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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CULTURAL

REGINALDO DE CASTRO HIRAOKA

ETNOGRAFIA DOS SONHOS: EXPERIÊNCIA DE PRIMEIRO CONTATO COM


LÍDER ESPIRITUAL KAXINAWA E SEU OLHAR SOBRE OS SONHOS, NUM
RITUAL DE PAJELANÇA.

CURITIBA

2014
2

REGINALDO DE CASTRO HIRAOKA

ETNOGRAFIA DOS SONHOS: EXPERIÊNCIA DE PRIMEIRO CONTATO COM


LÍDER ESPIRITUAL KAXINAWA E SEU OLHAR SOBRE OS SONHOS, NUM
RITUAL DE PAJELANÇA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em


Antropologia Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito
parcial à obtenção dotítulo de Especialista em Antropologia Cultural.

COMISSÃO EXAMINADORA

Professor 1: _________________________________________________________

___________________________________________________________________
(Titulação, nome completo e Instituição)

Professor 2: _________________________________________________________

___________________________________________________________________
(Titulação, nome completo e Instituição)

Professor 3: _________________________________________________________

___________________________________________________________________
(Titulação, nome completo e Instituição)

Curitiba, 29 de Novembro de 2014.


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Etnografia dos sonhos: experiência de primeiro contato com líder espiritual Kaxinawa
e seu olhar sobre os sonhos, num ritual de pajelança.

Autor: Reginaldo de Castro Hiraoka1


Orientador: Leonardo Cabonieri Campoy2

RESUMO

Este artigo apresenta uma etnografia de primeiro contato, dentro de um ritual


de pajelança, com um líder espiritual Kaxinawa e sua perspectiva sobre os sonhos.
Os Kaxinawas têm levado sua cultura para vários estados do Brasil e exterior, e a
etnografia se fez em sua passagem por Curitiba/PR, no parque Barigui, em 2013. No
ritual, o líder espiritual facilitou uma harmonia através de elementos da natureza, os
quais, para ele, são os verdadeiros pajés. No encontro, ervas, cantos e música
permitiram estados diferentes do ser. Um desses estados são os sonhos que, para o
lider Kaxinawas, é o espírito que tem uma jornada missionária para o grupo, tal
como, um dia, o líder sonhou. Dialoga a visão ocidental e ameríndia dos sonhos e o
discurso do entrevistado. Ao final do encontro, o líder faz um convite para um
trabalho etnográfico no futuro.

palavras-chave: Etnografia indígena; sonhos; Kaxinawa.

1
Licenciado em Filosofia e Pós-graduando em Antropologia Cultural pela PUC-PR. Parapsicólogo e
Especialista em Educação em Valores Humanos pelas FIES.
2
Graduado em Ciências Sociais pela UFPR, mestre em sociologia com concentração em
antropologia e doutorando em antropologia pela UFRJ.
4

SUMÁRIO

1 Introdução................................................................................................................... 05

2 Contato de primeiro grau............................................................................................ 06

2.1 O ritual........................................................................................................................ 07

2.2 Quem é e o que é ser um pajé................................................................................... 09

2.3 Sonho como missão................................................................................................... 10

3 Contato de segundo grau: uma possibilidade de contato com os pajés e qual deles
pode falar sobre os sonhos........................................................................................ 13

4 Discussão................................................................................................................... 14

4.1 As perspectivas ocidentais dos sonhos...................................................................... 14

4.2 Antropologia dos sonhos............................................................................................ 17

4.3 Pajelança.................................................................................................................... 18

4.4 Imagens nos sonhos................................................................................................... 19

5 Considerações finais.................................................................................................. 22

Referências Bibliográficas.......................................................................................... 23

Anexo I - Caderno de campo digital .......................................................................... 25

Anexo II - Transcrição da entrevista........................................................................... 28

Anexo III – Relato de sonho....................................................................................... 40


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1 INTRODUÇÃO

Esta etnografia de primeiro contato compõe-se da descrição de um evento


social, um ritual, seguido de diálogo dos dados coletados com o referencial teórico a
eles relacionado. No presente artigo expõem-se o exercício etnográfico enfocando
um ritual de pajelança, em que o líder espiritual Kaxinawa, Tuim, que apresenta sua
perspectiva sobre os sonhos. Na sequencia essas informações são trabalhadas
tendo-se como referência o pensamento filosófico depois científico, como de Freud e
Jung em abordagem psicológica, e o trabalho de Castro e Barcelo Neto na
abordagem antropológica. A coleta dos dados etnográficos deu-se no parque Barigui
em 2013, durante a passagem por Curitiba/PR de um dos representantes do povo
Kaxinawa que têm levado sua cultura a vários estados do Brasil e exterior.

O grupo indígena Kaxinawa espalha-se pela fronteira brasileiro-peruana na


Amazônia ocidental. As aldeias no Brasil encontram-se no estado do Acre, a longo
dos rios Tarauacá, Jordão, Breu, Muru, Envira, Humaitá e Purus. Sua língua
pertence à família linguística Pano. As etnografias sobre os Panos tem mostrado
que estes grupos se interessam por grupos comunitários estrangeiros e por todos os
tipos de "outros" (LAGROU, 2014).

O termo nawa mostra uma ambiguidade pano com relação às fronteiras entre
o "eu" e o outro. Pode denotar "verdadeira" alteridade, no sentido que o outro pode
ser inimigo, ou também pode ser usado para identificar um grupo pano distinto
(LAGROU, 2002). Cada um deles considera-se huni kuin, homem verdadeiro. Esta
relação não envolve uma reversibilidade, ou seja, a troca de posições, mas uma
intersubjetividade em que ambas dão qualidades de posições. Esse interesse pelos
"outros" pode os fazer sair de suas regiões e irem a direções distantes para levar
sua cultura ao outro. Para eles, o captar o ponto de vista do outro significa ganhar
poder sobre a situação interativa.

A missão de ir em direção aos outros pode ter relações com os sonhos, uma
vez que estes têm relevância social para os povos ameríndios. Os pajés Kaxinawas,
por meio de rituais de estados do ser antes do sono, obtêm nos sonhos informações
para suas comunidades. Isso difere das teorias ocidentais sobre os sonhos, em que
os sonhos são representações, geralmente falsas, do conteúdo inconsciente das
pessoas.
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2 CONTATO DE PRIMEIRO GRAU

É fim de tarde em Curitiba, clima de sexta-feira de carnaval de 2013. No


parque Barigui, as águas estão paradas e escuras, pessoas andam ou correm, sons
de grilos e de carros se mesclam. Um dos quiosques do parque, com telhado de
barro e banco de madeira marrom, que é usado para os churrascos, é espaço para
um ritual indígena. Chego ao local às 18h30, horário marcado, porém o líder
espiritual Kaxinawa Tuim, junto com três mulheres, duas morenas e uma loira,
chegam às 20h.

Uma abelha pousa em minha unha, um sabiá canta a minha frente enquanto
nosso entrevistado, usando jeans e camisa, tira do porta-malas sua vestimenta
ritualística: cocar de penas vermelhas e um vestido branco com desenhos indígenas.
Em seu rosto, na faixa horizontal dos olhos, linhas pintadas de preto e vermelho
junto a um sorriso simpático, compõem a expressão desse índio de Tarauacá, no
Acre.

Apresentei-me formalmente, disse que eu estava fazendo um trabalho de


etnografia sobre os sonhos para o curso de Antropologia Cultural, mas como não
poderia fazer uma imersão, em função do tempo bem como de uma permissão do
grupo, seria apenas um primeiro contato, e se ele autorizaria uma entrevista sobre
sua cultura, seu papel no grupo, os rituais de pajelança e sua visão sobre os sonhos.

Tuim cumprimentou com um "Hei Chai", que quer dizer primo, ou família, e
aceitou meu pedido. Disse que era mais conhecido como Tuim Nova Era, do Povo
Huni Kuin, que quer dizer povo verdadeiro, um apelido que vem do tempo em que o
homem branco teve os primeiro contatos. Em suas palavras diz:

Sou do Acre, no município de Tarauacá e a Terra indígena Rio Humaitá,


Aldeia novo futuro, 127 mil e 300 hectares de terra, distribuído em cinco
aldeia, Cada Aldeia como se fosse seringal, vai subindo o rio, aí tem o
seringal e sobe mais um a meia hora tem outra aldeia. Cada aldeia é
composta por liderança, o Cacique, Professor, Agente de Saúde agro
florestal trabalha m educação como IBAMA indígena, coordenadoras das
mulheres, coordenadores da juventude, pajé. São todas essas categorias
que compõe na comunidade. Eu sou, represento lá o meu povo, trabalho na
educação ambiental como IBAMA indígena, sistema agro florestal. E ao
mesmo tempo faço parte de um organização nossa a ACIH – Associação
Cultura Indígena do Rio Humaitá – e exerço nessa organização como
tesoureiro da associação. E ao mesmo tempo sou incentivador, aluno
incentivador preservador, como líder espiritual da cultura da Cultura Huni
Kuin (NOVA ERA, 2013).
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Antes do encontro, eu o entendia como um pajé. Contudo, ele se considera


um líder espiritual. Incentiva a sua cultura para que não caia no esquecimento, pois
já morreram muitos de seus "velhos" que tinham muito conhecimento, pois estes
estavam se esvaindo em função dos jovens estarem se perdendo na bebida
alcoólica, que, para eles, é a destruição. Ao conhecer outras culturas, Tuim começou
a valorizar o que tinham, o Nixi Pae, que é a Natureza e ao mesmo tempo Deus. A
partir disso, ele começou a se preocupar com o futuro da aldeia, em suas palavras,

Em 2000 pra cá quando eu comecei a sair da aldeia, pra participar desses


cursos em Rio Branco, que sistema agroflorestal, o curso era basicamente
de 45 dias, e ai eu pude conhecer um pouco, andei nas igrejas. Eu atumava
o Nixi Pae. O Nixi Pae é o Daime, o Ayahuasca, tem muito outros nomes.
Eu atumava o Nixi Pae. O Nixi Pae é o Daime, o Ayahuasca, tem muito
outros nomes.
R: Lá eles chamam de Nixi Pae?
T: Holi é só o cipó, sem preparo nenhum, ela ainda está numa floresta
ainda, ela preparada é chamada de Nixi Pae. Então a gente já tomava. Mas
quando fui em Rio Branco eu pude conhecer e visitar outras igrejas, como a
outro Santo Cinco Mil, a Barquinha, pude conhecer pra espelhar e achei
importante di incentivar, a realidade de Nixi Pae. Ai de 2000 pra cá, cara,
parece que foi uma luz que o povo Huni Kuin receberam novamente, sabe
todo mundo se manifestaram mesmo pro incentivo dessa vida espiritual e
toda medicina na verdade nossa cultura todos. E então se hoje é muito
forte, né? a nossa realidade a gente aposta e acredita nessa natureza,
porque pra nós a gente consagra o grande espírito, que chamamos de
Yuxibu, Deus nós chamamos de Yuxibu. Yuxibu é o espírito verdadeiro.
Agora Yuxi são os espírito que ficam vagando, Yuxi. Yuxibu são os espírito
verdadeiro então consagramos o espírito verdadeiro, Yuxibu, como toda
essa natureza. [...] Então..., não sei se traduz dessa forma mas que, a gente
conhece e consagra que sem deus ninguém vive, a gente não consegue
viver sem a terra, sem a floresta, sem o ar, sem o planetas. Então a gente
acredita que deus é natureza (NOVA ERA, 2013).

2.1 O RITUAL

No Parque Barigui, quem passasse por ali poderia escutar algo diferente na
noite curitibana: os presentes comungavam violão, atabaque e o canto de Tuim.
Misturado com cantos dos grilos, orquestrava-se o encontro de pessoas do Acre e
do Paraná.

Tentei conversar o que foi possível, para obter informações sobre sua cultura
e sobre sua vida, em estado de vigília, pois para continuar o encontro Tuim solicita
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que experimentemos seus elementos ritualísticos. Neste momento eu ainda estava


"consciente" e tendo um controle sobre o que pensava e falava.

Convida-nos para utilizar o Rapé, que é usado pelas narinas. O rapé, que
vem do francês râper, e significa raspar, é um tabaco em pó para inalar. Inalando,
perdi o controle sobre meus pensamentos que migravam do refletir para o sentir.
Desse ponto para frente, se era eu quem estava tentando conduzir uma pesquisa,
passou a ser o Tuim, a conduzir o ritual, pois ele dominava esse estado do ser, que
o Rapé provoca, e eu não. Também um espirro atrás do outro, senti como se minhas
vias nasais estivessem mais apuradas, com fluxo de ar melhor. Creio que isso seja
uma passagem significativa em que minha razão reduziu o seu poder e o sentimento
ficou mais presente, bem como as sensações do corpo. Para ele, esse estado é uma
medicina para o corpo e para o pensamento.

A sensação de harmonia começa a permear, quando eu me entregava à


experiência, mas quando eu queria voltar à razão, ao controle e ao pensamento, eu
tinha dificuldade e isso quebrava a sintonia. O canto e a dança ajudaram a estruturar
a minha experiência para voltar à razão. Muitas tradições que utilizam essas
medicinas, como também o Ayahuaska, têm o canto e a dança como rituais
necessários. Talvez eles tenham um papel mediador dos estados do ser.

Então todas essa medicinas Nixi Pae, ela é da natureza, é o espírito divino,
são o Yuxibu. E dentro dessas medicinas sagrada nós temos o Nixi Pae que
é o Daime e Yunus Maruska o que é o Rapé. E temos também outras
medicinas, usamos o liquido nos olhos e temos algumas batatas. Toda
floresta são medicina é como se fosse pessoas, milhares de vida. [...]
E tem outras medicinas que a gente usa, a gente se cura através da
fumaça. A defumação, tudo faz parte da cura, de matéria, di espírito e di
pensamento. (NOVA ERA, 2013).

Como já conhecido na Antropologia, os povos são etnocêntricos. Com os


Kaxinawas não seria diferente, em especial com suas medicinas, que consideram
mais verdadeiras, pois, para eles, não são criadas pelos seres humanos, e, portanto,
intermediadas. As suas medicinas vêm direto da natureza.
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Então toda essa medicina ele é uma cura divina. Começa com o Nixi Pae.
Todas as religião do mundo elas são sagrada e tem poder de curar, sabe,
dependendo da fé, porque o que vale é a fé. Mas não tem uma religião no
mundo que teja mais puder de que o Nixi Pae, que é o Daime.

R: que o Daime?

T: É, porque as religiões são criada e formada pelo homem. É o homem que


estuda, estuda, se forma passa para seu um pastor, que seja padre, que é
demais, né?

R: hum

T: De forma que são criadas, da forma que as pessoas interessam. E o Nixi


Pae, o Daime, ele não é ciência e nem conhecimento de homem, ele é da
natureza.

R: É da natureza, sim.

T: Então de tudo a gente fala, com a grande espírito, com o Yuxibu, é


sagrado ela vale pura. Mas a gente se sente mais próximo do criador
quando a gente toma essas medicinas. Né? (NOVA ERA, 2013).

2.2 QUEM É E O QUE É SER UM PAJÉ

Pajé é um termo ameríndio, mas, classicamente, na Antropologia tem a


denominação de xamã. Nosso informante não se caracteriza como tal, e sim como
um estudante. Em sua história, o nome pajé, quando alguns o assim chamam, ele
agradece, mas se considera um estudante da natureza. Ele diz que é uma missão
que a pessoa já nasce tendo e a vida só encaminha. O verdadeiro pajé é a própria
medicina.

T: A gente já nasce, desde criança os pais, os irmãos já veem com aquela,


com aquele espírito, toda forma de se trabalhar, de conhecer, de poder
falar, já vem sabido com esses conhecimentos, depois se manifesta, a
própria natureza encaminha a gente, começar a aprender as medicina,
começar a ter os conhecimentos, começar a ter a missão sem nunca ter
estudado ido a escola. Porque eu nunca tinha ouvido, nunca fui estudado. A
minha escola seria a floresta, todo esse conhecimento que tô passando,
todo esse conhecimento.

R: Como que foi sua iniciação como xamã, como lider espiritual, como que
se deu.

T: Então, eu, realmente não divulgo o nome como pajé, né? Eu sou um
estudante, sobre a natureza, né?

R: hunhum

T: Eu considero como pajé que são essas medicinas (o grifo é meu).

R: Tá
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T: Mas a gente estuda essa realidade da pajelança, que tem o nome assim
de pajé, né?

R: hunhum.

T: Porque eu nunca tive interesse de ter o nome de pajé, mas alguns dos
irmãos que me chamam eu agradeço é uma gratidão. Mas eu não coloco o
nome disponível que eu sou pajé

R: Sim, você é um estudante.

T: Sim, sou um estudante. Mas assim, o pajé não se faz, o pajé já nasce,
porque se se fizesse qualquer um jé era um pajé. Porque eu mesmo lá não
tem diferença, porque não tem ninguém melhor que ninguém.

R: Sim

T: E nem ninguém é pior de que ninguém. Tem pessoa diferente


conhecimentos, diferente categoria, né? Então se todos tivesse o mesmo
pensamento, né?, o interesse o sonho nosso, né e conhecesse essa
mesma medicina, com certeza com certeza o mundo teria um outra visão.

R: sei

T: Então não é todos. Então todos nós que estão presente, que tem esse
interesse, que tem esse amor sobre essa natureza ela recebe esse poder
divino, né?

R: hunhum

T: Da pajelança da espiritualidade, por isso a gente se conectava. Todas


pessoas que seguem essa linha espiritual a gente parece que há muito
tempo já se conhece, a gente se dá material, só no ver já chama atenção
porque já faz parte da família.

Essa conexão se apresentou na minha experiência com o Rapé, com a


música e a dança. Havia uma sensação de união, de não se sentir separado, de ser
outro e o outro ser eu. Uma comunhão.

Pensar que a pessoa é o pajé e que é ele que cura é uma representação que
fiz. Entretanto, esse relato mostra outra perspectiva, que o verdadeiro pajé é a
natureza. Também é uma forma de não valorizar ou desvalorizar ninguém por um
título, segundo nosso informante: "ninguém é pior que ninguém [...], porque ninguém
é melhor que ninguém".

2.3 SONHO COMO MISSÃO

Aos seis anos, Tuim começou a ter um sonho de ser quem ele é hoje, um
líder espiritual, conhecer sua natureza espiritual e trabalhar nela. As práticas se
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mesclam com a tradição católica, pois teve contato com as orações dos santos e de
uma linha diferente da luz clara, que o fez entrar em crise e voltar para suas origens.
Esse episódio aparece na jornada do herói: uma das etapas da iniciação do xamã
são as crises de iniciação, as doenças em que depois eles saem e estão prontos
para curar os da comunidade. (CAMPBEL, 1990; KRIPPNER, 1998; ELIADE, 1978).

Ele pedia que sonhasse antes dos fatos acontecerem, bem como que seus
sonhos sobre sua vida dessem certos e também de voar, que seus pés saíssem do
chão. Além disso, focou numa missão, de levar e preservar os conhecimentos
tradicionais.

T: Aos seis anos comecei a conhecer um pouco da realidade da cultura que


temos, também de conhecer esse lado, esse mundo, além dos
conhecimento tradicional que a gente já tinha. E comecei primeiro a
aprender diante das medicinas que eu já conhecia, mas como tem uns dos
irmãos como você, os chainauás que tem o interesse, eu [também] tava
aprendendo, mas eu aprofundei mais pra aprender as orações, as devoções
né? Todos santas e santos que existe, que tem, eu comecei a aprender.
Primeiro eu comecei, a minha mãe passou uma oração que, é de nossa
senhora do desespero, quando passar um ano rezando, um ano, todo dia
rezando, que todos os meus sonhos iria dar certo. Que eu sonhasse, antes
de acontecer eu sonhasse. E até o dia que eu fosse fazer a minha
passagem eu ia tar sabendo o dia e horário que eu iria fazer minha
passagem.

R: Até a passagem, a questão da morte.

T: Aí eu comecei a estudar, o primeiro meu foco, que eu comecei a estudar


ela me deu, eu comecei a estudar, o salmo né? E ela entregou a missão. E
eu tinha que estudar pra aprender, porque se eu não aprender na oração
mesmo, fala-se que se a gente não aprendeu, usar e não aprender, a gente
irá se arrepender na porta do inferno. Aí então botei seguro. E aí comecei,
né. Aí depois tive rodando assim, ai conhecendo esse mundo também,
muito jovem também, porque quando meu pai teve a passagem eu era bem
piquininho. Piquininho ainda eu sou, (risos) eu era criança, (risos) eu era
criança. Aí eu tive interesse de aprender também. Bom, agora o que eu vou
fazer? Aí eu comecei, eu passei, acho que foi bem três mês, né?,
aprendendo lutando a capoeira, depois eu passei mais um mês, aprender a
lutar karatê, aprendendo como além de ser da floresta, mais de ser um índio
guerreiro

R: sim

T: todo lado tá preparada, né? Material e espiritual, aí comecei, ai disse


agora eu vou passar pra outra oração, forte, aí teve um chaina, eu
perguntei, ele disse tinha um oração muito bom, né? eu num sabia, ele
passou uma oração que ela não faz parte dessa linha, dessa luz clara, né?
foi muito forte pra mim, ai essa aí eu andei desmaiando, o meu tio chegou
lá, eu era muito jovem, não me deixou mais, mandou eu jogar essa oração e
jogou. Mais era pra lutar com sete ponto de faca.

R: Nossa

T: Era como si entrasse assim num tipo briga ai fosse tipo, lutasse com sete
pessoas. Eu entrar aqui e vencer sete pessoas. Aí com sete ponto de faca.
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Aí a primeira vez que eu peguei, que eu rezei essa oração que o chai me
deu, aí eu fui pra mata caçar e aí eu dismaei, topei com muitos outros
animais, aí eu não ví nada, quando me dei por mim, meu primo tava me
chamando, eu tava arriado no chão.

R: unhum...

T: Ai eu vim de lá pra cá, aí meu tio me conheceu primeiro, falou pra mim,
se perguntou que horas são, o que eu tava usando? falei pra ele, mostrei
pra ele que não era bom, não era pra mim. Aí fez uma reza, umas curas em
mim, banho de medicina de (.....) Aí eu voltei novamente de novo. E
quando eu comecei a trabalhar, essa questão e voltar, o principal mesmo
era a cultura, as medicinas isso aí então, vou deixar isso pra lá, respeito,
todas missão exige respeito, tem um maior carinho, mas a minha missão
seria voltada a minha realidade, das medicina

R: das medicina

T: aí eu focalizei com a mente, né? E aí pude conhecer um pouco dessas


medicina. Eu faço pesquisa, sou pesquisador sobre a preservação e a
valorização das medicinas tradicional do Povo Hunin Kuin

R: Olha!

T: Publiquei um pequeno material didático, porque os velhos que tão


sabendo, eles tinham esse conhecimento, quando tão fazendo a passagem
tão levando esse conhecimento.

R: unhum..

T: E esses conhecimentos era só, era só os pajé que sabiam. Então eu tive
uma visão que não era muito legal dessa forma, era bom que esses
conhecimentos explodissem pra juventude aprender, pra não ter só um
curador, porque senão ele faz a passagem e leva todo o conhecimento. Aí
juntei a juventude ai a gente tá nessa pesquisa, de aprender memo, a
segurar. Porque com a medicina da farmácia a gente não conhece, a gente
não tem o conhecimento, sabedoria pra se usar ela, porque eu conheço
como droga, né?

R: Sim

T: Como droga, porque a gente toma o remédio tem ser no horário certo
quantidade certa. Se tuma menos não serve, se tumar mais já se envenena

R: unhum

T: Então não sei trabaiá com isso. Eu achei melhor trabaiá com os
conhecimento tradicional que nois sabemo a forma de se trabaia com ela,
mais naturalmente, né?. Então toda essa medicina ela tão inserida nesse
nosso preparo. E eu consagro todo, até uma semente que a gente vê, pra
mim, é o milagre da natureza, é como se fosse, esse aqui tupi, chamamos
de tupi, esse tupi tem osso de gavião real. Osso de gavião real e osso da
jiboia, parece uma estrela, osso da jiboia. E tem essa simente, então cada
uma simente dessa é um milagre da natureza. Então todas medicina são
relacionado todos espírito, né? O rapé que nois temo aqui, é o espírito vivo.

R: Certo

T: É o espírito vivo, que a medicina tem vida. E quando nos pegamos a


medicina, quando pego a medicina pra preparar o rapé, eu peço a
permissão. Qual é a missão que eu tô querendo? Trabalho de cura? O que
é que eu quero com ela? Então quando eu peço, ela tá nos ouvindo.
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R: unhum

T: Sabe que Yuxibu, espírito ninguém ingana, né?, Com Yuxibu ninguém
brinca. Yuxibu não deixa nada fiado. O que a gente faz recebe. Se faz o
bem, recebe o bem, se faz o mal recebe o mal. Então seria essas medicina.
E pra continuar a conversa, não sei se deu bem de esclarecer um pouco,
porque pra gente poder se conhecer a gente tem que entender, né? Material
e espiritualmente.

3 CONTATO DE SEGUNDO GRAU: Uma possibilidade de contato com os pajés


e qual deles pode falar sobre os sonhos.

Uma das surpresas no contato com Tuim foi perceber que, de acordo com
seu relato, existem vários tipos de pajés, um para cada função na comunidade e
cada qual respeita a missão específica de cada um.

R: O que eu queria também saber, se for possível, se os sonhos, no grupo


de vocês, se eles têm importância? Como que vocês entendem os sonhos?
Se você já teve algumas experiências durante os sonhos.

T: Então, assim, é que na nossa forma da tradição, igualmente o lado do


mundo também né?, cada um segue a sua missão. Então tem uns que é
mais voltado ao sonho, contato mesmo com a natureza, que faz parte de
todos os seres. Como uma jiboia, um gavião real chamado de nauatutu,
também da água, da terra, do sol, da estrela e toda essa floresta, tem uma
tradição muito forte, só que eu ainda não me manifestei pra aprofundar esse
estudo desse lado do sonho, mas tenho, do lado do meu tio como pajé,
você conheceu?

R: Não.

T: o pai da mata, o meu tio que apresenta lá como pajé, ele é um jovem
também. Tivemos aqui em Curitiba, inclusive agora passou pra se encontrar
com a gente, vai tá lá, cara manda bem. Nós chamamos que a gente não é
artista né?, a gente chama a força, mas ele manda muito bem. Ele tem
energia pra poder cantar. Mas que é legal esse nosso encontro aqui, vou
parar só por aqui, a gente chega até de conversar com o pajé. Eu te informo
muito bem, porque não vou me comprometer, a que eu não vou querer
inventar roda, porque aqui dentro dessa verdade, Tuim é bem pequeno, o
cara vacilou já era.

R: Ah, certo.

T: Então só informo o nível que posso informar, mas é muito bonito, é muito
lindo, a gente consagra muito.

R: Consagra muito os sonhos, ahanm.

T: sonha no outro dia, sonha no outro dia, que tem que tá preparado. É
verdade, é o nosso espírito, né?

R: isso.

T: O nosso sonho é o nosso espírito, que trabalha, que viaja, que encontra
com outros espíritos. Então tudo é verdade, que nosso espírito são
verdadeiro. (O grifo é meu).
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R: Você, pessoalmente, já teve algum sonho que foi bastante revelador, ou


então foi importante pra você?

T: Sim, mas que seria outro momento.

R: outro momento.

T: A gente conversar melhor.

R: Tá.

T: [Com certeza] mais as forças da medicina, porque tamo se,


reconhecendo agora.

R: Claro

T: Né? É muito sagrado, é um mistério.

R: Um mistério.

T: mas eu tenho mais informações, dessa realidade, pra gente pode


manifesta mais na força do Nixi pae, e pode conhecer, meu ver, meu
espelho da vida, se sente melhor (NOVA ERA, 2013).

Esse pareceu ser o ponto essencial do primeiro contato, em que meu


informante não ultrapassa seu conhecimento e também dá um limite do primeiro
contato, mas abre a possibilidade de continuar a pesquisa. Ele menciona que eu
seria um convidado dele e que apresentaria à comunidade em Tarauacá/AC, na
Aldeia Novo Futuro, e ali com os pajés dos sonhos continuaria a pesquisa.

4 DISCUSSÃO

4.1 AS PERSPECTIVAS OCIDENTAIS DOS SONHOS

O estudo dos sonhos não é novidade. Na Mitologia grega, o sonho aparece


como personificação da noite Hypnos. Essa abordagem é externalista, em que o
sonho está fora da pessoa e ocorre uma visita ao dormir, o que não ocorre com
nosso entrevistado, ele não diz que o sonho é um outro ser, e sim que é nosso
espírito.

Na Antiguidade, as pitonisas do Oráculo de Delfos utilizavam dos sonhos


como arte divinatória com o deus Apolo, em que lideres da sociedade, militares e
pensadores consultavam para seus interesses. No relato do nosso informante,
percebemos que ele rezava para saber fatos do futuro, porém não é a partir de um
outro, um Deus, mas a partir de si mesmo.
Platão (1970) mencionava que os sonhos eram delírios, pois na concepção
dele o que é verdadeiro só pode ser apreendido pelo intelecto, e os sonhos seriam
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algo do corpo, portanto um simulacro, algo falso, diferente de Tuim que considera
verdadeiro o espírito, que é o sonho.
Aristóteles (2012), em seu livro Parvo Naturalia, começa a caracterizar que os
sonhos não eram mensagens divinas, mas algo ligado à natureza, ou seja, fruto das
percepções sensoriais, e que a verdade pode ser apreendida pelo corpo, o que para
ele não é falso. Nas tradições ameríndias, o corpo tem um papel importante na
construção da realidade e da verdade.
Artemidoro (2009) sistematiza o conhecimento das técnicas de interpretação,
na época, e sua abordagem incluía os sonhos simples e os oníricos. "O sonho
onírico difere do sonho simples porque o primeiro significa o futuro e o segundo, as
coisas presente" (ARTEMIDORO, 2009, p.21). O líder espiritual Tuim espera que
seus sonhos revelem suas realizações até a sua morte, mas também fala que seu
sonho é levar sua cultura para outros grupos.
No período Medieval, em especial na Espanha com Santa Tereza de Ávila e
São João da Cruz, os sonhos poderiam ter três causas: natural, a demoníaca e a
divina. Critérios simbólicos eram utilizados para caracterizá-los (NUNES JUNIOR,
2005). A questão do sagrado se manifesta com o profano através dos sonhos. As
orações são usadas na elevação do ser, uma prática presente no cristianismo de
possível contato com Deus. Se os sonhos conduzem uma mensagem do sagrado,
essa mensagem está fora da pessoa, configurando, portanto, uma característica
externalista. Tuim, por sua vez, teve contato com as orações dos santos para que
seus sonhos se realizassem e considerou algumas dessas experiências como fortes,
em que teve crise e deixou-as de lado. Isso favoreceu a valorização de sua própria
cultura.
Na modernidade, Descartes (2004), em sua obra Meditações sobre a
Filosofia, concebe o sonho, assim como a vigília, como fontes não seguras, uma
fantasia. A experiência de Tuim contraria essa abordagem, pois o sonho é tão
seguro que pode guiar uma vida, uma missão. No Romantismo, os sonhos
aparecem como uma revelação mais profunda do ser humano, em oposição à
racionalidade moderna.
Nietzsche(1992), no Nascimento da Tragédia, distingue os “sonhos” e o
“êxtase”, o primeiro como um princípio Apolíneo – ligado às artes plásticas e a
individuação; e o segundo como um princípio Dionisíaco – ligado à música e a livre
criação. Nos rituais com Tuim, música, cantos, roupas e a bebida de enteógenos
16

aparecem como elementos constituintes da prática social, que podem afetar os


sonhos. O visitante Kaxinawa parou de orar alguns salmos, pois eles o fizeram
desmaiar, e começou a ter visões com alguns animais, o que o levou para um
processo de individuação, priorizando sua cultura. Isso indica que os elementos
ritualísticos antes do sonho podem influenciar os sonhos.
Os estudos científicos contemporâneos sobre os sonhos iniciaram com Freud
(s.d.), com a obra A interpretação dos Sonhos, em 1895. Os sonhos seriam
expressões tanto do inconsciente, sobre os desejos, quanto de vontades reprimidas
na consciência. Nesta abordagem, percebemos que os sonhos só ocorrem dentro da
pessoa e que não há nenhuma relação com elementos exteriores do sonhador.
Neste período, Freud teve contato com pacientes com experiências de sonhos
telepáticos (que podem ser do passado, do presente ou do futuro), ou seja, que os
conteúdos dos sonhos eram externos à pessoa, portanto, não era do inconsciente
pessoal. Ele teve medo que essa possibilidade dos sonhos telepáticos refutasse sua
teoria do inconsciente, depois ele percebeu que as duas possibilidades poderiam
ocorrer sem que uma excluísse a outra (FREUD, 2006a; 2006b; 2006c). A vontade
de Tuim saber sobre seu futuro pode não ser apenas um desejo, mas uma
possibilidade que a pessoa capta algo significativo do futuro. Os xamãs têm essas
experiências, geralmente com intuito de ajudar a comunidade, ou seja, existe um
fato social para o qual o sonho tem importância.
Jung (2008), com o inconsciente coletivo, e sensibilizado com estudos da
antropologia, coloca os sonhos numa perspectiva de relação – espécie de amigo – e
também percebe que os sonhos têm dinâmicas sincrônicas, ou seja, conteúdos
internos e externos que se ligam além do espaço e no tempo, através dos
arquétipos. Estes seriam símbolos universais que a experiências daria um colorido
especial. Na experiência de crise de Tuim, ele percebe alguns animais, que para
Jung seriam os arquétipos, mas na cosmologia ameríndia seriam seres que existem,
e que também os xamãs podem se tornar em suas viagens xamânicas. Mas qual
seria a razão da perspectiva do sonho de Tuim ser diferentes da abordagens
ocidentais?
17

4.2 ANTROPOLOGIA DOS SONHOS

A Antropologia tem se interessado pelo tema dos sonhos. Algumas pesquisas


têm valorizado a perspectiva descritiva das experiências oníricas a partir dos
próprios xamãs (LANGDON, 1996; 1999). Para estes, as experiências relatadas têm
um papel relevante na sua constituição. Seriam ordens concebidas, que
correspondem ao domínio do mito e da religião (LÉVY-STRAUSS, 1975, p. 357).
Segundo a antropóloga Esther Jeon Langdon, tem aumentado o interesse
sobre os relatos de sonhos nas sociedades amazônicas. Um exemplo seria os
Sionas:

Essas narrativas são importantes, pois constituem parte do sistema


simbólico que auxilia os Siona a compreender e a interpretar os
acontecimentos da vida diária ocasionados por forças ocultas. Eles
expressam certas relações icônicas entre o visível e o invisível, oferecendo
pistas para sua interpretação. (LANGDON, 1999, p.41)

Outras pesquisas sobre sonhos têm valorizado o aspecto da arte e da estética


(LAGROU, 2002 apud BACELOS NETO, 2002, p. 15), explorando as imagens e
ícones que os sonhos trazem. A criação, a imaginação e a percepção nos sonhos
dos ameríndios só podem ser entendidas se captarmos como o pensamento nativo
concebe a realidade.

Essa abordagem se fez através das etnografias indígenas da América do sul,


por meio de narrativas mitológicas, em especial dos xamãs, que conseguem, em
estados de consciência, mudar suas “roupas”, percebendo-se em outras espécies.

Os mitos indígenas descrevem uma situação originária onde todos os seres


eram humanos, e a perda (relativa) dessa condição humana pelos seres
que vieram a se tornar os animais de hoje. Ou seja, se para nós os
humanos “foram” apenas animais e se tornaram humanos, para os índios os
animais “foram” humanos e se tornaram animais.
Nós pensamos, é claro, que os humanos fomos animais e continuamos a
sê-lo, por baixo da “roupa” sublimadora da civilização; os índios, em troca,
pensam que os animais, tendo sido humanos como nós, continuam a sê-lo,
por baixo de sua roupa animal. Por isso, a interação entre humanos
propriamente ditos e as outras espécies animais é, do ponto de vista
indígena, uma relação social, ou seja, uma relação entre sujeitos (CASTRO,
2013. In MOURA, 2013).
18

Assim, nossa cosmologia apregoa uma continuidade física e uma


descontinuidade metafísica. Os ameríndios postulam uma continuidade metafísica e
uma descontinuidade física entre os seres e o cosmos, a primeira resultando no
animismo e a segunda no perspectivismo (CASTRO, 1996). Isso só pode ser
abordado através dos relatos que os xamãs, ou pajés, fazem de suas jornadas no
mundo onírico.

Os estados do ser nos sonhos tornam-se um veículo, como uma roupa-


máscara para se deslocar no cosmos, como os xamãs fazem. Assim, não são
fantasias, mas instrumentos, semelhantes à maneira de um escafandro, para ser
como um peixe e entrar no oceano.

4.3 PAJELANÇA

O termo pajelança deriva de pajé, que é o nome dado à pessoa que transita
entre o mundo físico e espiritual, com uma finalidade social. Embora o uso mais
tradicional seja o de xamã e suas práticas o xamanismo, o termo pajé e pajelança
dizem respeito às tradições indígenas brasileiras.

Na pajelança – fenômeno talvez concentrado na Amazônia – que se faz


sentir com mais força a influência indígena. O pajé não somente é o
benzedor. Mais que isso. Adivinha os pensamentos, os acontecimentos,
previne-os e os combates. Os processos de cura do pajé aproximam-se do
xamanismo tupi a par da introdução da cachaça, registra-se o uso do
cigarro, do maracá, de rezas (BERTA RIBEIRO, 1987. p.138-9, citado por
BOTELHO, J. B., COSTA, H. L., 2006, p. 942).

Também o uso de rapés, bem como outras substâncias, é utilizado na


pajelança, com intuito de alteração da consciência e viagem xamânica.

Mesmo assim, a viagem xamânica continua sendo, no entanto, uma


característica crucial do xamanismo Kaxinawá. O bedu yuxin viaja, livre do
corpo, no sonho, ou quando o xamã está em transe sob o efeito do rapé ou
do ayahuasca. Estas viagens cumprem objetivos além da cura de um caso
concreto. São excursões exploratórias. Procuram entender o mundo e as
causas últimas das doenças (LAGROU, 2014)
19

4.4 IMAGENS NOS SONHOS

A criatividade e a percepção dos ameríndios só podem ser entendidas


se captarmos como o pensamento nativo concebe a realidade. É necessário que
tenhamos em mente que a concepção amazônica do mundo está em constante
transformação de um ser para outro, o que implica na reinterpretação das relações
entre percepção e criação, bem como as questões de aparência, ilusão e realidade,
que nos leva às questões de estados de consciência.

Desde que consciência é inconcebível sem uma consideração do estado do


corpo, estados de consciência tornam-se estados do ser. Uso “estados do
ser” em substituição à definição comumente utilizada para “estados de
consciência” porque, desse modo, evitamos o perigo de inadvertidamente
opor mente e corpo. Dessa maneira, a clássica questão nas teorias da
percepção sobre a relação entre ilusão e realidade é substituída por uma
consideração da relação entre estados diferentes de ser dos humanos
assim como dos não-humanos. (LAGROU,2002 , p. 45-46).

Schweder, citado por LAGROU (2002), menciona que a imaginação pode


também ser uma forma de percepção, a imaginativa, a qual seria uma construção de
uma realidade, e os sonhos podem ser encarados como um testemunho de outro
nível de realidade .

Numa técnica da arte Kaxinawa, a percepção imaginativa passa a ser


relevante, pois a beleza encontra-se no mundo invisível. Essa percepção não se faz
com a percepção cotidiana, mas a partir do olho mental, o yuxin do olho. O desenho
é um sinal do yuxin. O desenho seria a língua dos espíritos.

Os Shipibo (pertencente ao grupo pano do Ucayali) encaram o desenho como


uma proteção, uma armadura contra as doenças. Os não-Shipibo têm acesso
apenas a pinturas e belezas exteriores. As mulheres dos dois grupos panos podem
ter acesso ao desenho com ajuda de plantas, enquanto os homens, mais
especificamente os xamãs, quando por influência do ayahuasca, visualizam com
ajuda dos cantos, o desenho invisível que cobre a pele de seus pacientes. A
imagem, assim como a vida, está em movimento, congelá-la (como nas fotografias)
seria perigoso, pois seria a ausência de movimento e dos estados do ser, portanto,
de vida.
20

O estado do ser funde estado do corpo e estado da mente. Por isso, quando
alguém, entre os Kaxinawa, vê fantasmas, yuxin ou outras aparições que
não pertencem à esfera da percepção cotidiana, ninguém questionará o fato
de ele ou ela realmente ter visto alguma coisa; se a percepção foi ou não
uma ilusão, isto é, uma “alucinação”, é algo não passível de discussão. Ter
alucinações significa perceber (através de um ou mais sentidos) o que não
existe na “realidade”. O conceito de “alucinação” não existe na língua
kaxinawa porque a concepção e a percepção da “realidade” são
radicalmente diferentes (LAGROU,2002 , p. 49).

A visão, na arte kaxinawa, não teria a característica de mímesis de Platão, ou


seja, de uma aparência, que tem uma mudança daquilo que é real quando surge a
escrita, que passa a ser mais objetiva, que implica numa elaboração da categoria da
imagem no pensamento ocidental. Dessa maneira, o sensível é o ilusório e falso no
pensamento ocidental. A ideia que o "puro espírito", ao se mesclar com a matéria,
seria poluído esteve presente no pensamento ocidental até o século XVII. Foi
questionada a partir da hermenêutica e das ciências sociais emergentes e as teorias
modernas da percepção reintroduziram a noção de capacidades criativas da mente
humana no que tange à imagem. Essa discussão está na ordem do dia na
antropologia e com isso podemos aceitar uma leitura e significado diferentes da vida
nas imagens na arte Kaxinawa. Neste contexto é que incluímos as imagens e
informações que a experiência dos sonhos parece constituir. Não um subproduto
das experiências diárias e um reflexo noturno, como diria Freud, mas outra
construção de realidade, baseada em multiplicidades de mundos, que os sonhos
podem mostrar.

Aristóteles Barcelos Neto3 (informação verbal) indica que a discussão dos


sonhos, na cosmologia ameríndia, é uma discussão ontológica. Na ontologia
indígena Kaxinawa, os sonhos são uma realidade, em que o espírito ou alma é
verdadeiro e que pode se encontrar, em outra realidade, com outros espíritos. Muito
diferente da abordagem psicológica freudiana (FREUD, [s.d.]) que os sonhos são
apenas reflexos do dia e desejos mal resolvidos, uma abordagem internalista. Para
os Kaxinawas a abordagem está além da perspectiva ocidental. O espírito, após um
ritual com elementos da natureza, cantos e orações, segundo nosso informante,
pode viajar, voar e saber informações sobre o futuro, o presente e passado, em
outras realidades que não o da vigília e também trazer informações relevantes para

3
Informação fornecida por Aristóteles Barcelos Neto, pela Internet - Curitiba- University of East Anglia, Reino
Unido, em janeiro de 2014.
21

seu grupo. Nesse sentido, os sonhos têm uma dimensão de conhecimento não
apenas para si próprio, mas para a comunidade. Isso só pode ser compreendido
através dos sonhos, que os pajés ou xamãs trazem de suas jornadas xamânicas
(ELIADE, 1978).

Tuim, após a experiência com sonhos, focou em sua missão reinventando sua
cultura e levando-a para outros lugares além de suas fronteiras físicas e culturais.
22

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício etnográfico foi um desafio. Buscar um contato com um grupo


aberto às pesquisas não foi tarefa fácil. No caso dessa pesquisa houve sorte de uma
oportunidade em Curitiba. Outra dificuldade foi o registro dos dados, que se não
houvesse o gravador de voz, não teria conseguido as informações após o ritual,
dessa forma a coleta de dados em rituais é difícil, mas os equipamentos de coleta
auxiliam uma memória externa.

A experiência com o rapé muda o estado de ser, nesse sentido, há quase um


esquecimento da pesquisa e entrega total à experiência. Após a experiência, não
tinha as informações, só o sentimento, o que no sentido da medicina kaxinawa é o
propósito maior.

Transcrever o material gravado foi outra dificuldade. Três horas tornaram-se


meses. Após isso, a sistematização dos dados, a descrição da experiência e a
organização do artigo renderam estresse, desânimo e por fim uma conquista:
escrever uma etnografia, ou para ser menos pretensioso, um exercício etnográfico.

Tuim passou a ideia de um sopro de um tornado: sonho é espírito. Essa


abordagem difere das abordagens ocidentais do sonho, pois a perspectiva dos
sonhos ameríndios parte de outra ontologia sobre a realidade. Esta múltipla e real,
tal qual a de vigília, e que pode ser acessada após os rituais com os elementos da
natureza, que alteram o estado do ser quando a pessoa dorme e o espírito "viaja".

As experiências nos sonhos teve papel importante na construção de


identidade do lider kaxinawa. Tuim fala que os sonhos são o espírito e uma visão,
como missão de reinventar e levar sua cultura para o mundo. Através de seus ritos,
com estados diferentes do ser, Tuim pode inverter as posições entre ele e os
participantes, que o termo nawa em seu nome revela, levando sua cultura, em que
sua medicina é a mais verdadeira.

Senti uma comunhão com Tuim, e parece que foi recíproca, pois houve o
convite para uma nova aventura antropológica, em sua aldeia a 4000 km de Curitiba.
Essa nova etapa seria uma imersão com os pajés dos sonhos e que Tuim se
prontificou de ser um mediador.
23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Edson Bini.São Paulo: Edipro, 2012.

ARTEMIDORO. Sobre a interpretação dos sonhos. Trad. Eliana Aguiar. Rio de


Janeiro : Zahar, 2009

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Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 927-56, out.-dez.
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CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas
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ameríndio. Mana Vol. 2, (2). Rio de Jeneiro, oct, 1996, p.115-144.

DESCARTES, Rene. Medicações sobre filosofia primeira. Trad. Fausto Castilho.


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ELIADE, M. Visões e sonhos iniciáticos entre os xamãs siberianos. In: Os


Sonhos e as Sociedades Hun Janas (G. E. von Grunebaum & R. Caillois, orgs.), pp.
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FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. São Paulo : Circulo do Livro, [s.d.]

----------. Psicanálise e Telepatia. Rio de Janeiro. Ed. Imago. 2006a, v. XVIII.

----------. ‘Sonhos e Ocultismo’, in Novas Conferências Introdutórias sobre


Psicanálise. Rio de Janeiro. Ed. Imago. 2006b, v. XXII.

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JUNG, Carl G. (et al.). O homem e seus símbolos. 2. Ed. Esp. Trad. Maria Lúcia
Pinho. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2008.

KRIPPNER, Stanley; CARVALHO, André Percia. Sonhos Exoticos: Como Utilizar


o Significado dos Seus Sonhos. Trad. André Percia de Carvalho. Sao Paulo :
Summus Editorial, 1998.

LAGROU, Elsje Maria. Prefácio. In: BARCELOS NETO, Aristóteles. A arte dos
sonhos. Lisboa – Portugal : Assirio & Alvaim, 2002.
24

LAGROU, Elsje Maria. Fonte: Instituto Socioambiental | Povos Indígenas no Brasil:


Kaxinawa: Xamanismo. Disponível em
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LANGDON, E. J. . Representações do poder xamânico nas narrativas dos


sonhos Siona. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 1, n.0, p. 35-56, 1999.

_____________. (Org.). Xamanismo no Brasil. Novas perspectivas. Florianópolis:


Editora da UFSC, 1996.

LÉVY-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro : Tempo


Brasileiro, 1975.

MELLO, Flávia Cristina de. Aetcharau Nhanderukuery Karai - Entre Deuses e


Animais: Xamanismo, Parentesco e Transformação entre os Chiripá E Mbyá
Guarani. 2006. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal de
Santa Catarina, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Orientador: Oscar Calavia Saez.

MOURA, Flávio. Os índios no plural: O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro fala


sobre seu novo livro, elogiado por Lévi-Strauss. Acessado em 01/04/13, Disponível
em <http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1417,1.shl>

Nietzsche, Friedrich Wilhetm. O nascimento da tragédia, ou helenismo e


pessimismo. tradução, notas e posfácio J. Guinsburg. São Pauto: Companhia das
Letras, 1992.

NOVA ERA, TUIM. Entrevista. [mar. 2013] Etrevistador: Reginaldo de Castro


Hiraoka. Curitiba : PUC-PR, 2013. 1 arquivo .mp3 (1h 42 min). A entrevista na
íntegra encontra-se transcrita no Anexo II deste trabalho.

NUNES JÚNIOR, Ario Borges. Êxtase e clausura: sujeito místico, psicanálise e


estética. São Paulo : Annablume, 2005.

PLATÃO. Teeteto. Trad. Fernando Meira. Lisboa: Inquerito, 1970.


25

ANEXOS
ANEXO I - CADERNO DE CAMPO DIGITAL
07/03/13
Hoje é quinta-feira, estava em meu trabalho no Instituto Nacional de Pesquisas
Psicobiofísicas, dentro das Faculdades Integradas Espírita, na Cidade de Curitiba,
Paraná. Muito perto daqui, a 1 km, fica o Parque Barigui, local de minha etnografia.
Neste parque, a sociedade curitibana frequenta por vários interesses, desde saúde a
encontros amorosos e também de aparência.Neste dia ouvia a chuva lá fora, um
toró que afoga qualquer silêncio. Exatamente às 17h uma ex-aluna de
Parapsicologia me liga:
Juliez: - Regi, tenho uma boa notícia: vai ter um ritual xamânico hoje às 20:30,
daquele grupo indígena do Acre, que lhe falei.
Reginaldo: Puxa vida Jú, infelizmente eu não poderei ir, tenho um
compromisso já.
Juliez: - Ahhhhh, mas eles vão embora amanhã, quem sabe vocês possam se
encontrar.
Reginaldo: Se eles puderem, estarei livre de manhã e após as 16hs amanhã.
Juliez: Acho que vão acordar tarde amanhã, pois eles tem um ritual que vai
começar e terminar tarde hoje.
Reginaldo: Então se eles puderem, após as 16h estarei disponível
Juliez: OK!!, te aviso então. E se eu não te ligar, me ligue.

08/02/13:
Acabo de chegar em meu consultório de Parapsicologia e a Juliez me liga. Diz
que o grupo poderá ir após as 19hs. O local ideal é o Parque Barigui, no quiosque
da "esquina", como dizem os curitibanos.
Agora é 18:16hs, estacionado de frente para o Rio Bariguí e de costas para os
chalés, ponto de encontro com o pajé. Observo uma jovem de cabelos compridos,
sentada num skate, passa a minha frente, enquanto tento diminuir minha ansiedade
do encontro.
A água parada do rio e o movimento das pessoas, que andam ou correm, após um
dia de trabalho curitibano é a paisagem de espera. A pé ou de carro mostra o final
de semana, que antecede o carnaval.Corpos duros, corpos moles, moldados ou sem
moldes é a paisagem de um fim de tarde no parque. Qual será a representação que
o pajé fará sobre os corpos curitibano, ao chegar no parque? O que eles tem a dizer
sobre os corpos que dormem e tem sonhos?
Na literatura que ví sobre os sonhos dos índios ele se interessam e dão importância
a esse tema. Mas será que todos os grupos? e esse grupo, o que acha? Temo não
saber colocar as palavras e não ser entendido. Também temo não entender em sua
26

singularidade, já que são pessoas diferentes e de lugares e culturas distantes.


Porém são brasileiros como eu.
Já dei tantas palestras e aulas sobre sonhos, e sobre xamanismo, mas agora parece
que nada sei, que tudo sumiu e sinto-me não estar preparado para a descrição que
é a pesquisa etnográfica.
Quem são eles? no que creem? o que cultuam? porque estão aqui em Curitiba?
Ouço pássaros que seus sons se mesclam com a dos carros na BR 277. Estes
aumentam como cresce o tempo e com ele o desespero para o encontro. Até parece
um encontro de namoro. E será que o primeiro contato com o grupo novo não é
isso?, um encontro para o início de uma relação? Será um encontro ou haverão
outros? não sei.
Arvores antigas, aparentemente com várias bromélias ao redor fazem um ambiente
da natureza civilizada, mas natureza. É verão, mas estou com jaqueta, com
emblema da Parapsicologia, a qual este ofício eu pertenço. Essa temperatura típica
de Curitiba, hora faz sol, hora chuva; hora frio, hora calor. Isso mostra a inquetude
da cidade, mas também a minha em relação a essa nova área que estou
conhecendo: a Antropologia, em especial a Etnografia indígena.
Descrever o que?, o que é importante numa etnografia dos sonhos?
Que métodos são mais adequados e quais técnicas?
A professora Flávia falou que usamos as câmeras de fotografar quando as palavras
não puderem mostrar o que as imagens podem. Mas como registrar um sonho?
Será só escutar e da memória transcrever? ou gravo em equipamento o relato?
No quiosque na frente, um grupo de adolescentes, de número 5, bebem, sei
lá o que. e um mendigo se aproxima deles, junto é claro com seu cachorro, branco,
encardido e faminto. Seu dono com uma sacola e, como seu cão, procurando
comida nos lixos. Lembrei-me de Manoel Bandeira, em seu poema "O Bicho"
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,


Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,


Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


27

O cachorro alegre se perde do dono, depois corre ao seu encontro, parecem


companheiros inseparáveis - companheiros. Eles vão seguindo em frente e somem
entre as árvores do parque, somem a vista da civilização, mas não diminui sua
condição. Enquanto eu, com a frescura de saber sobre os sonhos.
Os "piás", como nos dizem os curitibanos, estão posando para fotos, de bonés e de
gorros, simulam algo que querem mostrar em seu facebook, o que eles querem
representar?
Uma abelha, de cor preta, pousa no meu dedo, e fica em minha unha o que seria
isso na visão de um pajé? seria um sinal? Sabiás estão a minha frente, tomando seu
"café", será que elas se consideram pessoas? e estão também caminhando no
Parque Bariguí?
São 19:11m, será que eles virão?, como são? como se vestem?
Aqueles guris estão com um "tubão" verde e estão indo embora.
Liguei para Juliez às 19:20 e ela diz que ainda vai pegar mais duas amigas para vir
até aqui. Ela me perguntou se eu levei um gravador, (ai que constrangimento) bom,
disse que havia pensado que no meu celular tinha, porém depois verifiquei que não
tem. Ela disse que iria trazer.
A ansiedade me tomou e parte de um pacote de pãozinho de mel já se foi. Perto do
bosque que fico a esperar, está três homens que ao chegarem, um ficou de frente
para outro, como que estivessem fazendo uma prece. Depois em suas mãos
pareciam ter algo, e depois quando passei por eles, pareciam estar olhando para os
que no parque caminhavam e disseram "pessoas fracas". Sobre o que será que
eles estariam falando? Dá vontade de ir lá e perguntar, só não vou porque não é
meu objetivo de estudo.
Mas qual seria meu objetivo de estudo? creio que os sonhos, dentro de uma
comunidade indígena, em especial os do pajé. Será que eles se importam, há
alguma relevância? Que sentido dão eles aos sonhos? Existe, em sua cosmologia,
alguma conexão?
E os piás saíram agora, com outros sons de bichos, chegam as "gurias". Os sons
que vem é de abertura de latinha, seria cerveja ou refrigerante? Um casal chega, o
motorista, ao estacionar, entalhou a traseira do carro no morro que dá acesso ao
quiosque. Saíram depois arrancaram a grama e a terra. Seu filho chora e saem do
parque.
Outra latinha é aberta, junto com um som de avião e uma risada, que vem de perto
do rio.

A noite surge com a orquestra, de um lado os grilos, do outro os carros na BR 277.


O Pajé Tuim chega num carro com mais três amigas
28

ANEXO II - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA


AUDIO DE 08/02/2013, 19:52, Inicia aos 46min. vai até 2h. 38 min.

TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA.
T: Eu vou fazer uma conversa aqui, usar a medicina enquanto você trabalha. Eu vou
começar a conversar um pouco com ele.
R: Meu nome é Reginaldo, eu me interesso bastante pelas tradições indígenas. Já
na área de parapsicologia a gente se interessa bastante pelas tradições, curas,
sonhos, experiências que os xamãs tem, os pajés no caso aqui, e agora estou
fazendo estudo dentro da antropologia, por isso queria um contato, a gente estuda
mais literatura, por isso queria tem um contato mais direto, como este, que vocês
estão me oportunizando. Estou muito grato. Dentro desse contato, o que gostaria de
saber, seria um pouco mais sobre a tradição de vocês, de onde são, como se
denominam, se nos rituais de vocês existem algo ligado aos sonhos. Seria mais
dentro dos sonhos que gostaria de entender um pouco mais, e é claro, toda cultura.
São muitas perguntas, não precisa responder tudo.
R: Como é seu nome:
T:Boa noite, meu nome é Tuim, mais conhecido como Tuim nova Era. Sou do povo
Huni Kuin, mais conhecido como kaxinawa, mas o nome nativo seria Huni Kuin, que
significa o povo verdadeiro. Kaxinawa é o apelido do tempo de contato que o homem
branco teve com nós. Os Huni Kuin ..... Os chainauá, que chama o homem branco,
Chai se chama é como família, primo, é por isso que se chama Hei Chai. é
conhecido
Sou do Acre, no município de Tarauacá e a Terra indígena Rio Umaitá, Aldeia novo
futuro, 127 mil e 300 hec de terra, distribuido em cinco aldeia, Cada Aldeia como se
fosse seringal, vai subindo o rio, aí tem o seringal e sobe mais um a meia hora tem
outra aldeia. Cada aldeia é composta por liderança, o Cacique, Professor, Agente de
Saúde Agroflorestal trabalha m educação como Ibama indígena, coordenadoras das
mulheres, coordenadores da juventude, pajé. São todas essas categorias que
compõe na comunidade. Eu sou , represento lá o meu povo, trabalho na educação
ambiental como Ibama indígena, sistema agroflorestal. E ao mesmo tempo faço
parte de um organização nossa a ACIH - Associação Cultura Indígena do
Rio Humaitá - e exerço nessa organização como tesoureiro da associação. E ao
mesmo tempo sou incentivador, aluno incentivador preservador, como líder espiritual
da cultura da Cultura Huni Kuin.
R: Você é o líder espiritual
T: A gente incentiva toda essa cultura para que a gente não possa esquecer. Pelo
tempo do contato, foi muita perda do conhecimento, morreu muito dos nossos velhos
que tinha esse conhecimento, e os jovens foi pra esse outro lado da bebida
alcoólica, a destruição. Em 2000 pra ca quando eu comecei a sair da aldeia, pra
participar desses cursos em Rio Branco, que sistema agroflorestal, o curso era
basicamente de 45 dias, e ai eu pude conhecer um pouco, andei nas igrejas. Eu
atumava o Nixi Pae. O Nixi Pae é o Daime, o Ayuxuasca, tem muito outros nomes.
29

R: Lá eles chamam de Nixi Pae.


T: Holi é só o cipó, sem preparo nenhum, ela ainda está numa floresta ainda, ela
preparada é chamada de Nixi Pae. Então a gente já tumava já. Mas quando fui em
Rio Branco eu pude conhecer e visitar outras igrejas, como a outro Santo Cinco Mil,
a Barquinha, pude conhecer pra espelhar e achei importante di incentivar, a
realidade de Nixi Pae. Ai de 2000 pra cá, cara, parece que foi uma luz que o povo
Huni Kuin receberam novamente, sabe todo mundo se manifestaram mesmo pro
incentivo dessa vida espiritual e toda medicina na verdade nossa cultura todos. E
então se hoje é muito forte, né? a nossa realidade a gente aposta e acredita nessa
natureza, porque pra nós a gente consagra o grande espírito, que chamamos de
Yuxibu, Deus nós chamamos de Yuxibu. Yuxibu é o espírito verdadeiro, Agora Yuxi
são os espírito que ficam vagando, Yuxi. Yuxibu são os espírito verdadeiro então
consagramos o espírito verdadeiro, Yuxibu, como toda essa natureza. Porque, não
sei se dá bem pra você entender, porque eu fala mais na fala tradicional, né.
Entendo muito bem e sei explicar, agora na fala português eu tô tentando aprender
um pouquinho, agora.
T; R: Você fala muito bem
T: Eu tenho dificuldade de entender algumas falas, e o que eu não entender vocês
fala na língua de vocês, tenha um pouco de paciência que eu vou estar sempre
perguntando né, pra eu poder entender.
R: Nós também.
T: Então..., não sei se traduz dessa forma mas que, a gente conhece e consagra
que sem deus ninguém vive, a gente não consegue viver sem a terra, sem a floresta,
sem o ar, sem o planetas. Então a gente acredita que deus é natureza. Então todas
essa medicinas Nixi Pae, ela é da natureza, é o espírito divino, são o Yuxibu. E
dentro dessas medicinas sagrada nós temos o Nixi Pae que é o Daime e Yunus
Maruska o que é o Rapé. E temos também outras medicina, usamos o liquido nos
olhos e temos algumas batatas. Toda floresta são medicina é como se fosse
pessoas, milhares de vida
R: milhares de vida
T: E cada uma medicina tem uma missão, de se trabaia com ela.
R: hum hum.
T: E tem s forma de se preparar pra poder se segurar. Então usamos a medicina pra
cura de matéria, de espírito e di pensamento. O Nixi Pae tomamos ela, e o Yunus
Maruska, o Rapé, usamos ela na venta. E o xanixamate, que é o sanalo, a gente usa
o liquido , o suco delas nos olhos.
R: ahhh Sei,
T: E tem outras medicinas que a gente usa, a gente se cura através da fumaça. A
defumação, tudo faz parte da cura, de matéria, di espírito e di pensamento. E tem o
campu, chamam de cambo, mas é campu. Agora só que o homem branco não
soube, não tem trato de falar na nossa fala de campu, aí se acostumaram a falar de
cambo.
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R: campu
T: Tradicional campu
T: Lá na aldeia que eu moro tem um igarapé que o nome chama iubuiá. iubu é a
jiboia, então os igarapés da jiboia. Enquanto o povo andava lá, era muita jiboia,
muita jiboia, muita cobra no igarapé, aí colocaram o nome batizaram com o nome
iubuiá. Ai o homem branco não soube dizer iubuiá aí acostumaram a dizer imbuia,
tem esse sotaque que nem a forma de campu, então tem essa medicina. Então toda
essa medicina ele é uma cura divina. Começa com o Nixi Pae. Todas as religião do
mundo elas são sagrada e tem poder de curar, sabe, dependendo da fé, porque o
que vale é a fé. Mas não tem uma religião no mundo que teja mais puder de que o
Nixi Pae, que o Daime.

R: que o Daime.
T: É, porque as religiões são criada e formada pelo homem. É o homem que estuda,
estuda, se forma passa para seu um pastor, que seja padre, que é demais, né?
R: hum
T: De forma que são criadas, da forma que as pessoas interessam. E o Nixi Pae, o
Daime, ele não é ciência e nem conhecimento de homem, ele é da natureza.
R: É da natureza, sim.
T: Então de tudo a gente () fala, com a grande espírito, com o Yuxibu, é sagrado ela
vale pura. Mas a gente se sente mais próximo do criador quando a gente toma
essas medicina. Né? consegue falar com ele. Então temos essa medicina sagrada,
esse aqui, ficou mais uns dois litros na casa deles, mas tem um pouco aqui, que
esse aqui tá muito especial também, divino.
J: É todo aquele meu? caramba, que beleza
R: E Yunus Maruska, é esse aqui, Juvenal ficou com o um pouco meu, esse aqui é
até dele. Ele ficou com meu potinho, tá com ele, mais tarde a gent vai se encontrar
com ele, mas eu tenho um pouquinho. Então, pra poder falar um pouco dessas
medicinas nós temos que usar um pouco. Você toma o Nixi Pa? Daime?
R: Sim, sim, já tomei
T: já né?
T: E Yunus Maruska, o Rapé, já usou alguma vez?
J: Aquele que usa no nariz
R: Já sim, sim
T: Tá bom, agora a gente vai dar uma rodada.
J: Vocês fizeram
?: O Rafael fez, aham.
31

R: iiii...
?: Mas, iii, eu não vou tomar daime, eu tenho que viajar amanha cedo, ainda nem
arrumei minha mala, eu vou ficar transtornada.
T: Então
R: No caso.
J: Se eu fosse você não perderia oportunidade
R: Como que foi sua iniciação como xamã, como lider espiritual, como que se deu.
T: Então, eu, realmente não divulgo o nome como pajé, né? Eu sou um estudante,
sobre a natureza, né?
R: hunhum
T: Eu considero como paje que são essas medicinas
R: Tá
T: Mas a gente estuda essa realidade da pajelança, que tem o nome assim de pajé,
né?
R: hunhum.
T: Porque eu nunca tive interesse de ter o nome de pajé, mas alguns dos irmãos
que me chamam eu agradeço é uma gratidão. Mas eu não coloco o nome disnivel
que eu sou pajé
R: Sim, você é um estudante.
T: Sim, sou um estudante. Mas assim, o pajé não se faz, o pajé já nasce, porque se
se fizesse qualquer um jé era um pajé. Porque eu mesmo lá não tem diferença,
porque não tem ninguém melhor que ninguém.
R: Sim
T: E nem ninguém pior de que ninguém. Tem pessoa diferente conhecimentos,
diferente categoria, né? Então se todos tivesse o mesmo pensamento, né?, o
interesse o sonho nosso, né e conhecesse essa mesma medicina, com certeza com
certeza o mundo teria um outra visão.
R: sei
T: Então não é todos. Então todos nós que estão presente, que tem esse interesse,
que tem esse amor sobre essa natureza ela recebe esse poder divino, né?
R: hunhum
T: Da pajelança da espiritualidade, por isso a gente se conectava. Todas pessoas
que seguem essa linha espiritual a gente parece que ha muito tempo já se conhece,
a gente se dá material, só no ver já chama atenção porque já faz parte da família.
R: Já faz parte de uma....
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T: Exatamente. No fundo desse mistério todo mundo são indio. Dizendo assim que
o índio não é melhor que ninguém não.
R: Sei
T: Mas a gente já vem dessa origem, da tradição. De nascido nesta floresta, como
primeiro habitante do Brasil, mas também já vem dessa origem dessas medicina,
nascemos co essa medicina. Então desde criança, a primeira água que tomamos é o
Nixi Pa, primeira água; o primeiro banho é com as medicina, aí já viemo de lá com
essa espiritualidade da pajelança, desde pequeno a gente já vem já.
R: É a pessoa que identifica ou é o grupo que identifica que a pessoa tá vindo com
esse.
T: A gente já nasce, desde criança os pais, os irmãos já veem com aquela, com
aquele espírito, toda forma de se trabalhar, de conhecer, de poder falar, já vem
sabido com esses conhecimentos, depois se manifesta, a própria natureza
encaminha a gente, começar a aprender as medicina, começar a ter os
conhecimentos, começar a ter a missão sem nunca ter estudado ido a escola.
Porque eu nunca tinha ouvido, nunca fui estudado. A minha escola seria a floresta,
todo esse conhecimento que tô passando, todo esse conhecimento.
R: Então desde pequenino você já ia naturalmente ia buscar na floresta, buscar
esses conhecimentos, né
T: já ligado.
R: já ligado. E você teve alguma experiência, assim que você lembre de pequeno,
que te tocou bastante sobre isso?
T:Bem, Quando, da família todos. Quando eu comecei a me entender, eu comecei
logo assim ater, assim tipo um sonho
R: Um sonho
T: Um sonho assim de... ser a pessoa que eu sou
R: ahahmmm
T: De conhecer essa minha natureza e trabalhar esse lado espiritual. O meu maior
sonho era ser de, eu pudesse andar 15 minutos sem pisar no chão, como se
sumisse daqui.
R: Unhum....
T: Sabe, quinze minutos
R: Você tinha quantos anos?
T: Eu comecei com 6 anos
R: seis anos.conhecer um pouco da realidade da cultura tem nois também de
conhecer esse lado, esse mundo. Aí além dos conhecimento tradicional que a gente
já tinha, que T: seis anos a estudar. E comecei primeiro a aprender diante das
medicinas que eu já conhecia, mas como tem uns dos irmãos como você, os
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chainauás que tem o interesse de eu tava aprendendo, mas eu aprofundei mais pra
aprender as orações, as devoções né? todos santas e santos que existe, que tem,
eu comecei a aprender. Primeiro eu comecei, a minha mãe passou uma oração que,
é de nossa senhora do desespero, quando passar um ano rezando, um ano, todo
dia rezando, que todos os meus sonhos iria dar certo. Que eu sonhasse, antes de
acontecer eu sonhasse. Então se diz, pensasse, né? E até o dia que eu fosse fazer
a minha passagem eu ia tar sabendo o dia e horário que eu fazer minha passagem.
R: Até a passagem, a questão da...
T: Aí eu comecei a estudar, o primeiro meu foco, que eu comecei a estudar ela me
deu, eu comecei a estudar salmo é? E ela entregou a missão. E eu tinha que
estudar pra aprender, porque seu não aprendiz na oração memo fala assim que se a
gente não aprendeu, usar e não aprender, a gente irá se arrepender na porta do
inferno. Aí então botei seguro. E aí comecei, é. Aí depois tive rodando assim, ai
conhecendo esse mundo também, muito jovem também, porque quando meu pai
teve a passagem eu era bem piquininho. Piquininho ainda eu sou, (risos) eu era
criança, (risos) eu era criança. Aí eu tive interesse de aprender também. Bom, agora
o que eu vou fazer? Aí eu comecei, eu passei, acho que foi bem três mês, né?,
aprendendo lutando a capoeira, depois eu passei mais um mês, aprender a lutar
karate, aprendendo como alem de ser da floresta, mais de ser um índio guerreiro
R: sim
T: todo lado tá preparada, né? Material espiritual, aí comecei, ai disse agora eu vou
passar pra outra oração, fonte, aí teve um chaina, eu perguntei, ele disse tinha um
oração muito bom, né? eu num sabia, ele passou uma oração que ela não faz parte
dessa linha, dessa luz clara, né? foi muito forte pra mim, ai essa aí eu andei
dismaiando, o meu tio chegou lá, eu era muito jovem, não me deixou mais, mandou
eu jogar essa oração e jogou. Mais era pra lutar com sete ponto de faca.
R: Nossa
T: Era como si entrasse assim num tipo briga ai fosse tipo, lutasse com sete
pessoas. Eu entrar aqui e vence sete pessoas. Aí com sete ponto de faca. Aí a
primeira vez que eu peguei, que eu rezei essa oração que o chai me deu, aí eu fui
pra mata caçar e aí eu dismaei, topei com muitos outros animais, aí eu não ví nada,
se eu vi por mim meu primo tava me chamando, eu tava arriado no chão
R: unhum...
T: Ai eu vim de lá pra cá, aí meu tio me conheceu primeiro, falou pra mim, se
perguntou que horas são, o que eu tava usando? falei pra ele, mostrei pra ele que
não era bom, não era pra mim. Aí fez uma reza, umas curas em mim, banho de
medicina de (.....) Aí eu voltei novamente de novo. E quando eu comecei a
trabalhar, essa questão e voltar , o principal memo era a cultura, as medicinas isso
aí então, vou deixar isso pra lá, respeito, todas missão exige respeito, tem um maior
carinho, mas a minha missão seria voltada a minha realidade, das medicina
R: das medicina
34

T: aí eu focalizei com a mente, né? E aí pude conhecer um pouco dessas medicina.


Eu faço pesquisa, sou pesquisador sobre a preservação e a valorização das
medicinas tradicional do Povo Hunin Kuin
R: Olha!!!!
T: Publiquei um pequeno material didático, porque os velhos que tão sabendo, eles
tinham esse conhecimento, quando tão fazendo a passagem tão levando esse
conhecimento.
R: unhum..
T: E esses conhecimentos era só, era só os pajé que sabiam. Então eu tive uma
visão que não era muito legal dessa forma, era bom que esses conhecimentos
explodisse pra juventude aprender, pra não ter só um curador, porque senão ele faz
a passagem e leva todo o conhecimento. Aí juntei a juventude ai a gente tá nessa
pesquisa, de aprender memo, a segurar. Porque com a medicina da farmácia a
gente não conhece, a gente não tem o conhecimento, sabedoria pra se usar ela,
porque eu conheço como droga, né?
R: Sim
T: Como droga, porque a gente toma o remédio tem ser no horário certo quantidade
certa. Se tuma menos não serve, se tumar mais já se envenena
R: unhum
T: Então não sei trabaiá com isso. Eu achei melhor trabaiá com os conhecimento
tradicional que nois sabemo a forma de se trabaia com ela, mais naturalmente, né?.
Então toda essa medicina ela tão inserida nesse nosso preparo. E eu consagro todo,
até uma semente que a gente vê, pra mim, é o milagre da natureza, é como se
fosse, esse aqui tupi, chamamos de tupi, esse tupi tem osso de gavião real. Osso de
gavião real e osso da jiboia, parece uma estrela, osso da jiboia. E tem essa simente,
então cada uma simente dessa é um milagre da natureza. Então todas medicina
são relacionado todos espirito, né? O rapé que nois temo aqui, é o espírito vivo.
R: Certo
T: É o espírito vivo, que a medicina tem vida. E quando nos pegamos a medicina,
quando pego a medicina pra preparar o rapé, eu peço a permissão. Qual é a missão
que eu tô querendo? Trabalho de cura? O que que eu quero com ela? Então
quando se peço ela tá nos uvindo.
R: unhum
T: Sabe que Yuxibu, espirito ninguem ingana, né?, Com Yuxibu ninguém brinca.
Yuxibu não deixa nada fiado. O que a gente faz recebe. Se faz o bem, recebe o
bem, se faz o mal recebe o mal. Então seria essas medicina. E pra continuar a
conversa, não sei se deu bem de esclarecer um pouco, porque pra gente poder se
conhecer a gente tem que entender, né? material e espiritualmente.
R: Eu teria só mais uma pergunta, se fosse possível né?
J: Ah, mais vai continuar conversando
35

T: Vamos continuar, vou passar só o rapé


J: é só pra ter a ligação
R: Ah, sim entendi!!
J: no astral, entendeu, porque dai ele vai, praticamente não precisa nem falar
R: unhum...
J: já conecta, e daí fica mais fácil o assunto. É claro, ele vai falar, já capta melhor,
aquela coisa que a palavra não consegue
R: anham, sim.
T: Então, vai ter uma rodada, eu vou passar o rapé, mas se sintam a vontade. Os
irmão que queiram usar, é uma gratidão e quem não senti vontade de usar agora,
tranquilo também. Eu porque tenho que usar ela.
R: unhum, sim, claro
T: mais esse rapé aqui, ele
J: também pode ser pouquinho né? Aquele que você fez a tarde pra mim tava bom
?: Tuim, explique como que é o rapé pra gente entender, porque aquele dia você me
explicou
R: Como que a gente se usa?
?: é, não, qual que é a finalidade do rapé
R: Bem, o rapé, é como eu disse, ele é pra cura, de matéria, de espírito e
pensamento, i ao mesmo tempo, fortalece a matéria da gente, pra gente não pegar
um tipo de doença, não ficar muito frágil pra doença, qualquer doencinha, gripe,
alguma coisa dor de cabeça, febre pode tar pegando a gente. Então além dessa
consagração, que é rezado pra gente usar essa medicina, ela fortalece a matéria, a
gente usa o rapé pro trabalho de cura, passa o rapé e vai sopra paciente tiver
doente, cura mesmo. Muito das vezes é uma proteção porque a gente é perseguido
material-espiritualmente
R: Sei
T: Porque a perseguição já vem desde o início do mundo, quando o grande epírito tá
fazendo a beleza do universo, ele foi perseguido. Então nois, pessoas que tem
prosperidade, ele é perseguido, material e espiritualmente, então é pra essa
proteção que a gente usa, quanto os maus pensamento, maus olhares, é, e muito
dessas coisas negativas. Então é uma preparação. A gente usa na manhã pra
pode receber o dia, e muito das vezes se quiser usar de dia, também traquilo, que a
pessoa já é mais acostumada se ele gosta nessas forças, mas também é o
momento adequado já pra poder durmir boca da noite passa o rapé, toma um banho
i depois dá uma deitada, você viaja como se fosse um avião, só no astral
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?: E não sente nada, eu pensei, imaginei, ah será que eu vou sentir alguma coisa,
não, você só sente limpa, assim. Não é que como o daime, qe você ve, sente , não!!
ele só vai colocar, você sente teu nariz desprende, tudo fica, você respira melhor
J: Ah, eu vou pegar um papel
R: Tuim, posso tirar foto?
T: Agora?,
R: Sim
T:Pode. Pra você mesmo eu tiro de coração. Mas nem todo momento eu gosto de tá
tirando foto.
R: Eu só vou tirar antes de você começar, pra depois se eu precisar
T: Haux, Ayahuasca (quando se tirou foto)
[...]Falas sobre a foto.....
?: o que é haux haux haux?
T: haux haux haux é a palavra de de afirmamento. Que assim seja!!
?: não é yahoo?
J: isso aí não é da origem deles
?: é americano, né?
J: é, mas é que daí é xamanismo, né, aqui é a pajelança.
?: ah tá!!
J: Entendeu?
?: Entendi, então é a mesma, quase a mesma coisa, só que é de origem diferente.
J: eu não sei o significado do yahoo, tem que procurar com pro Gass, talvez ele
saiba.
?: é porque eu procurei.
J: Quem é muito bom pra falar sobre o xamanismo é o Renato, é um índião lá, bem
bonito. Um de camisa xadrez vermelha
?: ah eu sei, que tem um cabelo grande, sei, bonito, hahahah
T: só pra dar uma força memo. haux haux haux (depois ele fala na lingua nativa)
expressa: xixixixixixixixixi
T: algum de vocês vão usar?
?: hum hum
T: É só o rapé, o nixi pa a gente não vai tuma não, tô duas noite sem durmir.
37

J: Duas? você né? eu tô desde quarta (hoje é sexta).


R: Será que se eu tomar, vou conseguir dirigir depois?
J: o que, ayahuasca?
T: o rapé?
?: vai vai
J: traquilo, Chai. Chai é parente, irmão
R: Chai é parente.
J: Você já sabia?
R: Não ele explicou
J: explicou?
T: Você vai sentir mais, tá?
? Porque?
J: [...] senão você apavora antes do tempo. É brincadeira dele também.
?: [...]
1:20
Os sons de grilos
T: haux haux haux... Você já usou?
R: Já, mas eu sou bem sensível
[...]
T: txi txi txi gaia uê, gaia ue, gaia eu que que
[... musica]
1:42:53
T: haux haux haux... [sons de grilos continuam]
R: Estou tão envolvido com a música, é uma graça né? muito gostoso. Obrigado
irmão
T: haux haux haux...
J: A gente não vai usar o [...]
T:vai ter outra oportunidade, né? a gente vem tomar por aqui mesmo.
J: Aqui já vai ser... tá guardado já.
38

R: Tá difícil pra eu fazer as perguntas segui a... porque..... é, antes de você chegar
aqui, minha irmã ligou pra dizer que estava passando uma situação difícil, então já
fiquei um pouquinho sentindo já, né? mas eu vou tentar continuar, né? mas mandei,
essa medicina pra ela, né? lá pra minha casa, e agradecer profundamente essa
união né?, que nosso encontro favoreceu. O que eu queria também saber, se for
possível, se os sonhos , no grupo de vocês, se eles tem importância? como que
vocês entendem os sonhos? se você já teve algumas experiências durante os
sonhos.
R: Então, Assim, é que na nossa forma da tradição, igualmente o lado do mundo
também né?, cada um segue a sua missão. Então tem uns que é mais voltado ao
sonho, contato mesmo com a natureza, que faz parte de todos os seres. Como uma
jibóia, um gavião real chamado de nauatutu, também da água, da terra. do sol, da
estrela e toda essa floresta, tem uma tradição muito forte, só que eu ainda não me
manifestei pra aprofundar esse estudo desse lado do sonho, mas tenho, do lado do
meu tio como pajé, você conheceu?
J: o pai da floresta
T: o pai da mata, o meu tio que apresenta lá como pajé, ele é um jovem também.
Tivemos aqui em Curitiba, a J. conheceu, inclusive agora passou pra se encontrar
com a gente, vai tá lá, cara manda bem. Nós chamamos que a gente não é artista
né?, a gente chama a força, mas ele manda muito bem. Ele tem energia pra pra
poder cantar [truco]. Mas que é legal esse nosso encontro aqui, vou parar só por
aqui, a gente chega até de conversar com o pajé. Eu te informo muito bem, porque
não vou me comprometer, a que eu não vou querer inventar roda, porque aqui
dentro dessa verdade, Tuim é bem pequeno, o cara vacilou já era
R: Ah, certo
T: Então só informo o nível que posso informar, mas é muito bonito, é muito lindo, a
gente consagra muito.
R: Consagra muito os sonhos, ahanm
T: sonha no outro dia, sonha no outro dia, que tem que tá preparado. É verdade, é o
nosso espírito, né?
R: isso
T: O nosso sonho é o nosso espírito, que trabalha, que viaja, que encontra com
outros espíritos. Então tudo é verdade, que nosso espírito são verdadeiro.
R: Você, pessoalmente, já teve algum sonho que foi bastante revelador, ou então foi
importante pra você?
T: Sim, mas que seria outro momento
R: outro momento
T: A gente conversar melhor
R: Tá
39

T: [Com certeza] mais as forças da medicina, porque tamo seee, reconhecendo


agora
R: Claro
T: Né? É muito sagrado, é um mistério
R: Um mistério
T: mas eu tenho mais informações, dessa realidade, pra gente pode manifesta mais
na força do nixi pa, e pode conhecer, meu ver, meu espelho da vida, se sente
melhor
R: É possível eu poder visitar vocês, lá.
T: Sim, quando senti o chamado mesmo, pode manter contato com a gente, falar o
tempo que tiver preparado pra ir,
R: Tá!
T: nós chegamos até lá, chegar em Rio Branco, município de Tarauacá, aí a gente
leva até a aldeia, leva e traz, a gente tem um barquinho motor próprio pra isso
R: Aham
T: Inclusive agora pra fazer essa viagem, eu comprei um motorzinho zerado 13
R: Olha, só!
1:49m
40

ANEXO III – RELATO DE SONHO

Local, data e hora onde estava sonhando: Residência do pesquisador, dia


23/11/2013 por volta das 13h30m.
Sonhei que estava numa rua, no bairro do Campo Comprido em Curitiba. A minha
frente à Escola Municipal Maria do Carmo Martins, atrás um posto de combustível.
Eu falava com eles sobre meu trabalho de campo, e com eles disse que a coisa
mais importante dessa pesquisa era que eles (os índios kaxinawas) não eram os
pajés e que sim, os pajés era a Natureza, e quem faz a cura também não são eles,
mas a Natureza.

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