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Debates

O poder masculino
na esfera da
universidade pública
Josélia Barroso Queiroz Lima
Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)
E-mails: joselia.barroso@ufvjm.edu.br; joseliabqlima@gmail.com

Resumo: O artigo/ensaio discute sobre o poder masculino e educação, tendo por fundamento
as disciplinas lecionadas na Universidade: Políticas Educacionais e Psicologia Social. Duas
questões mobilizam as reflexões: a violência simbólica e física que nos marca como sociedade
patriarcal; e como, historicamente, o Estado brasileiro tem negado a educação como direito
social. Reflete sobre as marcas societárias que se reproduzem no contexto educacional,
colocando em análise o cotidiano acadêmico e a reprodução de modos de socialização que
dificultam a inclusão social. Dialoga com diferentes autores, como Habermas (1994), Dubet
(2008) e Santos (2003), focando a universidade, a educação e as relações de poder históricas
que marcam o fazer social. Aborda os silêncios históricos: a negação da educação como
direito, seja à mulher, seja aos negros, aos pobres e aos índios. São discutidos, pois, os
desafios para se construir uma educação inclusiva e democrática.

Palavras-chave: Universidade. Poder Masculino. Silenciamento. Democracia.

O que levou à produção das a diversidade nos coloca, sobretudo, no que se refere
reflexões sobre a relação poder à edificação de uma sociedade democrática, compro-
masculino-universidade metida com o reconhecimento social das múltiplas
histórias que compõem a sociedade humana e, sobre-
O desafio de refletir sobre o tema surgiu no con- tudo, a sociedade brasileira.
texto da organização da Semana de Humanidades, Ao receber e aceitar o convite para discutir sobre o
desenvolvida pelo Curso Bacharelado em Huma- tema, o porquê da proposição do mesmo foi levanta-
nidades, da Universidade Federal dos Vales do Je- do. A resposta se dirigiu às disciplinas dessa Univer-
quitinhonha e Mucuri (UFVJM) . Com o tema
1
sidade: Políticas Educacionais e Psicologia Social. Ne-
‘Diversidade e Vale do Jequitinhonha’, a Semana de las, os processos sociais e os modos de produção de
Humanidades objetivou refletir sobre os desafios que subjetividades que eles produzem são discutidos. No

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contexto educacional e escolar, duas questões mobi- Não obstante, a proposição desse ensaio não se
lizam as reflexões desenvolvidas ao longo do curso: volta para um campo de pesquisa2, mas para refle-
a violência simbólica e física que nos marca como xões feitas através de diálogos com diferentes autores,
sociedade patriarcal; e como, historicamente, o Es- que colocam em discussão a universidade, a educa-
tado brasileiro tem negado a educação como direito ção e as relações históricas e de poder que marcam
social. Este somente se fez legal com a Constituição as interações sociais. Portanto, será desenvolvido o
de 1988. Já no âmbito da Psicologia Social, coloca- pensar sobre o tema, não objetivando uma conclu-
mos em análise as relações sociais, os espaços de so- são, mas colocar em evidência silêncios históricos
cialização e os papéis sociais que definem e moldam que dizem da negação da educação como direito:
os comportamentos sociais, tendo por fundamento seja à mulher, seja aos negros, aos pobres e aos ín-
o contexto histórico da América Latina e os proces- dios, focando, pois, o caso da sociedade brasileira. Na
sos de socialização marcados pela violência do colo- história do mundo ocidental, esse direito vem se con-
nizador, via patriarcado. Por via das regras sociais – solidando a partir do que Habermas (1994) denomi-
implícitas e explícitas –, analisamos os processos de na como Políticas de Reconhecimento (políticas de
ensino e aprendizagem que socialmente constroem inclusão social e de igualdade de oportunidades) e
as subjetividades. Assim, será pela via temática de o que Dubet (2008) denomina como justiça social e
ambas que será colocado em análise o poder mascu- escola de oportunidades. Ou seja, o reconhecimento
lino no âmbito da universidade pública. Entendendo das injustiças históricas dirigidas às chamadas “mi-
que a universidade, como instituição social, reproduz norias” implica na garantia de uma educação que re-
valores da sociedade patriarcal. conheça as desigualdades históricas e oportunize o

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Debates acesso às melhores escolas, aos melhores professores, cumpre seu papel de moldar os comportamentos, re-
o acesso aos bens culturais àqueles que socialmente e produzindo representações sociais e comportamen-
economicamente não tiveram acesso; que resgate as tos que retroalimentam as desigualdades e as hierar-
memórias históricas, produzindo seus saberes, valo- quias sociais e sexuais.
res, culturas. Historicamente, ao analisarmos o acesso à edu-
Uma educação que rompa com o imaginário cação escolar no mundo ocidental, veremos que os
branco, eurocentrado e androcêntrico (ARANHA, princípios republicanos e democráticos, ao se tor-
1989) requer novas e outras relações de poder no in- narem consensuais, levaram à luta pela educação
terior dos espaços institucionais e no fazer cotidiano. pública3. Entretanto, ressalta Aranha (1989) que, na
Aranha (1989) coloca em discussão a educação esco- França revolucionária, a guilhotina foi usada para
lar brasileira e revela-nos que nos micros e diversos silenciar mulheres que reivindicaram o acesso à edu-
fazeres, nos ritos, nos materiais didáticos ainda se cação. Do século XVIII ao século XXI, muitas con-
veicula a ideologia androcêntrica, a cultura centrada quistas se deram. A educação pública se generalizou
no homem. Não o homem genérico, mas o ‘macho’. O como direito social, da educação infantil à educação
androcentrismo caracteriza, no cotidiano escolar, as superior. As políticas de reconhecimento levaram à
relações verticalizadas, o silenciamento do corpo, do inclusão social, apontando como função do Estado
sexo e, portanto, as relações de gênero, legitimando garantir condições igualitárias àqueles que, histori-
as desigualdades advindas do patriarcado. No dia a camente, foram segregados e excluídos. Dar acesso
dia educacional, temos reproduzido uma educação implica em mudar o funcionamento das instituições,
que silencia as diferenças sociais e sexuais, reafir- de forma a garantir a democratização dos espaços
mando um modelo de socialização que hierarquiza sociais e a reconhecer a diversidade social e cultural
os sujeitos sociais. como princípio. No entanto, Dubet (2008), ao fazer
a reflexão sociológica da educação francesa, revela
que a escola, no século XXI, reproduz a desigualdade
Desenvolvimento: educação formal social, ao reproduzir nos cursos a seleção social e de
e o simbólico patriarcal gênero. Em suas palavras:

O sistema escolar funciona como um processo


Ao focar o cotidiano universitário, discutiremos de destilação fracionado durante o qual os
sobre os processos de socialização, os ritos, os ima- alunos mais fracos, que são também os menos
ginários educacionais, refletindo como eles repro- favorecidos socialmente, são “evacuados” para as
duzem a hierarquização, as relações verticalizadas, habilitações relegadas, de baixo prestígio e pouca
rentabilidade. O fato de não haver mais seleção
naturalizando valores e modos de comportamento
social fora dos estudos não impede que haja,
que mantêm os princípios patriarcais. Mantendo através da seleção escolar, uma seleção social
imagens, ritos, justificados pela ordem moral (neces- durante os estudos. Pode-se dizer simplesmente
sária à obediência e à formação dos sujeitos sociais), que tanto na França quanto em outros lugares,
a escola não conseguiu neutralizar os efeitos
as instituições educacionais garantem a circulação
das desigualdades culturais e sociais sobre as
do universo simbólico da religião judaico-cristã. No desigualdades escolares (DUBET, 2008, p. 27-28).
tabu religioso, as lógicas hierarquizantes do pensa-
mento colonial são introjetadas nas subjetividades. Dubet analisa que a seleção escolar e social acon-
(LIMA, 2013) tece, pois a cultura e as estruturas escolares não foram
No diálogo com diferentes autores, é analisado modificadas para atender e oportunizar condições
como no cotidiano educacional o simbólico patriar- igualitárias de competição àqueles com trajetórias
cal se reproduz por microprocessos de silenciamento de desigualdades sociais. A cultura escolar prioriza
da diversidade e são discutidas as relações educacio- a escrita, a linguagem formal e os comportamentos
nais (formais ou não), fazendo uma leitura da ide- gentis, marcas societárias dos favorecidos. Assim, ig-
ologia binária e machista, que, se mantendo velada, nora outros saberes e os modos de expressão oral e

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cultural dos que chegam à escola por via das políti- Se no cenário europeu as críticas sociológicas à

O poder masculino na esfera da universidade pública


cas de inclusão. As instituições escolares, apoiando- cultura educacional revelam as contradições de va-
-se na ideologia da meritocracia, responsabilizam os lores (igualdade/segregação, desigualdade social e
indivíduos menos favorecidos por suas dificuldades igualdade de oportunidade), no contexto da América
e fracassos, perpetuando a hierarquização e as desi- Latina e, sobretudo no contexto social brasileiro, as
gualdades sociais. Discute, ainda, que as desigualda- contradições se agravam. Temos, pois, uma Univer-
des se agravam no que tange às diferenças sexuais. sidade que foi e ainda é instrumento de reprodução
Afirma que da desigualdade social, do privilégio de classes. O
Brasil foi o último país da América Latina a instituir
[...] esta influência contínua das desigualdades
a universidade (séc. XIX). Como argumenta Santos
sociais sobre as desigualdades escolares pode
se manifestar de maneira parodoxal no caso (2003), a subjugação dos valores é parte da história
das meninas, que, desde o início, apresentam da universidade. E, no caso brasileiro, revela os pro-
melhores resultados escolares que os meninos. cessos de colonização, os quais se traduzem em cate-
Ora, mesmo nesse caso, as meninas se saem
gorias como subdesenvolvimento, países dependen-
pior em razão das desigualdades sociais sobre
os sexos. Elas são menos numerosas nas
tes, países periféricos etc. A lógica do domínio, do
habilitações científicas de maior prestígio e poder hierarquizante, marca do modelo patriarcal e
se orientam (ou são orientadas) para “ofícios colonial, se reafirma de forma silenciosa nas relações
femininos”: os serviços, o ensino, a saúde, o e nas representações sociais que circulam e funda-
trabalho social... (DUBET, 2008, p. 29).
mentam as práticas cotidianas. No dizer de Moscovi-
ci (2010), no senso comum se veiculam e tornam-se
Santos (2003), ao discutir sobre a crise de legiti- familiares representações sociais que são construídas
midade e de hegemonia das universidades nos países historicamente, mas que, tornadas familiares (pois já
centrais (Europa), argumenta que a Universidade,
sendo uma instituição nascida para universalizar as
ideias em torno da visão iluminista e racionalista,
Se no cenário europeu as críticas sociológicas à
cultura educacional revelam as contradições de valores
visou não à universalidade de idéias, mas às ideias
(igualdade/segregação, desigualdade social e igualdade
universalizantes. Ela foi e tem sido um instrumento
de oportunidade), no contexto da América Latina e,
de reprodução de elitismos que silenciam a diversi-
sobretudo no contexto social brasileiro, as contradições se
dade de ideias e, portanto, historicamente, ela não
agravam. Temos, pois, uma Universidade que foi e ainda
reconhece os múltiplos saberes e as múltiplas histó- é instrumento de reprodução da desigualdade social, do
rias que os produziram. Santos (idem) ressalta que a privilégio de classes.
Universidade se coloca em desafio, à medida em que
a democratização da educação superior avança e que
o capitalismo “desorganizado” força a diminuição do não questionadas), retroalimentam práticas sociais
papel do Estado, numa redução das políticas de re- que não são percebidas como sociais, mas natura-
conhecimento e/ou de inclusão social. Considerando lizadas. Temos, assim, a consolidação ideológica de
esse cenário, poderemos situar o poder masculino na relações historicamente desiguais e invisibilizadas,
esfera da universidade pública: o exercício do poder e pois não mais questionadas. Para Souza (2015), a do-
a relação com o conhecer são relações historicamente minação social que o capitalismo engendra perpassa
dirigidas ao homem e negadas às mulheres. As repre- as instituições, a eficiência do domínio; está intima-
sentações sociais dirigidas ao feminino, ainda hoje, mente ligada à ideologia da “liberdade individual”.
são marcadas por valores que visam inferiorizar, sub- Em suas palavras:
jugar e silenciar as possibilidades femininas, seja de
O comportamento prático cotidiano só pode
conhecer ou de exercer o poder. A Universidade, sen-
ser devidamente explicado e compreendido
do uma instituição social, reflete, assim, as contradi- por meio da eficácia das instituições – seus
ções e os valores que dizem das sociedades. prêmios e seus castigos que constrangem o

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Debates comportamento dos indivíduos em dada direção socialmente é valorizado por via dos prêmios e dos
sem que eles percebam “conscientemente”- e castigos, entendidos como formas de controle social,
nunca pela ação intencional de indivíduos
os grupos sociais vão definindo formas de compor-
percebidos ingenuamente como autônomos e
livres (SOUZA, 2015, p.122.) tamentos que garantem os modos de domínios sim-
bólicos, que, não por acaso, reafirmam domínios e
Tais práticas se apresentam de múltiplas formas; práticas dos grupos sociais hegemônicos.
apenas algumas serão listadas como forma de revelar As ações institucionais que são reproduzidas, seja
o invisível. No âmbito da educação escolar, as regras na educação assistemática, seja na sistemática ainda,
sociais que definem: a separação e a segregação dos remetem à lógica do saber como poder (subjugar)
corpos, nos rituais escolares que definem regras de e forma de controle; na verticalização das relações
comportamento para o masculino e para o femini- entre os sujeitos sociais se reproduz a violência sim-
no, reproduzindo os binarismos, a relação de poder bólica, o modelo machista/patriarcal. Em artigo pu-
que o discurso incompreensível veicula; a linguagem blicado em 2015, a cientista política Rosana Pereira
acadêmica e sua aridez encobrem a formação de ver- Machado reflete como o machismo se apresenta nas
dadeiros guetos, a manutenção de campos de saberes universidades. Discute sobre as representações em
restritos ao masculino (as exatas) e/ou ao feminino torno dos professores, analisando a expectativa dos
(as humanas), reproduzindo a lógica de que determi- universitários sobre o sexo dos professores das disci-
nados campos são para homens e/ou para mulheres; plinas de economia e política, revela como docentes
no abuso de poder que se encontra na relação ava- e acadêmicos esperam que tais saberes sejam de do-
liativa, onde o professor não participa ao acadêmi- mínio do professor ‘Homem’, e não de uma ‘mulher’4.
co o como, o porquê e o que levou ao resultado por No cotidiano de seu fazer em Oxford, Inglaterra, co-
esse obtido, reduzindo o saber ao lugar do professor menta como enfrenta o machismo. Em suas palavras:
e fomentando o silêncio do educando pelo medo. O
Eu acredito na força da simplicidade das
que dizer das aulas de cálculo matemático que, ainda,
palavras e na democratização do conhecimento,
hoje, se apresentam como fantasma – indicativo dos que precisa ser uma viagem prazerosa coletiva
que irão ou não dar continuidade aos estudos? e não uma masturbação intelectual. George
Orwell dizia que palavras difíceis servem ao
poder. Elas são armas políticas, desenhadas para
As ações institucionais que são reproduzidas, seja na dar uma aparência de solidez àquilo que é puro
vento. Eu apenas acrescentaria que palavras
educação assistemática, seja na sistemática ainda,
difíceis servem muito bem ao poder masculino
remetem à lógica do saber como poder (subjugar) e [...] (s/n).
forma de controle; na verticalização das relações entre
os sujeitos sociais se reproduz a violência simbólica, o A democratização do ambiente educacional uni-
modelo machista/patriarcal. versitário implica a ampliação do discurso, da lin-
guagem, o uso de múltiplas formas de expressões, a

No âmbito das relações familiares e sociais, as re- compreensão e a aproximação dos saberes entre os

gras que modelam o comportamento definindo o fe- sujeitos sociais. Questionar a linguagem acadêmica

minino e masculino: o brincar feminino intimamen- é entender que a hegemonia discursiva é, também,

te atrelado ao fazer cotidiano doméstico e ao cuidado uma forma de manutenção ideológica de poder. A

dos filhos. A boneca, o rosa e a delicadeza são “atri- incompreensão do discurso reproduz a centralização

butos” naturalizados ao feminino e não percebidos do conhecimento, tornando-o instrumento de segre-

como socialmente construídos. Os brinquedos mas- gação social e de domínio do poder científico. Cuidar

culinos reproduzem a lógica das instrumentalidades: da linguagem é cuidar das relações entre os sujeitos

do carro às ferramentas e aos jogos eletrônicos, a sociais, permitindo que entre eles a palavra circule e

violência simbólica do domínio retroalimenta a lógi- promova outros modos de pensar.

ca da superioridade sobre o outro. Portanto, no que

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Assim como milhares de companheiras, opto dos índios aos diferentes espaços sociais sem colocar

O poder masculino na esfera da universidade pública


por desafiar o poder masculino cotidianamente
em análise as desigualdades sociais que os mantive-
jogando luzes no escuro. No discurso reto,
começo minhas aulas de desenvolvimento ram segregados. Cabe reconhecer que direito social
internacional lembrando que não se pode lutar à educação universitária e o acesso à mesma tem
contra a injustiça global sem nos darmos conta possibilitado a quebra de representações sociais e de
das injustiças locais, aquelas mesmo que se
paradigmas que colocam em xeque a cultura euro-
reproduzem na sala de aula (MACHADO, 2015,
s/n).
centrada, o patriarcado e o machismo. Mas garantir
a permanência da inclusão social requer a revisão
Portanto, o poder masculino na esfera pública da da cultura educacional, pois não podemos dizer que
Universidade revela os modelos sociais de domina- no ambiente acadêmico universitário a igualdade de
ção que marcam a trajetória da sociedade brasileira oportunidade esteja garantida. Como argumenta Ha-
e da sociedade ocidental. A título de ilustração da bermas (1994), não basta a garantia legal do Estado
afirmação, no que tange ao Brasil, as atuais reitorias para que a inclusão aconteça; é necessária a edifica-
das 67 instituições universitárias federais são, atual- ção de num novo consenso social, republicano e de-
mente, conduzidas por 18 por mulheres e, portanto, mocrático para que ela de fato se efetive.
as demais 49, por homens. Numa análise crítica sobre
a função ideológica da ciência moderna brasileira,
Souza (2015, p. 147) afirma que: Caminhando para o fim...
[...] a ciência moderna, em sua esmagadora A construção de novos fazeres requer a crítica do
maioria, se transformou em uma espécie
que temos vivenciado como formas de conhecimen-
ideológica que ajuda a manipular e legitimar
privilégios em uma espécie de “equivalente to, de poder e de relações. Santos (2003) defende a
funcional” das grandes religiões do passado. necessidade de um novo modelo de Universidade,
A “violência simbólica” de hoje é chancelada sustentado na universalidade de ideias, onde a mul-
cientificamente por “especialistas”, de tal
tiplicidade de saberes seja reconhecida e dialogada,
modo que não sai uma matéria nos órgãos
de comunicação que não exijam esse tipo de pois eles (os saberes e as ideias) dizem das histórias
“legitimação científica”, independente do que sociais que a produziram, a história dos sujeitos so-
esteja sendo discutido. ciais. O conhecimento, nesse sentido, diz das histó-

rias sociais dos grupos, diz das trajetórias de lutas e
Ao enfatizar a legitimação ideológica que a ciên-
de modos de sobrevivência que precisam ser enten-
cia cumpre no contexto atual, podemos fazer a crítica
didos para poder gerar novos saberes. Um conheci-
necessária ao papel social da universidade e da pro-
mento que rompa a lógica da neutralidade e se reco-
dução de conhecimento como ato político, rompen-
nheça como poder e força política, que empodere os
do com a lógica que reveste a ciência de neutralida-
que foram oprimidos e subjugados.
de. Reconhecer o papel ideológico nos permite olhar
No processo de abertura política e democrática
para o cotidiano do fazer universitário como espaço
que se deu na América Latina, após os anos 80 do sé-
de reprodução social e/ou de transformação social. É
culo XX, tivemos a abertura de instituições educacio-
nesse sentido que se fez necessário mostrar que a his-
nais visando ao empoderamento das minorias. São
tória da Universidade reflete os valores sociais segre-
exemplos: na Argentina, a Universidade Popular de
gacionistas. Na lógica de que mulheres, homens ne-
Las Madres (1999); e no Brasil, Universidade Zumbi
gros e indígenas eram seres inferiores, na hierarquia
dos Palmares e a Universidade de Brasília. Nos últi-
silenciosa que o discurso religioso cristão imprimiu
mos 20 anos, vivemos a ampliação e a inclusão social
aos povos colonizados se justificaram os ordenamen-
– através da expansão das universidades públicas (a
tos sociais e institucionais. Portanto, na atualidade,
UFVJM é um exemplo) e da institucionalização de
não se pode entender as desigualdades de participa-
políticas afirmativas que garantiram o acesso e a per-
ção e de acessibilidade das mulheres, dos negros e
manência de grupos sociais historicamente “feitos

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Debates desiguais” (ARRAYO, 2010). No entanto, os avanços O que se coloca em xeque são os princípios de-
educacionais, políticos e sociais no contexto atual, mocráticos, o acesso, as oportunidades. As lutas pela
pós-golpe parlamentar, estão sofrendo retrocessos, igualdade social exigem a ruptura com a hierarquiza-
de modo que não podemos dizer que o governo Te- ção e a subjugação do outro; o exercício da reflexão
mer tem compromisso de manter as políticas sociais e da busca por outra ética social implica a revisão do
de inclusão. Nesse sentido, o que se apontam são as modo de produção capitalista. E tudo isto nos leva a
perdas de políticas afirmativas, sobretudo pela mani- afirmar que a transformação social é ação humana e,
pulação ideológica que a mídia e parte do discurso portanto, far-se-á pelo ato humano. Assim, cabe à so-
cientiífico (SOUZA, 2015) vem fazendo sobre a “cri- ciedade humana a análise do que tem sido e a escolha
se” para justificar e legitimar a institucionalização da consciente para o exercício de outros e novos fazeres.
PEC 241/20165. Ela implica redução de investimen- Penso que um princípio fundante da existência é,
tos, cortes nos orçamentos, privatização, precariza- sobretudo, um valor que o feminino “conhece”: o cui-
ção e instrumentalização da educação – estratégias dado. O cuidado é condição dos que escolhem a ma-
compatíveis com os valores capitalistas. Como ana- ternidade, motivo pelo qual o conceituo como “femi-
lisado por Santos (2003), as perdas das políticas afir- nino”. Como argumenta Comte-Sponville (2016, p.
mativas e o avanço da ideologia neoliberal desafiam 119), “a graça de ser amado precede a graça de amar,
a Universidade a se pensar e a se reposicionar ética e e a torna possível [...]. Uma mulher que não conhecí-
politicamente. amos, que não nos conhecia, nos amou assim. [...] Se
O enfretamento das condições atuais requer o re- o amor não vem de Deus, de onde vem? Vem do sexo,
conhecimento de que o que está em jogo no país é da família e das mães”.
o avanço democrático, via as políticas de reconheci- No cuidado com o outro, com a terra, com a vida,
mento, de inclusão social e/ou políticas afirmativas. com as relações e na escolha com o que de fato deve
Aceitar o retrocesso, sem resistência e/ou lutas políti- ser considerado necessário, poderemos, quem sabe,
cas, é aceitar que a violência social (simbólica e física) reverter os caminhos que hora temos trilhado; do
contrário, deveremos nos preparar para a convivên-
O que se coloca em xeque são os princípios democráticos, cia “democrática” com a violência e a barbárie.
o acesso, as oportunidades. As lutas pela igualdade social
exigem a ruptura com a hierarquização e a subjugação do
outro; o exercício da reflexão e da busca por outra ética

notas
social implica a revisão do modo de produção capitalista.

seja mantida; é pactuar que a cultura androcêntrica-


-patriarcal e silenciadora se mantenha hegemônica.
No avanço de discursos religiosos e no conservado-
rismo de políticas de privilégios (alimentados pela
mídia e pelas instituições políticas, jurídicas, cientí- 1. A Semana de Humanidades aconteceu em
setembro de 2016, na Universidade Federal dos
ficas e religiosas), percebemos que um inconsciente
Vales do Jequitinhonha e Mucuri, promovida pelo
social e cultural é retroalimentado de modo a garan- curso Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades
tir que formas sociais hieraquizantes sejam repro- - Faculdade Interdisciplinar em Humanidades,
reunindo no tema Diversidade e Vale diferentes
duzidas. Nos microespaços do cotidiano, memórias
sujeitos sociais e profissionais da Universidade e dos
inconscientes são acessadas, uma vez que temos uma Movimentos Sociais, colocando em debate os desafios
breve e curta história de acessibilidade das minorias de construir a democracia e as questões sociais que
atingem o Vale do Jequitinhonha e Mucuri, bem
aos direitos sociais. Portanto, se tivemos avanços que
como o papel social da Universidade em construir
poderiam apontar para a quebra de hegemonia do uma educação emancipatória.
poder masculino, o que temos vivido é uma ameaça
frontal a tal possibilidade.

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O poder masculino na esfera da universidade pública
2. Não se trata de exposição de resultados de pesquisa 5. Em setembro de 2016, a PEC 241/2016, que
sobre gênero, mas sim, uma reflexão; motivo pelo estabelece o congelamento dos investimentos em
qual tenha sido nomeado artigo/ensaio sobre educação, saúde e assistência social pelos próximos
como o ambiente universitário, por via de ritos e 20 anos, numa ruptura dos preceitos constitucionais,
representações sociais, mantém um cotidiano que, estava em tramitação junto ao Congresso. Em
diferenciando homens e mulheres, reproduz o novembro e em dezembro do ano de 2016, ela foi
androcentrismo. aprovada, tornando-se, no Senado, a PEC 55/2016.
A mídia brasileira a nomeou como PEC do teto dos
3. No contexto brasileiro, não podemos dizer que a gastos públicos e silenciou as manifestações públicas
república deu-se por luta social, mas pelo primeiro dos diversos movimentos sociais e educacionais que
golpe de Estado (CARVALHO, 2003) promovido pela enfrentaram, nas ruas, as forças repressivas do Estado.
oligarquia, interessada em manter-se no poder.

notas
4. O uso de letras maiúsculas e minúscula foi
proposital; visa ilustrar a lógica hierarquizante do
imaginário social em torno do lugar docente em
disciplinas, majoritariamente, vinculada ao sexo
masculino.

ARANHA, M. L. A. Filosofia da educação. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1989.


ARRAYO, M. Política educacional e desigualdades: a procura de novos significados. Edu. Soc.,
Campinas, v. 31, n. 113, p. 1381-1416, out.-dez. 2010
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 14ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
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COMTE-SPONVILLE, A. O amor. 1. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2016.
DUBET, F. O que é uma escola justa? 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2008.
HABERMAS, J. Lutas pelo Reconhecimento no Estado Democrático Constitucional. In: TAYLOR, C.
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MACHADO, R. P. As faces do machismo nas universidades. 2015. Disponível em: <http://www.
cartacapital.com.br/sociedade/as-faces-do-machismo-nas-universidades-1174.html>. Acesso em: 22
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referências
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