, portanto, o
grupo que o acompanhava -, não passava de “uma vitima dos exploradores do momento”,
pois muitos se aproveitavam da fama dos cangaceiros para cometerem crimes que,
provavelmente, seriam imputados ao grupo de Lampião.
Entendemos, pois, que o sentido que o Defensor Público atribui ao cangaço,
representado pelo seu chefe maior, Lampião, é o de que esses não passa de uma vítima da
sociedade nordestina da época.
• Dos resultados
Questão 3 Resultado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram muitos e longos os caminhos percorridos para a realização dessa pesquisa, mas
podemos afirmar, de certo, que estamos seguros do cumprimento de nosso dever.
Apresentemos, agora, o porquê dessa afirmação.
Após realizar todo o estudo teórico que embasa nossa pesquisa, recortamos partes do
processo que pudessem responder, então, às questões de pesquisa levantadas, as quais
correspondem a cada objetivo específico traçado.
Ao realizarmos a análise dos recortes, estruturalmente apresentada em forma de
petição inicial, discutimos e apresentamos as respostas às referidas questões.
Em relação à primeira questão, na qual indagamos como se dão as relações dialógicas
em processos judiciais, concluímos que tais relações, entre sujeitos envolvidos nos discursos
que fazem os processos, se dão com a participação do outro e do contexto sócio-histórico-
ideológico, desde o momento em que é impetrada a ação até o seu momento final: a decisão.
Chegamos a esse resultado, porque, ao analisarmos os recortes em nosso corpus, percebemos,
que nas partes retiradas de discursos como: o relatório do delegado, emitido ainda em fase
policial, primeiro procedimento processual criminal, depoimentos testemunhais, que
cronologicamente podemos enquadrá-los nas ações realizadas no meio da tramitação
processual e decisão do juiz, que, como podemos perceber, é o discurso responsável pelo
desfecho do processo, encontramos a participação de outros sujeitos nas construções
discursivas, com a referência direta ou indireta da participação desses sujeitos nos discursos,
além de haver a influência do contexto em que viviam os sujeitos participantes da ação nos
discursos por eles transmitidos.
Sobre a generalidade da questão, em compreender as relações dialógicas dos processos
judiciais como um todo, seja de natureza penal ou não, e não apenas as relações dialógicas do
processo em questão, há a presença do outro, bem como a influência do contexto sócio-
histórico-ideológico, em que se se situam os sujeitos envolvidos nas relações discursivas. São
advogados, promotores de justiça, vítimas, testemunhas, depoentes, réus, fatos, lugares,
contextos e outros que participam efetivamente da construção dos discursos; são vozes que
incidem direta ou indiretamente no discurso de quem fala.
É comum, por exemplo, os advogados e promotores de justiça tomarem como base,
para sustentação de suas teses, os discursos das testemunhas, que, para o direito, podem servir
de prova para suas alegações. Da mesma forma é comum, nos discursos jurídicos, os sujeitos
78
sociedade, este pertence ao discurso da defesa, que, buscando sustentar a sua tese de negação
de autoria do crime, levantou argumentos para fortalecer esse sentido.
Sempre denotando o sentido de que o cangaço é sinônimo de banditismo, a acusação e
as testemunhas, em suas palavras, com base em outros discursos, desqualificaram
contundentemente os cangaceiros. Já a defesa, aproveitando-se da falta de conhecimento das
vítimas e das testemunhas sobre quem de fato era Lampião e os demais que compunham seu
grupo, por afirmarem apenas “por suposição”, defendeu a ideia de que qualquer outra pessoa
poderia ter cometido os crimes, fazendo-se passar por Lampião e seu grupo, quando os
cangaceiros poderiam estar muito longe do Distrito de Vitória, local onde ocorreu o fato.
Assim argumenta que Lampião e seu grupo podem estar sendo, portanto, vítimas de uma
acusação injusta.
Levando em consideração que os objetivos específicos da pesquisa eram: compreender
as relações dialógicas que se manifestam em processos judiciais; identificar e analisar as
técnicas argumentativas utilizadas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, em
processo contra Lampião e seu bando, e verificar os efeitos de sentido atribuídos ao cangaço
no processo criminal em questão, podemos constatar, assim, que todos eles foram alcançados.
No entanto, é decisão nossa não parar; pretendemos aproveitar o corpus da pesquisa para
outros estudos, seja sob a ótica da linguagem seja sob o olhar do Direito, sempre buscando
aprofundar a convergência entre o Direito e a linguagem.
Através dos estudos realizados, constatamos que agir, conscientemente, na construção
dos discursos jurídicos, considerando as relações intersubjetivas e as marcas do contexto
sócio-histórico e ideológico que perpassam essas relações, e compreendendo os efeitos de
sentido que podem ser atribuídos aos discursos e as diferentes possibilidades de sustentar as
suas teses, com argumentos que busquem consolidá-las, traz ao profissional do Direito, nas
diferentes categorias, maior possibilidade de conquistar a adesão do auditório. Dominar com
maestria a linguagem, pela consciência de sua existência enquanto instrumento capaz de
estabelecer vínculos, compromissos, marcas entre os sujeitos e entre estes e suas realidades
objetivas, é condição imprescindível a esses profissionais da área das ciências jurídicas, que
tão intensamente usam a linguagem na sua essência discursiva.
Portanto, hoje, ao vermos esse trabalho concluído, nos sentimos renovados de espírito,
sedentos de conhecimentos e, portanto, estimulados a suscitar novos questionamentos sobre a
cultura do cangaço, o Direito e a Linguagem em estudos futuros.
80
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRAIT, B. Leituras, significações, efeitos de sentido. In: Líbero - Ano VI – Vol. 6 - no. 11.
BRASIL. Código penal dos Estados Unidos do Brasil, decreto 847, de 11 de outubro de
1890.
FERREIRA, A. B. O. Novo dicionário eletrônico aurélio: versão 5.0. 3ª. Ed., 1ª. impressão
da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, 2004 by Regis Ltda.
GREGOLIN, M. R.; BARONAS, R (Org.). Ainda sobre a noção de efeito de sentido. In:
Análise do discurso: as materialidades do sentido. 3 ed. São Carlos, SP: Claraluz, 2007.
MANELI, M. A nova retórica de Perelman: filosofia e metodologia para o século XXI. São
Paulo: Manole, 2004.
MARTINS, S. P. Instituições do direito público e privado. São Paulo: Atlas S.A, 2008.
______. Os limites do discurso: ensaios sobre o discurso e sujeito. São Paulo: Parábola
Editoral, 2009.
ANEXOS
84
ANEXO A
- DENÚNCIA-
Manoel Augusto Abath (Promotor Público)
85
(incompreensível)
O Promotor público da comarca, usando das suas atribuições que lhe (são) conferidas, e,
baseado no inquérito policial e auto de declarações juntos, (vem) perante V. S. offerecer
denuncia contra os bandoleiros Virgolino Ferreira, vulgo Lampeão, Sabino Gomes de Goes,
Antônio Leite, conhecido também por Massilon e Benevides e seus comparsas, Francisco
Ramos, vulgo Mormaço, de 18 anos de idade, solteiro, sem profissão natural e residente no
logar Baxio do Ramos município de Araripe Estado do Ceará, Navieiro, Delfino, primo de
Lampião (incompreensível) no Pajehú, Coqueiro, Ezequiel irmão de Lampião, Luiz Pedro,
Virginio cunhado de Lampião, Mergulhão, natural do Pajehú, José Roque [incomprensível],
Pernambuco, Benedicto, Jatobá, Pinhão da Serra do Matto, Trovão, Miguel, de Cabrobró,
Euclides, Rio-Prêto, Pinga-Fôgo, da Parahyba, Lua-Branca, Pai Velho, Jararaca, natural do
Rio Manço, Antônio Farol, Valatão de Tal, Zé Latão, natural da Bahia, Luiz Sabino, filho de
criação de Sabino Gomes, Casca Grossa, Balão, Portuguez, primo de Jararaca, Relâmpago,
Bemtivi, Manoel Mauricio, João Vinte e Dois Jurema, As de ouro, Candieiro,
(incompreensível), Caiçara, Gato, Palmeira, Manoel Antônio, Cocada, Jurity do município de
Princeza Romeiro, natural do Piauhy, Tenente do Riacho do Navio, Sabiá do Ceará, André
Marinheiro e José Marinheiro Pernambucanos, José Roco, Manoel Leite e outros, pelos factos
criminosos que [incompreensível].
Rol de Testemunhas
Promotor Público
87
ANEXO B
- RELATÓRIO DE CONCLUSÃO –
Jacintto Tavares Ferreira (Delegado)
88
Conclusão
Aos quatro dias do mês de agosto de mil novecentos vinte e sete, nesta cidade de Pau dos
Ferros, de meu cartório, faço estes autos conclusos ao Capitão Jacintto Tavares Ferreira,
muito digno Delegado Especial de Policia destas zonas; do que fiz este termo. Eu, Abílio
Deodato do Nascimento, escrivão, que, o escrevi.
Conclusos
Verifica-se dos presentes autos que no dia 10 de junho ultimo, foi a população deste
município sobresaltada com a incursão inesperada de um numeroso grupo de cangaceiros que
superando em perversidades os antigos (incompreensível) de Attila, depredaram, roubaram e
atentaram contra o recato da família, deixando o terror e a desolação por onde passavam.
Constata-se pelo depoimento das testemunhas de fls a fls, que esses bandidos
assaltaram e roubaram neste município as propriedades dos citados Aprizio Bernardino da
Silva, Vicente Ferreira de Lima, Antonio Roza, Francisco Thomaz de Aquino, José Moyses,
Manuel Ferreira de Lima, João Fernandes da Silva, Manuel José da Silva, Manuel Joaquim de
Queiróz, José Bellarmino da Silva, João Vicente da Silva, Coronel Marcelino Vieira e outros
causando-lhes um prejuiso de muitos contos de reis; que no logar Caiçara esse grupo de
bandidos atacou um contingente da força publica matando o soldado José Monteiro de Mattos
em quem os bandidos (incompreensível) seu ódio, apunhalando-o depois de morto e
esmagando parte da cabeça, conforme se verifica do auto de exame cadavérico de fls; que
essa horda de bandidos era chefiada pelo scelerado Virgulino Ferreira Lampeão tendo por
auxiliares Sabino Gomes de Góes e Antonio Massilon Leite também conhecido por Antonio
Leite e Massilon Benevides e della faziam parte os cangaceiros Navieiro, Delfino, Mormaço,
Ezequiel, Luiz Pedro, Virginio, Valatão, Mergulhão, Coqueiro, José Roque, Felix, Miúdo,
Serra Dumam, José Côco, José Pretinho, Mourão, Benedicto, Jatobá, Alagoano, Pinhão,
Trovão, Miguel, Euclides, Rio Preto, Pinga Fogo, Lua Branca Pae Velho, Antonio Farol,
Jararaca e outros cujos nomes não foi possivel saber; que uma parte da força atacada ia de
automóvel, sendo que dois desses carros ficaram no logar do ataque e foram incendiados
pelos bandidos; que esse grupo seguia montado em animaes que roubara e agia com rapidez,
uma ânsia (vandálica) de praticar o mal.
Os factos narrados pelos queixosos e testemunhas são do dominio publico,
nenhuma (incompreensível) havendo sobre seus autores e, assim:
Considerando que os indiciados commetteram crimes inafiansaveis;
89
ANEXO C
- ALEGAÇÕES FINAIS –
Claudionor Telógio de Andrade (Promotor de Justiça)
91
Justiça!
Pau dos Ferros, 21 de janeiro de (incompreensível)
Claudionor Telogio de Andrade.
92
ANEXO D
- JULGAMETO DA DENÚNCIA -
Janúncio Gorgônio de Nóbrega (Juiz)
93
faço, de vez que consta dos autos a morte dos mesmos, conforme se vê das certidões e
documento de fls. 104 e 105.
Aos denunciados, segundo se observa dos autos, foi, na formação, em acordo com
o art. 279 do Cod. Do Proce. Pen. Do Estado, de 1918, que rege a espécie, dado um defensor,
o qual assistiu a todos os termos do processo.
O escrivão lance os nomes dos réos no rol dos culpados e contra eles expeça os
competentes mandados de prisão.
P. intime-se, e, tornada irrevogável, transcreva-se, depois
do que se remetam os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para quem recorro deste
despacho, na parte em que julguei prescrita a ação, na forma legal – voltem os autos.
S. Miguel, 21 – Dezembro – 933.
ANEXO E
- DEPOIMENTO –
Testemunha João Porfírio da Silva
96
Quarta testemunha: João Porphirio da Silva, de trinta anos de idade, militar, cazado, natural
deste estado, destacado neste povoado, sabendo ler e escrever e aos costumes disse nada,
Testemunha que prestou o compromisso legal e sendo inquirido sobre os factos acima
declarados, disse que no dia dez de junho ultimo sahiu deste povoado fazendo frente da força
commandada pelo tenente Napoleão Agra para socorrer a fazenda Aroeira de José Lopes, que
se soube ter sido atacado por um grande grupo de cangaceiros chefiado por Virgulino Ferreira
Lampeão, Antonio Massilon Leite e Sabino Gomes; que o depoente seguiu a pé e o tenente
Napoleão ficou aguardando carros que vinham de Alexandria para ajudar a levar a força; que
chegada a força a Caiçara, foi ahi alcançada pelo referido official que vinha com os
automoveis e outras praças; que na ocazião em que chegaram os automóveis, uma saraivada
de balas varreu o campo, onde a força se encontrava; que o tenente com as outras praças já
saltou sob forte tiroteio, pois, que, o grupo de cangaceiros viajando a Cavallo já havia
deixado a fazenda Aroeira, vindo pela mesma entrada (incompreensível) a força; que
estabeleceu-se o combate e depois de uma hora de fogo, a força teve de recuar por ter si
exgotado sua munição; que ficaram no campo dois automóveis que não puderam ser retirados
devido a vehemencia do fogo inimmigo; que retirada a força para esta povoação onde veio
intrincheirar-se os cangaceiros ficaram livres no campo e incendiaram os dois automoveis alli
deixados; que esses automóveis pertenciam aos cidadãos Antonio de Almeida e a Antonio
Caetano, residentes em Alexandria e ficaram inteiramente inutilisados; que morreu nesse
combate o soldado José Monteiro de Mattos, notando-se que depois a tiros, na lucta, os
bandidos (incompreensível)-lhe desenas punhaladas, cortaram-lhe uma orelha e lhe
esmagaram-lhe um lado da cabeça, a (incompreensível) de armas; que esse bando de
scelerados, por onde passava, saqueava, depredava e até violentava moças e senhoras; que não
se sabia no momento os nomes dos bandidos que constituiam essa numeroza horda de
malfeitores; depois, porém, foi se sabendo que entre outros, faziam parte os cangaceiros
Mormaço, Ezequiel, Navieiro, Luiz Pedro, Antonio Massilon Leite, também conhecido como
Antonio leite, por Massilon e ainda (incompreensível), por Massilon Benevides, Virginio,
Valatão, Mergulhão, Coqueiro, José Roque, Felipe, Miúdo, que tendo parte no assalto a
Apody, Serra do Uman, José Côco, José Pretinho, Mourão, Jatobá, Alagoano, Trovão, Pinhão,
Rio Preto, Luiz Sabino e mais muitos outros, cujos os nomes não foi possível obter-se; que no
dia seguinte ao combate o tenente Napoleão mandou uma patrulha verificar o que os bandidos
haviam deixado no campo da lucta, e então alli, além do soldado morto já descripto, foi
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ANEXO F
- ALEGAÇÕES FINAIS-
Francisco de Assis Moraes (Defensor)
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Emerito julgador
Quando no termo de defesa oral eu basiei a defesa dos meus constituintes na negativa do
crime, é porque eu poderia fazer com toda (incompreensível). Somando se alardiou
(incompreensível) a passagem de Lampeão e seu bando, todo e qualquer elemento se
aproveitava daquela oportunidade para cometer toda sorte de roubos, degloriamentos,
estupros, violencias brutaes, com a mascara Lampeonesca, quando talvez Lampeão estivesse
muito distante deste estado.
Lampeão, estou certo, tem sido uma vitima dos exploradores do momento, tanto assim, que
a policia em combate renhido que dera na Caiçara não reconhecera os inimigos. Apenas por
suposição e esta não merece prova para uma condenação ou pronuncia, porque destarte nada
merecia os depoimentos testemunhaes, e pela analyse jurídicas dos factos, os autos são o
acento legal e probante da clarividência da prova material dos factos.
Quanto a morte do soldado José Monteiro de Mattos não se poderá provar que fora o
inimigo na luta, de vez que os seis próprios companheiros se devoravam como feras bravias,
na ancia e desejo de fugir do combate. Portanto e antes das considerações acima, prço a V. S.
a impronuncia da denuncia de fls 2, para impronunciar os denunciados por ser de direito e de
justiça.
ANEXO G
- SENTENÇA-
João Afonso da Silva Pordeus (Juiz)
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