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Uma resposta, comumente formulada pela direita conservadora, é de que existe uma captura das
instituições educacionais por uma esquerda que deseja o poder acima de tudo. Uma versão influente,
que foi propagada pelos seguidores de Olavo de Carvalho, é que trata-se do “marxismo cultural”,
derrubando valores ocidentais para implantar o marxismo. Em texto do mesmo nome, Olavo explica
essa ideia:
“Desmentido pelos fatos, o marxismo iria à forra por meio da auto-inversão: em vez de transformar
a condição social para mudar as mentalidades, iria mudar as mentalidades para transformar a
condição social. (…)
Tão vasta foi a propagação dessa influência, que por toda parte a idéia antiga de tolerância já se
converteu na “tolerância libertadora” proposta por Marcuse: “Toda a tolerância para com a
esquerda, nenhuma para com a direita”. Aí aqueles que vetam e boicotam a difusão de idéias que os
desagradam não sentem estar praticando censura: acham-se primores de tolerância democrática.
Por meio do marxismo cultural, toda a cultura transformou-se numa máquina de guerra contra si
mesma, não sobrando espaço para mais nada.” (CARVALHO, Olavo, 2002)
O grande problema dessa visão é que ela exige acreditar em uma conspiração em curso contra os
ditos valores ocidentais, cujo objetivo seja a subversão das bases da sociedade. Isso pressupõe,
primeiro, que você já acredite que os valores conservadores são os melhores para fundamentar a
ordem social, além da escassa evidência de que, mesmo se os soviéticos ou os marxistas
internacionais tivessem um plano para ‘subverter’ valores e tornar mais fácil a revolução em outros
países, que as tendências culturais mais amplas na sociedade ocidental realmente esteja sob controle
de um pequeno grupo com objetivos políticos bem definidos. Marxismo cultural é teoria da
conspiração.
Outra versão, dessa vez vinda da esquerda, é que os acadêmicos tendem a ser de esquerda porque, se
você estuda mais e realmente pesquisa a fundo, você perceberá que a esquerda tem ideias melhores
para a sociedade. Uma previsão disso também é que pessoas de esquerda tendem a ser mais
inteligentes que as pessoas da direita.
De fato, que os auto-identificados como de esquerda tendam a ser mais inteligentes que os auto-
identificados como de direita é confirmado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos
(ressalvando-se que lá a esquerda geralmente não professa o marxismo, mas uma forma de
liberalismo social estatizante, que tende à social-democracia, tanto é que são denominados de
“liberais”), mensurando o Q.I médio de ambos os grupos.
Contudo, Steven Pinker, em seu livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, mostra que a correlação
não ocorre com qualquer ideia de esquerda, mas com aquelas ideias de esquerda que são comuns ao
liberalismo clássico:
“Em primeiro lugar, na medida em que a inteligência está relacionada com a classe social, qualquer
correlação com o liberalismo [leia-se: esquerda política dos EUA], caso não seja estatisticamente
controlada, pode simplesmente refletir os preconceitos políticos da classe média alta. Mas a
restrição decisiva é que a escada rolante da razão prevê apenas que a inteligência se relacionaria
com o liberalismo clássico, que valoriza a autonomia e o bem-estar dos indivíduos acima das
restrições de tribo, autoridade e tradição. Espera-se que a inteligência tenha relação com o
liberalismo clássico porque este é em si uma consequência da intercambialidade de perspectivas que
é inerente à razão enquanto tal. A inteligência não precisa ser correlacionada com outras ideologias
que se amontoam nas coalizões de centro-esquerda contemporâneas, como o populismo, o
socialismo, o politicamente correto, as políticas de identidade e o movimento verde. Na verdade, o
liberalismo clássico é às vezes inerente às facções libertárias e contrárias ao politicamente correto
nas atuais coalizões à direita do centro. Mas no conjunto as pesquisas de Haidt mostram que são as
pessoas que identificam suas políticas com a palavra “liberal” que mais se inclinam a enfatizar a
equidade e a autonomia, virtudes supremas do liberalismo clássico, em detrimento da comunidade,
da autoridade e da pureza. E, conforme vimos no capítulo 7, os autodenominados liberais estão nos
primeiros postos nas questões ligadas à autonomia pessoal, com as posições que eles iniciaram
décadas atrás sendo cada vez mais aceitas pelos conservadores de hoje.
(…) Entre mais de 20 mil jovens adultos que tinham participado do National Longitudinal Study of
Adolescent Health, o QI médio se elevava de modo constante, dos que se identificavam como “muito
conservadores” (94,8) para os que diziam ser “muito liberais” (106,4). A pesquisa General Social
Survey mostra uma correlação semelhante, embora contendo um acréscimo de que a inteligência
acompanha mais de perto o liberalismo clássico que o liberalismo de esquerda. Os entrevistados
mais inteligentes eram menos inclinados a concordar com a afirmação (esquerdista, mas não liberal
clássica) de que o governo tem a responsabilidade de redistribuir a renda dos ricos para os pobres,
enquanto se inclinavam mais a concordar que o governo devia ajudar os negros americanos a
compensar a discriminação histórica que sofreram (uma posição liberal que é especificamente
motivada pelo valor da equidade).” (PINKER, p. )
Portanto, o problema dessa visão é que a correlação não é com ideias de esquerda em geral, mas com
noções mais libertárias de autonomia. Outra questão é que também evidência adicional seria
requerida para sustentá-la.
Mas nós não precisamos nos restringir a essas hipóteses. Principalmente porque o mais importante é
se já temos algum teste sistemático de uma série de hipóteses formuladas em ciência social acerca
disso. Nós já o temos. Ele encontra-se no paper “Why are professors liberal?“, por Neil Gross e
Ethan Fosse.
Antes de explicar o teste produzido no paper, é preciso deixar claro aqui que o questionamento é
porque os professores universitários tendem a ser mais liberais que a população em geral, em
contraposição ao conservadorismo dentro do espectro esquerda-direita nos Estados Unidos. Essa
tendência à esquerda é bem mensurada lá.
Para dar uma perspectiva visual, apresento abaixo um gráfico do pesquisador Adam Bonica, o qual
mediu a tendência pró-esquerda (liberal) e pró-direita (conservador) de uma série de ocupações
profissionais nos Estados Unidos, por intermédio das contribuições financeiras a candidatos
específicos. No caso, o eixo horizontal mede o quão liberais ou conservadores em média são os
candidatos (conforme votos dos mesmos enquanto congressistas) aos quais esse grupo ocupacional
faz doações financeiras, e o eixo vertical mede o quão grande é a doação realizada. Veja que os
“professors” estão bem mais à esquerda do centro do que uma série de outras ocupações:
Para ficar mais claro ao leitor como eles procederam ao teste, irei listar abaixo cada uma das
hipóteses e quais foram os resultados encontrados em relação à hipótese (confirmando-a ou não em
maior ou menor medida), para, depois, descrever a conclusão dos pesquisadores no sentido da
necessidade de uma nova hipótese para dar conta dos resultados, mas que precisa de mais testes.
A hipótese pode ser estendida para dar conta da variação política entre disciplinas e instituições de
ensino, uma vez que estas constroem identidades coletivas e reputações organizacionais não
simplesmente ao redor de imperativos intelectuais e organizacionais, mas também ao redor de
modelos culturais que incluem imagens idealizadas da personalidade intelectual, ou seja, noções
acerca das qualidades e características que fazem de alguém um ótimo acadêmico naquela área
específica. Isso significa que campos cujas imagens de personalidade intelectual sejam mais
inclinadas a incorporar aspectos tendentes à esquerda atrairão mais estudantes inclinados à esquerda,
como no exemplo da sociologia, que veio a ser muito definida como estudo de desigualdades de
classe, raça e gênero. E como instituições de elite buscam atrair aqueles acadêmicos que melhor
incorporem essas imagens idealizadas, terão um corpo docente mais tendente à esquerda.
Quanto à evidência para a hipótese proposta: os dados de seu estudo não fornecem evidência
direta, sendo necessários testes adicionais, mas já existe apoio advindo de evidência produzida em
outros testes. Um estudo encontrou que duas vezes mais estudantes de esquerda do que estudantes de
direita aspiram a completar o doutorado; estudantes conservadores em uma grande universidade
pública, entrevistados, manifestaram não buscar imitar o corpo docente; em estudo sobre a
religiosidade de cientistas acadêmicos em universidades de elite, foi detectado que os altos níveis de
ceticismo religioso não advém da socialização profissional, mas da maior tendência dos céticos
religiosos em tornarem-se cientistas; em uma análise de dados públicos, foi encontrado que
conservadorismo, adesão ao Partido Republicano e identidade evangélica são associados com menor
confiança na educação superior e diminuídas avaliações do prestígio ocupacional dos acadêmicos;
em entrevistas com 66 acadêmicos americanos em seis disciplinas, 81% dos que se identificavam
como de esquerda reportam que suas visões políticas foram formadas enquanto estavam crescendo
ou na universidade, bem antes que interesses de classe associados com o trabalho acadêmico futuro
pudessem plausivelmente exercer alguma influência.
Uma vez descrito esses interessantes resultados, uma coisa me chamou atenção: eles podem ajudar a
testar a hipótese avançada por Julian Sanchez em seu artigo “Why Do Intellectuals Favor
Government Solutions?” (tradução em português aqui), o qual tentou responder o questionamento
trazido por Robert Nozick em seu clássico artigo “Why Do Intellectuals Oppose Capitalism?”. Por
que os setores mais altamente educados e inteligentes das populações ocidentais não acatam uma
visão mais favorável em relação às economias de mercado livre, ao invés favorecendo intervenções
governamentais?
Sanchez discorda do que Nozick sugere que poderia estar por trás disso – os critérios dentro da
academia do que seria melhor (baseados principalmente em alta inteligência verbal) contrastam com
o fato que aqueles com resultados acadêmicos e intelectuais inferiores recebem maiores recompensas
materiais na distribuição de renda produzida por economias de mercado, o que assemelha-se às
noções que enfatizam a disparidade entre educação e renda -, e propõe uma hipótese bem semelhante
àquela de Gross e Fosse: as pessoas que já são mais favoráveis às soluções governamentais para
problemas sociais e econômicos tendem a optar mais pela carreira acadêmica.
Você deve, portanto, esperar um natural efeito de seleção: Aqueles que se sentem de forma decisiva
moralmente motivados a contribuir para a diminuição dos males sociais naturalmente gravitarão em
direção a carreiras que reflitam sua visão sobre como isso é mais bem alcançado. A escolha de uma
carreira como um intelectual bom com as palavras pode, em si mesmo, ser o resultado de uma
crença prévia de que problemas sociais são mais bem abordados por meio de mecanismos que são
mais dependentes de argumento, persuasão e advocacia pública – isto é, mecanismos políticos.
Entretanto, parece igualmente possível que um desejo post hoc de justificar a escolha de tal carreira
possa ter um papel enviesador. Uma pessoa sem gostos materiais extravagantes pode viver de forma
bastante confortável como um acadêmico ou escritor, e o trabalho por si só é muito interessante e
intrinsecamente atraente. Mas empregos intelectuais desse tipo tendem a não deixar alguém com
recursos para devotar grandes quantias de dinheiro para causas beneficentes sem reduzir
significativamente o consumo de pequenos luxos: comer fora, shows, eletrônicos, viagens de férias,
cursos para crianças, etc.
Se o mundo é principalmente melhorado por meio da iniciativa privada, então o percurso mais
correto moralmente disponível para uma pessoa altamente inteligente de gostos materiais
moderados seria seguir uma carreira bem menos interessante por si mesma em negócios ou
finanças, viver um estilo de vida de classe média, e devotar sua riqueza para várias causas boas.
Nesse cenário, no final das contas, o intelectual que pudesse contribuir com milhões para caridade
tal como um financista ou um advogado de alto nível, mas que preferisse ter sua remuneração na
forma de tempo de leitura e de trabalho interessante, não é, obviamente, melhor do ponto de vista
moral que o advogado ou financista real que usa sua remuneração monetária para comprar
prazeres materiais. Ambos estão negando sacrificar satisfação pessoal em prol de ajudar aos outros
– apenas um tem escolhido uma forma de remuneração que não é facilmente tributada e
redistribuída. Se esforços privados são ineficazes ou relativamente desimportantes em comparação
com ação política, entretanto, o intelectual pode ter certeza que ele está satisfazendo suas
obrigações morais ao pagar impostos e escrever persuasivamente em apoio aos remédios políticos
apropriados. (Tradução em língua portuguesa)
Alguns poderiam objetar que Fosse e Gross forneceram evidência que vai contra esse mecanismo: o
mecanismo subjacente não é a maximização de uma preferência politicamente informada, pela qual
pessoas com tendência à esquerda e à direita procurariam características específicas do ambiente de
trabalho que refletissem seus visões de mundo e ideologias políticas, uma vez que não foi encontrada
evidência que uma preferência por trabalho significativo (ou priorização de mais alta renda, em
contraste) explicassem a diferença política entre acadêmicos e não acadêmicos, e, como já referido, a
formação de aspirações educacionais e ocupacionais por pessoas jovens é limitada por circunstâncias
sociais que diminuem o número de opções que elas consideram seriamente para si mesmas. Portanto,
não a teoria da escolha racional, mas a psicologia social da identidade, é que dirige o processo.
Mas deve-se observar que a evidência encontrada não necessariamente desconfirma a hipótese de
Sanchez.
Primeiro, porque o que conta como “trabalho significativo” pode ter diferentes significados para
acadêmicos e não acadêmicos; ambos valorizam isso em proporções parecidas, contudo, o que conta
como “trabalho significativo” pode diferir na maneira proposta por Sanchez.
Segundo, a hipótese de Sanchez é menos geral que a de Fosse e Gross: enquanto estes avaliam a
tendência à esquerda em geral (cujo principal efeito é fornecido pela tendência à esquerda nas
questões sociais) entre acadêmicos em geral, aquele avalia a tendência à esquerda exclusivamente em
questões econômicas, e foca sob um subconjunto dos acadêmicos, que seriam os “intelectuais”,
dentro dos campos das humanidades e das ciências sociais. Esses últimos campos poderiam ser
optados mais por aqueles que favorecem soluções governamentais porque, pelas características
intrínsecas a essas áreas, há mais espaço para discutir, criticar e propor formas de mudar a sociedade,
conforme Sanchez, e o modelo de personalidade intelectual nesses campos envolveria exatamente o
aprofundamento nesse tipo de argumentação e crítica, conforme Fosse e Gross.
Logo, penso que a hipótese de que pessoas já tendentes a alinharem-se com a esquerda optem mais
pela carreira acadêmica, pelos motivos acima discutidos relacionadas à reputação ocupacional e
representações culturais do que seria um acadêmico modelo, seja a real razão pela qual os
acadêmicos sejam mais tendentes à esquerda.
Uma resposta, comumente formulada pela direita conservadora, é de que existe uma captura das
instituições educacionais por uma esquerda que deseja o poder acima de tudo. Uma versão influente,
que foi propagada pelos seguidores de Olavo de Carvalho, é que trata-se do “marxismo cultural”,
derrubando valores ocidentais para implantar o marxismo. Em texto do mesmo nome, Olavo explica
essa ideia:
“Desmentido pelos fatos, o marxismo iria à forra por meio da auto-inversão: em vez de transformar
a condição social para mudar as mentalidades, iria mudar as mentalidades para transformar a
condição social. (…)
Em poucas décadas, o marxismo cultural tornou-se a influência predominante nas universidades, na
mídia, no show business e nos meios editoriais do Ocidente. Seus dogmas macabros, vindo sem o
rótulo de “marxismo”, são imbecilmente aceitos como valores culturais supra-ideológicos pelas
classes empresariais e eclesiásticas cuja destruição é o seu único e incontornável objetivo.
Dificilmente se encontrará hoje um romance, um filme, uma peça de teatro, um livro didático onde
as crenças do marxismo cultural, no mais das vezes não reconhecidas como tais, não estejam
presentes com toda a virulência do seu conteúdo calunioso e perverso.
Tão vasta foi a propagação dessa influência, que por toda parte a idéia antiga de tolerância já se
converteu na “tolerância libertadora” proposta por Marcuse: “Toda a tolerância para com a
esquerda, nenhuma para com a direita”. Aí aqueles que vetam e boicotam a difusão de idéias que os
desagradam não sentem estar praticando censura: acham-se primores de tolerância democrática.
Por meio do marxismo cultural, toda a cultura transformou-se numa máquina de guerra contra si
mesma, não sobrando espaço para mais nada.” (CARVALHO, Olavo, 2002)
O grande problema dessa visão é que ela exige acreditar em uma conspiração em curso contra os
ditos valores ocidentais, cujo objetivo seja a subversão das bases da sociedade. Isso pressupõe,
primeiro, que você já acredite que os valores conservadores são os melhores para fundamentar a
ordem social, além da escassa evidência de que, mesmo se os soviéticos ou os marxistas
internacionais tivessem um plano para ‘subverter’ valores e tornar mais fácil a revolução em outros
países, que as tendências culturais mais amplas na sociedade ocidental realmente esteja sob controle
de um pequeno grupo com objetivos políticos bem definidos. Marxismo cultural é teoria da
conspiração.
Outra versão, dessa vez vinda da esquerda, é que os acadêmicos tendem a ser de esquerda porque, se
você estuda mais e realmente pesquisa a fundo, você perceberá que a esquerda tem ideias melhores
para a sociedade. Uma previsão disso também é que pessoas de esquerda tendem a ser mais
inteligentes que as pessoas da direita.
De fato, que os auto-identificados como de esquerda tendam a ser mais inteligentes que os auto-
identificados como de direita é confirmado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos
(ressalvando-se que lá a esquerda geralmente não professa o marxismo, mas uma forma de
liberalismo social estatizante, que tende à social-democracia, tanto é que são denominados de
“liberais”), mensurando o Q.I médio de ambos os grupos.
Contudo, Steven Pinker, em seu livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, mostra que a correlação
não ocorre com qualquer ideia de esquerda, mas com aquelas ideias de esquerda que são comuns ao
liberalismo clássico:
“Em primeiro lugar, na medida em que a inteligência está relacionada com a classe social, qualquer
correlação com o liberalismo [leia-se: esquerda política dos EUA], caso não seja estatisticamente
controlada, pode simplesmente refletir os preconceitos políticos da classe média alta. Mas a
restrição decisiva é que a escada rolante da razão prevê apenas que a inteligência se relacionaria
com o liberalismo clássico, que valoriza a autonomia e o bem-estar dos indivíduos acima das
restrições de tribo, autoridade e tradição. Espera-se que a inteligência tenha relação com o
liberalismo clássico porque este é em si uma consequência da intercambialidade de perspectivas que
é inerente à razão enquanto tal. A inteligência não precisa ser correlacionada com outras ideologias
que se amontoam nas coalizões de centro-esquerda contemporâneas, como o populismo, o
socialismo, o politicamente correto, as políticas de identidade e o movimento verde. Na verdade, o
liberalismo clássico é às vezes inerente às facções libertárias e contrárias ao politicamente correto
nas atuais coalizões à direita do centro. Mas no conjunto as pesquisas de Haidt mostram que são as
pessoas que identificam suas políticas com a palavra “liberal” que mais se inclinam a enfatizar a
equidade e a autonomia, virtudes supremas do liberalismo clássico, em detrimento da comunidade,
da autoridade e da pureza. E, conforme vimos no capítulo 7, os autodenominados liberais estão nos
primeiros postos nas questões ligadas à autonomia pessoal, com as posições que eles iniciaram
décadas atrás sendo cada vez mais aceitas pelos conservadores de hoje.
(…) Entre mais de 20 mil jovens adultos que tinham participado do National Longitudinal Study of
Adolescent Health, o QI médio se elevava de modo constante, dos que se identificavam como “muito
conservadores” (94,8) para os que diziam ser “muito liberais” (106,4). A pesquisa General Social
Survey mostra uma correlação semelhante, embora contendo um acréscimo de que a inteligência
acompanha mais de perto o liberalismo clássico que o liberalismo de esquerda. Os entrevistados
mais inteligentes eram menos inclinados a concordar com a afirmação (esquerdista, mas não liberal
clássica) de que o governo tem a responsabilidade de redistribuir a renda dos ricos para os pobres,
enquanto se inclinavam mais a concordar que o governo devia ajudar os negros americanos a
compensar a discriminação histórica que sofreram (uma posição liberal que é especificamente
motivada pelo valor da equidade).” (PINKER, p. )
Portanto, o problema dessa visão é que a correlação não é com ideias de esquerda em geral, mas com
noções mais libertárias de autonomia. Outra questão é que também evidência adicional seria
requerida para sustentá-la.
Mas nós não precisamos nos restringir a essas hipóteses. Principalmente porque o mais importante é
se já temos algum teste sistemático de uma série de hipóteses formuladas em ciência social acerca
disso. Nós já o temos. Ele encontra-se no paper “Why are professors liberal?“, por Neil Gross e
Ethan Fosse.
Antes de explicar o teste produzido no paper, é preciso deixar claro aqui que o questionamento é
porque os professores universitários tendem a ser mais liberais que a população em geral, em
contraposição ao conservadorismo dentro do espectro esquerda-direita nos Estados Unidos. Essa
tendência à esquerda é bem mensurada lá.
Para dar uma perspectiva visual, apresento abaixo um gráfico do pesquisador Adam Bonica, o qual
mediu a tendência pró-esquerda (liberal) e pró-direita (conservador) de uma série de ocupações
profissionais nos Estados Unidos, por intermédio das contribuições financeiras a candidatos
específicos. No caso, o eixo horizontal mede o quão liberais ou conservadores em média são os
candidatos (conforme votos dos mesmos enquanto congressistas) aos quais esse grupo ocupacional
faz doações financeiras, e o eixo vertical mede o quão grande é a doação realizada. Veja que os
“professors” estão bem mais à esquerda do centro do que uma série de outras ocupações:
(Imagem originalmente aqui)
Dito isso, o paper de Gross e Fosse analisa uma série de hipóteses já feitas (mas nunca dantes
testadas) sobre o porquê da academia americana ter essa configuração política, sendo que há
evidências de que isso também ocorre em vários outros países.
Para ficar mais claro ao leitor como eles procederam ao teste, irei listar abaixo cada uma das
hipóteses e quais foram os resultados encontrados em relação à hipótese (confirmando-a ou não em
maior ou menor medida), para, depois, descrever a conclusão dos pesquisadores no sentido da
necessidade de uma nova hipótese para dar conta dos resultados, mas que precisa de mais testes.
A hipótese pode ser estendida para dar conta da variação política entre disciplinas e instituições de
ensino, uma vez que estas constroem identidades coletivas e reputações organizacionais não
simplesmente ao redor de imperativos intelectuais e organizacionais, mas também ao redor de
modelos culturais que incluem imagens idealizadas da personalidade intelectual, ou seja, noções
acerca das qualidades e características que fazem de alguém um ótimo acadêmico naquela área
específica. Isso significa que campos cujas imagens de personalidade intelectual sejam mais
inclinadas a incorporar aspectos tendentes à esquerda atrairão mais estudantes inclinados à esquerda,
como no exemplo da sociologia, que veio a ser muito definida como estudo de desigualdades de
classe, raça e gênero. E como instituições de elite buscam atrair aqueles acadêmicos que melhor
incorporem essas imagens idealizadas, terão um corpo docente mais tendente à esquerda.
Quanto à evidência para a hipótese proposta: os dados de seu estudo não fornecem evidência
direta, sendo necessários testes adicionais, mas já existe apoio advindo de evidência produzida em
outros testes. Um estudo encontrou que duas vezes mais estudantes de esquerda do que estudantes de
direita aspiram a completar o doutorado; estudantes conservadores em uma grande universidade
pública, entrevistados, manifestaram não buscar imitar o corpo docente; em estudo sobre a
religiosidade de cientistas acadêmicos em universidades de elite, foi detectado que os altos níveis de
ceticismo religioso não advém da socialização profissional, mas da maior tendência dos céticos
religiosos em tornarem-se cientistas; em uma análise de dados públicos, foi encontrado que
conservadorismo, adesão ao Partido Republicano e identidade evangélica são associados com menor
confiança na educação superior e diminuídas avaliações do prestígio ocupacional dos acadêmicos;
em entrevistas com 66 acadêmicos americanos em seis disciplinas, 81% dos que se identificavam
como de esquerda reportam que suas visões políticas foram formadas enquanto estavam crescendo
ou na universidade, bem antes que interesses de classe associados com o trabalho acadêmico futuro
pudessem plausivelmente exercer alguma influência.
Uma vez descrito esses interessantes resultados, uma coisa me chamou atenção: eles podem ajudar a
testar a hipótese avançada por Julian Sanchez em seu artigo “Why Do Intellectuals Favor
Government Solutions?” (tradução em português aqui), o qual tentou responder o questionamento
trazido por Robert Nozick em seu clássico artigo “Why Do Intellectuals Oppose Capitalism?”. Por
que os setores mais altamente educados e inteligentes das populações ocidentais não acatam uma
visão mais favorável em relação às economias de mercado livre, ao invés favorecendo intervenções
governamentais?
Sanchez discorda do que Nozick sugere que poderia estar por trás disso – os critérios dentro da
academia do que seria melhor (baseados principalmente em alta inteligência verbal) contrastam com
o fato que aqueles com resultados acadêmicos e intelectuais inferiores recebem maiores recompensas
materiais na distribuição de renda produzida por economias de mercado, o que assemelha-se às
noções que enfatizam a disparidade entre educação e renda -, e propõe uma hipótese bem semelhante
àquela de Gross e Fosse: as pessoas que já são mais favoráveis às soluções governamentais para
problemas sociais e econômicos tendem a optar mais pela carreira acadêmica.
O mecanismo proposto por Sanchez, entretanto, é diferente. Transcrevo:
Você deve, portanto, esperar um natural efeito de seleção: Aqueles que se sentem de forma decisiva
moralmente motivados a contribuir para a diminuição dos males sociais naturalmente gravitarão em
direção a carreiras que reflitam sua visão sobre como isso é mais bem alcançado. A escolha de uma
carreira como um intelectual bom com as palavras pode, em si mesmo, ser o resultado de uma
crença prévia de que problemas sociais são mais bem abordados por meio de mecanismos que são
mais dependentes de argumento, persuasão e advocacia pública – isto é, mecanismos políticos.
Entretanto, parece igualmente possível que um desejo post hoc de justificar a escolha de tal carreira
possa ter um papel enviesador. Uma pessoa sem gostos materiais extravagantes pode viver de forma
bastante confortável como um acadêmico ou escritor, e o trabalho por si só é muito interessante e
intrinsecamente atraente. Mas empregos intelectuais desse tipo tendem a não deixar alguém com
recursos para devotar grandes quantias de dinheiro para causas beneficentes sem reduzir
significativamente o consumo de pequenos luxos: comer fora, shows, eletrônicos, viagens de férias,
cursos para crianças, etc.
Se o mundo é principalmente melhorado por meio da iniciativa privada, então o percurso mais
correto moralmente disponível para uma pessoa altamente inteligente de gostos materiais
moderados seria seguir uma carreira bem menos interessante por si mesma em negócios ou
finanças, viver um estilo de vida de classe média, e devotar sua riqueza para várias causas boas.
Nesse cenário, no final das contas, o intelectual que pudesse contribuir com milhões para caridade
tal como um financista ou um advogado de alto nível, mas que preferisse ter sua remuneração na
forma de tempo de leitura e de trabalho interessante, não é, obviamente, melhor do ponto de vista
moral que o advogado ou financista real que usa sua remuneração monetária para comprar
prazeres materiais. Ambos estão negando sacrificar satisfação pessoal em prol de ajudar aos outros
– apenas um tem escolhido uma forma de remuneração que não é facilmente tributada e
redistribuída. Se esforços privados são ineficazes ou relativamente desimportantes em comparação
com ação política, entretanto, o intelectual pode ter certeza que ele está satisfazendo suas
obrigações morais ao pagar impostos e escrever persuasivamente em apoio aos remédios políticos
apropriados. (Tradução em língua portuguesa)
Alguns poderiam objetar que Fosse e Gross forneceram evidência que vai contra esse mecanismo: o
mecanismo subjacente não é a maximização de uma preferência politicamente informada, pela qual
pessoas com tendência à esquerda e à direita procurariam características específicas do ambiente de
trabalho que refletissem seus visões de mundo e ideologias políticas, uma vez que não foi encontrada
evidência que uma preferência por trabalho significativo (ou priorização de mais alta renda, em
contraste) explicassem a diferença política entre acadêmicos e não acadêmicos, e, como já referido, a
formação de aspirações educacionais e ocupacionais por pessoas jovens é limitada por circunstâncias
sociais que diminuem o número de opções que elas consideram seriamente para si mesmas. Portanto,
não a teoria da escolha racional, mas a psicologia social da identidade, é que dirige o processo.
Mas deve-se observar que a evidência encontrada não necessariamente desconfirma a hipótese de
Sanchez.
Primeiro, porque o que conta como “trabalho significativo” pode ter diferentes significados para
acadêmicos e não acadêmicos; ambos valorizam isso em proporções parecidas, contudo, o que conta
como “trabalho significativo” pode diferir na maneira proposta por Sanchez.
Segundo, a hipótese de Sanchez é menos geral que a de Fosse e Gross: enquanto estes avaliam a
tendência à esquerda em geral (cujo principal efeito é fornecido pela tendência à esquerda nas
questões sociais) entre acadêmicos em geral, aquele avalia a tendência à esquerda exclusivamente em
questões econômicas, e foca sob um subconjunto dos acadêmicos, que seriam os “intelectuais”,
dentro dos campos das humanidades e das ciências sociais. Esses últimos campos poderiam ser
optados mais por aqueles que favorecem soluções governamentais porque, pelas características
intrínsecas a essas áreas, há mais espaço para discutir, criticar e propor formas de mudar a sociedade,
conforme Sanchez, e o modelo de personalidade intelectual nesses campos envolveria exatamente o
aprofundamento nesse tipo de argumentação e crítica, conforme Fosse e Gross.
Logo, penso que a hipótese de que pessoas já tendentes a alinharem-se com a esquerda optem mais
pela carreira acadêmica, pelos motivos acima discutidos relacionadas à reputação ocupacional e
representações culturais do que seria um acadêmico modelo, seja a real razão pela qual os
acadêmicos sejam mais tendentes à esquerda.
Por que os intelectuais odeiam
o capitalismo?
por Jesus Huerta de Soto. Artigo publicado originalmente no site do Instituto Mises
Brasil. Para ler o artigo original, clique aqui.
Por que os intelectuais sistematicamente odeiam o capitalismo? Foi essa pergunta que
Bertrand de Jouvenel (1903-1987) fez a si próprio em seu artigo Os intelectuais
europeus e o capitalismo.
Esta postura, na realidade, sempre foi uma constante ao longo da história. Desde
a Grécia antiga, os intelectuais mais distintos — começando por Sócrates, passando por
Platão e incluindo o próprio Aristóteles — viam com receio e desconfiança tudo o que
envolvia atividades mercantis, empresariais, artesanais ou comerciais.
“Por que razão eles agem assim?”, perguntou-se Bertrand de Jouvenel, que em seguida
pôs-se a escrever um artigo explicando as razões pelas quais os intelectuais — no geral e
salvo poucas e honrosas exceções — são sempre contrários ao processo de cooperação
social que ocorre no mercado.
Chegam, inclusive, ao ponto de pensar que sabem mais do que nós mesmos sobre o que
devemos fazer e como devemos agir. Creem genuinamente que estão legitimados a
decidir o que temos de fazer. Riem dos cidadãos de ideias mais simplórias e mais
práticas. É uma ofensa à sua fina sensibilidade assistir à televisão. Abominam anúncios
comerciais. De alguma forma se escandalizam com a falta de cultura (na concepção
deles) de toda a população. E, de seus pedestais, se colocam a pontificar e a criticar tudo
o que fazemos porque se creem moral e intelectualmente acima de tudo e todos.
E, no entanto, como dito, eles sabem muito pouco sobre o mundo real. E isso é um
perigo. Por trás de cada intelectual há um ditador em potencial. Qualquer descuido da
sociedade e tais pessoas cairão na tentação de se arrogarem a si próprias plenos poderes
políticos para impor a toda a população seus peculiares pontos de vista, os quais eles, os
intelectuais, consideram ser os melhores, os mais refinados e os mais cultos.
É justamente por causa desta ignorância, desta arrogância fatal de pensar que sabem
mais do que nós todos, que são mais cultos e refinados, que não devemos estranhar o
fato de que, por trás de cada grande ditador da história, por trás de cada Hitler e Stalin,
sempre houve um corte de intelectuais aduladores que se apressaram e se esforçaram
para lhes conferir base e legitimidade do ponto de vista ideológico, cultural e filosófico.
“Essa é uma sociedade injusta”, prossegue o intelectual. “A nós intelectuais não é pago o
que valemos, ao passo que qualquer ignóbil que se dedica a produzir algo demandado
pelas massas incultas ganha 100 ou 200 vezes mais do que eu”. Ressentimento e inveja.
[…]
Enquanto o homem de negócios tem de dizer que “O cliente sempre tem razão”,
nenhum intelectual aceita este modo de pensar.
E prossegue de Jouvenel:
Dentre todos os bens que são vendidos em busca do lucro, quantos podemos definir
resolutamente como sendo prejudiciais? Por acaso não são muito mais numerosas as
ideias prejudiciais que nós, intelectuais, defendemos e avançamos?
Conclusão