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HANS KÜNG
A IGREJA TEM
SALVAÇÃO?
Título do original
Ist die Kirche noch zu retten?
ISBN do original 978-3-492-05457-7
© 2011 Piper Verlag GmbH, München
Direção editorial
Zolferino Tonon
Tradução
Saulo Krieger
Produção editorial
AGWM produções editoriais
Impressão e acabamento
PAULUS
Küng, Hans
A igreja tem salvação? / Hans Küng ; [tradução
Saulo Krieger]. — São Paulo : Paulus, 2012.
ISBN 978-85-349-3392-6
12-08412 CDD-CDD-261.8
Índices para catálogo sistemático:
© PAULUS – 2012
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 – São Paulo (Brasil)
Tel.: (11) 5087-3700 – Fax: (11) 5579-3627
www.paulus.com.br
editorial@paulus.com.br
ISBN 978-85-349-3392-6
Sumário
VI Terapia ecumênica
Medidas de salvação.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
Conclusão:
A visão que persiste. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287
Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
O autor deste livro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
Do mesmo autor – Para conhecer mais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
De como eu me vi
obrigado a escrever...
E
u preferiria não ter escrito este livro. Não é nem um
pouco agradável ter de submeter a minha amada Igreja
a uma crítica tão contundente. E uma crítica, aqui, em forma
de publicação. Com “minha amada Igreja” refiro-me à Igreja
Católica – a maior, a mais poderosa, a mais internacional,
em certo sentido também a mais antiga, cuja história e des-
tino permearam os de todas as outras Igrejas.
Certamente eu preferiria dedicar meu tempo a outras
questões e projetos importantes que urgem e estão presentes
em minha agenda. Mas o curso da restauração tal como se
deu nas últimas três décadas, sob o comando dos papas
Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger, com seus efeitos cruciais,
cada vez mais dramáticos para o ecumenismo cristão, obri-
ga-me a de novo assumir o papel, que tanto me desagrada,
de crítico do papa e de reformador da Igreja, numa ocupa-
ção que não raras vezes tem suplantado aspectos de minhas
obras teológicas, que me seriam mais importantes.
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A grande crise da Igreja
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de vital importância ele acabou se distanciando tanto do
Concílio quanto de grande parte da comunidade ecle
siástica, omitindo-se diante dos casos de abusos sexuais
por parte de clérigos de todo o mundo.
2. E não o precisaria, se os bispos realmente percebessem
a responsabilidade colegial para com a Igreja como um
todo, responsabilidade essa que lhes foi atribuída pelo
Concílio, e a fizessem valer com palavras e ações. Mas,
sob o comando de Wojtyla/Ratzinger, a maioria deles
voltou a se alinhar cegamente às diretrizes do Vatica-
no, sem dar mostras de responsabilidade, nem do perfil
que lhes seria próprio: mesmo suas respostas aos mais
recentes movimentos da Igreja se revelaram hesitantes e
pouco convincentes.
3. E não o precisaria, se, com o mesmo vigor de outrora,
os teólogos, em conjunto e publicamente, tivessem mani-
festado oposição à nova repressão e à influência romana
na escolha dos novos pesquisadores das faculdades e
seminários. Mas a maior parte dos teólogos católicos tem
o justificável medo de críticas que podem ser suscitadas
pelo tratamento imparcial de temas considerados tabu
pela dogmática e pela moral, que os poriam fadados à
censura e à marginalização. Apenas poucos deles ousam
manifestar apoio ao “KirchenVolksBewegung”1 – “Movi-
mento Popular da Igreja” de caráter mundial e reforma-
dor. Tampouco recebem suficiente apoio de teólogos
evangélicos e líderes de Igrejas evangélicas, já que mui-
tos deles veem nas questões relativas à reforma proble-
mas intrinsecamente católicos, e com isso muitos deles
optam pela via pragmática das boas relações com Roma
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em detrimento da liberdade do cristão. Assim como em
outros debates públicos, a teologia propriamente dita
acabou por desempenhar um papel reduzido nas últi-
mas discussões que envolveram as Igrejas católica e não
católicas, e com isso se desperdiçou a oportunidade de
exigir, de maneira decisiva, as reformas necessárias.
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É preciso dizer desde já: sou um teólogo ecumênico e,
de modo algum, fixado na figura do papa. Em Das Chris-
tentum – Wesen und Geschichte [A Igreja Católica] (1994),
pelas mais diversas perspectivas, analisei e apresentei dife-
rentes períodos, paradigmas e confissões da história da
cristandade, e segundo tal abordagem não há como con-
testar que o papado é o elemento central do paradigma
católico romano. Essa Igreja, que em sua origem foi um
ofício de Pedro e cresceu a partir daí, para muitos cristãos
continua a ser uma instituição plena de sentido. Porém,
desde o século XI, cada vez mais tem se tornado um papado
monarquista absoluto, que instaurou seu domínio sobre a
história da Igreja Católica, vindo a produzir as referidas
cisões do ecumenismo. A despeito de todo o retrocesso
político e ocaso cultural, o crescente poder do papado no
interior da Igreja é um marco decisivo na história da Igreja
Católica. Os pontos nevrálgicos da Igreja Católica não são
tanto os problemas da liturgia, da teologia, da religiosidade,
da vida sacerdotal ou da arte, tratando-se, isso sim, de pro-
blemas relativos ao modo como se constitui a Igreja, que
no curso da história da Igreja tradicional recebeu pouca ou
nenhuma elaboração crítica. Esse aspecto, até pelo pendor
ecumênico que apresenta, é o que pretendo abordar aqui
com especial atenção.
Eu e Joseph Ratzinger, atual papa, fomos os mais jovens
conselheiros oficiais do Concílio Vaticano II (1962-1965),
que procurou corrigir alguns pontos cruciais do sistema
romano. Infelizmente, esse propósito se deixou lograr apenas
em parte, em razão da oposição da Cúria Romana. No perío
do pós-concílio, Roma passou cada vez mais a reverter as
iniciativas de renovação, o que nos últimos anos conduziu
a uma irrupção aberta da crescente e ameaçadora enfermi-
dade da Igreja Católica.
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Os escândalos de abuso sexual no clero católico são
apenas o mais recente dos sintomas. Eles assumiram
tamanha magnitude, que em toda e qualquer instituição
de grande porte veio a se instituir uma investigação
aprofundada dos motivos que teriam produzido tragédia
desse tipo. Não foi o que se deu na Cúria Romana e no
episcopado católico. Em primeiro lugar, ela não assumiu
sua parcela de culpa pelo sistemático encobrimento dos
casos. Em segundo, com raras exceções, a Cúria tam-
pouco demonstrou interesse em descobrir as razões
sistêmicas e historicamente mais profundas desse catas-
trófico desvirtuamento.
São a lamentável unilateralidade e a indisposição para
as reformas por parte do atual comando da Igreja que me
levam a demonstrar abertamente a verdade histórica das
origens cristãs das atitudes de esquecimento, dissimulação
e encobrimento que permeiam a Igreja. Ao leitor historica-
mente menos informado, ou para o católico tradicional,
esse esforço pode exercer o efeito de profundo desencanto.
E quem até agora não se viu seriamente confrontado com
as circunstâncias da história por certo ficará alarmado ao
verificar como tudo, em toda parte – e refiro-me aqui às
instituições e constituições eclesiásticas, em especial à
instituição católico-romana do papado –, foi se tornando
“humano, demasiadamente humano”. Porém, isso pode
revelar também um aspecto favorável: essas instituições e
constituições – mesmo e precisamente o papado – são
mutáveis, subjazendo a elas a possibilidade de reforma.
Portanto, o papado não deve ser dissolvido, mas sim reno-
vado no espírito de um ofício de Pedro, dessa feita sob
uma orientação efetivamente bíblica. Ora, o que deve ser
dissolvido é o sistema de comando medieval romano. Minha
“destrutividade” crítica se põe a serviço da “construção”,
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da reforma e da renovação, tudo isso na esperança de que,
no terceiro milênio, a Igreja Católica continue a ser viável,
a despeito de todos os indícios em contrário.
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comunidade cristã, dos teólogos e, assim quero crer, dos
bispos que estejam abertos para o diálogo, com o intuito de
fazer despertar a hierarquia da Igreja Católica, tão ideolo-
gicamente siderada e quase sempre jurídica e financeira-
mente salvaguardada: a patogênese que aqui apresento, essa
elucidação dos caminhos trilhados bem como a tomada de
consciência das consequências da enfermidade de que pa-
dece a Igreja Católica, para não falar da imposição de uma
terapia incômoda, espera não encontrar uma recusa ao
diálogo nem a anteposição de barreiras. Enfim, haverá espe-
rança, ao menos para a Igreja na Alemanha?
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Comitê Central dos Católicos Alemães como parceiro de
diálogo e de cooperação – silenciando completamente em
relação aos milhares de assinaturas a legitimar o mani-
festo “Wir sind Kirche”2, liderado pelo movimento Kirchen-
VolksBewegung e pela “Stimme des Kirchenvolkes”3, uma
organização de caráter independente. Em sua carta de fins
de novembro de 2010, dirigida às comunidades, em momento
algum os bispos conseguiram demonstrar união. Os fiéis
tiveram de esperar até o primeiro semestre de 2011.
Mas esses fiéis recordam-se muito bem de que já houve
iniciativas de diálogo semelhantes – podendo-se incluir
aqui aquelas relacionadas a questionamentos quanto à
nomeação de bispos –, cujo resultado foi, para esse público
católico, uma desilusão, como decepcionantes também
foram os resultados do Sínodo de Würzburg (1971-1975) e
de muitos sínodos de dioceses, devidamente “engavetados”
pela hierarquia, e simplesmente recusados pela Cúria
Romana. Por isso, também hoje muitos católicos suspeitam
que com um “diálogo” a intenção dos bispos seria, mais
do que qualquer outra coisa, exercer pressão para adiar
ainda mais as reformas.
Não menos fundamentada encontra-se a suspeita de que,
como tantas vezes foi o caso, a diplomacia secreta do Vati-
cano teria exercido pressão sobre os bispos alemães – como
já sucedera por ocasião do “diálogo para a Áustria” (1977),
que se iniciara de maneira auspiciosa – para frear o máximo
possível a proposta do diálogo, ou mesmo para abortá-la.
A nova ofensiva para o diálogo por parte do episcopado
alemão seria mais convincente se viesse acompanhada de
decisões relativas a determinadas reformas, com vista nas
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quais já há anos, se não decênios, realizam-se “diálogos”.
Em todo o caso, a intenção dos católicos laicos seria a de
realizar um diálogo que propiciasse resultados concretos,
que eram justamente o temor de muitos bispos.
A indisposição para resultados concretos e reformas é
tanto mais espantosa ante os dados da pesquisa “Comuni-
cação Religiosa 2010”, encomendada pela própria confe-
rência dos bispos: segundo ela, apenas 54% dos católicos
se sentiam ligados à Igreja, dos quais mais de dois terços de
maneira crítica. Em números absolutos, só em 2010, 250 mil
pessoas se desvinculariam da Igreja Católica da Alemanha,
aproximadamente o dobro dos que o tinham feito no ano
anterior; houve também um êxodo para as Igrejas evangé-
licas (dados do sociólogo da religião Michael Ebertz, da
Faculdade Católica de Freiburg).
E, como sempre, eu me disponho ao diálogo e sugiro
aqui uma agenda fundamentada num trabalho teológico
minucioso, que realizei e me consumiu décadas, e numa
experiência sacerdotal, olhos postos num diálogo futuro e
nas decisões que possam advir daí. Há cinquenta anos eu
havia feito algo semelhante, após a convocação do Concílio
Vaticano II, com o livro Konzil und Wiedervereinigung
[“Concílio e reunificação. Renovação como chamado para a
unidade”] (1960). “Agenda” (do latim) deve ser compreendida
não apenas como um caderno de anotações no qual se faça
registrar pro memoria assuntos que deverão ser tratados,
mas sim como um conjunto de tarefas a ser realizadas em
caráter de urgência e mediante um programa de ações. Como
seria bom se, a despeito de todos os obstáculos, este livro
obtivesse êxito semelhante àquele que publiquei cinquenta
anos atrás, que teve suas ousadas propostas efetivamente
implementadas pelo Concílio. E, vale lembrar ainda uma
vez, hoje não necessitamos discussões e reflexões que se
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estendam por anos, mas decisões ousadas e reformas estru-
turais corajosas, das quais há fundamentação detalhada e
formulação clara no último capítulo deste livro.
No entanto, se o “diálogo para o futuro” continuar a se
mostrar estéril, estou convencido de que a referida agenda
se manterá na ordem do dia da Igreja Católica. E exatamente
por isso meus esforços não terão sido em vão.
Tübingen, 1º- de fevereiro de 2010.
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