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Trajetória e obra de Norberto Bobbio

Tercio Sampaio Ferraz Junior I

N é, seguramente, o livro mais denso


orberto Bobbio: trajetória e obra da obra jurídica de Bobbio, que o estilo
analítico é uma das características mais
que se publicou no Brasil (e quiçá em notáveis de como foi elaborando a sua
língua portuguesa) sobre o grande pen- Teoria do Direito.
sador e jurista italiano. Nesse livro, Cel- Contudo, um estilo analítico que
so Lafer reúne a série de trabalhos, ora opera com base no dividir, distinguir,
artigos, ora prefácios, ora conferências, seccionar para considerar as coisas nos
ora pequenos ensaios que durante anos seus elementos mais simples. Daí a aten-
(na verdade, de 1980 a 2011), alguns de ção de Celso Lafer para a contraposição
convivência com o próprio Bobbio, vem da análise à síntese, o que leva Bobbio
elaborado didaticamente e aperfeiçoan- (1972), na sua defesa da filosofia do di-
do em sua sutileza teórica. reito de juristas em alternativa à dos filó-
Não se trata simplesmente de uma sofos, a considerar que é “sempre preferí-
coletânea de escritos, pois vai além. Há vel uma análise sem síntese (do que com
um notável esforço de trazer Bobbio – frequência se critica os juristas filósofos)
vida e obra – a uma espécie de conver- a uma síntese sem análise (que é o vício
gência intelectiva sem ser propriamente comum dos filósofos juristas)”.
uma síntese. Afinal, como reconhece O estilo analítico de Bobbio, mostra
Celso Lafer, Bobbio opera não só com Celso Lafer, explica, assim, por que sua
uma diversidade de autores, mas com um obra, em todos os campos do conheci-
abrangente e complexo repertório de te- mento a que se dedicou, é um contínuo
mas e ideias, no que é “não um filósofo work in progress por meio do qual, por
de sínteses impossíveis, mas um filósofo aproximações sucessivas, vai, com base
da análise”, certamente de natureza mais nesse estilo, aprofundando e refinando
heurística do que analítica. os temas recorrentes de suas inquieta-
Nesse contexto, aponta Celso Lafer, ções intelectuais. É por isso que uma
com Ruiz Miguel (1980), que o modo parte significativa dos seus livros são
recorrente do trabalho intelectual de reuniões de ensaios em torno de maté-
Bobbio é o artigo que tem um proble- rias conexas, fugindo a essa regra aqueles
ma como ponto de partida, cujos termos livros que, na sua origem, foram cursos
são esmiuçados para um subsequente universitários provenientes da sua ativi-
encaminhamento com base na análise dade de professor.
crítica de diversas posições, sendo a qua- Essa característica do pensar heurís-
lidade e a pertinência das suas análises tico torna, porém, o livro de Celso La-
e considerações no trato dos problemas fer uma elaborada tentativa de busca de
da vida do direito que o tornaram um convergências, aliás muito bem empre-
excepcional ponto de referência para o endida, ainda que de difícil consecução.
mundo jurídico. Apresentar Bobbio heurístico descritiva-
Ressalta, assim, com Riccardo Guas- mente seria, talvez, um empreendimento
tini (2005), um dos grandes estudiosos na forma de um espelho, como sói acon-

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tecer com obras-resumo ou conjunto de jurista italiano. E arrisca: Schmitt teria
resumos de outras obras. Não é o que sido para Bobbio como um “sombra”,
faz Celso Lafer. Com esteio numa leitura um Dr. Fausto de gênio que vendera sua
abrangente, meticulosamente anotada e alma ao diabo. O que me faz lembrar de
refletida, traz ele à ponderação o Bobbio um texto de Goethe (no Divã ocidental-
heurístico em convergência, na busca de -oriental) em que a tragédia de Fausto é
um fio condutor, ele próprio heurístico, anunciada e que muito tem a ver com a
capaz de esclarecer, iluminar e dar con- dicotomia e a dramaticidade da conver-
sistência ao teórico do direito e da polí- gência: “O sentido amplia, mas paralisa;
tica, no plano interno e internacional, na a ação vivifica, mas bitola”.
ciência e na filosofia e até na sua trajetó- Bobbio, na velhice, relata as experi-
ria de vida. ências penosas impostas pelas limitações
Tudo começa com o fim: De senectu- físicas da idade. Fausto, que se entrega à
de, livro de Bobbio de grande reflexão ação vivificada e sem peias, perdendo o
sobre a velhice e sobre seu significado senso, olha para o futuro. Ao contrário
sobretudo como um registro de memó- de Bobbio que, laico em sede de cren-
ria que se insere na memória do registro. ça numa outra vida, recorre à memó-
Ou seja, um ponto na vida capaz de con- ria como meio de sobreviver. Ou seja,
ferir referência ao passado na medida em olha para o passado. E nisso, como bem
que o projeta para o futuro. aponta Celso Lafer, encontra paz e não
Celso Lafer principia, heuristicamen- angústia.
te, por uma dicotomia: Bobbio homem A paz é o tema da guerra, na reflexão
de ação e de contemplação. Essa dico- de Bobbio. E vice-versa. Aí também en-
tomia – vita activa/vita contemplativa contra Celso Lafer seu fio condutor na
– buscada em Hannah Arendt, conduz coerência do teórico e do político. De
a uma interessante convergência. De um um lado, política internacional é políti-
lado, a passagem de uma atividade que ca do poder. Hobbes, um dos preferidos
começara na clandestinidade em tempos de Bobbio, estampa nisso uma realida-
do fascismo até a nomeação de Bobbio, de incontornável. Para enfrentá-la, sem
em 1984, como senatore a vita; de ou- desmerecê-la, recorre à mão de Grócio e
tro, o intelectual, expoente da vertente Kant. Assim, de outro lado, política in-
inovadora de esquerda, cuja reflexão neo- ternacional é também política jurídica,
contratualista e republicana o conduz ao igualmente uma realidade, um dado de
diálogo fecundo na resistência contra a sociabilidade e de razão, donde a ordem
opressão da direita. Daí a convergência internacional.
apontada por Celso Lafer na constitui- Entre a guerra e a paz converge Bob-
ção de uma autoridade pública como bio para um realismo nem pacifista nem
paradigma da relação entre o intelectual belicoso. Na linguagem metafórica da
e o político. mosca dentro da garrafa, do peixe na
Nessa convergência Celso Lafer faz rede e do homem no labirinto, Celso
menção ao estranho interesse de Bobbio Lafer mostra a importância da terceira
por Carl Schmitt que considerava o polí- hipótese: viver num mundo de becos
tico como a relação entre amigo/inimi- sem saída como reflexão sobre os ca-
go, nesse ponto, verdadeiro antípoda do minhos da paz nos labirintos da guerra.

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Daí a convergência para uma insistência preconceitos, própria dos contestadores e
permanente na busca de uma luz fugi- dos resistentes.
dia, capaz de iluminar o espaço presen- Bobbio, afinal, não deixa de ter sido
te, ainda que se obscureça poucos passos um pensador inquieto. O que se espelha
depois. O que Celso Lafer chama de “a na revolução patente que sofre sua traje-
paixão pela luz e a perseverança da de- tória de teórico do direito, quando, para
voção”, traços característicos da reflexão surpresa dos que acompanhavam seu ca-
do grande jurista. Algo que particular- minhar pelas estruturas, abre-se para a
mente desponta nos largos e percucien- perspectiva da função. “O Direito é uma
tes textos de Celso Lafer dedicados ao ordem coativa que visa à obtenção da
delicado tema da guerra justa que, em segurança coletiva”, e isso basta. Já no
Bobbio, passa pelas armadilhas propor- enfoque funcionalista, a relação meio/
cionadas pela guerra fria até o mundo fim ganha outros relevos, passa mesmo
recente da hegemonia norte-americana a constituir o cerne da análise, exigindo,
da guerra do Iraque. E desemboca na do jurista, novas modalizações do fenô-
reflexão do próprio Celso Lafer, ele mes- meno normativo. E essa sensibilidade
mo um diplomata e um pensador, sobre para a mudança, sem perder de vista as
o papel da ONU não como um tertium exigências da racionalidade, é uma das
super partes, mas como um tertium inter mais importantes características de Nor-
partes que enfrenta sempre o angustioso berto Bobbio e a lição mais profunda
desafio de exercer, embora nem sempre, que se pode extrair de seu pensamento.
o papel de um tertium juxta partes. Por isso ler, entender, interpretar e ex-
Esse dilema convoca Celso Lafer a por Bobbio é um desafio.
examinar a temática dos direitos huma- Na verdade, Bobbio foi um filósofo
nos, desde sua positivação numa decla- perguntador: quale? Quale socialismo?
ração constitucional, à sua generalização Quale democrazia? Quale positivismo?
por progressivo reconhecimento, à sua Quale teoria giuridica? Celso Lafer, em
internacionalização numa carta (caso seu livro, não deixa de ser também, com
da ONU) até sua especificação difícil e genialidade levemente transparente, um
complicada em diversos destinatários perguntador: quale Bobbio?
particulares no seio da generalidade (a Afinal, como ele bem mostra, há um
mulher, os idosos, o deficiente, a crian- Bobbio jurista, um Bobbio político, um
ça, os homossexuais). Bobbio teórico do direito e da política,
A dicotomia libertas/potestas atraves- um Bobbio internacionalista, um Bob-
sa a reflexão de Bobbio numa heurística bio filósofo, um jovem Bobbio e um
penosa a percorrer labirintos ardilosos: velho Bobbio. Na heurística dicotômica
a prevalência dos interesses, público/ dos vários Bobbio, Celso Lafer resiste à
privado, a armadilha da hegemonia in- “fúria dos extremos e aos riscos de seus
dividual/social, o papel da tecnologia desdobramentos”. Nos vários Bobbio
hodierna intimidade/transparência. Daí encontra, na serenidade intelectual, “a
a convergência buscada na hegemonia tarefa da inteligência humana de tirar o
das regras do jogo, o que significa uma valor das coisas da obscuridade para a
democracia de tolerantes, própria dos sá- luz”, como diz a epígrafe de San Tiago
bios e dos serenos, numa democracia de Dantes que usa em seu livro. E aí encon-

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LAFER, C. Norberto Bobbio: trajetória
e obra. São Paulo: Perspectiva, 2013.

tra também uma convergência consigo


mesmo.

Referências
BOBBIO, N. Giusnaturalismo e positivis-
mo giuridico. 2.ed. Milano: Ed. di Comu-
nità, 1972. p.44.
GUASTINI, R. La Teoria Generale del
Diritto. In: Norberto Bobbio, tra diritto
e politica. A cura di Pietro Rossi. Roma;
Bari: Laterza, 2005. p.51-79.
MIGUEL, A. R. Estudio Preliminar: Bo-
bbio y el positivismo juridico italiano. In:
BOBBIO, N. Contribución a la Teoria del
Derecho. Ed. Alfonso Ruiz Miguel. Valen-
cia: Ed. Fernando Torres, 1980. p.16.

Tercio Sampaio Ferraz Junior é professor


titular aposentado da Faculdade de Di-
reito da USP.
@ – tercio@sampaioferraz.com.br
I
Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo/SP, Brazil.

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