Tudo quanto é belo, Manuel Bandeira Tudo quanto é vário, Canta no martelo". Enfunando os papos, Saem da penumbra, Outros, sapos-pipas Aos pulos, os sapos. (Um mal em si cabe), A luz os deslumbra. Falam pelas tripas, - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!". Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: Longe dessa grita, - "Meu pai foi à guerra!" Lá onde mais densa - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". A noite infinita Veste a sombra imensa; O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Lá, fugido ao mundo, Diz: - "Meu cancioneiro Sem glória, sem fé, É bem martelado. No perau profundo E solitário, é Vede como primo Em comer os hiatos! Que soluças tu, Que arte! E nunca rimo Transido de frio, Os termos cognatos. Sapo-cururu Da beira do rio... O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma.
Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - A grande arte é como Lavor de joalheiro.
Belo Belo
Manoel Bandeira
Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado.
- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
Noturno Oprimido
Carlos Drummond de Andrade
A água cai na caixa com uma força, com uma dor! A casa não dorme, estupefata. Os móveis continuam prisioneiros de sua matéria pobre, mas a água parte-se
a água protesta. Ela molha toda noite com sua queixa feroz, seu alarido. E sobre nossos corpos se avoluma o lago negro de não sei que infusão.
Mas não é o medo da morte do afogado, o horror da água batendo nos espelhos, indo até cofres, os livros, as gargantas. É o sentimento de uma coisa selvagem,
Sinistra, irreparável, lamentosa. Oh vamos nos precipitar no rio espesso que derrubou a última parede entre os sapatos, as cruzes e os peixes cegos do tempo.
Consideração do Poema O beijo ainda é um sinal, perdido embora, Carlos Drummond de Andrade da ausência de comércio, boiando em tempos sujos. Não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra Poeta do finito e da matéria, outono. cantor sem piedade, sim, sem frágeis Rimarei com a palavra carne lágrimas, ou qualquer outra, que todas me boca tão seca, mas ardor tão casto. convêm. Dar tudo pela presença dos As palavras não nascem amarradas, longínquos, elas saltam, se beijam, se dissolvem, sentir que há ecos, poucos, mas no céu livre por vezes um desenho, cristal, são puras, largas, autênticas, não rocha apenas, peixes circulando indevassáveis. sob o navio que leva esta mensagem, e aves de bico longo conferindo Uma pedra no meio do caminho sua derrota, e dois ou três faróis, ou apenas um rastro, não importa. últimos! esperança do mar negro. Estes poetas são meus. De todo o Essa viagem é mortal, e começá-la. orgulho, Saber que há tudo. E mover-se em de toda a precisão se incorporaram meio ao fatal meu lado esquerdo. Furto a a milhões e milhões de formas raras, Vinicius secretas, duras. Eis aí meu canto. sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo. Ele é tão baixo que sequer o escuta Que Neruda me dê sua gravata ouvido rente ao chão. Mas é tão alto chamejante. Me perco em que as pedras o absorvem. Está na Apollinaire. Adeus, Maiakovski. mesa São todos meus irmãos, não são aberta em livros, cartas e remédios. jornais Na parede infiltrou-se O bonde, a nem deslizar de lancha entre rua, camélias: o uniforme de colégio transformam, é toda a minha vida que joguei. são ondas de carinho te envolvendo.
Estes poemas são meus. É minha Como fugir ao mínimo objeto terra ou recusar-se ao grande? Os temas e é ainda mais do que ela. É passam, qualquer homem eu sei que passarão, mas tu resistes, ao meio-dia em qualquer praça. É a e cresces como fogo, como casa, lanterna como orvalho entre dedos, em qualquer estalagem, se ainda as na grama, que repousam. há. - Há mortos? há mercados? há Já agora te sigo a toda parte, doenças? e te desejo e te perco, estou É tudo meu. Ser explosivo, sem completo, fronteiras, me destino, me faço tão sublime, por que falsa mesquinhez me tão natural e cheio de segredos, rasgaria? tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa. Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.
Poema da Purificação
Carlos Drummond de Andrade
Depois de tantos combates o anjo bom matou o anjo mau e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas de um sangue que não descorava e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube dizer de onde tinha vindo apareceu para clarear o mundo, e outro anjo pensou a ferida do anjo batalhador.
Maria Diamba
Jorge de Lima
Para não apanhar mais falou que sabia fazer bolos: virou cozinha. Foi outras coisas para que tinha jeito. Não falou mais. Viram que sabia fazer tudo, até molecas para a Casa-Grande. Depois falou só, só diante da ventania que vinha do Sudão; falou que queria fugir dos senhores e das judiarias deste mundo para o sumidouro.
Este poema de amor não é mais um lamento
Jorge de Lima
Este poema de amor não é lamento nem tristeza distante, nem saudade, nem queixume traído nem o lento perpassar da paixão ou pranto que há de
transformar-se em dorido pensamento, em tortura querida ou em piedade ou simplesmente em mito, doce invento, e exaltada visão da adversidade.
É a memória ondulante da mais pura e doce face (intérmina e tranquila) da eterna bem-amada que eu procuro;
mas tão real, tão presente criatura que é preciso não vê-la nem possuí-la mas procurá-la nesse vale obscuro.
Poema de Encantação
Jorge de Lima
Arroio dos Quilombolas de Palmares, Arroio do Desemboque do Quizongo, Arroio do Exu do Bodocô, vos ofereço maconha de pito, quitunde, quibembe, quingombô. Assim, sim! Arraial d’Angola de Paracatu, Arraial do Campo de Goiás, Arraial do Exu do Assuá, vos ofereço quisama, quinanga, quilenge, quingombô. Tomai acaçá, abará, aberém, abaú! Assim, sim! Tirai-me essa murrinha, esse gogô, esse urufá! Vos ofereço quitunde, quitumba, quelembre, quingombô.