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ICONOGRAFIA, IMAGINÁRIO E EXPANSÃO MARÍTIMA:...

Iconografia, imaginário e expansão marítima:


elementos para a reflexão sobre o
ensino de história

Thais Nivia de Lima e Fonseca


Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutora pela Universidade de
Lisboa, Portugal. Professora do Departamento de Educação e do Programa de Pós-graduação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Autora de, entre outros livros, História & Ensino. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003. thais@fae.ufmg.br

RESUMO
A proposta do texto é discutir a questão do imaginário dos descobrimentos presente em
fontes iconográficas no ensino de história. Neste sentido, aborda viagens marítimas e as
apropriações feitas pelo ensino de história mediadas pelos livros didáticos e outros
mecanismos como o vídeo e a internet.
PALAVRAS-CHAVE: iconografia; imaginário; expansão marítima.

ABSTRACT
The proposal of the text is to discuss the imaginary of discoveries presented in iconographic
documents used to teach history. This way, it focuses maritime journeys and the appropriations
made by history teaching, mediated by didactic books and other mechanisms as video and
internet.
KEY WORDS: iconography; imaginary; maritime expansion.

DOMÍNIOS DA IMAGEM, LONDRINA, ANO I, N. 1, P. 163-172, NOV. 2007 163


THAIS NÍVIA DE LIMA E FONSECA

Iconografia, imaginário e expansão marítima:


elementos para a reflexão sobre o ensino de história

A historiografia contemporânea tem poder. Não se pode esquecer, ainda, de seu


valorizado substancialmente a iconografia, poder de persuasão, de presentificação e de
retirando-a do âmbito quase exclusivo da perpetuação de determinadas
História da Arte, no qual ela ficou encerrada representações, “propriedades” muito
durante muito tempo, e a História Cultural acentuadas quando se trata da difusão de
tem sido o campo privilegiado, mas não único, imagens pelo ensino.
para a sua farta utilização como fonte de Tratar da questão do imaginário dos
pesquisa. Não necessariamente como efeito descobrimentos presente em fontes
dessa situação, mas estimulado por ela, o iconográficas, no ensino de História, implica
ensino de História está cada vez mais numa dupla abordagem: a do imaginário
familiarizado com o uso das imagens. Na construído pelos europeus e presente no
verdade, há muito tempo, desde quando elas momento das viagens marítimas dos séculos
passaram a integrar o material predominante XV e XVI e a do imaginário reapropriado e
nas aulas de História por meio dos livros perpetuado, entre outros mecanismos, por
didáticos. Eles são, sem dúvida, o principal este ensino, com a mediação dos livros
suporte de circulação de documentos didáticos e de outros mecanismos, como o
iconográficos na escola, e isso desde o século vídeo e a internet. A desconstrução de toda
XIX, quando já se registrava a preocupação essa arquitetura é uma operação possível na
com a utilidade das imagens para o ensino pesquisa sobre o ensino de História praticado
de História. e sobre a história deste mesmo ensino.
Atualmente, além dos efeitos de uma Assim, por meio desta temática, procurarei
historiografia atenta aos novos objetos, às indicar algumas possibilidades investigativas
novas abordagens e à diversidade de fontes, e também didáticas, considerando o ensino
a proliferação da comunicação visual em suas de História no Brasil num período de
mais diversas modalidades impõe a reflexão intensificação da incorporação de imagens
sobre a produção, as apropriações e o nos livros didáticos, como foi a década de
significado das imagens nas sociedades 1990, momento também marcado pela
humanas em várias épocas. Expressão e busca do estreitamento entre a produção
testemunho dos universos culturais nos quais historiográfica mais recente e o ensino de
estão inseridas, as imagens, analisadas História. Mas ouso também pequenas incursões
histórica e culturalmente, são fundamentais a outros momentos do século XX. Como recurso
para a compreensão dos modos de viver e analítico, procuro perceber a presença e funções
dos sistemas de valores de indivíduos e de da imagem neste ensino por meio da sua análise
coletividades, de suas relações sociais e de na perspectiva do imaginário.

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Os descobrimentos portugueses tiveram Priore, “para nossos antepassados os monstros


seu perfil cultural marcado por crenças e não eram uma representação, e sim um fato”
valores que pareciam pouco condizentes com (DEL PRIORE, 2000, p.15). Isso torna ainda
o avanço técnico e científico tão propalado mais significativa a presença de tal discussão
como condição primordial para a realização no ensino de História, uma vez que é um
da empresa marítima. A historiografia caminho para a reflexão acerca da cultura,
tradicional, tanto em Portugal quanto no Brasil, do tempo, da alteridade e da relativização
sempre procurou enfatizar a face “moderna” histórica.
do Portugal quatrocentista, em tudo pioneiro A convivência das populações européias
diante de seus vizinhos europeus, e afastado com esses elementos do fantástico e do
do feudalismo clássico, de natureza maravilhoso não era, portanto, incomum. Se
estagnadora. Um exame mais acurado, o medo do oceano e a construção de suas
contudo, aponta para a presença marcante representações monstruosas esteve, a
do imaginário de herança medieval nas princípio, ligado às invasões, pelo mar, de
viagens portuguesas do século XV, a impor povos não cristãos na Alta Idade Média, a
dificuldades que pouco tinham a ver com retomada cristã dos territórios ocupados levou
problemas técnicos. Estes nem sempre à “cristianização do mar” (KRUS, 1998, p.
conseguiam superar as crenças, já muito 99). Ao mesmo tempo em que crescia a
conhecidas, sobre a natureza fantástica e devoção a santos navegadores, o mar
perigosa do “mar oceano”, habitado por seres passava a ser também rota para o Paraíso e
fantásticos de toda espécie, movido por clima os templos cristãos ostentavam pinturas e
hostil, repleto de armadilhas que ameaçavam esculturas com temas marinhos, inclusive
o retorno seguro dos viajantes. Considerando- aqueles saídos do bestiário clássico, como
se que o imaginário é reconhecido sereias e tritões. Além disso, a propagação
socialmente e percebido subjetivamente, desse imaginário se fazia, também, pela
dotado de existência histórica efetiva, não se difusão dos relatos e descrições de viagens,
pode tratá-lo como irreal, fantasioso ou orais e escritos, reforçados estes últimos pelas
ilusório, sob pena de cometermos o mesmo imagens publicadas nos livros e bastante
deslize atribuído à historiografia tradicional, difundidas, como Les secrets de l’histoire
segura da idéia de progresso, de civilização e naturelle, de Charles d’Angoulême (sec. XV);
de verdade, rígida em sua visão do tempo Livre des Merveilles, de Odoric de Pordenone
linear, que não admite a coexistência de (sec.XIV); La manière et les faitures des
tempos e ritmos diferentes. Perceber o monstres (sec.XIV).
imaginário como uma vivência histórica As referências imaginárias acompanhavam
concreta a fazer sentido para os homens do os navegadores, numa mobilidade tal que
seu tempo é condição para que se possa permitia o aparecimento do reino das amazonas
compreender como era possível, para na África e na América, deslocavam o Paraíso
navegadores, governantes, cosmógrafos e terrestre da Ásia também para a América,
cartógrafos, crer nas possibilidades científicas forçando adaptações à realidade que
da realização de viagens marítimas de longa certamente colaboraram para dar maior
distância e ao mesmo tempo esperar longevidade às imagens há muito construídas
encontrar monstros e seres fantásticos em sobre o maravilhoso. O reino do Preste João
suas jornadas. Como nos lembra Mary del foi, como já acentuaram vários estudos, um

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dos elementos mais constantes desse caminhos, a vegetação – como também as


imaginário quatrocentista. Na Crônica de D. representações do “mundo vivo” das áreas
João II, escrita entre 1530 e 1533 por Garcia cartografadas, isto é, seus habitantes, sua
de Resende, relatava-se, entre tantos atos do fauna, sua flora, seus costumes. Os profusos
dito rei português, a ordem dada em 1486 elementos iconográficos presentes na
para uma expedição terrestre com vistas ao cartografia européia neste período
encontro do reino do Preste João, a quem integravam, portanto, uma ampla leitura do
“levaram suas cartas [de D. João II], em que mundo representado, incluindo os aspectos
lhe dava conta de tudo o que pela costa de desconhecidos, referidos a antigas tradições
Guiné tinha descoberto, para saber se culturais. Percebe-se o caráter híbrido dessa
algumas daquelas terras eram perto de seus cartografia como um espaço fronteiriço e
Reinos, e senhorios, para por elas se poderem representativo dos encontros, cada vez mais
comunicar, e prestar, e fazer com que a fé de intensos, entre culturas distintas e a
Jesus Cristo fosse exaltada, mandando-lhe necessidade imposta aos europeus de dar
notificar o grande desejo que tinha de se inteligibilidade aos mundos “descobertos”,
poderem conhecer, e terem verdadeira dotando os mapas de um “cenário” que
amizade” (RESENDE, 1991, p. 94) permitisse a visibilidade daquilo que, de certa
Doze anos mais tarde, já no reinado de D. forma, ainda fazia parte do universo incógnito
Manuel, o Venturoso, a procura pelo reino do (BORGES, 2001).
Preste João não havia esmorecido e no roteiro É dessa forma que a cartografia irá
da viagem de Vasco da Gama o autor relatava expressando, iconograficamente, sua
que estando a expedição em Moçambique, compreensão das novas terras e novas gentes.
foram informados “que o Preste João estava A princípio profundamente impregnada das
dali perto, e que tinha muitas cidades ao longo referências mais remotas do imaginário, ela
do mar, e que os moradores deles eram vai, progressivamente, acrescentando e
grandes mercadores e tinham grandes naus; eliminando elementos, à medida em que o
mas que o Preste João estava muito dentro conhecimento se aprofunda com o avanço
pelo sertão, e que não podiam lá ir senão em da expansão. Ao lado dela, os livros, sobretudo
camelos” (ROTEIRO, 1998, p.47). aqueles de relatos de viagens, apareciam
A cartografia tem sido um campo também ilustrados da mesma forma. Na
privilegiado para a análise desses elementos análise dessa questão não se pode, portanto,
do imaginário presentes nesses instrumentos restringir-se ao século XV, o dos
destinados à navegação e à definição do descobrimentos propriamente ditos. Ao longo
espaço físico, e profundamente associados dos séculos XVI e XVII as representações
aos avanços científicos do alvorecer da época iconográficas e escritas relativas aos
moderna. Como uma forma de expressar o descobrimentos e seus desdobramentos
conhecimento do mundo, a cartografia, foram profusas, realizadas tanto por
sobretudo entre os séculos XV e XVII, traria portugueses quanto por outros europeus.
em si uma compreensão ampla acerca desse Quando pensamos naquelas relativas ao Brasil,
conhecimento, incluindo não somente aquilo por exemplo, não há como deixar de mencionar
que, para nós, habitualmente caracterizaria também os holandeses e os franceses.
um mapa – os acidentes geográficos, a Se a carta de Pero Vaz de Caminha e os
topografia, a localização das cidades e dos outros relatos conhecidos sobre a chegada

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dos portugueses à América são modestos em superdimensionados no Brasil, a ponto de


referências ao maravilhoso e ao fantástico, continuarem a acender a curiosidade e o
não deixam de indicar a presença de medo dos europeus até o século XIX, como
concepções trazidas por eles, como a idéia se pode constatar em relatos de viajantes
de um mundo cristão e civilizado, contrastado como o francês Auguste de Saint-Hilaire,
com a barbárie de povos que sequer podiam ansioso por seu encontro com os índios
se comunicar como os europeus e que, Botocudos em Minas Gerais, afamados por
segundo eles, não tinham crença ou fé. Para seu canibalismo.
Paulo Roberto Pereira a carta de Caminha é A presença dessa temática no ensino de
um testemunho da “reformulação de valores História tem sido marcada, principalmente,
no confronto com o outro”, tendo colaborado pelos livros didáticos, cada vez mais ilustrados.
para “o fim da literatura fantástica a respeito Embora as ilustrações já estivessem sendo
de povos e regiões desconhecidas” (PEREIRA, usadas em livros didáticos brasileiros desde
1999, p. 64-65). Há certo exagero nesta meados do século XIX, foi a partir das
afirmação, sobretudo se considerarmos primeiras décadas do século XX que elas se
documentos posteriores, tanto escritos quanto tornaram peças importantes no ensino de
iconográficos. Se não há referências a História do Brasil. Pouco a pouco, junto aos
monstros e seres fantásticos, Caminha não textos narrativos, foram sendo incluídas
deixa de enfatizar a exuberância da natureza ilustrações, visando fazer com que os alunos
da terra e de seus habitantes, elementos aprendessem também “pelos olhos”, como
fortemente enraizados no imaginário sobre o sugeria Jonathas Serrano no início do século
Paraíso terreal, na visão edênica que os XX, espelhando-se no francês Ernest Lavisse,
europeus terão, a princípio, sobre a América. que insistia na necessidade de fazer com que
Além disso, a construção das representações as crianças vissem cenas históricas, para
do continente como terra de desordens e de compreender a história.
barbárie deve muito ao imaginário ligado às A preferência dos autores e dos editores
concepções religiosas acerca do bem e do recaiu sobre imagens que dessem um certo
mal, do Paraíso e do Inferno, atribuindo ao de grau de “veracidade” aos fatos narrados
Novo Mundo, sua natureza e seus habitantes nos livros, que não só estivessem em sintonia
toda sorte de associações com o diabólico. com as principais obras da historiografia que
As práticas da antropofagia foram, neste lhes serviam de referência, mas também se
sentido, fortes consolidadoras desse harmonizassem com o estilo narrativo e épico
imaginário e marcaram profundamente as dos textos didáticos. As imagens deveriam,
experiências de muitos europeus, portugueses na verdade, atuar como “registros visuais” dos
ou não, em seus contatos com a América. A fatos narrados nos textos. Assim, sobressaíram
obra de Hans Staden, editada pela primeira como representações predominantes, num
vez em 1557, talvez seja uma das mais primeiro momento, os retratos dos chamados
emblemáticas neste sentido, constituindo-se “grandes vultos” envolvidos na empreitada
em notável documento escrito e iconográfico marítima, juntamente com imagens oriundas
sobre a questão. As referências a esse mundo de dois grupos de fontes. No primeiro,
diabólico, no qual homens devoram homens, europeus que estiveram no Brasil do século
estenderam-se pelos séculos XVI e XVII, XVI ao século XIX, como Jean de Léry, Hans
quando esses mitos são recontextualizados e Staden, Jean Baptiste Debret, Johann Moritz

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Rugendas. Vistos como testemunhas oculares representações mais recorrentes ligadas às


do passado do país, seus registros eram viagens portuguesas, há as que se referem ao
considerados verossímeis e fidedignos, em caráter épico das viagens atlânticas e ao tom
consonância com a concepção de história enaltecedor dado ao processo protagonizado
predominante, na qual os documentos pelas nações ibéricas. Havia uma preocupação
encerrariam a verdade. No segundo grupo as de reforçar a idéia do perigo que as viagens
obras de pintores brasileiros do século XIX e marítimas do século XV representavam para os
inicio do XX, como Pedro Américo, Victor europeus em geral e para os portugueses em
Meirelles, Benedito Calixto, Antônio Parreiras e particular. As palavras “perigo”, “aventura”,
Oscar Pereira da Silva, autores da chamada “aventureiros”, “riscos”, “preocupação”,
escola acadêmica, por meio de obras que “morte”, “mistério”, “desconhecido”,
representam episódios consagrados pela “desafios”, “obstáculos”, “façanha”, “ousadia”
historiografia oficial. As obras desses artistas eram recorrentes nesses textos e geralmente
continuam, na verdade, a integrar o elenco reforçadas por ilustrações que representavam
de imagens na produção dos livros didáticos embarcações enfrentando os perigos dos mares,
de História. perigos reais e naturais ou perigos imaginários,
Parte significativa dos livros didáticos situações de tensão enfrentadas tanto em alto
produzidos na década de 1990 abordou o mar quanto em terra, nos contatos com povos
tema dos descobrimentos de forma etapista desconhecidos dos europeus. O acento no
e, fundamentalmente, determinista e fatalista, caráter épico das navegações era ainda mais
apresentando a história portuguesa como um forte, através de um recurso cada vez mais
caminho necessariamente voltado para o comum nos livros didáticos, ou seja, a
destino da expansão marítima, pela tradicional comparação entre as viagens atlânticas do
reunião das “condições favoráveis” para a século XV e as viagens espaciais do século XX.
expansão, únicas em Portugal, o que daria ao Ao mesmo tempo que a superioridade
país o papel pioneiro no processo. técnica dos navegadores portugueses era
Conseqüentemente, a chegada dos enaltecida, dando-lhes a primazia no processo
portugueses ao Brasil foi vista como um efeito de expansão, os autores desses livros
quase “natural”. O enfoque épico acentua o ressaltavam a precariedade das
seu caráter heróico, simplificando um processo embarcações, construindo um discurso
complexo, que esteve longe da harmonia e do contraditório. Assim, em alguns momentos
consenso. A ausência de conflitos é expressa indicavam a grande experiência em
pela afirmação predominante de uma perfeita navegação e construção naval dos
conjugação de interesses entre os vários portugueses como sua vantagem em relação
grupos sociais portugueses, empenhados num aos outros europeus e, em outros, a fim de
grande projeto nacional, tendo a aventura acentuar o tom heróico e épico daquelas
atlântica como eixo. empreitadas, ressaltavam a fragilidade e a
Percebe-se ainda a pouca atenção dada precariedade, tanto dos navios, quanto das
às questões culturais inerentes ao processo condições de navegação, valorizando o
histórico, no tocante aos condicionantes corajoso enfrentamento dos mares
presentes, não apenas no movimento da protagonizado pelos portugueses no século
expansão marítima portuguesa, como também XV. Superficiais, os textos não exploravam
no processo de colonização. Entre algumas das essa situação culturalmente rica,

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absolutizando as duas condições - a da do mundo? Como tornar essa discussão útil e


superioridade naval e a do perigo das viagens necessária para a pesquisa sobre o ensino de
-, perdendo a dimensão da complexidade e História?
da pluralidade da história vivida. O uso da iconografia no ensino de
Esta valorização da epopéia era ainda História, como parte da produção de
reforçada pela ênfase que recaía sobre as conhecimento, implica no seu tratamento na
crenças comuns aos europeus no limiar do perspectiva do trabalho com as fontes de
século XV, ligadas à existência de seres pesquisa do historiador. Como qualquer outro
malignos habitantes dos mares, à geografia documento, a imagem é expressão e
pouco segura do planeta, tudo aumentando testemunho de um determinado universo
as possibilidades do perigo e da morte cultural, de uma determinada conjuntura,
iminentes. Muitas vezes, os textos didáticos situados no tempo. Da mesma forma que no
dos anos 90, no entanto, ao invés de trato de documentos escritos, o historiador,
trabalharem essas questões como parte do ao utilizar a imagem como fonte, não pode
universo cultural europeu do período, prescindir de uma análise que leve estas
enfatizavam uma visão preconceituosa, questões em consideração: a produção do
tratando tais crenças apenas como fruto de documento, por quem, quando, com que
superstição e de ignorância, olhando-as com objetivos, qual a sua estrutura, qual a origem
as referências do senso comum do homem e o destino do discurso, de que elementos se
contemporâneo. Essa atitude acabava por compõe. Trata-se, enfim, da prática da velha
contribuir para a consolidação de visões de crítica documental, da qual todos ouvimos
mundo autocentradas, desprovidas de um falar em nossos cursos de graduação, mas que
sentido de alteridade, de compreensão do pouco usamos na sala de aula do ensino
outro, levando seus leitores - em geral crianças básico. Além disso, deve-se estar atento à
e adolescentes - a tomarem seu próprio necessidade de confronto com outros
mundo como referência padrão para a documentos iconográficos e, se for o caso, com
compreensão dos demais, estabelecendo documentos de outra natureza, como os
comparações que poderiam levar à formação escritos e os da cultura material, por exemplo.
de concepções conservadoras e A iconografia existente sobre o imaginário
preconceituosas. Além disso, deixavam dos descobrimentos é rica quantitativa e
entrever a idéia de que a modernidade, qualitativamente mas, curiosamente, o
entendida como a expressão do mundo material mais utilizado nas salas de aula é
contemporâneo, curaria todas as superstições pobre em imagens sobre o tema. Não
e ignorâncias, e que a ciência seria a obstante muitas edições recentes de livros
redentora da mentalidade civilizada. didáticos tratem do imaginário medieval
Como as imagens estariam balizando europeu a respeito de terras desconhecidas,
todas essas concepções, muito fortemente são poucos os documentos iconográficos
presentes no cotidiano do ensino de História, incorporados a esses textos. Quando
no momento em que se discutia a maior aparecem, são algumas gravuras mostrando
conexão entre a historiografia e o ensino, nos monstros atacando navios, seres fantásticos
anos 90? Como discutir, ainda hoje, o que habitariam as terras incógnitas, ou
imaginário como elemento conformador das reproduções de mapas antigos, decorados
representações que os homens fazem de si e com elementos desse imaginário. Vale

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lembrar, no entanto, que o ensino de História do início dos tempos modernos, pois
tem sido significativamente enriquecido com representa uma visão científica do mundo e
a publicação, desde o final dos anos 80, de está, ao mesmo tempo, impregnada de
interessante material paradidático dedicado elementos de uma visão mítica: ao lado das
à temática das navegações e da expansão definições geográficas, por exemplo, os
marítima européia da época moderna, mapas apresentavam indicações da
incorporando a discussão sobre o imaginário, existência de mundos míticos – como o reino
por meio da utilização de fontes escritas e do Preste João e a célebre ilha Brazil – até a
iconográficas, em análises sustentadas pela localização exata do Paraíso, além da
História Cultural. ocorrência de habitantes indesejáveis e
Assim como a maioria das imagens perigosos espalhados pelo “mar tenebroso”.
presentes nos livros – cujo sentido implícito é A análise conjunta desses mapas com textos
a confirmação da veracidade dos fatos da época, alusivos a todos esses elementos, é
narrados nos textos – a iconografia sobre o um procedimento eficaz se se deseja
imaginário europeu da época dos desconstruir noções arraigadas acerca de
descobrimentos é apresentada para barbárie e civilização, atraso e progresso,
confirmar que os europeus estavam errados ciência e superstição. Este é um exercício de
a respeito daquilo que imaginavam ser o relativização e de reflexão sobre a
mundo da época, reforçando, portanto, uma historicidade dos universos culturais, sobre as
idéia de falsidade, de ignorância e de situações de permanência e de mudanças,
superstição, isto é, tudo aquilo em que o situando as condições de construção de
espírito racional e moderno não deve sistemas de valores e de suas relações com
acreditar. Seriam imagens canônicas, mas ao as dinâmicas sociais em determinadas
inverso de seu sentido original, isto é, estão épocas. Vale também para a reflexão sobre a
incorporadas ao imaginário coletivo no relação entre o passado e o presente e as
sentido contrário. Está aqui um bom ponto de diversas formas de apropriação de um pelo
partida para a pesquisa sobre o tema, outro, com suas possibilidades de
aplicada ao ensino de História usando-se as distanciamento e/ou aproximação.
imagens: por que as crenças em monstros e Por fim, atendo-me brevemente às
maravilhas, em reinos fantásticos e riquezas questões praticas do ensino de História, penso
sem conta não eram absurdas para os que o trabalho em sala de aula com o
europeus naquela época? O que determina documento iconográfico, cotejado a outros,
que o comportamento do homem como por exemplo, para o tema em análise,
contemporâneo deva ser diferente? Ele é os diários de viagem de navegadores dos
absolutamente diferente? Quais as séculos XV e XVI, é um exercício de
possibilidades da permanência de crenças desconstrução e, ao mesmo tempo,
semelhantes nos nossos dias? construção de conhecimento que, embora já
O exame da cartografia dos séculos XIV, elaborado historiograficamente nos meios
XV e XVI é um interessante ponto de partida acadêmicos, pode ser reelaborado pelo
para a reflexão sobre o imaginário dos estudante do ensino básico. Se o resultado
descobrimentos no ensino de História. Ela “historiográfico” é mais ou menos previsível,
expressa de maneira significativa o universo o procedimento metodológico tem grande
cultural europeu do final da Idade Média e valor como forma de iniciação à atividade

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investigativa, ao final da qual resultarão concretas” (BRAUDEL, 2001, p. 123). Para


conceitos fundamentais para a compreensão isso, a imagem no ensino de História pode
do processo histórico, sobretudo o dar a vivacidade que queremos para ele,
entendimento da história como experiência incentivando incrivelmente reflexão.
vivida e como construção intelectual.
Falar nessas práticas implica, também, na
sua realização junto aos estudantes de Referências Bibliográficas:
graduação, futuros professores. É necessário
jamais perder de vista a íntima relação entre BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux:
mémoires et espoirs collectifs . Paris: Payot,
o ensino e a pesquisa, em suas mais diversas
1984.
dimensões: a relação entre a produção
BARRETO, Luís Filipe & GARCIA, José Manuel.
acadêmica do conhecimento histórico e sua
Portugal na abertura do mundo . Lisboa:
discussão e efetivação na graduação; a Comissão Nacional para as Comemorações dos
relação entre este conhecimento e o ensino Descobrimentos Portugueses, 1997.
básico; a relação entre o ensino de História BENNASSAR, Bartolomé. Dos mundos fechados
na escola básica e a prática de procedimentos à abertura do mundo. In: NOVAES, Adauto (org).
A descoberta do homem e do mundo. São Paulo:
de pesquisa e de produção do conhecimento
Companhia das Letras, 1998.
nesta escola. Se não há fórmulas para se
BITTENCOURT, Circe (org). O saber histórico na
“criar” um bom professor ou bom pesquisador,
sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997.
isolar as práticas do ensino e da pesquisa,
BITTENCOURT, Circe Livro didático e
desde os cursos de graduação, é
conhecimento histórico: uma história do saber
comprometer a formação tanto de um quanto escolar. São Paulo: Universidade de São Paulo,
de outro. Mesmo aquele que optar por jamais 1993 (Tese de Doutorado)
entrar numa sala de aula de 5a série, se seguir BORGES, Maria Eliza Linhares. Cartografia,
a carreira acadêmica acabará diante da tarefa poder e imaginário: cartográfica portuguesa e
terras de além-mar. In: SIMAN, Lana Mara de
de formar aqueles que um dia o farão. Talvez
Castro & FONSECA, Thais Nivia de Lima e.
devamos nos lembrar com mais frequência Inaugurando a História e construindo a nação:
das motivações que nos levam a nos discursos e imagens no ensino de História. Belo
dedicarmos ao estudo da História, da Horizonte: Autêntica, 2001.
satisfação que temos em “vivê-la”, e de como BRAUDEL, Fernand. La pédagogie de l’Histoire.
seria lamentável negar tudo isso às crianças In: L’Histoire au quotidien. Les écrits de Fernand
Braudel. Paris: Éditions de Fallois, 2001.
e aos jovens, apartando da formação
acadêmica a preocupação com o ensino e CAPRETTINI, G.P. Imagem. In: Enciclopédia
Einaudi. Volume 31: Signo. Lisboa: Imprensa
deixando-o à mercê da mera transmissão de Nacional-Casa da Moeda, 1994.
saberes. Lembremo-nos de Fernand Braudel,
CAETANO, Joaquim Oliveira (coord). Gravura e
para quem “a viagem que é sua lição [de conhecimento do mundo: o livro impresso
História] não deverá conduzir a terras mortas. ilustrado nas colecções da Biblioteca Nacional.
É uma forma de incursão na vida passada em Lisboa: Biblioteca Nacional, 1998.
toda a sua ebulição. O adolescente que nos COLI, Jorge. Primeira missa e invenção da
ouve tem a tendência de preferir o presente descoberta. In: NOVAES, Adauto (org). A
descoberta do homem e do mundo. São Paulo:
a este passado de idéias abstratas. Faça-os Companhia das Letras, 1998.
viver na realidade da história, entre as coisas

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