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Entre as estruturas mais elementares, duas, de natureza diferente, parecem essenciais. As revistas
conferem uma estrutura ao campo intelectual por meio de forças antagônicas de adesão – pelas
amizades que as subtendem, as fidelidades que arrebanham e a influência que exercem – e de exclusão –
pelas posições tomadas, os debates suscitados, e as cisões advindas. Ao mesmo tempo que um
observador de primeiro plano da sociabilidade de microcosmos intelectuais, elas são aliás um lugar
precioso para a análise do movimento das idéias. Em suma, uma revista é antes de tudo um lugar de
fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de sociabilidade, e pode
ser, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão.4
1
Lembre-se, por exemplo – entre outros –, do debate a respeito do “lugar das idéias no Brasil”, capitaneado por
Roberto Schwarz e Maria Sylvia de Carvalho Franco.
2
SIRINELLI (2003).
3
Neste estudo, concordamos com a indicação de Sirinelli de que a “História Intelectual” (ou dos Intelectuais) é
um campo autônomo sem, contudo, perder de vista as possibilidades de diálogo da mesma com a “História das
Idéias”, principalmente aquela proposta por autores como Michel Winock, Quentin Skinner e J.G.A. Pocock.
4
SIRINELLI, 2003, p. 249.
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Além de Jean-François Sirinelli, dialogaremos também neste trabalho, de maneira privilegiada, com Edward
W. Said. Tal escolha se deve à compreensão de que aproximar Sirinelli e Said de autores como Pierre Bourdieu
implica em se afastar de uma história dos intelectuais para se aproximar forçosamente de uma sociologia dos
intelectuais.
6
SIRINELLI, 2003, p. 245.
7
Cf. SIRINELLI, 2003, p. 245.
8
SIRINELLI, 2003, p. 262.
9
SAID, 2005, p. 19.
10
SAID, 2005, p. 23.
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[...] insistir no fato de o intelectual ser um indivíduo com um papel público na sociedade, que não pode
ser reduzido simplesmente a um profissional sem rosto, um membro competente de uma classe, que só
quer cuidar de suas coisas e de seus interesses. A questão central [...] é o fato de o intelectual ser um
indivíduo dotado de uma vocação para representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de
vista, uma atitude, uma filosofia ou opinião para (e também por) um público. E esse papel encerra uma
certa agudeza, pois não pode ser desempenhado sem a consciência de se ser alguém cuja função é
levantar publicamente questões embaraçosas, confrontar ortodoxias e dogmas (mais do que produzi-
los); isto é, alguém que não pode ser facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison
d’être é representar todas as pessoas e todos os problemas que são sistematicamente esquecidos ou
varridos para debaixo do tapete. Assim, o intelectual age com base em princípios universais: que todos
os seres humanos têm direito de contar com padrões de comportamento decentes quanto à liberdade e à
justiça da parte dos poderes ou nações do mundo, e que as violações deliberadas ou inadvertidas desses
padrões têm de ser corajosamente denunciadas ou combatidas.12
11
Cf. SAID, 2005, p. 24.
12
SAID, 2005, p. 25-26.
13
SAID, 2005, p. 27.
14
Cf. SAID, 2005, p. 41.
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idéias, não se afasta substancialmente daquela apresentada por Sirinelli, que concebe a noção
de intelectual desde uma “geometria variável”, mas baseada em invariantes, noção que
poderia desembocar em duas acepções do termo intelectual: uma ampla e sociocultural, na
qual estariam compreendidos os criadores e os “mediadores” culturais; e outra, mais estreita,
baseada na idéia de engajamento.
No primeiro caso, estão abrangidos tanto o jornalista como o escritor, o professor secundário como o
erudito. Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto postam-se uma parte dos estudantes, criadores
ou “mediadores” em potencial, e ainda outras categorias de “receptores” da cultura. É evidente que todo
estudo exaustivo do meio intelectual deveria basear-se numa definição como esta.15
Diálogo importante também deve ser travado com a história das idéias políticas, na
medida em que, apesar de não se confundir com a história intelectual (ou dos intelectuais),16
há inúmeros pontos de contato entre as áreas. Seguindo os caminhos propostos por Michel
Winock,17 trata-se de estudar as idéias políticas (poderíamos ampliar esta afirmação para as
idéias culturais) não no intuito de sedimentar de forma estática “culturas políticas”, mas com
o objetivo de compreender melhor os “sistemas de representações” das sociedades, estudo que
é inviável sem um estudo equivalente dos “aparelhos de produção e de mediação”. Ou seja, as
idéias agem na sociedade, mas o fazem por meio de intelectuais que as produzem, debatem e
problematizam a partir de certos “lugares”, sociais e intelectuais, como, por exemplo, as
revistas culturais.
Analisar o “universo” das idéias políticas em uma revista cultural significa
compreender, como assinalou Capelato,
o universo das idéias não como um contexto no qual se situa o trabalho intelectual, mas relacionado ao
mundo social e político no qual ele se insere. As idéias não são entendidas, portanto, como algo exterior
a esse mundo, mas como substância mesma da tarefa dos intelectuais que se expressam, através das
idéias – suas matérias-primas – sobre a realidade vivida, que eles procuram, ao mesmo tempo, traduzir e
modificar.18
19
CAPELATO, 2005, p. 348.
20
Ver, entre outros, CAPELATO (1986, 1989) e CAPELATO; PRADO (1980).
21
MISKULIN, 2003, p. 20.
22
LUCA (2005)
23
LUCA, 2005, p. 118.
5
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24
LUCA, 2005, passim.
25
LUCA, 2005, passim.
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horror, capaz de mostrar que a produção intelectual argentina não havia sido extinta pelo
regime.26
O grupo fundador de Punto de Vista foi composto por intelectuais diversos, alguns
deles egressos da revista Los Libros, que circulou entre 1969 e 1976. Carlos Altamirano,
Ricardo Piglia e Beatriz Sarlo, que tinham feito parte da direção do referido periódico,
compartilhavam da visão de alguns dirigentes da esquerda revolucionária de que era
necessário reaproximar os restos dispersos do campo intelectual. Tais indivíduos deram início
à elaboração de Punto de Vista de forma semi-clandestina, cuidando principalmente para
manter em segredo a vinculação política do periódico, representada então por militantes que
desapareceriam em agosto de 1978, Elias Sermán, Rubén Kristkausky e Abraham Hochman.
Naquele momento de “invisibilidade quase total”, Carlos Boccardo se encarregou de
desenhar o logotipo da revista, que se mantém até hoje. Hugo Vezzetti e Maria Teresa
Gramuglio também participaram desde as primeiras reuniões, e Jorge Sevilla emprestou seu
nome como diretor, para que a publicação não circulasse anonimamente, o que levantaria
suspeitas. Tratava-se, por meio dos riscos corridos por esses e outros intelectuais, de assegurar
um espaço precário de publicação para alguns críticos, escritores e artistas que estavam
desarticulados, por conta da repressão, tanto no meio acadêmico quanto no campo cultural.
De acordo com Ana Cecilia Arias Olmos, Punto de Vista apareceu em Buenos Aires:
en el contexto de una sociedad totalmente controlada por un Estado autoritario lo que la lleva a omitir
cualquier declaración de intenciones y a apelar a estrategias de enmascaramiento discursivo durante los
primeros números. Recién en el número 12 de la publicación, de julio-octubre de 1981, se presenta el
primer editorial y el Consejo de Dirección comprendido por Beatriz Sarlo como Directora y el grupo de
intelectuales que dio inicio a la revista: María Teresa Gramuglio, Carlos Altamirano, Hugo Vezzetti y
Ricardo Piglia.27
En marzo de 1978, apareció el primer número de Punto de Vista. Su publicación venía, de algún modo a
ejercer un derecho: abrir un ámbito de debate de ideas y elaboración cultural. El derecho a disentir nos
parecía, entonces y ahora, una condición básica de la cultura, amenazada material y políticamente.
Reflexionar sobre la historia cultural argentina o latinoamericana, sobre los métodos críticos o las
teorías sociales supone un punto de partida: la defensa de la libre discusión y la creación de un lugar – la
revista – que permitiera generalizarla. Comprobamos que no existen condiciones aceptables de
producción intelectual donde no puedan circular las ideas, que la censura ejercida sobre la producción
cultural, la represión de la diversidad, la intimidación del antagonista, son instrumentos del
conformismo correlativo a un estado autoritario.
[...] Esta revista es parte de un espacio cultural que se construye a pesar de la censura y el castigo a las
ideas, pero que se construye también positivamente. […] Se trata de nuestra responsabilidad en la
defensa de la libertad de expresión y de pensamiento: que no haya en la Argentina culturas reprimidas o
negadas. Y su consecuencia práctica, la creación de un ámbito donde algo de esto sea posible.
Encerrada en los limites de la amenazada producción material, la ciega torpeza del censor, el
oscurantismo ultramontano de la universidad estatal, la cultura argentina, para construirse, debe hacerlo
en la superación de estos obstáculos: contra la censura, por la diferencia de opiniones y la controversia.
Frente a la crisis económica que afecta a las instituciones culturales y las editoriales, y frente a la
clausura política, los intelectuales hemos imaginado, en estos años, formas y espacios nuevos para la
discusión y circulación de ideas, posiciones, perspectivas. Punto de Vista entiende que su actividad
hasta ahora, y en el periodo que sigue, pertenece a este horizonte. Ha constituido un Consejo de
Dirección para que la fuerza de una práctica diversa y colectiva le permita responder mejor a los
requerimientos de esta etapa […].29
Como se pode notar, desde seu surgimento a revista procurou se apresentar como um
espaço de debate das questões argentinas e, de forma mais ampla, das questões da América
Latina. Se inicialmente o periódico centrava sua produção na discussão literária, desde o
início as preocupações políticas podiam ser notadas.
O período compreendido entre 1978 e 1981 marca, para a revista, um momento de
“silêncios” que confirmavam o óbvio: no período mais crítico e duro do regime militar não
havia espaço para um debate aberto acerca de uma democratização da sociedade. Diante dessa
impossibilidade, como assinalou Olmos, “la preocupación por definir ese espacio de
disidencia y de democratización atraviesa de forma subyacente la publicación a través del
repertorio de artículos, reseñas y entrevistas que organizan sus páginas”.30
29
Conselho de Direção, “Punto de vista” (editorial por ocasião da constituição do Conselho de Direção da
revista). Punto de Vista, Buenos Aires, ano IV, n. 12, jul./out. 1981, p. 2.
30
OLMOS, 2000, p. 35.
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Anais eletrônicos da XXIV Semana de História: "Pensando o Brasil no Centenário de Caio Prado Júnior”
Dessa forma, Punto de Vista elaborou e praticou uma abertura e difusão do campo
cultural ao resenhar publicações argentinas e estrangeiras, discutir exposições de arte ou
filmes de outros países, entrevistar intelectuais que residiam em outros países, publicar textos
inéditos de escritores argentinos e inclusive dialogar com revistas importantes de outros
países, como Vuelta, dirigida no México por Octavio Paz – há um diálogo no número 01 de
Punto de Vista com um texto de Carlos Fuentes publicado no número 14 do periódico
mexicano. Além disso, e esse é um fato muito significativo, a revista apresentou e incorporou
perspectivas teóricas e temáticas até aquele momento pouco conhecidas na Argentina que se
constituíram em linhas de atualização e reformulação do campo cultural do país.31
Manifestações de repúdio à situação política vivenciada naquele momento pela
Argentina apareceram repetidamente. Uma outra ocasião de efervescência crítica foi a derrota
na Guerra das Malvinas: nessa conjuntura, foi publicado um artigo em Punto de Vista,
intitulado ¿Donde anida la democracia?, no qual os autores apresentaram uma reflexão acerca
dos rumos políticos do país.32
Depois da Guerra das Malvinas, Hilda Sabato, escritora que compartilhava com os
diretores do periódico o repúdio a essa “aventura final da ditadura” (a guerra), passou a
integrar o conselho de direção da revista. A partir de 1983, houve uma ampliação da revista,
que incorporou intelectuais que retornavam do exílio e, entre esses, passaram a integrar o
conselho de direção José Aricó e Juan Carlos Portantiero. Desde esse ano, Punto de Vista
abandonou o estado de “marginalidade extrema” e se aproximou de jovens intelectuais,
definindo um novo lugar no marco de transição democrática. Nesse processo houve também
uma “reavaliação” das idéias propostas e defendidas pelos primeiros membros diretores da
revista, bem como das ações motivadas na primeira metade dos anos 1970 por tais idéias.
Enfim, apesar de importante periódico cultural e político na Argentina desde o fim dos
anos de 1970, a fortuna crítica acerca de nosso objeto de estudo é, ainda, muito pequena. No
estudo que estamos desenvolvendo, analisamos, numa perspectiva histórica, a revista
argentina Punto de Vista, compreendida como espaço de intercâmbio de idéias bem como de
produção cultural, política e, sobretudo, intelectual. O objetivo principal desta pesquisa é
elaborar um estudo detalhado sobre a revista, procurando perceber os contextos de produção,
difusão e recepção das idéias nela veiculadas, bem como, eventualmente, alguns percursos
intelectuais individuais mais significativos.
31
Cf. OLMOS, 2000, p. 36. As linhas teóricas são configuradas, fundamentalmente, a partir das obras de
Raymond Williams, Richard Hoggart, Pierre Bourdieu e Hans Robert Jauss.
32
Cf. TERÁN, op. cit., p. 90.
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Anais eletrônicos da XXIV Semana de História: "Pensando o Brasil no Centenário de Caio Prado Júnior”
Referências Bibliográficas
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2003.
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Anais eletrônicos da XXIV Semana de História: "Pensando o Brasil no Centenário de Caio Prado Júnior”
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LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo:
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MISKULIN, Sílvia Cezar. Cultura ilhada: imprensa e revolução cubana, 1959-1961. São
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SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história
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TERÁN, Oscar. Ideas e intelectuales en la Argentina, 1880-1980. In: ______ (coord.). Ideas
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