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De uma maneira generalizada, esta formação multirracial era encarada sob uma ótica
negativa e a sociedade brasileira, sobretudo as elites agrárias, procuravam ignorá-la,
voltando-se para os estereótipos europeus tidos como sinônimos de cultura e
civilização. Os bons instintos e o gosto pela arte manifestados por D. Pedro II, de
acordo com a visão eugênica de Gonzaga Duque, deviam-se não à herança trigueira
de D. Pedro I e de D. Carlota Joaquina, mas, sim, aos olhos azuis de seus ancestrais
Habsburgo transmitidos pela imperatriz Leopoldina:
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Isto que dizer que não houve uma interrupção do nativismo colonial. A busca de
afirmação nacional mirou-se em outros modelos: o indígena e o europeu.
Contraditoriamente, o projeto “civilizatório”, ainda na vaga do Romantismo, vai
utilizar o índio, um ser “selvagem”, como símbolo de ufanismo. Esta incorporação
do indígena ao projeto nacionalista ocorreu por ele materializar a metáfora da
resistência colonial servindo perfeitamente como símbolo máximo de identificação
iconográfica de que o novo Estado Nacional tanto necessitava[7]. No entanto, a
contradição, aliás marca constante de nossas idiossincrasias, persiste no caráter e na
imagem deste índio: na verdade, um ser ambíguo que, apesar de materializar a nova
nação, reveste-se física e espiritualmente de caracteres europeus. Isto quer dizer que
esta imagem-símbolo do Brasil e do homem brasileiro teria que ser “adaptada” e
“retocada” atendendo a dois “senhores”: de um lado, a necessidade de legitimação
pela antigüidade dos donos da terra, e, de outro, a insegurança e os anseios de auto-
afirmação como herdeiros, também, da civilização européia. Esta dualidade, se vista
por outra ótica, talvez não pareça tão contraditória pois, na realidade, o brasileiro
tinha, nas suas origens, um misto de “selvagem” e de “civilizado”.
O índio foi exaltado pelo Romantismo que o “enobreceu” com sentimentos europeus,
sendo incorporado pela literatura e pela arte, ao passo que o negro foi ignorado por
muito tempo. A difusão dos romances indianistas despertou um interesse maior nos
artistas pelos temas originários da literatura nacional, mas, mesmo assim, os tipos
eram idealizados, situando-se num meio-termo para agradar “gregos e troianos”: não
eram evidentemente nem helênicos, nem europeus, mas também não eram totalmente
indígenas. A idealização foi recorrente em quase todos os artistas, desde Vitor
Meireles até Antonio Parreiras que fez, em pleno 1909, uma Iracema alva como uma
européia [Figura 2], com o rosto estrategicamente encoberto pela mão e pelos
cabelos negros, os únicos, aliás, a denunciarem sua etnia.
temática religiosa, nada tinham a ver [...] com um país cujo grosso da
população era de escravos negros. É forçoso reconhecer que estes não
despertavam absolutamente o interesse dos pintores e escultores da
Academia. Não apenas como tema, mas também como modelos não
eram desejados...[9]
Com relação ao negro, a prevenção iconográfica era ainda maior, pois havia as
implicações sociais relacionadas ao trabalho escravo. Suas representações
restringiam-se mais ao interesse pessoal dos artistas estrangeiros, geralmente
viajantes, verdadeiros “cronistas” visuais das particularidades exóticas e étnicas da
antiga colônia. Artistas como Jean-Baptiste Debret, Johann Moritz Rugendas e
muitos outros, impulsionados por um sentimento romântico, interessaram-se pelos
aspectos curiosos de uma terra desconhecida e, tanto o índio quanto o negro
(sobretudo este pela presença constante no cotidiano urbano e rural), associados aos
seus costumes, eram demasiadamente extravagantes para passarem despercebidos. O
mesmo não acontecia com os artistas brasileiros que, em geral, não se interessavam
por esta realidade, parte integrante do dia-a-dia deles, constituindo, talvez, mais uma
vergonha do que motivo de admiração. Mesmo na arte européia havia preconceito
relacionado à representação de indivíduos de classes sociais menos privilegiadas
tendo se desenvolvido, somente a partir do século XVII, um interesse maior pelas
cenas de gênero reproduzindo interiores rústicos, paisagens bucólicas e pessoas
humildes em seus afazeres domésticos. Estes temas a Academia sempre desprezou e
relegou a um plano inferior, só vindo a aceitá-los dois séculos depois, com a
assimilação do Realismo.
A outra ver-tente deste realismo é mais ofensiva às tradições acadêmicas pois seu
protagonista é o homem rústico do interior: o caboclo sertanejo. A repre-sentação do
caboclo significou uma reação ao cosmopolitismo galicista que predo-minava no
litoral, sobretudo no Rio de Janeiro e uma busca por uma maior a-ceitação do tipo
bra-sileiro interiorano, o caipira, verdadeira antítese dos ideais clássicos. Representar
esse brasileiro correspondeu a uma ruptura mais incisiva em relação à hierarquia
temática da Academia. Este pioneirismo coube a Almeida Junior que estudou cerca
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de seis anos na capital francesa (1876-1882) onde foi aluno de Cabanel, o eclético
mestre pompier tão famoso por seus nus mitológicos, figuras históricas e
orientalizantes quanto pelos assuntos realistas. A obra de Almeida Junior,
Derrubador brasileiro [Figura 3], de 1879, que consideramos um verdadeiro
manifesto do Realismo acadêmico brasileiro, foi realizada em Paris e certamente o
artista foi obrigado a recorrer à sua memória para reproduzir o caboclo sertanejo[12].
Marcado por forte conotação nacionalista, este caboclo inzoneiro, a quem não falta
um ar de sensualidade atrevida, é uma tentativa, com bastante êxito, de fazer um
“retrato” realista do homem brasileiro. No entanto, a pose do caboclo e sua inserção
espacial lembram uma academia historiada. Assim como suas feições étnicas devem-
se à memória do artista, sua anatomia indica a sólida formação acadêmica, tanto
brasileira quanto francesa.
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As academias de modelo vivo selecionadas para análise foram realizadas por alunos
da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas Artes. Algumas, foram
elaboradas durante o curso, ou no final, à época dos concursos para Prêmio de
Viagem; outras, no decorrer do pensionato europeu, correspondendo aos chamados
Envios dos Pensionistas; ou ainda por ocasião dos Concursos de Magistério. Os
artistas representam vários momentos do Academismo no Brasil, alguns muito
conhecidos e outros mais obscuros: Jean Léon Pallière Grandjean Ferreira, João
Maximiano Mafra, Francisco Antônio Nery, Vitor Meireles, João Zeferino da Costa,
Rodolfo Amoedo, João Batista da Costa, Eliseu Visconti, Bento Barbosa Junior, José
Fiuza Guimarães, Antônio de Souza Viana, Lucílio de Albuquerque, Augusto Bracet,
Georgina de Albuquerque, Augusto José Marques Junior, Henrique Cavalleiro,
Jurandir dos Reis Paes Leme, Alfredo Galvão e, finalmente, Francisco Horta Barbosa
Bayardo.
A análise será feita respeitando-se uma cronologia, das mais antigas às mais recentes,
abrangendo um espaço de aproximadamente noventa anos, do final da década de
1840 até cerca de 1930. Exemplos de academias de modelo vivo a óleo das décadas
de 1820 e 1830 praticamente não existem. As mais antigas encontradas remontam à
década de 1840 e referem-se a academias historiadas. Desta época não encontramos
academias voltadas exclusivamente para o estudo do nu. A maior parte das
academias desta tipologia que foram preservadas datam das décadas de 1870, 1880,
1890 e do início do século XX, correspondendo, em geral, a envios de pensionistas.
Provavelmente não havia uma preocupação em conservar obras consideradas apenas
como exercícios didáticos. As que subsistiram são quase sempre trabalhos premiados
em concursos, fato que lhes conferia um caráter de obra exemplar. Os envios, por
outro lado, deviam ser resguardados por serem encarados como “documentos” que
deveriam comprovar a produção dos pensionistas no exterior. Apesar destas
limitações e lacunas, tentaremos compor um quadro cronológico que possa
evidenciar as principais mudanças ocorridas no estudo da figura humana naquele
período em questão.
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atingiram o Academismo. Sendo assim, uma análise artística para atingir o objetivo
proposto deverá abranger temática, técnica e forma. Apesar das inter-relações entre
estas três “instâncias”, uma vez que uma complementa a outra, a análise temática
deverá anteceder as demais, passando-se, em seguida, para uma análise conjunta,
técnica e formal, esta última exigindo uma observação mais detida dada a
complexidade dos elementos visuais. De qualquer maneira, sempre que necessário,
trabalharemos paralelamente com as três, sobretudo com a técnica e a formal, em
função das implicações serem muito correlatas.
Por outro lado, como os impasses estéticos, técnicos e formais que permeiam o
Academismo e seu programa metodológico estão fortemente associados a questões
conceituais de clássico e não-clássico, que podem facilmente serem convertidas em
acadêmico e não-acadêmico, para orientar a análise formal, recorreremos a algumas
concepções de Wölfflin. Este teórico trabalhou numa área histórica que compreende a
arte do Renascimento e do Barroco, tendo formulado suas idéias a partir dos famosos
conceitos bipolares das categorias clássico e barroco. O clássico pode ser aplicado
perfeitamente ao ideário acadêmico convencional, que norteou a pintura acadêmica
até o início do século XIX, na França, e que só começou a ser abalado com a
academização das primeiras correntes pré-vanguardistas. A aceitação destas
primeiras vanguardas assinalam, portanto, um processo gradual de
“desacademização” que poderá ser detectado através da categoria barroco, ou, para
ser mais exato, não-clássico, isto é, tudo que vai opor-se aos ideais clássico-
acadêmicos tradicionais. É o que esperamos na “leitura” das academias de modelo
vivo. Passemos a elas!
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2.2- Impregnações neoclássicas: a busca pelo belo ideal e pelos valores estéticos
do Classicismo
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O fato é que a estrutura linear e o desenho sempre foram associados a uma postura
racional e justamente por isso é que o Classicismo e o Academismo deram tanta
ênfase ao seu estudo. Também não foi por acaso que as obras dos grandes mestres do
desenho como Rafael e Ingres, foram tão utilizadas como “material didático” pela
metodologia acadêmica da cópia[28]. A supervalorização do desenho está interligada
também a um aspecto técnico, muito característico do Neoclassicismo e que pode ser
notado nas obras de Nery e Pallière: a superfície pictórica é perfeitamente lisa, sem
nenhuma textura. Isto era obtido através de uma tinta de pasta magra, aplicada em
camadas sobrepostas, com pincéis de cerdas finíssimas. Outra questão ligada à
técnica refere-se ao colorido sutil, com um leve sfumato, cujas tonalidades são
produzidas cuidadosamente na paleta através da mistura física das tintas para dar a
ilusão de matéria. Esta preocupação ilusionista em reproduzir mimeticamente a
natureza sempre fora uma constante no Classicismo. Nas academias de Nery e
Pallière, a presença marcante do desenho convive perfeitamente com as concepções
técnicas de claro-escuro e sfumato, também de natureza clássica, produzindo uma
iluminação clara, distribuída uniformemente, para permitir que todas as formas
possam ser visualizadas com “clareza absoluta”. O sfumato suave, defendido e
estudado cientificamente por Leonardo da Vinci, é o recurso técnico que possibilita
não só a ilusão de volume, mas também de profundidade.
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Mafra representou Caim, ou, para ser mais exato, reproduziu o modelo “montado”
pela banca de professores do concurso, no momento seguinte ao crime, quando ele,
desesperado, ouve a maldição: o olhar arregalado e a mão agarrada aos cabelos
pretendem transmitir um misto de arrependimento, desespero e dor. No concurso de
Amoedo, o modelo representa exatamente o instante que antecede ao crime, isto é,
Abel rendendo homenagens a Deus a quem oferece o sacrifício de
seu trabalho: a inocente ovelha imolada sobre o altar de pedra. Ao fundo, bem
distante, Caim faz igualmente sua oferta parecendo já ter percebido o desagrado
divino. Em ambas as obras as figuras perdem totalmente a placidez e a serenidade
clássicas e assumem atitudes teatrais, procurando externar a emoção que estão
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O São João Batista no cárcere, de Vitor Meireles e o São João Batista, de Zeferino
da Costa, são bem menos dramáticos que os anteriores apesar deste santo ter
protagonizado um episódio trágico, representado posteriormente por aquele artista
em sua Degolação de são João Batista. O São João de Vitor, apesar de aprisionado,
transmite paz e resignação. A atitude posada, recostado “comodamente” em degraus
de pedra, ou melhor, cubos de madeira convertidos em blocos pétreos, denuncia uma
antinaturalidade bastante “maneirista”, acentuada pelo alongamento ondulante do
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corpo. A sombra projetada sobre as pernas parece ter tido a intenção de atenuar esta
“incorreção”. A distribuição do corpo na diagonal cria um eixo oblíquo, solução que
rompe com a clássica estruturação centrípeta. Esta linha de força é ritmada por
diagonais menos determinantes, sugeridas pelos braços, pelo cajado, pelo
panejamento e pela delimitação da sombra sobre o piso. A despeito da
desproporcionalidade longilínea, a anatomia é bastante superior à do Lavrador, de
Nery. No entanto, ainda apresenta problemas de representação: o tronco e os braços
revelam saber anatômico, mas os quadris e as pernas não têm a mesma qualidade. A
torção do tronco, bem como as formas curvilíneas dos quadris e das pernas conferem
uma sensualidade que não combina com a santidade emanada do rosto. O desenho
preciso, tanto da figura quanto do fundo arquitetônico, já denunciam o futuro Vitor.
O São João Batista de Zeferino não é o São João preso, nem muito menos decapitado,
e sim à época de seu retiro no deserto quando vestia-se com peles de animais e
alimentava-se de gafanhotos. Na verdade, é uma alegoria simbólica do santo, como
tradicionalmente é “retratado”, segurando o conhecido cajado-estandarte. Assim
como o Abel, a figura do modelo de São João, apesar de solidamente empostado com
um eixo central, acaba dividindo a composição obliquamente, numa diagonal que
parte do canto superior esquerdo ao inferior direito, tendo, no entanto, bem menos
ímpeto do que a do quadro de Amoedo. Por outro lado, assim como Caim, a figura
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posa artificialmente, tentando exprimir emoção através do braço que se ergue para o
alto e que se equilibra com a perna que avança comedidamente. Ao contrário de
Caim, de Abel e do São João encarcerado, que evitam olhar diretamente o
observador, o de Zeferino retrai-se abaixando a cabeça e cerrando os olhos,
transmitindo transcendência e introspecção. O estandarte, ligeiramente na diagonal,
equilibra-se, assimetricamente, com o braço erguido, ao passo que a estabilidade das
pernas é contrabalançada pela estrutura discretamente oblíqua. A mão que se eleva
numa afetação meio “maneirista”, também possui algo de teatral, como Caim e Abel.
No entanto, esta afetação da mão compatibiliza-se perfeitamente com a “poética” de
Alberti e dos Carracci, sincronizando-se com a missão anunciadora do santo que
parece estar indicando o Cristo, conforme a inscrição da faixa de seu cajado: “Ecce
Agnus Dei”.
A anatomia das quatro figuras é mais fiel que a das academias neoclássicas,
analisadas anteriormente, sobretudo em relação ao Lavrador de Nery. No entanto, o
nu de Caim ainda tem certa artificialidade de “estátua”, e isto não só por um
resquício de idealização, mas também pela prática “viciada” da cópia de moldagem
de gesso, visível na carnação marmórea, denunciando, também, a formação de Mafra,
anterior à Reforma promovida por Porto-Alegre. A artificialidade de estátua do
Caim, por outro “ângulo”, é um resíduo nítido do Classicismo repetindo a pose em
báscula - perna direita firme e esquerda fletida - solução do Doríforo e do
Diadúmeno, de Policleto, bem como do Apolo de Belvedere, de Leócares. Esta
posição, conhecida também como contraponto e largamente utilizada no
Renascimento, foi criada exatamente para passar a idéia de um equilíbrio perfeito: a
flexão da perna provoca uma leve torção do quadril que se contrapõe a um ligeiro
desnível do ombro e da cabeça. No caso da figura de Caim, esta concepção clássica
está presente somente na parte inferior do corpo, brigando, dialeticamente, com a
tensão dos braços que escapam do equilíbrio perfeito. A gestualidade teatral, mais
evidente em Caim e Abel, além de revelar influxos românticos, apesar da falta de
naturalidade, não é totalmente desconhecida do Classicismo-Academismo, tendo sido
muito explorada pelos neoclássicos do final do século XVIII, cujas contaminações
românticas manifestavam-se também neste gestual eloqüente, claramente visível em
David e vários outros. O braço direito do Caim, cuja flexão forma um triângulo com
o rosto e o ombro, possui problemas tanto de escorço quanto de proporção se o
compararmos com o esquerdo.
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influência em toda Europa, até na Itália, berço do Academismo, mas nem por isso
imune ao Romantismo acadêmico francês. Embora estivesse num patamar
avançadíssimo em termos de técnica, como demonstra a academia de Zeferino,
resultado de sua “especialização” na San Luca, o ensino acadêmico italiano gerara o
romântico Minardi, professor de Mariani que, por sua vez, foi mestre do nosso
Zeferino.
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Apesar de algumas destas obras já terem uma ligeira textura e pinceladas mais soltas
e luminosas como no Menino, de Galvão, ainda predomina nesta tendência realista o
acabamento liso e espalhado. Os fundos geralmente são difusos, com um aspecto de
inacabado, como ocorre nas academias de Visconti, e não têm o mesmo tratamento
dispensado à figura. Alguns mesclam um empastamento meio “impressionista” e
mesmo uma individualidade nas pinceladas, como acontece nos envios de Visconti.
Isto foi freqüente em vários pintores franceses de tendências realistas como Renoir e
Degas, que combinavam a temática social a uma fatura mais livre, próxima da
impressionista apesar de não empregarem a mistura ótica de cores, pelo menos não
de maneira plena. Outro aspecto relacionado à técnica e à construção de fundos e
entornos, refere-se à preocupação, em algumas destas academias, de conjugar aos
estudos de figura humana pesquisas de texturas físicas relacionadas à adição de
corpos de materiais diferentes como panejamentos, tapeçarias, moldagens de gesso,
vasos de porcelana e até os próprios cubos onde se sentam os modelos. Podemos
constatar isso nos Nu masculino de costas e Nu de Menino, de Batista da Costa; no
Menino tirando espinho do pé, de Bento Barbosa; no Nu masculino, de Marques
Junior; no Nu masculino de costas, de Paes Leme; no Nu masculino sentado, de
Bayardo, e, enfim, no Nu feminino, de Bracet. Em alguns destes, há uma tendência
em criar uma espécie de ambientação intimista para o modelo, mal comparando,
quase como se fosse uma academia historiada. No entanto, sem preocupação
narrativa e sim com intenção decorativa, explorando-se, também, os contrastes das
carnações com o colorido daqueles elementos.
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Nestas academias, as áreas sombrias deixam de ser muito escuras, como eram
tradicionalmente concebidas. O preto praticamente desaparece e as sombras ficam
mais luminosas e coloridas. Os artistas passam a interessar-se mais, não
propriamente pelos efeitos do sol nas cores, mas, por tratar-se de obras de ateliê,
diríamos que há uma preocupação em pesquisar os contrastes de luz sobre o modelo,
oposta, contudo, à maneira convencional, inclusive em relação àquele sfumato sutil,
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que desaparece. Aliás, o modelado sutil, tanto das cores quanto do claro-escuro, já
tendia a desaparecer nas academias “realistas”. Agora as cores e sombras são
construídas por meio de pinceladas bruscas, sem preocupação com o tradicional
modelado. As mudanças relativas à iluminação podem ser percebidas no Nu
masculino de costas [Figura 23] e no Nu feminino [Figura 26], também de costas, de
Visconti. Os corpos, sobretudo no primeiro caso, apresentam-se praticamente imersos
na sombra, contra o fundo luminoso do estúdio, visto numa perspectiva mais
profunda, o que também não ocorria nos trabalhos anteriores. No Nu masculino de
costas, aparece, no alto, uma espécie de clarabóia de vidro, provavelmente a principal
fonte de luz desta figura. De qualquer forma, as sombras destas academias não são
mais produzidas conforme a tradição, mas sim à maneira impressionista, com
reflexos coloridos. O Nu masculino de frente [Figura 24], também de Visconti,
repete esta solução, talvez com um pouco menos de intensidade. Ao contrário, o
modelo foi iluminado contra o fundo escuro do ateliê. As áreas de luz foram
salientadas com pinceladas mais claras e luminosas, ao passo que, nas sombras,
destacam-se toques de cor: azuis, róseos e violáceos. Nestas três obras de Visconti, a
profundidade dos fundos foi explorada também para dar um aspecto de desfocado, ou
seja, um non finito trabalhado com pinceladas mais diluídas e aplicadas de maneira
bem mais livre.
Por outro lado, temos que frisar a dependência do Academismo brasileiro, ou, mais
exatamente, da pintura acadêmica, em relação ao seu modelo conceitual e
metodológico, o Academismo francês, visível desde o processo de importação,
passando pela consolidação, até atingir esta fase que acabamos de abordar referente à
academização das primeiras vanguardas. Isto corresponde, grosso modo, a um
processo inverso, de “desacademização”, livrando-se o nosso Academismo
gradualmente da tradicional metodologia de ensino, calcada solidamente no estudo da
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Para finalizar, gostaríamos ainda de observar que, neste mesmo quadro de influência
francesa, a academização das primeiras rupturas teve outro aspecto ligado à sua
“progenitora” conceitual. Estamos nos referindo à pluralidade de caminhos que os
artistas da transição do século XIX para o XX assumiram, bem à maneira da Beaux-
Arts, com a diferença de que, aqui no Brasil, o ecletismo acadêmico não conviveu
com as vanguardas fovistas, expressionistas e cubistas, como em Paris. Este
Academismo eclético, que nos remete, mais uma vez, às suas origens carraccianas,
pode ser percebido nas obras de Amoedo, Henrique Bernardelli, Belmiro, Brocos,
Visconti, Parreiras e outros que mesclaram tendências românticas, realistas,
impressionistas, pontilhistas, simbolistas, pré-rafaelitas, art-nouveau... Destas, as
que passaram pela Academia Imperial e pela Escola Nacional de Belas Artes ficaram
plasmadas nas suas obras de bastidores, isto é, nas academias de modelo vivo
realizadas nas aulas de pintura ou nos concursos, razão de ser do Academismo e
verdadeiro parâmetro de estudo de todo o seu ciclo, da gênese ao esvaziamento, tanto
na matriz francesa quanto na sua projeção brasileira.
Referências Bibliográficas
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* Versão adaptada do Capítulo 7 de SÁ, Ivan Coelho de. Academias de modelo vivo e bastidores da
pintura acadêmica brasileira: a metodologia de ensino do desenho e da figura humana na matriz
francesa e a sua adaptação no Brasil do século XIX e início do século XX. Rio de Janeiro: Programa de
pós-graduação em Artes Visuais, UFRJ, 2004, pp.381sg (Tese de Doutorado).
[1] CHIARELLI, Tadeu. Introdução. In: DUQUE, Gonzaga. A Arte Brasileira. Campinas: Mercado de
Letras. 1995, p.26-27.
[3] DUQUE, Gonzaga. Contemporâneos (Pintores e Escultores). Rio de Janeiro: Typografia Benedicto
de Souza, 1929, p.252.
[5] Esta cadeira, criada pela Reforma de 1863, foi ministrada por ele durante mais de vinte anos (1864-
1886).
[6] ZÍLIO, Carlos. A querela do Brasil. Rio de Janeiro: Funarte, 1982, s/p.
[7] O governo republicano aboliu a imagem do índio como representativo da nação, como havia sido
concebido pelo Império e adotou a iconografia tradicional da república divulgada pela França e que era
materializada por uma figura feminina, à grega, coroada pelo barrete frígio. Cobertura de lã vermelha
usada pelos antigos habitantes da Frígia, na Ásia Menor, mais tarde foi utilizada pelos escravos libertos.
Na França revolucionária foi adotada como símbolo de liberdade.
[8] SCHWARCZ, L.M. As Barbas do Imperador - D. Pedro II, um Monarca nos Trópicos. São Paulo:
Editora: Companhia das Letras, 1998, p.148.
[11] MARQUES, Luiz. 30 Mestres da pintura no Brasil. 30 anos Credicard. São Paulo: MASP, 2001,
p.39-40.
[12] A propósito, e coincidentemente, outra obra emblemática da pintura nacionalista, A negra, de Tarsila
do Amaral, foi elaborada também em Paris (1923), sintetizando as memórias de infância e as influências
cubistas européias.
[13] MIGLIACCIO, Luciano. O Século XIX. Catálogo da Mostra do Redescobrimento, São Paulo:
Associação 500 Anos Artes Visuais, 2000, p.142 (grifo nosso).
[15] Poeta grego dos séculos VIII e IX a.C., ao qual é atribuída a Teogonia.
[16] O poeta latino Virgílio (70-19 a.C.) inspirou-se nesta obra para fazer seu poema Geórgicas, que quer
dizer Os trabalhos da terra.
[18] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia Limitada. 1952,
v.28. p.519.
[19] Ao contrário da clâmide - capa solta, presa ao ombro direito - a exômide vestia mais e consistia
numa espécie de túnica curta, de um só ombro e amarrada na cintura.
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19/11/2018 19&20 - O Processo de “Desacademização” através dos Estudos de Modelo Vivo na Academia/Escola de Belas Artes do Rio de J…
[21] WÖLFFLIN, Heinrich. As razões da transformação estilística. In: _____. Renascimento e Barroco.
São Paulo: Perpectiva. 1989, p.93.
[22] BORNHEIM, Gerd. Introdução à leitura de Winckelmann. Gávea - Revista de História da Arte e
Arquitetura , n,8. Rio de Janeiro: PUC. 1996, p.71.
[25] WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte. São Paulo: Martins Fontes.
1989, p.21.
[28] O Museu D. João VI possui uma Virgem de Foligno, copiada pelo próprio Pallière de um original de
Rafael, durante seu pensionato europeu.
[30] Teve como concorrentes Vitor Meireles, recém-formado no curso da Academia e Prêmio de Viagem
no ano seguinte (1852); Francisco Antonio Nery, Prêmio de Viagem de 1848 com obra analisada no item
anterior; e ainda Joaquim da Rocha Fragoso, Francisco de Sousa Lobo, Poluceno Pereira da Silva Manuel
e Antonio Pereira de Aguiar.
[31] SCHIAVO, José. Dicionário de Personagens Bíblicos: Antigo e Novo Testamento. Rio de
Janeiro: Editora Tecnoprint. s/d. p.24-25 e 65-66.
[36] Decreto 1603, de 14-05-1855. Estatutos da Academia das Belas Artes. Título V, Seção I, p. 405.
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