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GUARULHOS
2016
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GUARULHOS
2016
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Ficha Catalográfica
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__________________________________________________________
Prof. Dr. Davisson Charles Cangussu de Souza
PPGCS - UNIFESP
__________________________________________________________
Prof. Dr. Sávio Machado Cavalcanti
IFCH - UNICAMP
__________________________________________________________
Prof. Dr. Henrique José Domiciano Amorim
PPGCS - UNIFESP
5
RESUMO
ABSTRACT
This work has as its central objective the study of the concept Althusserian
overdetermination, as imported from psychoanalysis and incorporated (resignifying
up) Marxism by Louis Althusser, for the purpose of considering the epistemological
radical cut that the french philosopher intends to build between Marxist and Hegelian
dialectics. To do so, it was also necessary to read Marxist theoretical
texts expressing more directly on issues related to the dialectical method (theory of
knowledge) and the more general formulation of the theory of history, for the purpose
of collating critically such Marxian arguments with the logic that governs the use of
conceptual overdetermination in Althusser. Finally, this study also includes a set of
critical reflections on the epistemological difficulties in which, in our view, Althusser
incurs several times to formulate and make use of the concept, especially the lack of
distinction between the concepts of determination and contradiction in Marxian work.
Keywords: Althusser, Overdetermination, Dialectic, Contradiction, Psychoanalysis,
Epistemology, Marxist theory of history.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 08
2 QUESTÕES DO MÉTODO EM MARX 25
2.1 A sobredeterminação e a teoria do método 25
2.2 A sobredeterminação e a teoria da história 42
3 DO CONCEITO DE SOBREDETERMINAÇÃO EM ALTHUSSER:
DESDOBRAMENTOS TEÓRICOS 50
3.1 Escritos de Althusser: delimitação do campo de pesquisa 50
3.2 Psicanálise e marxismo. 56
3.3 A teoria do corte epistemológico 67
3.4 A forma da dialética marxista: seu conceito e suas categorias sob a
ótica de Althusser 78
4 LIMITAÇÕES E DIFICULDADES NO USO DO CONCEITO DE
SOBREDETERMINAÇÃO EM ALTHUSSER 92
4.1 Monismo x pluralismo: a dialética entre a ordem e o caos 92
4.2 O exílio interno provocado pelo fechar-se em um círculo hermenêutico,
ou o milagre da partenogênese 95
4.3 O lugar de uma ausência 103
5 CONCLUSÃO 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 121
8
1 INTRODUÇÃO
história. O grande peso que a questão do método possui dentro desse campo
basicamente uma única verdade fundamental, e de que, por conta disso, apenas o
indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de
1
Mesmo no campo das ciências naturais essa questão gera muita controvérsia. Por exemplo, Paul
Feyerabend, filósofo da ciência, no seu livro "Contra o método" defende a posição de que o melhor é
adotar uma postura de "anarquismo epistemológico", entendido por ele como ensinamento que se
extrai do estudo da história das práticas científicas, história essa onde não se observa a repetição de
um mesmo padrão de procedimentos metodológicos na formulação de novos conhecimentos, mas,
ao contrário, a diversidade de práticas que são adotadas, muitas vezes, contra o modelo que é aceito
como racional e científico numa determinada época e lugar da história: "Assim, tudo o que podemos
dizer é que os cientistas procedem de muitas maneiras diferentes, que regras de método, se
explicitamente mencionadas, ou não são obedecidas de modo algum ou funcionam na maior parte
dos casos como regras práticas de proceder, e resultados importantes surgem da confluência de
realizações produzidas por tendências separadas e frequentemente conflitantes. A ideia de que "o
conhecimento 'científico' é, de algum modo, peculiarmente positivo e isento de diferenças de opinião"
(Campbell, 1957, p.21) não passa de uma quimera." (FEYERABEND, Paul. Contra o método. editora
unesp. 2º edição. 2011. p. 307)
9
para épocas no seu conjunto, parece válido que possa também ser aplicada para o
pergunta: até que ponto essas novas ideias, se de fato novas, avançam em relação
dúvida, mas que pode nos trazer alguma luz sobre os caminhos mais heterodoxos
que o marxismo pode percorrer. Para ilustrar essa ambivalência entre o ortodoxo e o
2
MARX, Karl. Contribuição à crítica da Economia Política. wmfmartinsfontes. 2016. Prefácio, p. 5-
6)
3
Um exemplo daquilo que se imagina ser a rejeição produtiva de uma teoria nos é dado pelo
comentário de Weber sobre o "Manifesto Comunista", ao afirmar que o "erro espirituoso" de suas
teses foi muito mais frutífero para o desenvolvimento da ciência do que muita "correção sem
espirituosidade". (WEBER, Max. O Socialismo. Texto incluído na coletânea Max Weber e Karl Marx.
Org. René E. Gertz. Editora Hucitec. 2º Edição. 1997, p. 264)
4
Essa desqualificação e proscrição pode também funcionar como critério revestido de parecer
técnico para permitir ou recusar o financiamento de pesquisas. Assim, a síntese do parecer da
CAPES relativa ao projeto “Crise do Capital e Fundo Público: Implicações para o Trabalho, os Direitos
e as Políticas Sociais”, apresentado ao Edital Procad 071/2013, envolvendo doutorandos, mestrandos
e graduandos da UnB, UERJ e UFRN. Justificativa do parecerista: “Projeto afirma basear-se no
método marxista histórico-dialético. Julgo que a utilização deste método não garante os requisitos
necessários para que se alcance os objetivos do método científico (…) considerando a metodologia a
ser empregada – cujos requisitos científicos não tem unanimidade – a proposta pode ser considerada
pouco relevante (…) a formação proposta estaria no âmbito do método marxista histórico-dialético,
cuja contribuição à ciência brasileira parece duvidosa.”
10
processam no campo das ciências sociais. Não são nunca disputas que se definem
posicionamento é decisivo para se determinar o alcance que pode ser atingido pelo
lançamento do olhar crítico sobre o objeto. Daí, em "Marx e Freud", a analogia entre
Maquiavel e Marx:
objetivo, que ajuda a explicar o motivo pelo qual há profundas divergências de teoria
e de método dentro da ciência. É o tipo de critério usado com muita frequência para
fazer a clivagem entre ciência burguesa e ciência revolucionária. Mas esse não é o
único fator operativo. O posicionamento político no contexto das lutas de classe (que
5
A propósito desse tema cumpre dizer que nos textos de Pour Marx, bem como na edição original de
"Ler o Capital", Althusser formulava um entendimento bem específico sobre o estatuto teórico da
filosofia, tal como ele a perseguia: ela era entendida como a "Teoria (com "T" maiúsculo) da prática
teórica", ou seja, a produção teórica do método, a formulação conceitual da dialética em sua forma
marxista. No entanto, com o passar dos anos, vai se consolidando um certo movimento de autocrítica
que vai se expressando de modo cada vez mais definitivo, no prefácio de 1967 à edição italiana de
"Ler o Capital", nos seus "Elementos de Autocrítica", e também na nota de advertência ao leitor da
edição francesa de "Ler o Capital" do ano de 1975, base da nossa primeira tradução brasileira:
"...temos agora razões de sobra para pensar que uma das teses que apresentei sobre a natureza da
filosofia exprime uma tendência 'teoricista' certa, apesar de todos os esclarecimentos feitos. Mais
precisamente, a definição (dada em Pour Marx e invocada no prefácio de Ler o Capital) da filosofia
como teoria da prática teórica é unilateral e portanto inexata. De fato, não se trata de simples
equívoco de terminologia, mas de erro na própria concepção. Definir a filosofia de modo unilateral
como teoria das práticas teóricas (e, por conseguinte, como teoria da diferença das práticas) não
passa de uma fórmula que só pode suscitar efeitos e ressonâncias teóricas e políticas ou
'especulativas' ou 'positivistas'. " A partir daí, a filosofia não será mais identificada com a
11
vai implicar, como veremos, na ideia de campos da superestrutura regidos por uma
obra marxiana é, como já se disse, uma das questões de que vamos tratar.
autonomia relativa das estruturas que estão presentes na vida de uma sociedade,
importantes escritores marxistas, tal como, por exemplo, em Lukács 6, que opera com
epistemologia da Ciência, ganhará uma formulação radicalmente distinta, qual seja, a de política - ou
luta de classes - dentro da teoria.
6
A presença de uma mesma questão representada como um problema que exige pesquisa teórica
pode indicar a filiação de dois pensadores a um mesmo mestre, muito embora entre os dois possa
haver diferenças radicais de identidade epistemológica. Esse é o caso entre Althusser e Lukács,
antípodas no mundo do marxismo, indicação dada pelo próprio Althusser que, ao se referir a Lukács,
diz que este, ao tratar do tema da autonomia relativa das esferas de superestruturas, praticou um
"hegelianismo vergonhoso" (Althusser, A favor de Marx, 1979, p. 100).
12
Lukács e Gramsci, mas sim tão somente ilustrar a sua presença e pertinência como
modo ele aparece e opera, de forma mais ou menos latente, em textos da própria
7
Em seu opúsculo sobre o estudo do método em Marx, José Paulo Netto vai defender a ideia de que
foi Lukács quem melhor definiu o conceito de totalidade presente na obra marxiana (NETTO. José
Paulo, Introdução ao estudo do método de Marx. 2011).
13
objetivo, muito mais modesto, é o de indicar uma linha de pesquisa que possa ter
pesquisa que já foi elaborado e explicitado por Althusser, como estratégico para o
Entretanto, pode-se iniciar com a seguinte questão: por quais razões esse
oportunidade. Isso pode ser observado em algumas passagens da sua obra, bem
seguintes ilustrações:
Edmundo Wilson:
Em junho de 1855, foi aprovada uma lei que, para manter os trabalhadores
sóbrios, proibia a venda de cerveja aos domingos; e o povo londrino passou
a reunir-se todos os domingos no Hyde Park, formando multidões de 250 a
500 mil pessoas, gritando com rebeldia 'vão para a igreja!' para a gente
elegante que lá passava o dia. Marx foi logo achando que aquilo era 'o início
da revolução inglesa', e participou tão ativamente nas manifestações que
uma vez só não foi preso porque conseguiu confundir o policial com uma de
suas argumentações irrespondíveis. Mas o governo voltou atrás, liberando a
cerveja dominical e a agitação não deu em nada. (WILSON, 1986, p. 197)
obra sobre o capital, pode constituir uma importante hipótese explicativa (embora
não exclusiva), dos motivos pelos quais a sua escrita vai se concentrando, com
8
Em "Ler o Capital", Althusser relativiza essa ideia de "falta de tempo" para explicar o motivo pelo
qual Marx não nos deu, em forma acabada e definitiva, a sua dialética. Segundo nosso autor, a falta
desse desenvolvimento formal e conceitual pode evidenciar, antes, uma das dificuldades típicas que
uma ciência nova enfrenta no seu nascimento, de ter que lidar com referências e recursos teóricos
que configuram um contexto teórico objetivo muito inadequado e que vai se tornando cada vez mais
obsoleto, exigindo-se, historicamente, um certo tempo para a maturação: "Toda a história dos inícios
das ciências ou das grandes filosofias mostra, que o conjunto exato dos conceitos novos não desfila
em parada, na mesma linha; que, pelo contrário, alguns se fazem esperar por muito tempo, ou
15
Podemos também conjecturar com o fato de que Marx não era um teórico da
academia, e, por conta disso, não sofria as mesmas pressões institucionais que um
modo mais explícito os seus processos de trabalho9. Como teórico, Marx era um
em regra, tem um interesse muito mais "prático" nos ganhos que uma obra escrita
desfilam em vestimentas de empréstimo, antes de vestir sua roupa ajustada - pelo tempo que a
história não tenha fornecido nem o tecido nem o costureiro" (ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital.
Zahar. 1979, p. 54). No caso do objeto da presente dissertação - o conceito de sobredeterminação -
pretende-se que seja uma roupa mais ajustada para o corpo da dialética marxista, e Althusser o seu
costureiro.
9
Em seu livro, Edmund Wilson conta que, por volta de 1837, quando Marx ainda trocava
intelectualmente com os jovens hegelianos, Bruno Bauer, professor na universidade de Bonn, havia
prometido um cargo para Marx, o que não foi possível pois, antes disso, o primeiro já havia perdido o
seu posto por conta das suas atividades anti-religiosas e pró-constitucionais: "Assim, a possibilidade
de que o mais talentoso filósofo da nova geração na Alemanha - a respeito do qual alguém já dissera
que, assim que pisasse numa sala de aula, todos os olhos da Alemanha estariam voltados para ele - ,
a possibilidade de que o jovem dr. Marx seguisse o exemplo de seus grandes predecessores, Kant,
Fichte e Hegel, e expusesse seu sistema de um púlpito acadêmico, foi destruída para sempre."
(Wilson, 1986. pág. 120). Quiçá, como professor universitário, a obra marxiana tivesse tomado outro
rumo, e tivéssemos hoje talvez uma parte mais desenvolvida de textos metodológicos. Mas sabe-se
lá com que prejuízos...
16
teórica que pudesse tratar centralmente e de um modo mais exaustivo sobre a teoria
de "O Capital", escrito por Engels, este último uma indicação tardia em Althusser,
para a retificação da ideia (isso será abordado nesse trabalho) segundo a qual
explicitamente por Althusser como a base sobre a qual se constituiu a sua teoria do
pontuar alguns dos mais importantes momentos do seu percurso teórico (o estudo
ideologia alemã), Marx nos dá a formulação mais direta e concisa dos princípios,
forma as formulações contidas nesse texto, para nós, se faz uma tarefa
lhe são próprias, e que vão sustentar o efeito da sua autonomia relativa, que se
Uma das consequências disso é o fato de que, como Althusser procura evidenciar
abordado, mas com uma perspectiva diferente. A questão agora, abordada de forma
que, a partir daí, volta para o concreto, se elevando ao concreto pensado, concreto
como produto da determinação)11. Além desse tema, que constrói a diferença entre
conhecimento na crítica da economia política clássica. E, por fim, com base nessas
10
Esse texto pode ser encontrado em duas edições diferentes: na "Contribuição à Crítica da
Economia Política", na parte intitulada "Introdução à Crítica da Economia Política", tópico 3; e também
nos "Grundrisse", Introdução, tópico 3. Ambas as edições estão referenciadas na lista bibliográfica da
presente monografia.
11
Certas passagens desse texto é que podem dar ao entendimento a imagem de um movimento de
duas elevações, e, dentro dessa imagem, simultaneamente, a ideia de um movimento de ida e volta.
Assim, Marx primeiro diz: "...do concreto representado [chegaria] a conceitos abstratos [Abstrakta]
cada vez mais finos, até que tivesse chegado às determinações mais simples. Daí teria de dar início à
viagem de retorno...". Aqui, portanto, a ideia de ida e volta. Logo em seguida, Marx nos diz: "...o
método de ascender do abstrato ao concreto é somente o modo do pensamento de apropriar-se do
concreto...". Aqui, por sua vez, a ideia da elevação. Temos assim, portanto, o caminho do abstrato
para o concreto, que deve ser percorrido pelo pensamento científico, representado de modo
ambivalente pelas imagens de retorno e de elevação. O retorno ao concreto significando uma
elevação. Poderia ser mais um prato cheio para os exercícios althusserianos de Leitura Sintomal, que
será explicada em outro momento dessa dissertação.
19
chave do texto sobre o método referido por esse parágrafo. Há portanto, no nosso
determinação. Não são duas coisas separadas, mas são uma mesma coisa em dois
Por fim, para terminar esse sobrevoo que pretende apenas mostrar os
edição do Livro I de "O Capital". Nesse texto, Marx expõe resumidamente a sua
análise de que a dialética, em Hegel, está de cabeça para baixo, e que o movimento
de invertê-la e a pôr sobre os pés torna possível extrair o cerne racional que se
esconde dentro do seu envoltório místico. Como veremos mais adiante, é por meio
absoluto à segunda.
Sendo assim, querendo também trilhar o caminho que já foi aberto por
aqui é abordar uma das suas problemáticas, que se prefere designar, junto com
Althusser, por toda fecundidade, riqueza e complexidade que ela carrega, como os
Sabe-se aqui que a proposta de estudo que rege essa dissertação é por
por parte do leitor, pela impressão de arrogante presunção que pode provocar.
Certos temas que existem desde o princípio no marxismo - e que talvez, nos seus
clássicos, por vezes quase que sagrados, diante dos quais se é chamado a sentir
pertence a essa categoria de temas. É claro que isso não acontece por acaso. Uma
questão que sempre esteve muito longe de ser popular e facilmente acessível. É um
mar imenso que separa o discurso acadêmico da conversa do dia a dia. E falar
sobre a dialética nos dias de hoje significa, assim, o desejo e a competência para ao
teórico altamente abstrato, o que, sem nenhuma dúvida, não é algo que dependa
perto de trazer e confrontar todas as obras importantes que falam sobre o tema que
foi escolhido, muito embora vão aparecer diversas referências bibliográficas que
também são úteis como elos que fazem a ligação com essas correntes caudalosas
que se somam nesse grande empreendimento que é falar sobre a dialética. Sendo
assim, por escrúpulos de honestidade, achamos por bem tentar justificar um trabalho
21
trata-se de uma dissertação e, como tal, pode ser entendida e acolhida stricto sensu:
como exercício para discorrer sobre um determinado tema, e, como tal, ser avaliado
pelo seu rigor teórico, científico e formal. Pensamos que todos esses critérios podem
um clássico, e desde que haja uma preocupação mínima para dialogar com um
de hoje. Em segundo lugar, para evitar que esses temas clássicos, quase sagrados,
despertam muitas vezes o interesse de quem ainda está muito embaixo, sejam o
seus passos nas areias da história. Nesse sentido, o que diz o professor de filosofia
Mann:
que se relacionam diretamente com o nosso objeto de estudo: o texto sobre "O
Política". Desses textos, serão destacados apenas os argumentos que nos ajudam a
22
problematizar a interrogação que nos pudemos para responder: até que ponto, ou
ou indicadas por Marx? Ou será que não passa da reprodução de uma ideia já
seus escritos: "A Favor de Marx"; "Freud e Lacan"; "Marx e Freud", e "Ler o Capital".
corte epistemológico operado por Marx, e que separou radicalmente a sua dialética
epistemológico, que Althusser vai buscar em Mao Tsé-Tung e Lênin. Há uma outra
poderão servir de base para o esboço de um roteiro que indique alguns possíveis
Para tentar desfazer uma falsa impressão que essa introdução já possa ter
causado, não se pode esquecer que esse tipo de pesquisa teórica, dedicada a
pensador. Tal como indicado por Althusser na citação que foi transcrita mais acima,
uma crise ainda mais profunda...”. Se levarmos em conta, estritamente, o que diz o
capitalista, em sua forma mais lógica e pura, o seu movimento histórico já deveria ter
culminado numa crise tão aguda e violenta que já teria resultado, ou na sua
de uma nova forma de sociedade. Vejamos, para ilustrar esse ponto, a seguinte
Tão logo o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte da
riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e,
em consequência, o valor de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso
(…) Com isso, desmorona a produção baseada no valor de troca, e o
próprio processo de produção material imediato é despido da forma da
precariedade e contradição. [Dá-se] o livre desenvolvimento das
individualidades e, em consequência, a redução do tempo de trabalho
necessário não para pôr trabalho excedente, mas para a redução do
trabalho necessário da sociedade como um todo a um mínimo, que
corresponde então à formação artística, científica, etc. dos indivíduos por
meio do tempo liberado e dos meios criados para todos eles. O próprio
capital é a contradição em processo, [pelo fato] de que procura reduzir o
tempo de trabalho a um mínimo, ao mesmo tempo que, por outro lado, põe
o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza (…) As forças
produtivas e as relações sociais – ambas aspectos diferentes do
desenvolvimento do indivíduo social – aparecem somente como meios para
o capital, e para ele são exclusivamente meios para poder produzir a partir
de seu fundamento acanhado. De fato, porém, elas constituem as
condições materiais para fazê-lo voar pelos ares. (MARX, 2011, p. 587)
observada por Marx na Europa do século XIX, e que serviu de objeto para a
construção do seu edifício teórico, não pode servir como modelo imediato para
inimaginável para o próprio Marx, exigindo, por conta disso, uma releitura crítica do
conjunto das previsões marxianas sobre o seu colapso, não pelo motivo leviano e
cada vez mais, sob aquele caráter extremamente plástico, capaz de abrir um leque
de variadas possibilidades para dar conta de suas próprias crises. Essas reflexões,
não perder o núcleo duro desse conhecimento, a referida espinha dorsal legada pela
obra teórica marxiana, bem como seguindo a trilha dos seus apontamentos
um futuro teleologicamente inevitável; mas vai se constituindo, com força cada vez
XIX, e que tem como um de seus afluentes mais importantes a pesquisa científica
diferente. Esses dois modos distintos de se falar sobre uma mesma questão, nesse
objeto real e o objeto de conhecimento, o que, por implicação, serve de base para se
por detrás da aparência ou conteúdo inessencial do objeto real. Diante de tal objeto
real, que mantém escondida a sua essência real (e a repetição reiterada do termo
12
Que esse procedimento seja de fato o resumo epistemológico correto do empirismo é questionado
por E. P. Thompson, em uma nota na qual reproduz Kolakowski: "Ver Hans Kolakowski, "Althusser's
Marx", Socialist Register, 1971, pp. 124-125: "O leitor com um conhecimento elementar de história da
filosofia notará imediatamente que aquilo que Althusser entende por "empirismo" bem poderia ser
considerado como a teoria aristotélica ou tomista da abstração, mas que o empirismo moderno -
iniciado não por Locke, mas pelo menos com os nominalistas do séc. XIV - significa exatamente o
oposto dessa ideia." (Thompson. A miséria da teoria, p. 218)
13
O entendimento segundo o qual o processo empirista significa um movimento de abstrair a
essência real do objeto real dialoga diretamente com a crítica do método da economia política
clássica no séc. XVII feita por Marx: "Os economistas do séc. XVII, p.ex., começam sempre com o
todo vivente, a população, a nação, o Estado, muitos Estados, etc., mas sempre terminam com
algumas relações determinantes, abstratas e gerais, tais como divisão do trabalho, dinheiro, valor,
etc., que descobrem por meio da análise." (Marx. GRUNDRISSE, 2011. p. 54). É a essa crítica que
Gianotti chama de combate ao "método indutivo em economia política", feito por Marx. (Giannotti.
Exercícios de Filosofia, 1975. p.88).
28
invólucro místico" (Marx. 2013. pg.91). Althusser vai explicar o uso dessa linguagem
do empirismo por Marx fazendo uso da sua teoria da Leitura Sintomal (que será
(...) Marx, por motivos que analisamos, teve de servir-se dela para pensar a
falta de um conceito do qual, no entanto, ele havia produzido os efeitos,
para formular a questão (ausente), isto é, esse conceito, ao qual, contudo,
deu a resposta em suas análises de O Capital; que essa problemática
sobreviveu ao uso pelo qual Marx a torceu, destorceu e transformou de fato,
ao mesmo tempo que recorrendo aos seus termos (aparência e essência,
exterior e interior, essência interna das coisas, movimento aparente e
14
movimento real, etc.)..." (ALTHUSSER, 1979, p. 39)
paradoxal que isso possa parecer" (Althusser. 1979. pg. 39), a Hegel. Com Spinosa
diretamente com o texto sobre "O Método da Economia Política", de Marx. Nessa
14
O curioso, nesse caso, é que o texto sobre "O método da Economia Política", que estamos
examinando, representa a elaboração mais racional e consciente do método dialético em oposição ao
método empírico, mesmo que de forma muito sintética, e serve de base para a formulação
althusseriana do conceito de "objeto de conhecimento".
15
Assim o diz Marx: "O sujeito real, como antes, continua a existir em sua autonomia fora da cabeça;
isso, é claro, enquanto a cabeça se comportar apenas de forma especulativa, apenas teoricamente.
29
por sua vez, tem como objetivo produzir o concreto como concreto pensado, síntese
dos empiristas:
E, em sendo assim, como definir a base que serve para a elaboração das
sentido rigoroso do conceito tal como nos é dado em "O Capital" ("matéria já
Por isso, também no método teórico o sujeito, a sociedade, tem de estar continuamente presente
como pressuposto da representação". (Marx. Grundrisse. p. 55).
16
Assim o define Marx: "O último é manifestamente o método cientificamente correto. O concreto é
concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por essa
razão, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo e, em consequência, também o ponto
de partida da intuição e da representação. Na primeira via, a representação plena foi volatilizada em
uma determinação abstrata; na segunda, as determinações abstratas levam à reprodução do
concreto por meio do pensamento." (Marx. Grundrisse. p. 54).
17
Nesse sentido, Marx: "Por isso, se eu começasse pela população, esta seria uma representação
caótica do todo e, por meio de uma determinação mais precisa, chegaria analiticamente a conceitos
cada vez mais simples; do concreto representado [chegaria] a conceitos abstratos [Abstrakta] cada
vez mais finos, até que tivesse chegado às determinações mais simples." (Marx. Grundrisse. p.54).
18
Essa formulação da questão é altamente significativa e impactante. Em sua base, o erro do
empirismo não se resume a encarar a abstração que se efetua sobre o objeto real como o ponto de
chegada do trabalho de conhecimento. Antes disso está o erro de imaginar a possibilidade de entrar
em contato diretamente com o objeto real, sem a mediação de sua representação subjetiva, intuitiva,
30
múltiplas determinações. Não há, portanto, nessa sua primeira definição, nenhuma
perceptiva, ideológica. Este é um tema fecundo para explorar a possibilidade de uma problemática
kantiana nos textos do Marx da maturidade, problemática essa que Althusser localiza em uma das
fases do Marx da juventude. Mas está muito além da nossa competência nesse momento. Apenas
com o propósito de ilustrar o que isso poderia significar, vejamos a colocação de um problema similar
na obra de Simmel, tal como é indicada por Maurício Tragtenberg, na introdução à edição brasileira
da "Metodologia das Ciências Sociais", de Max Weber: "Simmel se coloca uma questão na forma de
Kant: É possível a sociedade? Para ele, a pergunta fundamental de Kant fora a seguinte: A natureza
é passível de ser objeto da ciência? Segundo Simmel, Kant poderia ter adiantado uma resposta, já
que a natureza era vista como representação da natureza. A natureza é a maneira com que nosso
intelecto recebe e ordena as percepções dos sentidos, é uma espécie de cognição...Diz Simmel: 'a
sociedade é minha representação no processo de atividade da consciência'. A resposta à pergunta -
como é possível a sociedade? - é fornecida por um a priori que está contido nos sujeitos sociais".
(Tragtenberg, apud Weber, Metodologia das Ciências Sociais, p. 19). Essa problematização
também é apontada por Marcos Muller, no seu artigo "Exposição e método dialético em "O Capital"":
"A ressonância kantiana da linguagem faz Colletti dizer que Marx retorna ao conceito gnosiológico, e
não ontológico, de 'conceito', e à afirmação do papel constitutivo e permanente da multiplicidade da
experiência para a elaboração do conceito." (Muller, Exposição e método dialético em “O Capital”,
p. 29)
31
contradição. Essa questão ausente à qual nos referimos diz respeito à falta de uma
regra nem critério que sirva para se organizar uma hierarquia que pudesse
determinações. Também, nesse texto, é importante notar que Marx nos fala de
conclusões que podemos formular a esse respeito? Podemos então, para resumir o
resultado do nosso estudo sobre o método em Marx até o momento, dizer que,
histórica. Ou, a coisa da lógica, e não a lógica da coisa. Nesse sentido, aqui não se
19
Marx expressa essa diferença, entre outras passagens, na que se segue: "Seria impraticável e
falso, portanto, deixar as categorias econômicas sucederem-se umas às outras na sequência em que
foram determinantes historicamente. A sua ordem é determinada, ao contrário, pela relação que tem
entre si na moderna sociedade burguesa, e que é exatamente o inverso do que aparece como sua
ordem natural ou da ordem que corresponde ao desenvolvimento histórico. Não se trata da relação
que as relações econômicas assumem historicamente na sucessão de diferentes formas de
sociedade...Trata-se, ao contrário, de sua estruturação no interior da moderna sociedade burguesa."
(Marx. Grundrisse, p. 60).
32
social, tais como a política, o jurídico, o religioso, o cultural, etc., mas sim das
por Marx no texto sobre "O Método..." são: posse, propriedade, cooperação, divisão
das mercadorias:
razão dessa diferença, dizíamos, que se pode entender os momentos distintos que
utilizando nesse estudo. Nesse texto, Duayer mostra o que se pode chamar de
20
Temos assim, portanto, uma analogia entre processos químicos de laboratório e processos
abstrativos de gabinete. A força da abstração equivalente ao reagente químico, e as formas mais
simples da sociedade burguesa - forma mercadoria, forma valor - como o seu produto. Daí é que se
pode inferir que Marx está a falar diretamente sobre o procedimento de pesquisa.
21
Assim, a seguinte passagem: "Já em novembro de 1837, aos dezenove anos, ele comenta em uma
carta ao seu pai que havia adotado o 'hábito de fazer extratos de todos os livros que leio [...] e,
incidentalmente, rabiscar minhas próprias reflexões'. O que significa dizer que os extratos redigidos
por ele no curso de sua extensa atividade intelectual documentam minuciosamente os temas e
autores que foram objeto de sua investigação, permitindo não só acompanhar a evolução de seus
estudos...mas, sobretudo, compreender o seu método de trabalho. Por esse motivo, costuma-se dizer
34
Política" e pelos livros de "O Capital"), é o melhor posto de observação para quem
a força da abstração. Seu produto, conceitos e categorias com maior ou menor grau
de simplicidade.
teórico de produzir o concreto pensado, a caminhada que vai das categorias mais
planos de exposição pensados por Marx para a sua crítica da economia política
que examinar os Grundrisse (e, nesse sentido, os demais materiais inéditos) é como ter acesso ao
laboratório de estudos de Marx." (Marx. Grundrisse, p. 13)
35
plano dos Livros de "O Capital", temos uma parte do trabalho acumulado pelo
síntese de múltiplas determinações, e que nos dá mais uma vez o lugar do conceito
ligação necessária com o processo de luta de classes, fazendo com que, portanto,
entendido por Jorge Grespan, que o vai caracterizar como "caminho da concreção":
22
Relembramos, aqui, a seguinte fórmula de Marx: "...as categorias expressam formas de ser,
determinações da existência..." (Marx. Grundrisse, p. 59).
36
Capital"", quem mais centra o foco na argumentação que visa caracterizar o método
entendido dessa forma, não haveria nenhuma ruptura epistemológica, mas sim
epistemológico de Althusser.
servir com a mesma eficiência a dois senhores que são inimigos mortais e vivem em
althusseriana: há ou não uma ruptura, no que diz respeito a essa diferença, entre a
veremos que Althusser responde afirmativamente por meio da sua teoria do corte
de separação essa que seria estranha à teoria marxiana. Esse erro cometido por
Althusser, no seu afã de cortar toda a carne, nervos e músculos que fariam, de fato,
gerando-se, desse modo, dois mundos paralelos que se desenvolvem sem nunca se
23
Essa diferença é a base usada por Marx para explicar o erro cometido por Hegel: "Por isso, Hegel
caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que sintetiza-se em si, aprofunda-
se em si e movimenta-se a partir de si mesmo, enquanto o método de ascender do abstrato ao
concreto é somente o modo do pensamento de apropriar-se do concreto, reproduzi-lo como um
concreto mental. Mas de forma alguma é a gênese do próprio concreto". (Marx. Grundrisse, p. 54-
55)
24
O debate que agora faremos com alguns dos tópicos de crítica de Giannotti contra Althusser faz
uso do artigo intitulado: "Contra Althusser", publicado em Seleções CEBRAP 2. Exercícios de
Filosofia. 1975.
38
da sua teoria da prática teórica, produz uma noção tal de objeto do conhecimento
que, embora haja uma postulação de princípio dessa correspondência (ver, por
prática o que se faz é negar esse mesmo princípio, recusando-se toda e qualquer
possibilidade de conhecimento do objeto real, o que faz com que Thompson associe
Francis Bacon:
O certo é que Deus nada fez na natureza que não fosse por causas
segundas". O argumento não impediu que Francis Bacon fosse acusado de
ser ateu em segredo, e Althusser não se deve surpreender ao ser acusado
de dissolver a realidade numa ficção idealista. Pois, uma vez feito esse
gesto piedoso e necessário [de afirmar a existência do objeto real e sua
correspondência com o objeto de conhecimento] (como uma espécie de a
priori genético, uma cláusula "em última instância"), o "real" é rapidamente
arrastado para fora da cena." (THOMPSON, 1981, p. 31)
25
Dedicaremos um tópico no terceiro capítulo da presente dissertação para olhar com mais detalhes
esse ponto crítico na obra mencionada de E. P. Thompson.
26
Para Popper, "não há história da humanidade, há apenas um número indefinido de histórias de
todos os tipos de aspectos da vida humana". Essas histórias são criadas por historiadores a partir de
uma "matéria infinita" de acordo com preocupações contemporâneas. A ênfase recai, com a
monotonia de um martelo a vapor, sobre a incognoscibilidade de qualquer processo histórico objetivo
e sobre os perigos da atribuição "historicista"." (Thompson, A miséria da teoria ou um planetário de
erros (uma crítica ao pensamento de Althusser), p. 30-31)
39
que, em Marx, "De modo nenhum é dito porém que o concreto é necessariamente
1975, p. 89). É interessante notar também, para aproveitar o ensejo, que uma das
de uma Leitura Sintomal dos textos de Marx (comentaremos sobre essa proposta no
próximo capítulo), ou seja, a escolha por ler Marx nas entrelinhas e não nas linhas,
"como se sua prática teórica fosse inferior às suas descobertas" (Giannotti. 1975, p.
88-89). Mas aqui, fazendo jus não ao que preconiza mas sim ao que critica,
seguinte passagem:
Althusser, tal como a formula Giannotti, o peso maior ou menor que se joga no
produção ou como reprodução do objeto real. E, diante disso, na leitura que aqui
fazemos dos textos de Althusser, o modo como o nosso autor valoriza e formula a
metodológico), não é estranha à ideia dessa produção como, também, uma forma de
Quando Marx afirma: "O todo como aparece na cabeça, tal qual um todo-de-
pensar, é um produto da cabeça pensante" está obviamente se referindo às
ideias singulares que estão na cabeça de cada um, resultantes de um
complexo fisiológico. Para Marx nesse momento importa salientar a
subjetividade da ideia em face da objetividade, não tendo pois cabimento a
41
deve ser substituída pela ideia de reprodução teórica do objeto real, "espelhamento
teórico do concreto". Para tanto, acaba cometendo dois erros, que se evidenciam na
realidade concreta pelo ser humano acaba, portanto, por rebaixar a condição de
indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais" (Marx.
cabeça humana, não pode se processar sem a mediação de uma realidade social,
de uma linguagem, uma ideologia, etc., muito embora haja sempre um suporte
dirige para a leitura de Marx, segundo a qual, quando este fala sobre o concreto de
do seu contexto, pois, no seu escrito sobre o método da economia política clássica,
(Marx. O Capital. Posfácio à 2º edição. p. 90). Ele erra, no entanto, ao nosso ver, em
afirmar que essa tese não está, pelo menos, "tacitamente pressuposta" no nosso
autor.
da Economia Política", e quais as novas implicações que são trazidas para o nosso
conceito de sobredeterminação - o cavalo que vai puxar pela outra ponta. Nesse
histórico das sociedades humanas, que é entendida como resultado e fio condutor
do trabalho de estudo e pesquisa27. Sendo assim, devemos notar que, nesse ponto
27
Assim o reconhece Marx: "A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio
condutor dos meus estudos..." (Marx. Contribuição à Crítica da Economia Política, p. 5). De que
modo poderíamos entender a função de uma "conclusão geral" e de um "fio condutor" no caso dos
textos marxianos que estamos estudando? 1) na escolha de objeto: a economia burguesa, estrutura
que compreende o estado histórico das forças produtivas e as relações de produção; 2) na matéria-
prima que serve de base para o estudo do objeto: a Economia Política Clássica; 3) nos conceitos e
nas categorias que são elaborados no processo de abstração do método de pesquisa: conceitos e
categorias econômicas; 4) na forma de abordar os temas da superestrutura: buscando evidenciar
sempre, em última instância, a relação de condicionamento e de determinação; 5) no objetivo do
43
que esse quadro geral, que nos é dado de uma forma altamente sucinta - em um
único parágrafo! - , nos revela os principais conceitos do que vai ser chamado de
materialismo histórico, e que, a partir de agora, vai nos instruir sobre a lógica da
princípio que rege o processo evolutivo das sociedades históricas; o do princípio que
29
2016, p. 5)
constituída pelas relações de produção que, por sua vez, se estruturam de uma
ligação de um outro, que pode ser caracterizado, na forma em que está escrito,
29
É interessante notar o uso de dois conceitos aparentados mas distintos: "condicionamento" e
"determinação". Quando se fala de determinação, pura e simplesmente, pensamos em uma forma
direta de relação causal, sem mediações. O uso desse conceito por Marx, nessa passagem, se refere
à determinação mais geral da consciência pelo ser social. Ou, o ser social precede e determina a
consciência. Em uma dimensão mais próxima da experiência concreta, Marx fala que "o modo de
produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em
geral". O uso do conceito condicionar, aqui, pode significar que Marx não pensava em uma
modalidade de relação causal direta, sem mediações. E, quando pensamos em uma determinação
indireta, como mediações, pensamos logicamente a possibilidade dos conceitos de autonomia
relativa e sobredeterminação. Mas Marx não desenvolve formalmente essa possibilidade nesse texto.
Sobre o motivo pelo qual o conceito de determinação possa ter se evidenciado quase de modo
exclusivo, a seguinte passagem de Engels: "Marx e eu somos em parte responsáveis pelo fato de
que, de vez em quando, nossos discípulos dão maior peso ao fator econômico do que deveriam.
Fomos obrigados a enfatizar seu caráter central em oposição a nossos adversários, que o negavam,
e nem sempre havia tempo, espaço e oportunidade para fazer justiça aos outros fatores envolvidos
nas interações recíprocas do processo histórico." (citado por Edmund Wilson. Rumo à Estação
Finlândia. p. 176).
30
Note-se que falar da ideia de uma determinação em última instância no texto marxiano é, de certa
forma, uma concessão que se faz às leituras que já começam a relativizar a força da determinação
econômica, seguindo, nesse sentido, a linha que foi indicada por Engels na sua carta a Joseph Bloch,
lugar em que aparece a noção de determinação em última instância: "Segundo a concepção
materialista da história, o momento em última instância determinante, na história, é a produção e
reprodução da vida real. Nem Marx nem eu alguma vez afirmamos mais. Se agora alguém torce isso
[afirmando] que o momento econômico é o único determinante, transforma aquela proposição numa
frase que não diz nada, abstrata, absurda." (citado em MOTTA. A Favor de Marx. p. 52-53)
31
O gosto de Marx por certas ideias evolucionistas aparece mais de uma vez na sua obra da
maturidade. Outro exemplo é a famosa passagem do texto sobre o método em que diz: "A anatomia
do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco. Por outro lado, os indícios de formas
superiores nas espécies animais inferiores só podem ser compreendidos quando a própria forma
superior já é conhecida" (Marx. Grundrisse, p. 58), ilustrando assim o motivo pelo qual na sociedade
burguesa certas categorias econômicas muito complexas ajudam a explicar as mesmas categorias
em fases anteriores da história humana, e que existiam em formas mais simplificadas.
45
implacável32:
32
Tal contradição lógica, operando de forma implacável, pode também ser observada no
"Grundrisse". Assim, a parte em que Marx discorre sobre a lei da diminuição progressiva da taxa de
lucro, lei interna do capital, executada pela concorrência: "A concorrência executa as leis internas do
capital; faz delas leis compulsórias para o capital singular, mas não as inventa" (Marx. Grundrisse,
p. 629). Sobre essa lei da queda da taxa de lucro: "Em todos os sentidos, essa é a lei mais importante
da economia política moderna e a mais essencial para compreender as relações mais complicadas.
Do ponto de vista histórico, é a lei mais importante" (Marx. Grundrisse, p. 626). De tal modo que, em
se tratando de uma lei, o momento da ruptura revolucionária acaba por ganhar um certo tom fatalista:
"Em consequência, o máximo desenvolvimento da força produtiva e a máxima expansão da riqueza
existente coincidirão com a depreciação do capital, a degradação do trabalhador e o mais estrito
esgotamento de suas capacidades vitais. Essas contradições levam a explosões, cataclismos, crises,
nas quais, pela suspensão momentânea do trabalho e a destruição de grande parte do capital, este
último é violentamente reduzido até o ponto em que pode seguir empregando plenamente suas
capacidades produtivas sem cometer suicídio. Contudo, essas catástrofes regularmente recorrentes
levam à sua repetição em uma escala mais elevada e finalmente à destruição violenta do capital."
(Marx. Grundrisse, p. 628).
46
do seu artigo, Marcos Muller "brinca" com a ideia de que a teoria da história em
de Engels, segundo a qual a intenção quase que exclusiva que foi dedicada por
objetiva e material. E, para terminar de fechar com mais um ponto essa nossa
costura, uma das declarações de Engels mais explícitas a esse respeito, em uma
Escutemos o velho Engels colocar, em 90, as coisas nos eixos frente aos
jovens "economistas" que não compreenderam que se tratava antes de uma
nova relação. A produção é o fator determinante, mas somente "Em última
instância". "Nem Marx nem eu afirmamos mais além disso". Aquele que
"violentar o sentido dessa frase" para que ela passe a significar que o fator
econômico é o único determinante, "transformá-lo-á numa frase vazia,
abstrata, absurda". E explica que: "A situação econômica é a base, mas os
diversos elementos da superestrutura - as formas políticas da luta das
47
teoria marxista, não é uma coisa de pequena importância. Significa que, para ele, o
princípio lógico que rege esse conceito não é estranho ao pensamento marxiano e
marxista, mas está lá, presente, apontando um caminho, embora com uma grande
corrente: o princípio que rege a lógica do conceito é o mesmo que opera no campo
mais simples do que outros, e de que a sua ordem lógica na produção do concreto
pensado não tem nenhuma relação com a sua ordem histórica de aparecimento e
operação. Há, no entanto, um outro cavalo de tração, puxando pelo outro lado o
materialismo histórico, tal como nos é dada pelo prefácio da "Contribuição...". Aqui,
para Marx, o concreto já não é mais uma coisa da lógica, mas sim a lógica da coisa,
concreto com determinação econômica (no texto de Marx não aparece a noção de
divergentes, como um corpo com dois corações. Nada mais sintomático das
dificuldades implicadas por essa tentativa de fundir as duas ideias do que o tópico 5
do artigo "Sobre a Dialética Materialista", que compõe o livro "A Favor de Marx".
Daí que Althusser nos proporciona o exercício de pensar mais a fundo uma
convivência pode levar a um impasse insolúvel, ou a que uma das ideias murche
debaixo da sombra da outra. Essa segunda possibilidade foi um dos motivos mais
fortes da crítica marxista contra Althusser, como se verá no terceiro capítulo. Aqui,
33
Nos próprios conceitos se pode enxergar a evidência da dificuldade: o conceito de
sobredeterminação fala de determinações. E Althusser fala, principalmente, de contradições. Haveria
mais coerência em se pensar um conceito tal como sobrecontradição. Giannotti aponta, sem se
aprofundar, essa confusão em Althusser: "Ora, a nosso ver, esta homogeneidade é problemática
[referindo-se ao conceito de contradição sobredeterminada], já que devemos distinguir a contradição
enquanto categoria, condição abstrata-real da existência, da determinação histórica propriamente
dita. Assim sendo, a sobredeterminação advém da imbricação do plano sistemático no plano
histórico, as tendências que provém do sistema como um todo juntando-se às forças originárias da
conjuntura". (Giannotti. Exercícios de Filosofia. p. 100).
50
DESDOBRAMENTOS TEÓRICOS
essa apropriação crítica por parte do nosso autor se faz no contexto de um diálogo
que é estabelecido por ele com Marx e Freud. Tal diálogo é pautado por algumas
hegeliana? Até que ponto ela está formalmente desenvolvida no corpo da obra
Veremos também de que forma esse conceito aparece em um dos textos mais
também a forma da dialética marxista, tal como entendida por Althusser, para a
primeira e mais importante das obras de Althusser (em relação ao tema que estamos
tratando, naturalmente), é o livro que foi publicado em 1965, com o sugestivo título
de Pour Marx, traduzido no Brasil como "A Favor de Marx". Esse livro, na verdade,
próprio autor em seu prefácio aos leitores brasileiros34. Embora esses artigos não
nenhuma dúvida - para quem os estudar - de que há uma mesma lógica de fundo
defesa daquilo que ele considerava como a obra marxiana em seu caráter e valor
livrar-se das duras amarras do dogmatismo sectário, o marxismo acabasse por cair
É nessa importante obra, que ajuda Althusser a ficar cada vez mais
Marx (e que será apresentada e debatida mais adiante), assim como, em relação a
um livro com textos como esses, é que se vão tecendo os apontamentos críticos e
34
ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. ZAHAR Editores. 1979, p. 5
53
Evangelista, estudioso de Althusser entre nós, cita uma das expressões satíricas
nacionais dessa nova linguagem explorada por Althusser, e que também evidencia o
alguns apontamentos sobre as divergências fundamentais que ele via entre tal
seus próprios escritos35. O que também não pode deixar de ser dito é que, apesar
desse esforço formal empreendido por Althusser, de bater estacas e cavar os fossos
que serão referidos com mais precisão adiante, o nosso autor reconhece que uma
certa confusão foi causada pela aproximação de terminologia entre as duas escolas,
muito embora tenha mantido o entendimento de que são dois paradigmas distintos e
importância:
35
ALTHUSSER, Louis. Sobre Lévi-Strauss. CAMPOS - Revista de Antropologia Social. Vol. 6, 2005,
p. 197.
54
De qualquer forma, com relação ao livro "A Favor de Marx", o que nos
Althusser vai chamar, em outra de suas obras mais importantes - "Ler o Capital" - de
leitura sintomal são de grande valor para o entendimento crítico dos processos de
de uma teoria (no caso da leitura de Althusser, no corpo da obra marxiana), e que
36
Althusser caracteriza o jovem Marx em dois momentos: o momento racionalista-liberal e o momento
racionalista-comunitário (ALTHUSSER, L. A Favor de Marx. 1979, p. 25-26). O primeiro momento é
inserido dentro de uma problemática kantiana-fichtiana. O segundo, por sua vez, na problemática
antropológica de Feuerbach.
55
pessoa dos dias de hoje vestindo as roupas da moda de uma época antiga e já
já existia nos textos de Pour Marx, mas ainda sem os contornos definitivos e
magistrais, e sem o seu nome definitivo - leitura sintomal - que só vai ganhar três
conhecimento, o próprio objeto de estudo que temos aqui em mira, ou seja, a teoria
37
A teoria da Leitura Sintomal, que Althusser vai formular em seu "Ler o Capital", é demasiado
complexa e cheia de facetas para desejarmos apresentá-la aqui, além desse modo muito resumido
que foi adotado. Mas não podemos deixar de apontar, como reforço a um dos argumentos mais
importantes que se pretende defender nessa dissertação, que aqui podemos encontrar, mais uma
vez, o desejo althusseriano de construir pontes e apropriações críticas (ao contrário da produção em
massa dos anátemas que constituem um procedimento padrão vinculado ao sectarismo dogmático)
com outras produções teóricas e científicas, tal como se evidencia nos casos de Freud e Lacan. No
caso da Leitura Sintomal, Althusser vai se referir, em um de seus aspectos, ao prefácio de Foucaul à
sua "História da Loucura", onde o nosso autor enxerga uma ilustração equivalente da sua noção de
campo teórico, definido e estruturado por uma determinada problemática, como um espaço
estruturado que dá as condições de possibilidade do que é visível e invisível, em termos de
problemas que são colocados e respostas que visam às suas soluções - espaço com outro espaço no
seu interior, dentro do qual se manifestam questões e respostas latentes, ainda não evidenciadas,
"invisíveis" (e que só se tornam "visíveis" com uma mudança de problemática), mas que se fazem
sentir por meio de sintomas, naquilo que é designado como "lacunas", "erros", "cegueiras" do teórico
que opera dentro de uma problemática (evocando-se, aqui, a leitura crítica, sintomal, de Marx em
relação à Adam Smith). Ver, a esse respeito, o prefácio de "Ler o Capital", p. 25-26. No prefácio de
Foucault referido por Althusser encontramos a seguinte passagem: "Um livro é produzido, evento
minúsculo, pequeno objeto manejável. A partir daí, é aprisionado num jogo contínuo de repetições;
seus duplos, a sua volta e bem longe dele, formigam; cada leitura atribui-lhe, por um momento, um
corpo impalpável e único; fragmentos de si próprio circulam como sendo sua totalidade, passando por
contê-lo quase todo e nos quais acontece-lhe, finalmente, encontrar abrigo; os comentários
desdobram-no, outros discursos no qual enfim ele mesmo deve aparecer, confessar o que se
recusou a dizer, libertar-se daquilo que, ruidosamente, fingia ser." (FOUCAULT, Michel. História
da Loucura. Prefácio. PERSPECTIVA. 2012. Negrito nosso)
56
tomar de empréstimo, reelaborar, e fazer com que seja "seu" - no caso, marxista - o
que antes era estranho e emprestado, até que possa surgir a forma adequada da
coisa nova: o novo conceito, é a condição de alguns dos termos mais importantes de
"problemática" e "cesura epistemológica", que não são conceitos inventados por ele,
nem por ele extraídos, diretamente, da obra marxiana. O próprio Althusser aponta as
suas origens:
de um conceito ainda em estado latente e indefinido, de uma coisa que existe, opera
38
A validade da proposta althusseriana de uma leitura sintomal dos textos de Marx deu pano para a
manga da crítica contra uma suposta aproximação de Althusser do pensamento positivista da antiga
escola francesa. É nesse sentido que é questionada pelo senhor J.A. Giannotti, no artigo que
escreveu contra Althusser. Segundo o filósofo brasileiro, a leitura sintomal pressupõe,
equivocadamente, uma "incompetência vocabular" em Marx (Giannotti defende a ideia de que não há
descontinuidade epistemológica entre Hegel e Marx), exigindo, arbitrariamente, uma leitura
privilegiada das entrelinhas em detrimento das linhas, e que, por fim, acaba por sustentar um
entendimento sobre as verdadeiras descobertas de Marx, que, em última análise, se torna
inverificável (GIANNOTTI. J. A. Exercícios de Filosofia. Seleções CEBRAP 2. CEBRAP/Brasiliense.
1975. p. 87-88).
57
Freud" (1976). Mais de uma década, portanto, separando a publicação desses dois
textos.
que é o que de fato mais nos interessa. O importante até aqui foi pontuar alguns dos
de sobredeterminação.
continente da História, ao fundar uma nova ciência: a ciência das formações sociais
uso do mesmo princípio de analogia para dizer que Freud, tal como o entende
psicanálise40.
39
ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. ZAHAR Editores. 1979. p. 8.
40
Que a Psicanálise seja uma ciência, é um tema dos mais controvertidos entre os psicanalistas.
Não desejamos entrar no mérito desse debate, seja pelo fato de que não é necessário ao propósito
dessa dissertação, seja porque nos faltaria a competência para tanto. Apesar disso, fazemos a
afirmação acima dentro da lógica da argumentação de Althusser, que faz uso dos seus próprios
critérios para definir uma disciplina científica, ao mesmo tempo que julga apoiar-se em Lacan para
legitimar tal afirmação: "A primeira palavra de Lacan é para dizer: em princípio, Freud fundou uma
ciência. Uma ciência nova, que é a ciência de um objeto novo: o inconsciente." (ALTHUSSER, Freud
58
inverter o sentido da reflexão: como poderia ele não ter se interessado por ela? A
oficial dos comunistas franceses e, como lembra Althusser, era ainda a ideia
pública, Althusser vai defender a tese de que Freud foi o responsável por uma nova
expressivos entre Marx e Freud, e entre Lacan e ele mesmo, Althusser vai dizer que
burguês empreendido por diversos psicanalistas sobre a obra de Freud (assim como
foi feito por diversos marxistas em relação à obra de Marx) criaram uma gorda e
todo um aparato crítico, teórico e metodológico, que serve para identificar, criticar e
O motivo pelo qual isso acontece nos interessa na medida em que se trata
"Marx e Freud", vai qualificar ambas as teorias como "ciências cisionistas", ou seja,
si, por serem "descobertas revolucionárias", cada uma à sua maneira, de acordo
construção de uma ponte, que consiga passar por cima dessa grossa camada de
gordura ideológica que se formou, ou então, em outra imagem talvez mais sugestiva,
que se corte na carne essa grossa camada, e que se possa chegar por dentro,
construindo um túnel, até o objeto que está escondido atrás. Ora, o que são os
desejo - mas em direção a Freud? A esse propósito, cumpre dizer que esse tema do
recuo, da "volta para trás", como processo crítico que visa a libertação das formas
presente, o reencontro com a verdade de uma teoria), é indicado por Althusser como
que pode ser demonstrado pela própria elaboração da obra marxiana no seu período
42
Veja-se, sobre esse tópico: ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. graal. Rio de
Janeiro. 4º edição. 2000. p. 84.
61
Marx. Lacan a favor de Freud. A auto identificação com Lacan construída por
textos de Althusser que refletem sobre esse tema, é apenas o que diz respeito ao
pontuamos os delineamentos mais gerais dos tópicos que falam a esse respeito.
Resta apenas, para terminar esse capítulo, consolidar a afinidade filosófica de fundo
materialista e dialético43:
certas categorias freudianas, mas por dizer que algumas delas são mais ricas do
43 Que Freud seja considerado como um teórico científico e dialético é um tema muito controverso
dentro do marxismo. No capítulo 3 da presente dissertação vamos fazer algumas indicações sobre os
marxistas franceses com os quais Althusser debateu mais diretamente a esse respeito, e que
criticavam a psicanálise pelo seu conteúdo ideológico burguês e conservador. Além dessas
referências, há também um importante texto de Mikhail Bakhtin, intitulado "O Freudismo", que
representa um outro ponto de vista marxista crítico à teoria freudiana, elaborado na Rússia Soviética
na década de 1920. Nesse texto, em que Bakhtin acusa a psicanálise de ser uma modalidade da
filosofia burguesa decadente e subjetivista, e que tem um capítulo dedicado à crítica da apologia da
psicanálise que diversos psicólogos marxistas soviéticos faziam naquele momento, há a seguinte
passagem em que o autor fala sobre o caráter dialético do pensamento de Freud: "É dialético todo
pensamento do homem, é dialético o psiquismo subjetivo do homem que acredita nos discursos
interior e exterior, é dialético o mito, o delírio do louco. Ademais, é dialética toda tolice, é dialética a
mentira...O que há de surpreendente se o quadro da dinâmica ideológica cotidiana que Freud
desenvolve vem a ser interiormente dialético?" (BAKHTIN, O Freudismo, 2014. p. 98)
63
marxista da hegeliana. O modo como isso se dá, e que já desponta na citação acima
Resta-nos, por fim, uma definição mais direta sobre o uso do conceito de
análises de Freud, pensando-se, por exemplo, em uma obra como "A Interpretação
das quais já foram indicadas acima, são análises e categorias que expressam
corpo de tópicos articulados, e que poderia ser denominado "estudo sobre a dialética
com os tópicos da dialética em Marx, na trilha do caminho que foi aberto pelo próprio
definitiva sobre esse assunto, vejamos agora de que forma se coloca o uso do
narrativa dessa obra, o conceito aparece no capítulo VI, intitulado "O Trabalho do
retomar todas as ideias mais importantes sobre a teoria dos sonhos em Freud antes
de se chegar a esse Capítulo VI, pois isso demandaria muito tempo e muito trabalho
sobredeterminação.
Vejamos então, principalmente, o que Freud vai nos dizer sobre a categoria
A primeira coisa que se torna clara para quem quer que compare o
conteúdo do sonho com os pensamentos oníricos é que ali se efetuou um
trabalho de condensação em larga escala. Os sonhos são curtos,
insuficientes e lacônicos em comparação com a gama e riqueza dos
pensamentos oníricos. Se um sonho for escrito, talvez ocupe meia página.
A análise que expõe os pensamentos oníricos subjacentes a ele poderá
ocupar seis, oito ou doze vezes mais espaço. Essa relação varia com os
diferentes sonhos, mas, até onde vai minha experiência, sua direção nunca
muda...Já tive ocasião de assinalar que, de fato, nunca é possível ter
certeza de que um sonho foi completamente interpretado. Mesmo que a
solução pareça satisfatória e sem lacunas, resta sempre a possibilidade de
que o sonho tenha ainda outro sentido. Rigorosamente falando, portanto, é
65
Com base nessa definição inicial, temos a importante ideia de que o conteúdo
manifesto de um sonho é, via de regra, muito "menor" ou mais "curto" do que o seu
conteúdo latente, e que nunca será possível estabelecer com precisão até que ponto
conjunto por todos os pensamentos oníricos aos quais está ligado. Temos, assim, o
Essa primeira aparição do conceito na "Interpretação dos Sonhos", como já foi dito,
um resultado que se evidencia por si mesmo, nem prática nem teoricamente; não é
66
um conjunto muito maior de pensamentos oníricos latentes (que, como tal, existem e
que faz nesse sentido, cada análise de sonho, pressupõe a confirmação da tese
Dessa última definição, devemos resguardar mais uma ideia importante para
67
elementos44.
O esforço despendido por Althusser e também por essa dissertação deve ter
despertado, em algum momento, uma dúvida legítima: até que ponto é válida uma
esforço de cotejamento que foi feito acima, visa explicitar a analogia em relação à
O outro momento no qual se efetua uma analogia desse tipo virá a seguir, no
análise dos sonhos, e Althusser o faz sem nenhuma explicação sobre até que ponto
44
No "Vocabulário da Psicanálise" o conceito de Superdeterminação, Sobredeterminação ou
Determinação Múltipla, está assim definido: "O fato de uma formação do inconsciente - sintoma,
sonho, etc. - remeter para uma pluralidade de fatores determinantes. Isto pode ser tomado em dois
sentidos bastante diferentes: a) A formação considerada é resultante de diversas causas, pois que
uma só não basta para a explicar; b) A formação remete para elementos inconscientes múltiplos, que
podem organizar-se em sequências significativas diferentes, cada uma das quais, a um certo nível de
interpretação, possui a sua coerência própria. Este segundo sentido é o mais geralmente admitido."
(LAPLANCHE e PONTALIS, Vocabulário da psicanálise, 1970. p. 641)
68
diferente. Nosso autor pontua aqui a existência do parentesco lógico, que torna
marxista45.
leitura feita pelo nosso autor, há uma diferença radical entre essas duas formas de
explica a ambição maior que rege os escritos de Pour Marx, ou seja, o desejo de
ele desenvolve sobre a teoria do corte epistemológico, que tem como função separar
Como já foi dito no capítulo anterior, Althusser, por meio de uma metáfora
histórico. Essa nova teoria científica da história vai se formando, explicitando-se por
meio dos seus conceitos e categorias, até ganhar a sua forma definitiva e acabada
conhecido como "crítica da economia política". Acontece que, nesse mesmo ato de
Marx da maturidade, fundador de uma nova teoria científica e de uma nova filosofia
naturalmente, não poderia se produzir com um único salto. Como uma lagarta que
se envolve no seu casulo, antes de sair de lá como uma borboleta a teoria marxiana
46
Essa é a contingência do começo de Marx, referida por Althusser: "Nesse mundo foi que nasceu
Marx, e foi nele que começou a pensar. A contingência do começo de Marx é essa enorme camada
ideológica sob a qual nasceu, essa camada esmagante, de que soube livrar-se." (ALTHUSSER, A
Favor de Marx,1979, p. 62)
70
fundação, Marx criou uma nova disciplina filosófica - o materialismo dialético - que
para fazer avançar a explicitação formal da dialética marxista, entendida aqui como
poucos momentos em que fala, sempre de um modo muito resumido, sobre o tema
da sua relação com a dialética de Hegel, Marx o faz por meio de termos e imagens
nosso autor, vai buscar a sua justificação em uma famosa passagem de Marx:
48
Em relação ao entendimento produzido por Engels, que Althusser vai dizer ter enveredado no
caminho equivocado sobre o tema da inversão de Hegel em Marx (o sintoma de uma ruptura
epistemológica que não se evidencia pelo seu conceito), nosso autor faz uma revisão crítica no seu
prefácio a "Ler o Capital", e diz que o entendimento correto da inversão como mudança de
problemática, ao qual diz ter chegado, em "A Favor de Marx", com grandes dificuldades, já estava
explicitado em outros lugares de Engels e Marx; no prefácio ao Livro II de "O Capital", no caso de
Engels: nesse prefácio, Engels promove uma analogia entre o campo da química, explicando o modo
como, no final do século XVIII, a teoria do flogístico foi derrubada pela descoberta do oxigênio (e a
essa mudança, protagonizada por Lavoisier, assim ele se refere: "...desse modo, pôs de pé a química
inteira, que, em sua forma flogística, estava de cabeça para baixo"), caracterizando esse processo
como descoberta de um novo problema, que impõe a revisão e investigação de todas as categorias
da teoria anterior. Retomando: analogia dessa mudança no campo da química com a mudança
operada por Marx campo da Economia Política, no conhecimento do objeto chamado "mais-valor": "E
então Marx entrou em cena. E em direta oposição a todos os seus predecessores. Onde estes
haviam visto uma solução, Marx viu somente um problema" (MARX, Karl. O Capital Livro II.
Boitempo. 2014. p. 95-96.), E na seção sobre o salário de "O Capital", na qual Althusser diz que Marx
faz uso da expressão "mudança de terreno" para caracterizar a sua revolução teórica. Ver Althusser,
A favor de Marx, 1979, p. 28.
72
pistas que apontam para direções opostas. Podemos observar em primeiro lugar o
para baixo"; "é preciso desvirá-la, a fim de descobrir o cerne racional dentro do
invólucro místico". Seguindo por esses passos, enveredamos pelo caminho que
pode levar à conclusão de que a dialética, como método racional, já existe pronta no
próprio Hegel, "o primeiro a expor, de modo amplo e consciente, suas formas gerais
de movimento", mas que acaba por atuar de um modo invertido na medida em que,
idealista de Hegel. Assim sendo, a dialética, como método racional, está guardada e
escondida dentro das roupagens da filosofia especulativa, como uma noz dentro de
sua casca, e bastaria, portanto, para extraí-la em sua forma pura e racional, quebrar
essa casca, rasgar toda a roupagem da filosofia hegeliana, seu "invólucro místico".
Nesse caso, embora haja uma ruptura com o modelo filosófico anterior, não haveria
mesmo, apenas dando um giro de 180º para se apoiar sobre os próprios pés49.
caminho possível para o entendimento dessa questão. Nessa outra direção, uma
hegeliana possui um "lado mistificador". No paragrafo seguinte aos dois que acima
foram transcritos, Marx afirma, sobre a dialética em Hegel, que ela tinha uma "forma
49
Essa leitura crítica feita por Althusser sobre a imagem marxiana da inversão da dialética hegeliana,
é a que ele vai apontar como presente em algumas interpretações feitas por Engels, cujas
passagens, transcritas por Althusser, podem ser consultadas na página 78 da edição já referida de "A
Favor de Marx".
73
(...) meu método de desenvolvimento não é hegeliano, uma vez que sou
materialista e Hegel é idealista. A dialética de Hegel é a forma básica de
toda dialética, mas somente depois que ela foi extirpada de sua forma
mística, e isto é precisamente o que distingue meu método. (MARX, 2013,
p. 90)
que, na relação crítica que se estabelece entre Marx e Hegel, no que diz respeito ao
de Marx da de Hegel.
de que Hegel foi o primeiro a expor "de modo amplo e consciente", as "formas gerais
seja, de que "a dialética de Hegel é a forma básica de toda dialética". O que seria,
portanto, essa forma geral ou básica da dialética, que estaria presente tanto em
Marx quanto em Hegel (justificando, inclusive, o uso do mesmo nome para teorias e
nesse sentido, aquilo que Althusser vai chamar de "forma" do método? Marx nos dá
essa resposta, no parágrafo seguinte aos dois transcritos do referido Posfácio, e que
nos dois grandes pensadores alemães, mas, justamente pelo fato de que se trata de
prefere definir aqui como axioma e não como forma, mais no sentido do
dois métodos.
tanto, recorreremos aqui, mais uma vez, ao artigo de Jorge Grespan, que, já no seu
50
Em Marx, a esse propósito, pode-se notar que o termo "forma", nesse caso específico, é um servo
que se sujeita a dois senhores: é empregado para designar o ganho positivo, em Hegel, da "forma
geral e básica da dialética", e, também, para acusar a "forma mistificada" dessa dialética, ou seja, o
que deve ser jogado fora. Este seria mais um caso de uso ambivalente de termos em Marx,
apontados por Althusser como "sintomas" de uma disciplina teórica experimentada praticamente mas
ainda pouco desenvolvida teoricamente.
75
título - "A dialética do avesso" - está a nos indicar ser este o tema principal da sua
nessa leitura:
umstulpen, traduzido normalmente pelo seu significado de "inversão", pelo seu outro
51
Esses textos tem a mesma importância e peso teórico no artigo de Marcos Muller: "Exposição e
método dialético em "O Capital"". Para a referência bibliográfica em detalhe, ver: Grespan. A
dialética do avesso, 2002, p.. 27
76
com a hegeliana é a de aquela desvirar esta do seu avesso, o que deve ser pensado
de forma é descrito por Grespan no segundo tópico do seu artigo, intitulado "A
dialética em Hegel, por meio dos conceitos dialéticos hegelianos, o que exigiria, de
argumentação.
52
Marcos Muller, também fortemente influenciado no seu texto citado por Fulda, trabalha com as
duas noções ao mesmo tempo, de "inversão" e "virar do avesso", sem que o detalhamento do
significado desses dois conceitos seja feito com a mesma explicitação que o faz Grespan: "O que
significa que a dialética hegeliana está de ponta-cabeça e como entender adequadamente o
programa marxiano do "umstulpen" (inverter e virar do avesso) da dialética especulativa?" (Muller.
Exposição e método dialético em "O Capital". 1982, p. 25.
53
Para o estudo da lógica e da dialética em Hegel, indicamos dois textos: HEGEL. G. W. F. Ciência
da Lógica (excertos). Barcarolla. 2011. E também: Kojève. Alexandre. Introdução à leitura de
Hegel. ed uerj e Contraponto. 2002.
77
avançar em um sentido muito específico, virar pelo avesso não significa fazer a troca
entre aquilo que é entendido como aparência ou como essência em cada uma das
duas formas da dialética, ou seja, entre a contradição - que para Hegel, segundo
real - , e a unidade - que, em Hegel, reside na essência do real, enquanto que, para
e negação. Cada uma das partes que fazem parte do todo se afirma positivamente
do outro.
(...) se, para o lado positivo, o negativo é apenas um momento a que ele
tem de se referir, este negativo não poderia ser, portanto, ele mesmo, uma
totalidade da qual o próprio positivo seria só simples parte componente.
Para definir-se como algo - necessariamente algo inteiro - , o positivo não
pode se deixar reduzir a "momento" da definição de seu oposto. Daí que
recuse a ele o estatuto de totalidade que reivindica para si próprio. E o
mesmo vale, inversamente, para o outro. (GRESPAN, 2002, p.37)
caso de Marx, não será esse o desenvolvimento formal da dialética, não por conta
54
Marcos Muller, no seu já citado artigo, "Exposição e método dialético em "O Capital"", vai concordar
com a interpretação de Fulda sem nenhum questionamento: "É preciso, além de invertê-la, virá-la ao
avesso, como exige a outra significação presente na palavra alemã 'umstulpen', mostrando que as
contradições presentes nos fenômenos não são a aparência de uma unidade essencial, mas a
essência verdadeira de uma 'objetividade alienada' (e não da 'objetividade enquanto tal'), e que a sua
resolução especulativa na unidade do conceito é que representa o lado aparente, mistificador, de
uma realidade contraditória." (Muller. 1982, p.26)
78
dominadora que faz do outro um momento de si, o faz com base em uma tal
materialidade histórica que, na relação que estabelece com o trabalho, "suga como
concretas que lhe permitiriam o exercício do seu ser como sujeito que também se
O que mais nos interessa disso, no contexto do nosso tema, é ver que,
"desvirar do avesso", não há nada que possa sustentar uma ideia althusseriana tal
180º não muda em nada a sua estrutura, não haveria nenhuma mudança de
55
"...Marx resgata o lado "racional" da dialética de Hegel. Mas assim como foi seu objeto de estudo, e
não uma preferência filosófica objetiva, que lhe impôs tal resgate, é esse mesmo objeto que o leva a
criticar o lado errôneo daquele método." (Grespan. A dialética do avesso, 2002, p. 29)
79
vista da forma, continuaria sendo uma luva, com cinco dedos e uma palma. A
mudança formal.
3.4. A forma da dialética marxista: seu conceito e suas categorias sob a ótica
de Althusser
O primeiro passo a ser dado para o propósito desse tópico é o de
caracterizar, tal como o faz Althusser, a dialética hegeliana. Essa caracterização tem
contradição simples. A história como um todo de cada um dos povos que habitam
esse mundo, e a história de cada acontecimento, entidade e instituição que faz parte
que se chocam e produzem o progresso histórico dos povos, tanto no campo da vida
uso da dialética em Hegel. E, por isso, Althusser vai nos dizer que, quando Marx
retoma alguma dessas categorias presentes em Hegel, o que nem sempre acontece,
é para utilizá-la de uma forma muito diferente pois, como veremos, o princípio que
move a dialética marxista é outro. Mais uma vez, quando isso acontece, tratar-se-ia
grande perigo da leitura equivocada que se pode fazer sobre a imagem marxiana da
uso do seu "cerne racional". Essa leitura equivocada significaria que a dialética,
sem nenhuma necessidade de mudança dos seus conceitos e das suas categorias.
Essa revolução foi um grande paradoxo do ponto de vista das previsões que se
faziam com base nos postulados do materialismo histórico vigentes até então.
Apenas para pontuar em linhas bem gerais, o princípio básico que inspirava as
trabalhadora no mundo inteiro já no final do Séc. XIX. A Rússia, por sua vez, não
dava motivos para entrar no horizonte de tais previsões (lá a perspectiva era antes,
proletária).
por Lênin e retomada por Althusser se resume na ideia de que, na cadeia formada
pelo sistema mundial de Estados Imperialistas, a Rússia era o elo mais fraco. E por
qual motivo o era? Entre o final do séc. XIX e o começo do XX, a Rússia
exílio forçado; a guerra imperialista que estourou em 1914, etc. Tais contradições e
circunstâncias, que vão produzir a Revolução Russa de 1917, caracterizam, por fim,
56
ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. ZAHAR Editores. 1979. p. 81.
83
sociedade, é uma condição necessária mas não suficiente para produzir uma ruptura
só pode ser o produto de múltiplas determinações. Até aqui, ainda não atingimos
nenhuma novidade em relação ao que já foi dito pelos textos marxianos. Vejamos o
que nos diz Marx em um dos seus mais importantes comentários sobre a questão do
método científico:
mesmo, não tem ainda o poder de negar a ideia de que todas elas sejam o produto
materialismo histórico pode ser evidenciado por outra famosa passagem teórica de
Esse conteúdo ainda pode ser caracterizado por uma contradição simples, que
concreto possuem todas a mesma lógica de fundo, a mesma causa operante: o atual
estrutura econômica.
possível na Rússia antes do que em qualquer outra parte, Althusser vai consolidar
sua ideia segundo a qual, apesar de existir uma contradição fundamental, que é
existente e operante, mas antes, ao contrário, deve conviver e convergir com uma
variedade de muitas outras contradições, que produzem, todas juntas, "o concreto
como síntese de múltiplas determinações" (no caso que serviu de ilustração para
pois, segundo o nosso autor, essas outras contradições que convivem com a
em última instância):
como a entende Althusser, do seguinte modo: a dialética marxista não é regida pela
principal, mas sim que desenvolvem uma lógica própria e se desdobram em diversas
conceito, por sua vez, vai demandar a existência e operação de novas categorias
marxista58.
que elas foram forjadas e aplicadas na análise crítica de processos históricos sem
lição refletida por Mao segundo a qual a contradição, embora exista universalmente,
categorias, sem longo alcance, com pouco fôlego, mas de um modo altamente
significativo para nós. Nosso autor começa definindo a diferença de função operativa
dos dois pares de categorias que ele define como categorias de distinção entre as
contradições:
58
Embora muito de passagem e apenas para fazer uma referência, sem desenvolver em nenhum
momento nem aprofundar, Althusser cita Gramsci como um teórico marxista de grande importância
para o estudo do problema das superestruturas, fazendo descobertas novas e fecundas e que levam,
também, à formulação de novos conceitos de análise metodológica, tal como o de hegemonia:
"Infelizmente quem retomou e prolongou, pelo menos na França, o esforço teórico de Gramsci?"
(ALTHUSSER, A Favor de Marx, p. 100).
88
Na linha de Mao, Althusser nos diz que em cada momento histórico determinado há
interdependência, que processa a dança das posições que cada contradição ocupa
em um determinado momento:
um momento histórico;
59
Não se pretende, no contexto da presente dissertação, aprofundar o detalhamento sobre a leitura
de Mao em relação à dialética marxista. Para tanto, pode-se recorrer ao livro de L.E. Motta, já
referido, principalmente o tópico do capítulo 2, intitulado: "A influência do pensamento de Mao Tsé-
tung no marxismo althusseriano".
89
sua generalização.
Luiz Eduardo Motta, no seu "A favor de Althusser", vai denominar a dialética
operar com o princípio lógico da destruição, a dialética marxista assume uma forma
diádica, que Motta entende ser a forma percebida não apenas por Althusser, mas
Já a dialética hegeliana, por sua vez, faz uso da forma triádica e dos
60
Muito embora o uso conceitual de tais termos possa ser mais complicado do que se supõe. Há uma
nota da tradução brasileira de "A Ideologia Alemã", onde se definem os diferentes significados e a
escolha do contexto de uso de dois conceitos dialéticos: superação e suprassunção: "O verbo
aufheben possui três sentidos principais: 1) levantar, sustentar, erguer; 2) anular, abolir, destruir,
revogar, cancelar, suspender, superar; 3) conservar, poupar, preservar (cf. Michael Inwood,
"Suprassunção", em Dicionário Hegel, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, p. 302). Marx, do mesmo
modo que Hegel (e Shiller), emprega comumente a palavra nas acepções 2 e 3 combinadas, mas
90
querer, com base nisso, colocar a dialética marxista dentro de uma forma diádica, de
contradições antagônicas nas quais um dos polos deve destruir o outro, para
maoístas sobre a dialética e esquecer que, na conjuntura dos seus escritos (de
Essa noção de estrutura com dominante será explicada no tópico seguinte), o que
assim como momentos nos quais a contradição principal absorve uma quantidade
também a emprega, muitas vezes, simplesmente na segunda acepção, dando ênfase ao aspecto
negativo da "superação". Traduzimos aufheben, aufgehoben, Aufhebung por "superar, superado,
superação" quando se trata da segunda acepção, e por "suprassumir, suprassumido, suprassunção"
quando é evidente se tratar de uma combinação da segunda com a terceira acepção. (N.T.)" (Marx. A
Ideologia Alemã. nota 10. p. 548). A ambivalência no uso do conceito de superação na Ideologia
Alemã, que na tradução brasileira se desdobrou em dois, poderia ser um dos temas para a Leitura
Sintomal, como vimos.
91
desses papéis. O que equivale a dizer, portanto, que a contradição principal não se
marxista, uma última palavra que vai nos permitir definir a função das noções de
secundárias, assim como, no sonho, para Freud, cada um dos seus elementos é um
sociedade.
como a dialética hegeliana, faziam parte de uma filosofia que se pode designar
fundamental, e são, portanto, regidas por outras lógicas além daquela determinada
pela contradição fundamental. A dialética, nesse caso, deixa de ser uma filosofia
fundamental, muito embora, de alguma forma, esse papel continue existindo (de que
forma é o dilema que temos presente). O fato é que ele deixa de existir como o
Nesse sentido, Althusser aponta mais o caminho de uma pesquisa em aberto do que
61
Para um maior detalhamento dos termos usados nesse debate em torno dos textos de Althusser,
ver o estudo de Walter J. Evangelista no livro citado (Althusser; Freud e Lacan, Marx e Freud, 2000,
pág. 24-25).
95
"A Favor de Marx", se explica em linhas gerais como uma resposta de Althusser
e também para refutar as críticas que lhe foram dirigidas às ideias que se vinculam
62
ao conceito de sobredeterminação. Essas críticas são explicitadas na reação de
Esses textos de Lênin não tem, de fato, o sentido de uma simples descrição
de uma situação dada, de uma enumeração empírica de elementos
diversos, paradoxais ou excepcionais: tem, ao contrário, o sentido de uma
análise de alcance teórico. (ALTHUSSER, 1979, p. 154)
possui um fator dominante, uma contradição principal que domina e subordina todas
62
Althusser cita como seus críticos, no início desse artigo: Guy Besse, em La Pensée, Fevereiro de
1963; R. Garaudy, em Cahiers du communisme, Março de 1963; e G. Mury, em La Pensée, Abril de
1963.
96
O problema é que, como foi visto no tópico acima, o tiro acaba saindo pela
aqui, que ela está presente e operante em todas as formas e contradições que
social, indicamos que, para cada uma delas, deve-se descobrir e fixar as outras
um dado que deve ser produzido pela análise crítica de cada acontecimento
histórico.
empreende uma crítica muito contundente a diversos dos temas elaborados por
que define como investida imperialista de um certo tipo de filosofia que não sabe se
conter dentro dos seus limites. É esse sentimento de sentir-se agredido e querer
obrigadas a dormir num quarto escuro, ou então com um negligente dar de ombros
postura é interessante por aquilo que faz representar, uma guerra de vida ou de
sendo executada pela filosofia sobre a historiografia, e esta, por sua vez, recusando
aceitar esse papel servil. Dessa disputa resultou, no livro de Thompson, entre as
suas diversas batalhas conflitivas, uma crítica de Althusser que nos parece das mais
pertinentes.
presente dissertação, sobre a diferença construída por Althusser, com base nos
mostramos como essa diferença, tal como a formula Althusser, serviu de ponto de
suposto descolamento radical entre os dois objetos, correndo como duas paralelas
servir dessa crítica também para jogar luz em uma grave limitação e dificuldade
de Marx", Althusser faz um esforço para sintetizar a sua teoria da prática teórica
conceitualmente, mas ainda num nível muito primário, por meio de procedimentos de
abstração que Althusser vai definir como empiristas, e que estão em maior ou menor
por exemplo, a Economia Política clássica, bem como o que vai ser chamado em
Althusser por historicismo (e que Thompson entende como sendo todo o campo da
63
"Os efeitos de conhecimento chegam, na forma de "matérias-primas" (Generalidades I, que já são
artefatos da cultura, com maior ou menor impureza ideológica), obedientemente como "o discurso
científico da prova" exige." (Thompson, A miséria da teoria ou um planetário de erros (uma crítica
ao pensamento de Althusser), 1981, p. 14)
99
As G II representam, por sua vez, o que em Marx vai ser definido como
não escapa a esse esquema, entrando, também, em certa medida pelo menos,
como objeto nas G I, o que faz com que Thompson lance sobre Althusser a
conteúdos e formas ideológicas, o fim ao qual se chega por meio da prática teórica.
Thompson vai dizer que Althusser comete a impostura de alavancar o seu método
100
forma muito particular do método de trabalho científico, não é ainda, por si mesma, o
erro mais grave cometido por Althusser. O problema maior, derivado desse erro, é o
que, por conta disso, Althusser confunde as formas de pesquisa empírica com a
64
Sobre o exílio interno, ver: Thompson. Miséria da Teoria, 1981, p. 4.
101
teoria que operam internamente estão dados, por sua vez, pelos conceitos e
conhecimento científico, que é Teoria (G III) produzida sobre teoria (G I), por meio
da teoria (G II):
I, mera matéria-prima para o trabalho filosófico, sem valor científico próprio. Essa
certas modalidades de estudo empírico sobre o objeto real, tal como o pretende a
de "experiência", que seria capaz de construir essa ponte entre a pesquisa empírica
importância epistemológica. Sem dúvida, ele consegue identificar, com muita clareza
102
momentos, com ocasiões nas quais Marx nos deixa ver que sempre admitiu a
65
Como dissemos no primeiro capítulo, essa é também a crítica de Giannotti, do ponto de vista
formal. Em relação ao conteúdo, porém, Thompson nos parece muito mais pertinente e justificado,
pois não deseja, como o filósofo brasileiro, produzir uma identidade absoluta do objeto real com o
objeto do conhecimento por meio do conceito de ontologia, mas sim garantir e legitimar a pesquisa
empírica como uma instância de controle, teste e demonstração do objeto do conhecimento (a teoria)
pelo objeto real (a experiência).
66
"A "cesura epistemológica", com Althusser, é uma cesura com o autoconhecimento disciplinado e
um salto na autogeração do "conhecimento", de acordo com seus próprios procedimentos teóricos,
isto é, um salto para fora do conhecimento e para dentro da teologia." (Tompson. A miséria da teoria
ou um planetário de erros (uma crítica ao pensamento de Althusser), 1981, p. 43)
67
Como também o vimos já no primeiro capítulo, a possibilidade dessa tendência reducionista do
conhecimento a procedimentos puramente teóricos, é dada pelo próprio texto marxiano, na medida
em que afirma o conhecimento científico como o resultado do caminho que vai do abstrato para o
concreto pensado, e que faz do concreto representado o ponto de partida do processo de
pensamento. É aí que se insere a possibilidade da problemática kantiana, à qual também nos
referimos.
103
maturidade por excelência, capítulos tais como "A Jornada de Trabalho", ou "A
conhecimento. O que não precisamos, no entanto, é fazer como ele e querer jogar
conceitos e categorias, tão distante das formas mais empíricas do discurso, quando
vai justificar o conceito que, do seu ponto de vista, é o maior responsável por
do seu voo nas alturas, por assim dizer, e passa a caminhar pelo chão da história,
68
"Vimos que a rachadura central, que percorre todo o pensamento de Althusser é uma confusão
entre os procedimentos empíricos, controles empíricos, e algo que ele chama de "empirismo". Essa
rachadura invalida não uma ou outra parte de seu pensamento, mas o pensamento como um todo."
(Tompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros (uma crítica ao pensamento de
Althusser), 1981, p. 42)
104
fazendo uso da leitura leninista das diversas contradições que estiveram implicadas
desigual das contradições, etc... - formas essas que, por si mesmas, sem nenhum
conteúdo histórico concreto (ou sem conteúdo empírico, para falar com Thompson),
de Althusser com a história concreta, com o objeto real, e evita, pelo menos aqui, a
produção teórica uma situação que poderia, de alguma forma, problematizar a teoria
sua teoria interpretativa, e é muito interessante para nós, nesse momento, ver de
Crítica da Economia Política", que é o que vem na sequência do que fala sobre "O
alcançar pleno vigor no contexto de uma formação social que, de modo geral, ainda
106
está pouco desenvolvida do ponto de vista das suas forças produtivas materiais.
Isso pode significar a aparente contradição que se pode estabelecer entre uma
forma artística altamente desenvolvida sobre uma base material e produtiva ainda
muito pobre. Mas, como diz Marx em relação à esse aspecto da questão, "A
logo são especificadas, são explicadas." (Marx. 2011, p.63). Ou seja, a teoria do
explicação:
Sabe-se que a mitologia grega foi não apenas o arsenal da arte grega, mas
seu solo. A concepção da natureza e das relações sociais, que é a base da
imaginação grega e, por isso, da [mitologia] grega, é possível com
máquinas de fiar automáticas, ferrovias, locomotivas e telégrafos elétricos?
Como fica Vulcano diante de Roberts et Co., Júpiter diante do para-raios e
Hermes diante do Crédit Mobilier? Toda mitologia supera, domina e plasma
as forças da natureza na imaginação e pela imaginação; desaparece, por
conseguinte, com o domínio efetivo daquelas forças. (MARX, 2001 p. 63)
referimos. Aqui se coloca a seguinte questão: por qual motivo tais formas de arte,
Um homem não pode voltar a ser criança sem tornar-se infantil. Mas não o
deleita a ingenuidade da criança, e não tem ele próprio novamente que
aspirar a reproduzir a sua verdade em um nível superior? Não revive cada
época, na natureza infantil, o seu próprio caráter em sua verdade natural?
Por que a infância histórica da humanidade, ali onde revela-se de modo
mais belo, não deveria exercer um eterno encanto como um estágio que
não volta jamais? Há crianças mal-educadas e crianças precoces. Muitos
dos povos antigos pertencem a esta categoria. Os gregos foram crianças
normais. O encanto de sua arte, para nós, não está em contradição com o
estágio social não desenvolvido em que cresceu. Ao contrário, é seu
resultado e está indissoluvelmente ligado ao fato de que as condições
sociais imaturas sob as quais nasceu, e somente das quais poderia nascer,
não podem retornar jamais." (MARX, 2001 p. 63)
insuficiência teórica que está presente na forma original da sua teoria da história,
indicação que Marx faz de um outro modelo teórico que ajudaria a nos dar uma
procede a uma analogia entre a relação de uma sociedade moderna com uma
nas suas formas mais belas, nos seus melhores momentos; é a nostalgia de se
reviver, mais uma vez, um tempo que está condenado a nunca mais voltar, um
tempo perdido para todo o sempre. O extraordinário nisso é também, entre outras
coisas, que, olhando para a história da pesquisa e da produção teórica de Marx, não
há nada que nos possa indicar que ele tenha se dedicado em alguma profundidade
teoria do materialismo histórico. Essa explicação psicológica utilizada por Marx pode
contraste radical com a sua forma normal de proceder em relação ao seu objeto de
conhecimento.
69
A qualidade de "diletante" à qual nos referimos aqui se orienta pelo significado sociológico dado por
Weber a esse conceito, e que o diferencia do "especialista": "Cientificamente, a ideia de um diletante
pode ter a mesma influência, ou ainda maior, para a ciência que a ideia de um especialista. Muitas de
nossas melhores hipóteses e visões são devidas, precisamente, a diletantes. O diletante difere do
perito...apenas porque lhe falta um processo de trabalho firme e digno de confiança.
Consequentemente, ele habitualmente não está em posição de controlar, estimar ou explorar a ideia
em seus aspectos fundamentais." (Weber. A ciência como vocação. In Ensaios de Sociologia. p.
161). O "diletantismo" em Marx, como deve ficar evidente, se refere exclusivamente ao que
caracterizamos aqui como "explicação psicológica" do problema que está em foco. O contraste reside
justamente no fato de que, via de regra, Marx deve ser caracterizado como um "especialista", e se
preocupa muito com tal.
108
É claro que não podemos exagerar no uso dessas explicações dadas por
história de Marx, daquilo que a poderia complementar como teoria explicativa, que
reside o nosso interesse, não tanto pelo que diz, mas, sobretudo, pelo que deixa de
dizer. Pois pensamos que, nesse ponto onde aparece uma explicação psicológica
para dar conta de uma dificuldade teórica relacionada com o uso da teoria da
autonomia relativa das estruturas que fazem parte da superestrutura. Que essas
Engels a Bloch. Ver a esse respeito, como já indicamos: Althusser, 1979, p. 103-
104). Que problema colocado como tal pelo próprio Marx, o da contradição entre a
formação social moderna com o prazer artístico que ainda se pode sentir com
relativa? Não poderia ter sido este o apontamento para um estudo mais aprofundado
em uma outra oportunidade? O indicativo de uma possível solução que desse conta
109
influenciam reciprocamente. E, para além disso, imaginamos que seria uma coisa
nessa outra direção, não pelo gosto particular de especular sobre como alguma
coisa poderia ter sido mas não foi, e sim por outros dois motivos que julgamos
importantes: 1) que Marx não tenha esboçado ou apontado uma resposta na direção
estruturas, pode significar, ao nosso ver, o esforço de concentração que era por ele
distorcidas70. E, diante disso, considerando que tal esforço atingiu sua meta, e que
científica, já não se faz mais tão perigoso e arriscado ampliar as margens do objeto
as breves indicações que faremos a seguir, teremos uma base mínima para
caracterizado como uma limitação grave que afetou o desenvolvimento da teoria que
que Marx poderia ter se perguntado sobre o motivo pelo qual uma das formas da
modernidade ainda sentir prazer artístico com o seu consumo, e os tomar por
modelo e ideal inatingíveis. Perguntar-se-ia, então: por quais motivos não outras
formas artísticas que recuariam ainda mais no tempo - a pintura rupestre, por
algumas das formas da arte antiga chinesa ou da arte indígena americana pré-
artísticas e culturais? Tal questão poderia conduzir a uma reflexão sobre a função da
71
Nada disso é novidade. Sabemos que, de uma forma ou de outra, esse caminho já foi muitas vezes
percorrido (por Gramsci e Bourdieu, apenas para citar alguns exemplos). O que nos interessa nesse
111
para dialogar com o último ítem que aparece no título do último tópico do texto de
imaginemos que Marx, que podemos caracterizar como oriundo de uma família de
burguesa na europa do séc. XIX - , como formas diversas de relação com a cultura e
familiar e pelo acesso e vivência de outras experiência de vida tais como a escola, a
na sociedade burguesa.
Edmund Wilson:
momento é que ele não foi indicado diretamente por Marx, nem desenvolvido por Althusser, no
contexto da teorização do conceito de sobredeterminação
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"Hirschel Marx era um livre-pensador kantiano, que deixara para trás o judaísmo e os judeus.
Morando em Trier, na fronteita entre a Alemanha e a França, em sua formação entrara tanto a
filosofia germânica quanto Rousseau e Voltaire. Sob a influência da Revolução Francesa, algumas
das restrições impostas aos judeus haviam sido atenuadas; assim, Hirschel pôde estudar direito e ter
uma carreira de sucesso. Quando os prussianos expulsaram Napoleão e mais uma vez tornou-se
ilegal um judeu ocupar um cargo público, ele mudou o nome para Heinrich, batizou toda a família e
subiu até a posição de Justizrat, tornando-se chefe do tribunal de Trier." (Wilson. Rumo à Estação
Finlândia, 1986, p. 110-111)
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de Marx, e que faziam com que, para a maior parte das crianças e adolescentes que
estavam sendo engolidos pela gigantesca máquina de produção fabril no séc. XIX, a
formas ideais e inalcançáveis. Não havia ensino e direção para tanto, como no caso
do jovem Marx.
Eis, portanto, aquilo que pensamos ser o lugar de uma ausência em Marx, a
E, mais uma vez, para retomar a ideia fundamental que está regendo esse nosso
raciocínio, e que está muito bem fundamentada em Althusser, embora tais noções
quais já nos referimos. Mas, de um certo modo, por não estar explicitada e
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elaborada conceitualmente, essa dificuldade pode ser entendida como uma limitação
significado de ambos os conceitos, não podemos nunca perder de vista que entre
ambos existe também uma identidade fundamental. Caso contrário, não se estaria
conceitos no que eles carregam de valor metodológico, mas tão somente delinear a
forma básica de uma diferença que é de suma importância para que se possa
contexto teórico dos textos marxianos sobre o método e sobre a teoria da história,
capítulo. Sendo assim, podemos dizer que o conceito de contradição surge e opera,
formas da positividade das categorias, ou, nas palavras já citadas de Marx, "as
estão pressupostas para fazer a determinação da existência das classes sociais, tais
como mercadoria, valor, dinheiro, mais valor, etc. E achamos válido supor que,
categorias da determinação.
De modo que, para tentar sintetizar o que foi dito, a determinação trata das
a contradição, por sua vez, da relação externa que se processa entre as diferentes
categorias como determinações do ser, mas estas, por sua vez, não implicam
dialética entendida como ciência das contradições, não nos ajuda, por sua vez, a
falar sobre essa mesma dialética como ciência das determinações. Caminhando na
como com a ideia de mudança na posição de cada uma das relações de contradição
internacional, não pensa, por sua vez, nas categorias que operam internamente para
estruturas que entram no jogo das contradições. É a mesma falta que quisemos
que ainda sentimos prazer estético com uma forma de arte antiga, que hoje já não é
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mais possível.
nos interesses e nas formas da luta de classes que aí se desenrolam. Mas nada
formas por meio das quais ela chegou a desenvolver essa autonomia relativa, a
como síntese de múltiplas determinações, tal como o fez Marx com o estudo da
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relativa que pode ser pensada para cada estrutura que é indicada como parte
5 Conclusão
das nossas reflexões: de que forma, e em que pontos, Althusser, com o seu conceito
estudo, mas não deixa de ter importância retomar aqui, topicamente, algumas de
suas mais importantes conclusões. A mais ampla de todas talvez possa ser
formulada como sendo a experiência teórica que sentimos, ao tentar aprofundar nas
modo, fugidio. É fugidio quando pretende demarcar o ponto mais alto de um corte
um conceito que está muito mais relacionado com o pensar de uma teoria do
novo nome a uma coisa já existente, ou seja, ao que Marx chama de "concreto
outras estruturas que não a econômica, o que acontece é que caímos no vazio de
Mas, é em relação a essa última questão que podemos notar uma diferença
em comparação com Marx. E, sendo diferença, pode ser caracterizada ou não como
uma teoria. Nessa linha, Althusser quebra a ideia de uma determinação simples pela
processos históricos, ideia que nos pareceu ser a espinha dorsal da teoria da
história em Marx, e que, ele mesmo, jamais chegou a relativizar por meio de noções
econômica simples pode ser apreendida, principalmente, nos textos de Marx com
conceito para evidenciar essa lógica, contudo, vai acarretar no expressivo ganho de
"impreditividade", que não é explicitado por Althusser, mas pode ser deduzido
logicamente, pois acaba por se tornar virtualmente impossível prever onde, em que
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ponto tal que chegue a provocar uma explosão revolucionária. O próprio exemplo
texto marxiano. Enfim, o possível avanço que podemos enxergar com o conceito de
sustenta por muito tempo, e com uma drástica redução de seu poder preditivo, no
ressaltar e sobre o qual ainda não foi dita nenhuma palavra, muito embora já tenha
de outras disciplinas teóricas que podem ter o mesmo valor do ponto de vista da
evidencia com mais nitidez é nas suas considerações teóricas sobre o estatuto
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Aqui não nos interessa saber se Althusser estava certo ou errado em atribuir tal estatuto à
psicanálise. O que importa é a postura aberta e a troca que se proporciona entre dois mundos
teóricos profundamente divergentes.
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em outros contextos teóricos, mas que podem ser importados e fundidos, de alguma
da sua identidade. É um outro tipo de relação com as teorias que estão "de fora",
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GERTZ. E. René. Max Weber e Karl Marx. Editora Hucitec. 2º Edição. 1997.
LUKÁCS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social. Vol. 1. BOITEMPO Editorial.
2012