Agressividade
Piedad Ortega de Spurrier
,,_Quais so as condi¢des da agressividade quando a ordem
Simbélica deste século variou? Como situar a experiéncia analitica sob
&ssas coordenadas?
Primeiro convém situar as elaboragdes dese termo por part.
de Freud ede Lacan, porque ambos sustentaram gue em rove da
Agressividade o sujeito humano se separa da biologia,
castraca, Ftd situa.a agressividade em torno do confito edipico e da
{2strasao; a relagdo de amor e dio em relacio aos pais, as proibicées
is0es inerentes a vida de relagdo da crianga, as quais mostram
38 Primeiras elaboragdes do que chamara Trodestrieb, instinto ou pul-
S80 de morte, que coloca, de forma mais profunda, a agressividade no
Gobtexto humano. Estas, porém, permaneceram inacabadas até o final
de sua obra.
Lacan retoma o legado freudiano e, a partir do estdio do es-
Pelho, destaca a configuragao imagindria da agressividade no funda-
Mento da subjetividade, correlativa a um modo de identificacao
Narcisista que determina a estrutura do eu ¢ os distintos modos de
identificacio que o configura.
Fica estabelecido quea forma essencial da subjetividade hu-
mana € paranoica, A relacdo com 0 outro e consigo mesmo est carre-
#Ada de uma tensao agressiva,
Seo estadio do espelho permite ao sujeito aceder a “uma ar-
madura enfim assumida de uma identidade alienante"? se a ordem
simbélica era uma garantia que permitia algumas formas do ordena-
mento das relagées do sujeito com o mundo, convém examinar e res-
ponder sobre sua forma atual. Chama a atengio, no desfalecimento
essa ordem, o assédio de uma presenca constante daquilo que escapa
2 todo tipo de captagao, sejam estas imaginarias ou simbélicas, e que
reConhecemos nessa trama feita de extravagancias, caprichos, obsti-
naSbes, etc, textura das particularidades no dizer do ser falante
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Se o desafio de Lacan foi sustentar que, em torno da agressi-
vidade, o sujeito se pacifica pela inscri¢ao da ordem simbélica, hoje
sua face é outra, jé ndo se sustenta por um pacto feito de palavras, fun-
dado em uma proibig4o que produz um ordenamento e também pos-
sibilidades variadas. Hoje, a resposta, promessa de felicidade, provém
das novas tecnologias. A fungao do pai se acha perturbada e a burocra-
cia da saiide mental assinala os modos de viver, amar ou morrer de
uma forma “tipica’, formas de afiliar-se a moradas simbélicas ou iden-
tificagdes catastréficas. Gera-se uma sociedade de vigilancia gener
zada que produz mais violencia para superar as defesas que se
realizam pelas patologias do ato mais frequentes.
0 que a satide mental desconhece & que no ser falante o en-
contro traumatico entre o corpo e a lingua se da por meio do sintoma
que Ihe permite viver. Contudo, este pode ser incémodo para os higie-
nistas da saiide mental que tentam elimind-lo rapidamente e, assim,
fazem desaparecer a causalidade psiquica.
0 quea psicandlise aporta ao debate sobre as novas manifes-
tagdes das tensdes agressivas da época? 0 que pode dizer sobre as
novas formagdes sintomdticas dos sujeitos que “ameagam” o bem pit
blico? Trata-se de ler a ameaga como uma forma de agressao a0 valo-
rizado bem-estar porque a concep¢ao ética de hoje pretende assegurar
08 direitos do homem contra o sofrimento.
Sea partir do social ha um movimento acelerado e violento
para estabelecer os direitos e obrigagdes de todos, este também tenta
converter aquele que nao respeita essa ordem a condigao de “vitima” e
impedir a pergunta pelo mal que Ihe aflige, produzindo um modo de
exclusdo interna que reconstitui novamente a segrega¢ao; hd um em-
puxo a satide que deixa fora o sujeito e sua singularidade. Esta é uma
forma pragmatica de realizar uma politica que mantenha a ordem pit-
blica por meio de categorias que englobam individuosa partir de tragos
comuns ou modos de gozar, com consequéncias nada despreziveis para
a subjetividade: 0 sujeito se reduz facilmente a uma espécie biol6gica.
Para recuperar algo de sua distancia e diferenca apagadas
pelo conformismo da assimilacao social, a agressividade é o meio que
permite resgatar algo de si. A medida que os processos de assimilagao
se tornam mais massivos, havera maiores fendmenos de ruptura.
Quando as diferengas so éxtimas e poem na tela de julga-
mento o circulo de identidade do sujeito, este se vé expulso do simbé-
25lico e aparece o pior: produz-se um retorno no real que reintroduz uma
diferenca no imagindrio do corpo. Sem mediacao da palavra, a passa~
gem ao ato se faz presente na intolerancia, e o ddio ao outro convoca
sua aniquilagao ou segregaca
Por isso, nés, analistas, elevamos a agressividade & qualidade
de um sintoma e interrogamos os modos de fazer com essa desgarra-
dura inicial, trauma linguajeiro que inclui o Outro em seu circuito in-
fernal ou, do qual se extrai uma satisfacdo experiencidvel, mas para ter
lade de produzir um saber e um fazer.
io se trata de glorificar os poderes da palavra; ela pode nos
indicar, ndo sem a transferéncia, que algo do real nao se pode trans-
formar. Fica entdo a possibilidade da invengao e de que o sofrimento
se subjetive de outra maneira fazendo objecao ao “para todos", ordem
mortifera do supereu,
Para tanto, 0 a
delirio subjetivo, sua fai
do paciente e poder por limite no d \terpretativo do analisante
eno gozo do Outro, figura superegoica infiltrada de agressividade.
Em consequéncia, “Discernir a felicidade possivel"’ nao &
questo de protocolos que submergem os seres humanos em padrdes
mensurdveis e idénticos e, por fim, transformados em coisas como
qualquer outro objeto do mercado. O psicanalista trabalha na contra-
‘mao porque injeta na precariedade do sofrimento de um sujeito a pos-
idade de vincular-se com a responsabilidad de seus ditos, de seus
atos e assim tratar de outra maneira a pulsao de morte, de destruicao.
ta tera que ter abandonado seu préprio
ro delirio singular
Tradugao: Mércia Zucchi
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