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Ao contrário do que muitos pensam, a moda não foi sempre algo que existiu
guiando a forma de se portar e se vestir da sociedade, mas foi um fenômeno que cresceu
com a escala industrial e se moldou ao que observamos nos últimos séculos. Ela vem
como uma releitura do conceito dos mais renomados estilistas internacionais e se insere
no mercado brasileiro através de peças chave e nichos influenciadores. Temos como
exemplo disso a inserção de calças no guarda-roupa feminino, uma grande quebra de
paradigmas para a época, e que décadas depois nem se cogita que calça seria uma peça
de roupa exclusivamente masculina. O mesmo processo ocorre com ternos, bermudas,
camisas, cada um em um momento, confrontando sutilmente um paradigma em seu
contexto.
Percebo que este existe um ciclo natural da moda: conceitos surgem nas
passarelas e não os compreendemos, são transferidos para o nosso cotidiano em peças
que muitas vezes não nos fazem sentido e portanto logo não apreciamos, em pouco
tempo estaremos buscando a mesma peça que incialmente nos era estranha e
consumindo algo que nos foi lentamente inserido. Em meio a tamanha capacidade
destrutiva que a moda detém, deixamos de perceber possibilidades de discurso e diálogo
usufruindo de todo o poder influenciador em suas mãos. Assim como várias das
tendências foram inseridas e primeiramente refutadas, o mesmo processo ocorre com
discussões sociais pautadas em militâncias. Desta mesma maneira em que tendências
quaisquer surgem, tendências revolucionárias também ocorrem, e lentamente se
desenvolvem ao ponto de quebrarem paradigmas.
Este “loop infinito” parece não haver saída pois cada passo de liberdade
reingressa no mesmo sistema com pequenas mudanças conjunturais. Mas ao mesmo
tempo, é o acumulo destas pequenas mudanças que possibilita grandes rupturas.
Esquecemos, no entanto que o mesmo poder destrutivo tem o igual alcance para
qualquer outro tipo de impacto, e deixamos de perceber oportunidades de desconstrução
de padrões sociais, e não de sistema, que podem ser alcançadas através da mesma
ferramenta.
A grife francesa Christian Loubotin com a coleção The Nude Collection gerou
um debate que estava dormente no universo da moda até então, gerando visibilidade
para questões raciais que pareciam estar resolvidas e foram apontadas de forma
absolutamente delicada e eficaz. Uma grande tendência e “coringa” de muitas coleções
é o bege clarinho batizado de “nude” há décadas. Até então, o mundo caucasiano
eurocêntrico não havia percebido a grande presunção ao batizar um tom muito utilizado
em criações de estilistas de “nude”, ou seja, de cor da pele. Cor da pele de quem?
A coleção que gerou grande visibilidade para uma marca caríssima e de acesso
extremamente restrito à uma elite socioeconômica gerou também grande impacto e
discussão em todas as outras esferas, uma vez que a grife já é uma “formadora de
opinião” há décadas, na qual muitas marcas pequenas e grandes se espelham,
propagando a discussão em milhares de vezes. Na sociedade em que nos encontramos,
dar visibilidade é um ato extremamente político e atípico e o mesmo mecanismo que
mantém modelos brancos em evidência é também capaz de levantar uma discussão
seríssima sobre racismo.
Paralelamente, a discussão sobre a diferenciação de roupas de um gênero para o
outro é retomada por marcas de fast fashion como a C&A e Forever 21 com um alcance
igualmente grande, mas não devido ao seu caráter de referência, mas pelo volume de
vendas e presença mundial, contestando a rigidez de vestuário vinculado ao gênero,
trazendo à tona a discussão de identidade de gênero que por muitos séculos foi, e ainda
é um grande tabu, porém graças à exposição tão grande e súbita sobre o assunto, este
passou a ser discutido e lentamente preconceitos se desmancham.
A militância se ocorre é restrita, sutil e excludente, não sai nas ruas gritando por
suas causas ou arrisca perder muitos clientes chocando o mundo brutamente. Se ela
ocorre, é controlada e em testes, observando o público e fazendo lentas tentativas de
reparo por posições passadas. Ao mesmo tempo que pequenos passos são tomados
adiante milhão são tomados para trás em todos os aspectos de uma cultura industrial e
reforçando todo o sistema prejudicial e excludente em que o mundo da moda se
encontra.
REFERÊNCIAS