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Felipe Areda
felipe.areda@gmail.com
Se, nas palavras de Simone de Beauvoir, "ninguém nasce mulher" (1980, p. 9), creio
que tampouco alguém nasce homem. Mais do que um papel pronto que os que nasceram
com pintos são obrigados a carregar, o lugar do masculino é um lugar que deve ser
construído e constituído a partir de formas de subjetivação que têm como fundamento a
busca pelo falo. Para deixar de ser esse devir-pinto, ser que ainda não cumprir o seu lugar
destinado de homem, tão logo apresente uma sexualidade, ele deve confirmar o seu lugar
sexual apresentando um desejo pelas mulheres, que, antes de ser um desejo corporal-
afetivo, é um desejo político. Para conquistar o falo, o homem deve se relacionar com esses
seres castrados ratificando assim o seu lugar de poder: agora sim ele é um sujeito, já que
pode tornar o outro um objeto. Ser homem é, acima de tudo, uma prática.
É fácil perceber a necessidade desse movimento de sujeição se observarmos um grupo de
adolescentes do sexo masculino. Uma das maiores ofensas que podem existir dentro desse
grupo é ser chamado de punheteiro, aquele que se mostra incapaz de conseguir uma mulher
para satisfazer seu desejo sexual e tem que recorrer à masturbação, ou de viado, aquele que
desonra o seu devir-pinto se tornando um objeto, um passivo, uma mulher, nas relações
com outros homens.
É intrigante perceber que a sexualidade, antes de ser um movimento de busca de
prazer e satisfação de um desejo, é uma face de uma moral masculina que nos obriga a
apresentar um determinado desejo. A heterossexualidade, então, acaba-se por se tornar
mais uma preocupação política homossexual de afirmação do seu lugar numa moral viril do
que a manifestação de um desejo físico-afetivo. É claro que pode existir também um
movimento de atração, mas provavelmente este é construído depois e a partir dessa
necessidade cultural e moral que obriga esse devir-homem a apresentar uma preocupação
de subjetivação.
que fazer sexo. No ato sexual o homem mostra a sua posição superior quando come, fode,
possui e domina a mulher, ele faz seu sexo, ele confirmar o seu lugar, um sujeito, e define o
lugar do outro, um objeto. O sexo da mulher então se coloca a mercê do homem, do ato
sexual, do momento em que alguém faz sexo com ela ou que ela é desejada para essa
função. Como nasceu culturalmente castrada, a mulher não pode se tornar um sujeito,
então a única maneira dela se encaixar nessa moral de homens é como um objeto, como
um segundo sexo. Dentro dessa moral, essa é a sua única maneira de ser. Talvez por isso a
lésbica seja a figura que mais se encontra à parte dessa moral masculina, a lésbica é aquela
que não é, é aquela que não têm sexo dentro dessa moral, já que as lésbicas não são
mulheres (Wittig, 1980) embora tenham nascido castradas. Vê-se isso na própria História e
nos seus registros: "não se fala, logo não existe" (Navarro-Swain, 2000, pg. 19) uma relação
lesbiana. "As mulheres homossexuais não tinham direito a um nome, logo, à existência."
(idem). Contudo, tende-se a moralizar a lésbica. Tanto a enquadrando na lógica
heteronormativa a partir da dualidade butch e femme1 , onde se mantém uma lógica
heterossexual mesmo a butchse tornando um pastiche do lugar homem; como na
objetificação das próprias lésbicas que faz com haja um olhar de desejo para essa relação -
o famoso desejo masculino de transar com duas mulheres. As lésbicas só são, só passam a
ser e a existir dentro dessa moral e desse mundo moral quando existe esse olhar que as
vêem como um pastiche de sujeito ou como um objeto desejável em uma aventura sexual.
Mesmo assim, as lésbicas talvez sejam hoje o ponto mais subversivo e marginal dessa
sexualidade viril. A moral ainda não está completamente convicta que ser lésbica é uma
maneira de ser.
Os gays, ao contrário, não possuem nem um ar de contracultura. São devires-pintos
que se enquadraram perfeitamente nessa moral masculina. Tanto quando se subjetivam
ratificando seu lugar de homens - gays, porém ativos -, como quando são ratificados no ato
sexual com outro homem se igualando ao objeto mulher como passivos. Obviamente os
primeiros são melhores aceitos, já que existe uma cultura que não condena a relação
puramente sexual com outra pessoa do sexo masculino quando se é ativo. Esses, muitas
vezes, nem são considerados gays. Mas com os passivos, que são visto como seres que
desejam ocupar o lugar da mulher, existe uma manifestação de ódio por eles não honrarem
o seu devir-pinto ao não ocupar o seu lugar de homem. Essa homofobia, porém, é uma
conseqüência do mesmo olhar que menospreza e castra as mulheres. Essa homofobia é
1
As expressões “butch” e “femme” correspondem, respectivamente, aos papéis “masculinos” e “femininos” em
uma imagem binária e heteronormativa da relação lesbiana.
identidade.
Talvez o caminho então esteja na especulação dessa moral. Analisar remexe as
verdades, expõe o sólido e, com ele, as fissuras. Criticar as práticas sexuais, buscar as
origens do sexo e desmentir as essências talvez seja se colocar à margem desse moral, à
margem dessa forma de ser que é entregue os indivíduos de forma tão clara. Mostrar as
construções desconstruindo o que já parece ter nascido feito, pois ser é uma prática, uma
construção de si. Desconfiar dessa moral e de si mesmo como integrante dela pode abrir
espaço para uma nova ética, para uma nova forma de se ver dentro desse moralismo sexual
engessado, dessa cultura sexual e sexualizadora. Só assim parece nascer uma nova
problematização de si que possibilitaria a mudança das práticas, a mudança das funções, a
mudança das performances e mudança dos tornar-se. Só assim deixaríamos de ser, de ter
que ser e de se ver tendo sido feito e, assim, não mais seres, poderíamos buscar novas
formas de viver não mais sendo apenas sujeitos ou objetos de uma moral engessada. Mais
do que buscar ser de outra forma, buscar formas novas de ser. Descontruir as opções que
nos foram dadas, estar à parte delas e criar novas opções. Novos caminho e talvez uma
nova busca.
Referências bibliográficas
DE BEAUVOIR, Simone. O segundo Sexo. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1980, vol 2.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 2 - O uso dos prazeres. Rio de Janeiro : Graal,
1984.
____. História da Sexualidade 1 - A vontade de saber. Rio de Janeiro : Graal, 1988.
NAVARRO-SWAIN, Tania. O que é Lesbianismo. São Paulo : Brasiliense, 2000.
WITTIG, Monique (1980). The Straight Mind and other Essays, Boston: Beacon, 1992 -
Discurso Intitulado "Pensamento Hétero" proferido em 1980. Publicado em português
em http://www.geocities.com/girl_ilga/textos/pensamentohetero.htm, acessado em
10/12/2004.