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RESSONÂNCIAS DE ALGUMAS TEORIAS RACIAIS DO SÉCULO XIX

EM TRÊS ROMANCES DE LÍNGUA PORTUGUESA DO SÉCULO XX

RESONANCES OF SOME RACIAL THEORIES OF NINETEENTH CENTURY IN THREE


PORTUGUESE NOVELS OF THE TWENTIETH CENTURY

Donizeth Aparecido Santos1

SANTOS, D. A. Ressonâncias de algumas teorias raciais do


século xix em três romances de língua portuguesa do século xx.
Akrópolis, Umuarama, v. 18, n. 3, p. 165-173, jul./set. 2010.

RESUMO: O artigo apresenta as ressonâncias que algumas teorias ra-


ciais do século XIX, que defendiam a tese da superioridade da raça
ariana frente às demais, e também procuravam demonstrar a inviabili-
dade da miscigenação, considerando o mestiço como um ser degene-
rado e decadente, inferior às raças puras que o formavam, tiveram em
três obras escritas no século XX nas literaturas de língua portuguesa:
os romances Clara dos Anjos (1997), do escritor brasileiro Lima Bar-
reto; Mayombe (1982) do angolano Pepetela; e Portagem (1981) do
moçambicano Orlando Mendes. Nesse sentido, a análise mostra como
essas teorias extremamente racistas aparecem internalizadas nesses
textos literários.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura comparada; Literaturas africanas de língua
1
portuguesa; Literatura brasileira.
Doutorando em Letras (Estudos Compara-
dos de Literaturas de Língua Portuguesa)
na Universidade de São Paulo e professor
ABSTRACT: The article presents the resonances that some racial theo-
de Literatura Portuguesa do Departamento ries of twentieth century that defended the thesis of the superiority of
de Letras da Faculdade de Telêmaco Borba. the Aryan race faced to excessively and also looked for demonstra-
Email: donizeth.santos@hotmail.com ting the unfeasibility of the miscegenation, considering the mestizo as
a depraved and declining being, inferior to the pure races that formed
it, they had in three workmanships written in the twentieth century in
the literatures of Portuguese language: the romances Clara dos Anjos
(1997), from the Brazilian writer Lima Barreto; Mayombe (1982) from
the Angolan Pepetela; and Portagem (1981) of the Mozambican Orlan-
do Mendes. In this direction, the analysis shows how these extremely
racist theories appear internalized in these literary texts.
KEYWORDS: Comparative literature; African literature of Portuguese lan-
guage; Brazilian literature.

Recebido em março/2010
Aceito em maio/2010

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SANTOS, D. A.

INTRODUÇÃO Uma dessas teorias, e talvez a mais im-


portante delas, foi o Darwinismo Social, que,
No século XIX, várias teorias raciais sur- conforme Lília Schwarcz (idem), serviu como
giram nos Estados Unidos e na Europa procu- ponte entre teorias anteriores aparentemente ir-
rando traçar um painel evolutivo das raças hu- reconciliáveis como a teoria Monogenista que,
manas. Para a maioria delas, a raça ariana se amparada pelo aspecto bíblico, propugnava uma
encontrava no topo da pirâmide evolucionista, origem una para a humanidade, apresentando
como exemplo de desenvolvimento e civilização os diferentes tipos humanos como resultado de
enquanto que as outras (negros, índios, amarelos um maior ou menor grau de degeneração, e a
e miscigenados) eram tidas como incivilizáveis e teoria Poligenista que, ao contrário da anterior,
sem a menor possibilidade de desenvolvimento acreditava em vários núcleos de criação que se-
sociocultural e científico. Nesse período, segun- riam responsáveis pelas diferenças raciais ob-
do Thomas Skidmore (1976, p.68), muitas mo- servadas. Ambas consideravam a miscigenação
nografias históricas sustentavam a tese de que um fenômeno a ser evitado, em razão de seus
o ariano tinha atingido o mais alto grau de civili- adeptos acreditarem que ela causava a degene-
zação e, consequentemente, estava destinado, ração das espécies humanas.
de um modo determinista, a assumir o controle Segundo Lilia Schwarcz (Idem), o Darwi-
do mundo. O autor observa ainda a definição do nismo Social, que aproximou essas duas teorias
termo “ariano” é evasiva, começando como ca- raciais, era um determinismo de cunho racial
tegoria linguística e passando à significação de também denominado de “teoria das raças” que
norte-europeu, de raça branca. No Brasil o ter- enaltecia a existência de tipos puros e ao mes-
mo ficou associado somente à cor branca. mo tempo em que via a miscigenação de modo
Desse modo, essas teorias raciais procu- pessimista, acreditando que ela provocava de-
ravam comprovar cientificamente a superiorida- generação tanto racial quanto social. Nas pala-
de da raça branca sobre as demais, sobretudo a vras da historiadora:
inferioridade do negro africano frente ao branco
europeu, ajudando a camuflar, segundo Kaben- Para os darwinistas sociais, o progresso es-
gele Munanga (1986), os objetivos econômicos taria restrito às sociedades “puras”, livres de
e imperialistas das grandes nações europeias, um processo de miscigenação, deixando a
evolução de ser entendida como obrigatória.
justificando-se assim a escravização e a coloni-
Recortando na história mundial exemplos que
zação dos povos considerados inferiores. reforçavam seus argumentos, esses teóricos
Além disso, essas teorias também pro- acreditavam que o bom desenvolvimento de
curavam demonstrar a inviabilidade da miscige- uma nação seria resultado, quase imediato,
nação, classificando o mestiço como “subraça, de sua conformação racial pura. A evolução
decadente e degenerada” (SCHWARCZ, 1993, europeia, e em especial o tipo ariano, repre-
p. 64), inferior às raças puras que o formavam, sentaria para pensadores como Gobineau
chegando ao absurdo de Paul Broca, anato- um caso extremo em que o apuro racial teria
mista e craniologista fundador da Sociedade levado a um caminho certo rumo à civiliza-
Antropológica de Paris, comparar “o exemplo ção. (SCHWARCZ, 1993, p, 61)
da não fertilidade da mula”, animal estéril pro-
Nesse sentido, para os defensores des-
duzido pelo cruzamento entre duas espécies de
sa teoria, somente as sociedades puras, forma-
equinos, “e uma possível esterilidade do mulato”
das pela raça ariana, poderiam alcançar um alto
(SCHWARCZ, idem, p.54), ao mesmo tempo em
grau de civilização e desenvolvimento, enquanto
que Gobineau e Le Bom, teóricos deterministas,
que as demais estavam fadadas ao fracasso.
lamentavam a extrema fertilidade dos mestiços,
Schwarcz observa também que, para
por acreditarem que estes eram herdeiros dos
Gobineau, não se podia esperar muito de certas
caracteres negativos das raças cruzadas. Embo-
raças inferiores, mas também não era necessá-
ra haja uma grande distância entre essas duas
rio temê-las. Mas, em relação à miscigenação,
opiniões sobre a fertilidade ou não do mestiço,
considerava sempre um dano o resultado da
ambas convergem num ponto: consideravam a
mistura, e por isso concebia as nações miscige-
miscigenação como algo prejudicial ao desen-
nadas como povos desequilibrados e decaídos.
volvimento das raças humanas e por isso ela
Assim, quando veio ao Brasil e permaneceu por
deveria ser evitada.

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Ressonâncias de algumas teorias raciais...

quinze meses no Rio de Janeiro definiu os ha- dos eufemismos raças “mais adiantadas” e
bitantes da cidade do seguinte modo: “trata-se “menos adiantadas” e pelo fato de ficar em
de uma população totalmente mulata, viciada no aberto a questão de ser a inferioridade inata.
sangue e no espírito e assustadoramente feia” À suposição inicial, juntavam-se mais duas.
Primeiro - a população negra diminuía pro-
(apud SCHWARCZ, idem, p.13).
gressivamente em relação à branca por moti-
Thomas Skidmore (1976) afirma que es- vos que incluíam a suposta taxa de natalida-
sas teorias raciais influenciaram os brasileiros de mais baixa, a maior incidência de doenças
que pensavam a sério o problema racial, e, con- e a desorganização social. Segundo – a mis-
sequentemente, a teoria da superioridade aria- cigenação produzia “naturalmente” uma po-
na era aceita como fato de determinismo histó- pulação mais clara, em parte porque o gene
rico pela elite intelectual brasileira entre 1888 e branco era mais forte e em parte porque as
1914. pessoas procurassem parceiros mais claros
No entanto, o Brasil, que nunca teve um do que elas. (A imigração branca reforçaria a
sistema racial rígido, por essa época tinha al- resultante predominância branca).
Obviamente, a conclusão otimista dessa aná-
cançado um altíssimo índice de miscigenação,
lise racial repousava sobre uma afirmação
o que implicava a impossibilidade da total apli- chave: a de que a miscigenação não produ-
cação das teorias raciais à realidade brasileira. zia inevitavelmente “degenerados”, mas uma
Como já sabido, desde muito cedo o colonizador população mestiça sadia capaz de tornar-se
português se misturou à raça nativa (índios) e sempre mais branca, tanto cultural quanto fi-
aos negros trazidos da África, desencadeando sicamente. (SKIDMORE, 1976, p.81)
um processo de miscigenação que perdura até
nossos dias. Outra particularidade da formação Apesar da miscigenação no Brasil ter
da sociedade brasileira é que aqui, segundo Da- se revestido desse (suposto) caráter nobre, os
vid Brookshaw (1983), a escravidão durou um mulatos, à exceção daqueles que conseguiram
período maior que em outros países, e isso faci- elevar-se socialmente, jamais deixaram de ser
litou o abuso das mulheres negras por homens vítimas de discriminação racial. E hoje, mais de
brancos, e também a falta de mulheres brancas cem anos depois da tese do branqueamento,
na classe dos colonizadores em contraste com tempo estipulado na época para que a popula-
uma grande quantidade de mulheres negras, ção se tornasse totalmente branca, o Brasil é
tornou inevitável que houvesse um alto grau de em sua maioria constituído por mestiços e a raça
miscigenação. negra não foi eliminada e nem dá amostras de
Desse modo, desde o início da coloniza- que isso vá ocorrer um dia.
ção, o Brasil já contava com uma população de Com base nessas teorias raciais extre-
mulatos que foi aumentando com o decorrer do mamente preconceituosas, que relegavam o
tempo. Aqui, muitos desses seres considerados mestiço ao último lugar de uma escala evolu-
degenerados pelas teorias raciais vigentes con- tiva das raças, considerando-o inferior a todas
seguiram ascender socialmente e alguns deles as raças puras, fazendo com que nascesse um
chegaram até ocupar cargos públicos importan- preconceito “que ainda hoje persiste sobre os
tes, e outros se tornaram nomes respeitados nas mestiços, considerados fracos física e moral-
letras e nas ciências. Nesse contexto, não havia mente” (MUNANGA, 1986, p.28), neste trabalho
saída para o Brasil senão enveredar por outro será realizado uma análise de como esse pre-
caminho que ia na contramão dessas teorias: o conceito é internalizado, conforme acepção de
branqueamento da população negra por inter- Antonio Candido (2000) de que “o externo se in-
médio da mestiçagem, acreditando-se que em terno” dentro do texto literário, em três romances
um século o elemento negro desapareceria e a escritos no século XX nas literaturas de língua
população brasileira se tornaria então totalmen- portuguesa: Clara dos Anjos (1997), do escri-
te branca. Os intelectuais brasileiros da época tor brasileiro Lima Barreto; Mayombe (1982) do
adaptaram as teorias raciais importadas, trans- angolano Pepetela; e Portagem (1981) do mo-
formando a mestiçagem de algo negativo em çambicano Orlando Mendes; haja vista o caráter
positivo. Nas palavras de Skidmore: miscigenado que a colonização portuguesa teve
no Brasil, Angola e Moçambique.
A tese do branqueamento baseava-se na
presunção da superioridade branca, pelo uso

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SANTOS, D. A.

Clara dos Anjos: um conceito inferior ao de cor e condição social. Ele também alerta para o
todos fato de que os pais de Clara não tinham capaci-
dade de dar a ela uma educação correta que a
Em Clara dos Anjos, romance publicado preparasse para a vida, reforçando a tonalidade
em 1948, mas que, de acordo com Alfredo Bosi de um determinismo de raça e meio, ao estilo do
(1973, p. 101), a primeira redação remonta a Darwinismo Social.
1904/1905, Lima Barreto aborda o preconceito
em relação ao mestiço, numa sociedade multir- Essa reclusão e, mais do que isso, a cons-
racial como a brasileira. A obra retrata o drama tante vigilância com que sua mãe seguia os
de uma jovem mulata, filha de um carteiro e uma seus passos, longe de fazê-la fugir aos peri-
gos a que estava exposta a sua honestidade
dona de casa do subúrbio carioca, ambos tam-
de donzela, já pela sua condição, já pela sua
bém mulatos, que é seduzida por Cassi Jones, cor, fustigava-lhe a curiosidade em descobrir
um rapaz branco de condição social superior à a razão do procedimento de sua mãe. (BAR-
dela, mas que não tinha quase nenhuma instru- RETO, 1997, p.71)
ção e nenhum caráter, que vivia a desonrar mu-
lheres humildes, donzelas ou casadas, fossem Clara era uma natureza amorfa, pastosa,
elas negras, mulatas ou brancas. Nas palavras que precisava mãos fortes que modelassem
de Sérgio Buarque de Holanda: e fixassem. Seus pais não seriam capazes
disso. A mãe não tinha caráter, no bom sen-
É uma história onde se tenta pintar em cores tido, para o fazer, limitava-se a vigiá-la cani-
ásperas o drama de tantas outras raparigas namente; e o pai, devido aos seus afazeres,
da mesma cor e do mesmo ambiente. O ro- passava a maioria do tempo longe dela. E
mancista procurou fazer de sua personagem ela vivia toda entregue a um sonho lângui-
uma figura apagada, de natureza “amorfa do de modinhas e descantes, entoadas por
e pastosa” como se nela quisesse resumir sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros
a fatalidade que persegue tantas criaturas exploradores da morbidez do violão. (Idem,
de sua casta. (HOLANDA apud BARRETO, p.117)
1997, p. 9-10)
Sabe-se que, todo esse aparato de pro-
Os pais de Clara, sabedores dos peri- teção à Clara, para que ela não se tornasse mais
gos que corriam as donzelas mulatas de baixa uma entre tantas jovens mulatas desonradas não
condição social, vítimas de discriminação racial impediu que o ardiloso Cassi Jones conseguisse
e objetos de desejo de homens inescrupulosos, encontrar um meio de manter contato com a ra-
cercaram-na de todos os mimos, impondo bar- pariga e adentrar o seu aposento, fato que teve
reiras que limitavam o seu contato com o mundo como consequências a gravidez da garota e a
exterior. Raramente saia de casa, e quando o fuga do conquistador.
fazia era para ir à casa de dona Margarida We- Toda a narrativa é permeada pela obser-
ber, ou acompanhada desta, que era vizinha vação determinista de que a mulata pobre, com
de confiança da família, ir ao cinema ou fazer raras exceções, não escapa a esse destino co-
compras de tecidos. No restante do tempo, seus mum de sedução, exploração sexual e abando-
dias resumiam-se aos afazeres domésticos e no. É como se elas trilhassem um caminho em
aos serões de música promovidos por seu pai. que não há atalhos e nem possibilidade de re-
Desse modo, seus contatos sociais eram pou- torno. Assim, destacam-se alguns exemplos que
cos, restringindo-se aos amigos que frequenta- corroboram esse determinismo:
vam a casa. As observações de Marramaque, padri-
O narrador chama a atenção para as nho de Clara:
consequências que uma educação protecionista
e uma vida enclausurada podem causar a uma Na sua vida, tão agitada e variada, ele sem-
jovem mulata de subúrbio, que vive numa redo- pre observou a atmosfera de corrupção que
cerca as raparigas de nascimento e da cor
ma, aparentemente sem correr riscos e sob a
de sua afilhada; e também o mau conceito
influência do sentimentalismo amoroso das mo- em que se têm as suas virtudes de mulher. A
dinhas que ouvia em casa, e não conhece ainda priori, estão condenadas; e tudo e todos pa-
as armadilhas da vida exterior e o preconceito reciam condenar os seus esforços e os dos
com que a sociedade trata as mulheres de sua seus pais para elevar a sua condição moral e

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Ressonâncias de algumas teorias raciais...

social. (Idem, p.56) dição de ser mulato estivesse obrigatoriamente


ligado à baixa condição social, não esquecendo
As reflexões do pai, Joaquim dos Anjos: que os mulatos que conseguiram ascender so-
cialmente ficavam livres dessa discriminação.
Estendia essa sua confiança à sua mulher, Por esse ângulo, a obra denuncia as injustiças
no que tinha razão; mas não à filha, como
sociais a que o mestiço está sujeito, principal-
fazia, porque, no tocante a esta, precisa con-
tar com a crise da idade, a estreiteza de sua
mente a falta de oportunidades e de instrução
educação doméstica e atmosfera de corrup- que o torna frágil na luta pela sobrevivência na
ção com que o meio a envolvia, admitindo ta- vida em sociedade. O desabafo de Clara, ao fi-
citamente que ela estava fadada ao destino nal do romance, nos confirma isso:
das outras. (Idem, p.121)
O que era preciso, tanto a ela como às suas
As lamentações de Clara depois de ser iguais era educar o caráter, revestir-se de
abandonada grávida por Cassi Jones e ser insul- vontade, como possuía essa varonil Dona
Margarida, para se defender de Cassis e se-
tada pela mãe dele:
melhantes, e bater-se contra todos os que
opusessem, por este ou aquele modo, contra
Por que a escolhera? Porque era pobre e,
a elevação dela, social e moralmente. Nada
além de pobre, mulata.
a fazia inferior às outras, senão o conceito
/.../
geral e a covardia com que elas o admitiam.
Agora é que tinha noção exata da sua situa-
(Idem, p.171-172)
ção na sociedade. Fora preciso ser ofendida
irremediavelmente nos seus melindres de
solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu al- Clara dos Anjos afirma a igualdade da
goz, para se convencer de que não era uma mulata em relação às outras mulheres, ressal-
moça como as outras; era muito menos no tando que o que as transformavam em criaturas
conceito de todos. /.../ frágeis e objetos de desejo é o preconceito que a
Ora, uma mulatinha, filha de um carteiro! sociedade lhes devota e, pior ainda, a aceitação
(Idem, p.163-171) desse estereótipo por parte delas. Por isso, ela
conclui que a única forma de escapar desse cír-
A legitimação do preconceito da socie- culo vicioso é por meio da educação da mulher
dade em relação à mulata é expressada pelo mestiça, para que ela possa evoluir-se social-
narrador na recusa da mãe de Cassi Jones de mente e moralmente.
vê-lo casado com uma delas: “...repugnava ver o Ao mesmo tempo em que a obra põe a
filho casado com uma criada preta, ou com uma nu as discriminações a que os mulatos estão su-
pobre mulata costureira...” (idem, p.34); na indig- jeitos, ela também defende a tese do branque-
nação de Marramaque ao tentar alertar o pai da amento por intermédio da imigração, e afirma
afilhada: “Você não vê que, se ele quisesse ca- a superioridade da raça ariana, defendida pe-
sar, não escolheria Clara, uma mulatinha pobre, las teorias raciais do século XIX, ao apresentar
filha de um simples carteiro?” (Idem, p.131); na Dona Margarida Weber, imigrante europeia, filha
reflexão do narrador sobre Cassi Jones: “Até ali, de pai alemão e mãe russa, como exemplo de
ele contava com benevolência secreta de juízes força, caráter, coragem e bondade, em contraste
e delegados, que no íntimo, julgavam absurdo o com os mulatos, em vários momentos da narrati-
casamento dele com as suas vítimas, devido à va descritos como dóceis, passivos e desprepa-
diferença de educação, de nascimento, de cor, rados para as dificuldades da vida:
de instrução.” (Idem, p.99); e na maneira como
D. Salustiana reagiu à visita de Clara: “Que é Dona Margarida Weber era mulher alta, forte,
que você diz, sua negra? /.../ - Ora, vejam vo- carnuda, com uma grande cabeça de traços
cês, só! É possível admitir-se meu filho casado enérgicos, olhos azuis e cabelos castanhos
com esta... /.../ - Casado com gente dessa laia...” tirando para louro. Toda a sua vida era mar-
(Idem, p.169-170). cada pelo heroísmo e pela bondade. Embora
nascida em outros climas e cercada de outra
O preconceito que aparece explícito na
gente, o seu inconsciente misticismo humani-
narrativa não é somente racial, mas também so-
tário, herança dos avós maternos, que anda-
cial. Há uma relação metonímica de causa e efei- vam às voltas com a polícia dos czares, fê-la
to entre o mulato e a pobreza. É como se a con- logo se identificar com a estranha gente que

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SANTOS, D. A.

aqui veio encontrar. Aprendeu-lhe a lingua- Medo e os seus subordinados, são discutidos os
gem, com seus vícios e idiotismos, tomou-lhe problemas, dramas, valores e contradições dos
os hábitos, apreciou-lhes as comidas, mas membros do grupo.
sem perder nada da tenacidade do esprit de Entre os principais problemas que afetam
suíte, de decidida coragem de sua origem.
os guerrilheiros estão o tribalismo, por conta de
Gostava muito da família do carteiro, mas, no
seu íntimo, julgava-os dóceis demais, como
pertencerem a diferentes tribos, a desconfiança
que passivos, mal armados para a luta entre sobre o comandante Sem Melo, por ele ser um
os maus e contra as insídias da vida. (Idem, intelectual, e a discriminação sofrida pelo pro-
p.166) fessor e auxiliar de instrução política da Base,
o guerrilheiro Teoria, simplesmente pelo fato de
Margarida Weber Pestana foi casada ser mulato. Observa-se o trecho em que o narra-
com um mulato que morreu dois anos após o dor principal dá voz a Teoria para que ele expo-
casamento, deixando-lhe um filho. O narrador, nha o seu drama:
ao referir-se à criança, deixa claro que o sangue
ariano/eslavo é predominante no garoto, como EU, O NARRADOR, SOU TEORIA.
afirmava a tese do branqueamento: Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra
recebi a cor escura de café, vinda da mãe,
O Eziquiel, seu filho, puxara muito ao pai, misturada ao branco defunto do meu pai, co-
Florêncio Pestana, que era mulato, mas tinha merciante português. Trago em mim o incon-
os olhos glaucos, translúcidos, de sua mãe ciliável e é este o meu motor. Num universo
meio eslava, meio alemã, olhos tão estranhos de sim ou não, branco ou negro, eu repre-
a nós e, sobretudo, ao sangue dominante no sento o talvez. Talvez é não para quem quer
pequeno. (Idem, p. 60) ouvir sim e significa sim para quem espera
ouvir não. A culpa será minha se os homens
exigem a pureza e recusam as combina-
Em relação a essa mescla da raça ariana
ções? Sou eu que devo tornar-me em sim ou
com a eslava, é oportuno observar que os rus-
não? Ou são os homens que devem aceitar
sos, povo de etnia eslava, foram os responsáveis o talvez? Face a este problema capital, as
pela primeira revolução socialista do mundo, o pessoas dividem-se aos meus olhos em dois
que os tornava um povo forte e determinado aos grupos: os maniqueístas e os outros. É bom
olhos dos defensores da causa socialista, e o esclarecer que raros são os outros; o mun-
escritor Lima Barreto tinha uma grande admira- do é geralmente maniqueísta. (PEPETELA,
ção por eles e seus grandes escritores. 1982, p. 6-7)

Mayombe: a procura de um lugar para o tal- Nesse depoimento, o professor da Base


vez lamenta as classificações que os homens fazem,
dividindo sempre as coisas em dois mundos an-
Mayombe (1982), romance do escritor tagônicos: o bom e o mau, o feio e o bonito, o
angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos preto e o branco, e o sim e o não, não deixan-
Santos, conhecido literariamente por Pepete- do nenhum espaço para elementos que se si-
la, aborda os conflitos vividos por um grupo de tuem entre dois pólos opostos. Nesse universo
guerrilheiros do MPLA (Movimento Popular de maniqueísta, no qual não se compreendem as
Libertação de Angola) numa Base Militar situada diferenças, ele, um mulato, filho de uma negra
na floresta do Mayombe, localizada no enclave africana e um comerciante branco não encontra
da Cabinda, na época da guerra de libertação o seu lugar. São raros aqueles que o compre-
nacional angolana contra o colonialismo portu- endem e o aceitam. A sociedade lhe impõe um
guês. duplo preconceito. Ele é negro para os portugue-
Essa obra se caracteriza pela sua multipli- ses brancos: “Criança ainda, queria ser branco,
cidade de vozes narrativas, pelas quais o narra- para que os brancos me não chamassem negro”
dor principal, heterodiegético, democraticamen- (Idem, p.12); e branco para os negros africanos:
te dá voz a todos os guerrilheiros, transformando “Homem, queria ser negro, para que os negros
a narrativa num vozerio no qual todos têm direito me não odiassem” (Idem).
à palavra como se fosse uma discussão aberta, Esse comportamento extremamente pre-
e por meio dessa estratégia narrativa, associada conceituoso da sociedade angolana em relação
aos longos diálogos entre o comandante Sem ao mulato nos remete às teorias raciais do sécu-

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Ressonâncias de algumas teorias raciais...

lo XIX, que viam o mestiço como uma raça dege- romance moçambicano e retrata em suas pági-
nerada inferior aos brancos e negros puros. nas o drama do mestiço na sociedade moçambi-
No entanto, o mulato Teoria é um inte- cana, formada por colonos portugueses, negros
lectual e um guerrilheiro que vive procurando nativos, indianos, chineses e mestiços. Rosania
superar os seus próprios limites, e dessa forma, da Silva comenta a discriminação racial que ca-
ao contrário do que pregavam essas teorias, ele racteriza a obra:
não é um fraco nem fisicamente e muito menos
moralmente. E assim, a desconfiança com que As personagens de Portagem se movimen-
os negros puros o veem é devido a ele ter san- tam num emaranhado de choques e contra-
gue do colonizador português contra quem estão dições decorrentes da discriminação racial
nítida e formal que caracterizava a sociedade
em guerra e, por outro lado, não é aceito pelos
moçambicana da época colonial. E o mesti-
brancos por ter sangue negro. Aqui, é a conta- ço, elemento perturbado, balanceia entre o
minação pelo sangue do outro, do diferente, que envolvimento em relações europeizadas e o
determina o preconceito. apelo africano que nele reside. (SILVA, 1999,
Lutando contra essa discriminação que p. 64)
atinge o ser formado por duas raças diferentes,
Teoria segue um caminho espinhoso, vencendo João Xilim, o protagonista do romance,
os seus medos, se oferecendo para missões ar- é um mulato pobre que não consegue encontrar
riscadas, suportando bravamente, durante uma o seu lugar nessa sociedade. Na visão de Ro-
caminhada, a dor na perna ferida, e abrindo mão sania da Silva (Idem), ele “é uma versão fictícia
da mulher que ama para poder fazer parte da do drama de tantos mestiços do tempo colonial
guerrilha, para, quem sabe, conquistar um espa- e do Moçambique atual.” Filho de um colono
ço nessa sociedade para o “talvez”, síntese do português e uma negra nativa, ainda na infância
sim e do não, e para o cinza, fusão do branco e descobre que a cor da sua pele não era igual à
do negro. da mãe e a do homem que ele acreditava ser
seu pai.
Perdi Manuela para ganhar o direito de ser Por algum tempo mora na casa do seu
“talvez”, café-com-leite, combinação, híbri- pai biológico, não na condição de filho, mas ape-
do, o que quiserem. Os rótulos pouco inte- nas como o “moleque de companhia” da irmã
ressam, os rótulos só servem aos ignorantes
(que ele ainda não sabia ter). Um dia, por aca-
que não vêem pela coloração qual o líquido
encerrado no frasco. so, encontra sua mãe abraçada ao Sr. Campos
Entre Manuela e o meu próprio eu, escolhi e identifica a razão de ter a pele mais clara que
este. Como é dramático ter sempre de es- a dos seus pais e dos outros negros:
colher, preferir um caminho a outro, o sim ou
o não! Por que no mundo não há lugar para Não, o negro Uhulamo já não era o pai dele.
o talvez? Estou no Mayombe, renunciando a Por isso ele nascera com aquela cor mais
Manuela, com o fim de arranjar no universo clara que a dos pretos. Seu pai verdadeiro
maniqueísta o lugar para o talvez. era o patrão de todos os negros que tinham
/ ... / deixado a planície do Ridjalembe... (MEN-
... a minha vida é o esforço de mostrar a uns DES, 1981, p. 21)
e a outros que há sempre lugar para o talvez.
(Idem, p.12) Depois da descoberta da sua origem,
ainda menino, emigra para terras estrangeiras e
Desse modo, Pepetela, ao construir o só retorna a Moçambique quando já está adul-
personagem mulato com qualidades positivas, to. Em sua trajetória sempre foi um inadaptado,
mostra o absurdo do preconceito em relação ao sofrendo discriminação por parte de negros: “Al-
mestiço, tanto na sociedade angolana quanto guns dos negros sentem um certo rancor con-
nas teorias raciais do século XIX. tra João Xilim. E fazem surdamente, alusão à
ignomínia da sua cor mestiça a que atribuem a
Portagem: o crime da origem possibilidade de todas as cobardias e traições.”
(Idem, p.32), e também de brancos:
Portagem (1981), de Orlando Mendes,
escrito na década de 50 e publicado pela pri- - Não, Rafael, quando eu vou pedir emprego
meira vez só em 1966, é considerado o primeiro em qualquer lado, os brancos ficam descon-

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SANTOS, D. A.

fiados de mim. Eu vou mas é embora ... têm um filho desejado por eles. Mas, na segun-
-Toma cuidado, pensa bem! ... Agüenta mais da gravidez, voltam-se os antigos problemas e
pouco. ele se põe a pensar nas humilhações a que os
- Eu já pensei até demais. Mal de mim é ser mulatos estavam sujeitos: “Ser mulato é pior que
um mulato. Nossa raça toda a gente passa
ser negro. Para que Luísa emprenhou outra vez?
de lado. Outro dia, eu fui numa loja grande.
Tinha lá um lugar de contínuo. Quando ouvi-
Mais um mulato para toda a gente desprezar e
ram dizer no escritório que eu era mulato já maltratar?” (Idem, p. 150).
não quiseram saber mais nada. Mandaram a Para piorar, o trabalho na gamboa fra-
mim embora. Se era negro, eu tinha mesmo cassa e ele se obriga a ir trabalhar numa tipo-
ficado no lugar. Branco está sempre a pensar grafia bem longe de casa, situação que facilita
que mulato é filho dum crime. E eu também o assédio de Borges, o Coxo, à sua mulher, que
estou quase a pensar que talvez é mesmo. E acaba não resistindo e, mesmo grávida, o trai
preto tem vergonha da gente ... (Idem, p. 51) novamente. Essa traição provoca uma briga en-
tre Xilim e o Coxo e, por conta dessa briga a filha
João Xilim percebe claramente o con- morre dois dias após o nascimento, pelo fato da
ceito que as pessoas brancas e negras têm do mãe estar sozinha no dia do parto e nos dias
mulato. Para os indivíduos de raças puras, o posteriores em que precisava de ajuda para po-
mestiço é uma degeneração, uma mancha que der salvar a recém-nascida.
envergonha. É um ser que não é digno de con- No final da obra, relembrando sua traje-
fiança. Essa discriminação ao mulato nos remete tória de humilhações, carregada de incompre-
às teorias raciais do século XIX, que concebiam ensão por ser uma mistura de branco e negro,
o mestiço como uma sub-raça, incivilizável, de- um ser híbrido de duas raças, ele assim resume
generada, fraca física e moralmente. Aqui essas suas angústias:
teorias se encaixam perfeitamente, corrobora-
das pelas atitudes de brancos e negros, classi- Todas as raivas da sua vida passam-lhe, uma
ficando o mestiço em último lugar numa escala a uma, pela memória. Não, não tem nada de
racial e social. que se arrepender. Cumpriu fielmente o seu
No decorrer do romance, João Xilim se- destino. Foi sempre ele, o mulato, um homem
gue o seu caminho sempre acompanhado pela clandestino...
discriminação racial. Diante da falta de pers- / ... / O erro fundamental que comprometeu
a paz da sua vida, foi o abraço da mãe Kati
pectiva, deixa a esposa temporariamente para
e de patrão Campos, esse abraço que fez
trabalhar nas minas de carvão no estrangeiro,
dele um ser duma raça infamada. Tudo o que
trabalho duríssimo, mas era o único que não dis- se passou depois, tudo o que pesou sobre
criminava o mulato. A mulher o trai nesse perí- o seu coração e manchou as suas mãos e
odo. Retorna e quase mata a esposa com uma os seus olhos, proveio desse erro. Por toda
punhalada e por esse crime é condenado a cin- a parte ele encontrou gente que anda a toa,
co anos de prisão. rejeitada pelos brancos e pelos negros. De-
Cumprida a pena, ao sair da cadeia, por serdada pelas duas raças puras. Mas ele es-
ironia do destino, emprega-se na cantina do Sr. conderá dos filhos a memória dos pecados
Esteves, o português que teve um caso com sua das negras Katis e dos patrões Campos. E
eles crescerão como se a raça mestiça não
ex-mulher e agora estava casado com sua irmã
tivesse nascido de um abraço fortuito. (Idem,
branca, Maria Helena, com quem tinha uma fi-
p.170)
lha. Um dia a casa do patrão se incendeia e o
mulato salva a patroa e a filha. Esse ato heróico Depois de sofrer esse duplo golpe, a
faz com que ele, por um breve período, consiga traição da mulher e a morte da filha, João Xilim
conquistar o respeito daqueles que o conhecem: reconcilia-se novamente com Luisa e, juntos, re-
“João Xilim sentir-se-ia agora orgulhoso, com- começam suas vidas de humilhações, tropeços
preendendo e aceitando a homenagem dos ne- e desencontros, causados, principalmente, pela
gros e mulatos” (Idem, p 111) discriminação racial a que estavam sujeitos.
Depois desse momento em que primeira
vez na vida é tratado com dignidade, reconcilia- CONSIDERAÇÕES FINAIS
se com a ex-esposa e vai trabalhar na gamboa
de Juza. Lá, vivem felizes por um período e até Os três romances analisados abordam

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Ressonâncias de algumas teorias raciais...

em suas páginas a discriminação sofrida pelo preconceito racial, podem nos levar a reflexões
mulato nas sociedades em que as obras foram sobre velhos conflitos como, por exemplo, a in-
concebidas, conforme pregavam algumas te- tolerância racial e religiosa, que persistem no
orias raciais do século XIX, e também tem em mundo contemporâneo. Posições radicais opos-
comum o fato de pertencerem às literaturas de tas entre católicos e protestantes na Irlanda, ju-
países (Angola, Brasil e Moçambique) que foram deus e árabes no Oriente Médio, e entre sérvios
colonizados por Portugal, nação que em tempos e as outras etnias da antiga Iugoslávia, só para
coloniais praticou a miscigenação em larga es- citar alguns exemplos, nos lembram o questiona-
cala. mento da personagem de Pepetela: “Por que no
Em Mayombe (1982) e Portagem (1981) mundo não há lugar para o talvez?” O “talvez”,
vem à luz o drama do mulato discriminado tan- essa síntese de posições antagônicas poderia
to por brancos quanto por negros. Nessas duas ser a saída para a solução de conflitos históricos
obras, a discriminação racial do mestiço se até o momento insolúveis.
aproxima das teorias raciais, no que refere ao
conceito do mulato como sub-raça, que carrega REFERÊNCIAS
o estigma de ser contaminada pelo sangue da
outra, oposta a si e indesejada. Assim, para o BARRETO, L. Clara dos Anjos e outras histó-
branco, o mulato carrega a mancha do negro e rias. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
ela é para ele como se fosse a lembrança de um
pecado por, ter se misturado a uma raça infe- BOSI, A. Pré-modernismo. São Paulo: Cultrix,
rior, e para o negro, o mulato tem a mancha do 1973.
branco explorador, que lhe roubou a terra e o
colocou na condição de semi-escravidão. Desse CANDIDO, A. Literatura e sociedade. 8. ed.
modo, o mulato está entre dois pólos opostos, é São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.
um inadaptado a procura do seu lugar.
Já Clara dos Anjos (1997) apresenta BROOKSHAW, D. Raça e cor na literatura bra-
uma grande contradição: ao mesmo tempo em sileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
que o romance denuncia a discriminação racial
e suas consequências, reivindicando um trata- MENDES, O. Portagem. São Paulo: Ática,
mento digno e humano ao mulato e ao negro, 1981.
ele também lhes aponta os defeitos e fraquezas,
inferiorizando-os quando postos em contraste MUNANGA, K. Negritude: usos e sentidos. São
com uma europeia de sangue ariano/eslavo, de Paulo: Ática, 1986.
modo que legitima a suposta superioridade da
raça branca, em relação às outras raças e, prin- PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.
cipalmente, frente ao mestiço, defendida pelas
teorias raciais europeias e americanas. SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças.
No entanto, o romance também demons- São Paulo: Cia das Letras, 1993.
tra estar em sintonia com a “tese do branquea-
mento” propugnada pela elite intelectual brasi- SILVA, R. P. História e ficção: o lugar do mulato
leira do século XIX, ao deixar transparecer uma em Portagem, de Orlando Mendes. Cadernos
simpatia pela miscigenação por meio das uniões CESPUC de Pesquisa, Belo Horizonte, n. 5, p.
interraciais entre mulatos ou negros, e imigran- 63-67, abr. 1999.
tes europeus, principalmente de origem ariana
ou eslava, visando a um aprimoramento racial SKIDMORE, T. E. Preto no branco: raça e na-
da população brasileira, materializada na obra cionalidade no pensamento brasileiro. Tradução
através da exemplificação do casamento entre Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Ter-
Margarida Weber (europeia/ariana/eslava) e ra, 1976.
Florêncio (mulato), que deu origem a Eziquiel, o
filho que puxara ao pai, mas em quem predomi-
nava o sangue superior da mãe.
Finalizando, é importante observar que
a leitura de obras como essas, que abordam o

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