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2018/2
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2- A segunda característica: a passagem de uma certa busca identitária, do tipo de raiz única,
pivotante, para uma abertura ao que se pode chamar de enraizamento dinâmico ou relacional,
ou seja, de uma procura das origens, que não negligenciará os rastros deixados pela palavra
materna, uma identidade que quer se construir no respeito à alteridade e no reconhecimento
da extraordinária diversidade da nação brasileira.
Em resumo:
Afirmação da identidade feminina e negra, através do resgate dos valores de suas linhagens,
ou seja, tentando recuperar as vozes e os saberes de suas mães, avós, bisavós e tataravós,
mergulhando lá onde memória e mito se entrelaçam e a imaginação os redescobre.
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BERN, Zilá. “Apresentando a Antologia de poesia afro-brasileira: 150 anos de consciência negra no
Brasil”. R. Educ. Públ. Cuiabá, v. 21, n. 46, p. 261-274, maio/ago. 2012
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Enquanto personagem, a mulher afrodescendente integra o arquivo da literatura brasileira desde seus começos.
De Gregório de Matos Guerra a Jorge Amado e Guimarães Rosa, a personagem feminina oriunda da diáspora africana
no Brasil tem lugar garantido, em especial, no que toca à representação estereotipada que une sensualidade e
desrepressão. “Branca para casar, preta para trabalhar e a mulata para fornicar”: assim a doxa patriarcal herdada dos
tempos coloniais inscreve a figura da mulher presente no imaginário masculino brasileiro e a repassa à ficção e à
poesia de inúmeros autores. Expressa na condição de dito popular, a sentença ganha foros de veredicto e se recobre
daquela autoridade vinculada a um saber que parece provir diretamente da natureza das coisas e do mundo, nunca de
uma ordenação social e cultural traduzida em discurso.
Nessa ordem, a condição de corpo disponível vai marcar a figuração literária da mulata: animal erótico por
excelência, desprovida de razão ou sensibilidade mais acuradas, confinada ao império dos sentidos e às artimanhas e
trejeitos da sedução. Via de regra desgarrada da família, sem pai nem mãe, e destinada ao prazer isento de
compromissos, a mulata construída pela literatura brasileira tem sua configuração marcada pelo signo da mulier
fornicaria da tradição europeia, ser noturno e carnal, avatar da meretriz. Chama a atenção, em especial, o fato dessa
representação, tão centrada no corpo de pele escura esculpido em cada detalhe para o prazer carnal, deixar visível em
muitas de suas edições um sutil aleijão biológico: a infertilidade que, de modo sub-reptício, implica em abalar a
própria ideia de afrodescendência.
(...)
E o modelo se repete em inúmeras personagens de narrativas do século XX. Basta lembrar as mulatas assanhadas
de Jorge Amado, exaltadas, todavia, mais como sujeitos desejantes do que como objetos do desejo masculino.
Destaco dentre elas, Gabriela, Tereza Batista, Tieta do Agreste. Poderia citar ainda, Glória, Ana Mercedes e tantas
mais, dentre amantes lascivas, prostitutas ou mulheres em busca de realização amorosa e pessoal. De uma forma ou
de outra, carregam consigo os traços do estereótipo. A afrodescendência marca sua constituição enquanto
personagens, mas, também, seu caráter de figuras híbridas, nem brancas, nem negras. A apropriação de algumas
dessas personagens pela indústria cultural, seja no cinema, televisão, quadrinhos ou outras inserções midiáticas, se dá
no sentido de reforço da ideia do erotismo desfrutável. Nessa linha, a versão cinematográfica de Gabriela, cravo e
canela coloca a personagem no alto de um telhado, em trajes sensuais, com o propósito de “salvar” um gato que ali se
alojara. A cena não existe no romance e foi inserida no filme por razões puramente mercadológicas, voltadas para a
exibição do corpo de Sônia Braga.
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DUARTE, Eduardo de Assis. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 17-A
(dez. 2009) - ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa
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Literatura afro- feminina brasileira do século XXI: corpo, voz, poesia e resistência:
Amanda Crispim Ferreira e Luiz Carlos Ferreira de Melo Migliozzi 3
Pensar a escrita afro-feminina é pensar um movimento, em um ato de resistência. Acredita-se que teve seu
início em 1859, com a publicação do romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. Digo acredita-se, porque
não se pode negar que, provavelmente, outras mulheres negras escreveram antes de Firmina, mas não temos
notícia, visto que no século XIX, era, praticamente, impossível uma mulher poder escrever em um jornal ou
publicar um livro. Um exemplo claro dessa situação, é o próprio Úrsula, que foi lançado sob o pseudônimo de
“uma maranhense”. O romance aborda não só a questão feminina, mas também a negra, por fazer a forte
crítica ao patriarcado e também uma denúncia do tráfico negreiro. Assim, tal obra é um marco, que se
empenhou em “destronar a autoridade do falo-etno-euro-centrismo” (ZOLIN, 2009, p.329).
Úrsula inaugurou a presença da mulher negra na Literatura Brasileira/ afro-brasileira enquanto sujeito de sua
história, porém, enquanto objeto, ou seja, personagem, esta já visitava os espaços literários brasileiros desde o
Barroco, com Gregório de Matos. Neste momento, a representação da mulher, ou melhor, da mulher negra,
pelas lentes do poeta brasileiro, apresentava uma visão estereotipada (dócil, destituído de vontade, de voz e
como objeto manipulável) e zoomorfizada (bicho fera, besta domesticado), nunca humanizada.
Assim como Gregório de Matos, outros nomes da Literatura canônica brasileira reforçaram essa visão, como
José de Alencar, com suas “morenas ardentes” e “escravas dóceis e manipuláveis”, Aluísio de Azevedo, com
suas Ritas Bahianas e Bertolezas, Jorge Amado, com suas Gabrielas, Terezas Batistas, Tietas do Agreste, e
tantas outras mulatas assanhadas, objetos sexuais de homens brancos, escravas boas, negras estéreis ou como
disse Eduardo de Assis Duarte (2010) “mulheres marcadas” de nossa Literatura. As estereotipias culminam
com a publicação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre em 1933, em que o autor reforça a ideia,
talvez inconscientemente, da mulata boa de cama, e apresenta-nos o mito da “democracia racial”, alegando
que a miscigenação em nosso país ocorreu de forma amigável entre negras e portugueses, com relações
consentidas por ambas as partes e não por meio da violência do estupro. Sobre a influência da obra de Freyre
na composição de tal mito e na realidade atual da mulher negra brasileira, citamos Nascimento (2006 ):
Assim, configurava-se e ainda configura o retrato da mulher negra em nossa Literatura. O objetivo da
literatura afro - feminina, portanto, é romper com todos esses estereótipos e propor novas histórias, novos
olhares, por meio de novas vozes.
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Disponível em: http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491524538.pdf
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Sueli Carneiro, negra brasileira, também aborda essa questão em seu artigo “Enegrecer
o feminismo: a situação da mulher negra na América latina a partir de uma perspectiva
de gênero” (S/D), e ao refletir sobre a militância da mulher negra, propõe um feminismo
negro, pois percebe que a resistência da mulher negra se difere da mulher branca:
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Disponível em: http://www.unicap.br/neabi/?page_id=137
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Mas digo sempre: creio que a gênese de minha escrita está no acúmulo de tudo que ouvi desde a
infância. O acúmulo das palavras, das histórias que habitavam nossa casa e adjacências. Dos fatos
contados a meia-voz, dos relatos da noite, segredos, histórias que as crianças não podiam ouvir. Eu
fechava os olhos fingindo dormir e acordava todos os meus sentidos. O meu corpo por inteiro recebia
palavras, sons, murmúrios, vozes entrecortadas de gozo ou dor dependendo do enredo das histórias. De
olhos cerrados eu construía as faces de minhas personagens reais e falantes. Era um jogo de escrever no
escuro. No corpo da noite. Na origem da minha escrita ouço os gritos, os chamados das vizinhas
debruçadas sobre as janelas, ou nos vãos das portas contando em voz alta uma para outras as suas
mazelas, assim como as suas alegrias. Como ouvi conversas de mulheres! Falar e ouvir, entre nós, era
talvez a única defesa, o único remédio que possuíamos. Venho de uma família em que as mulheres,
mesmo não estando totalmente livres de uma dominação machista, primeiro a dos patrões, depois a dos
homens seus familiares, raramente se permitiam fragilizar. Como “cabeça” da família, elas construíam
um mundo próprio, muitas vezes distantes e independentes de seus homens e mormente para apoiá-los
depois. Talvez por isso tantas personagens femininas em meus poemas e em minhas narrativas? Pergunto
sobre isto, não afirmo.
(...)
Talvez, estas mulheres (como eu) tenham percebido que se o ato de ler oferece a apreensão do mundo, o
de escrever ultrapassa os limites de uma percepção da vida. Escrever pressupõe um dinamismo próprio
do sujeito da escrita, proporcionando-lhe a sua auto inscrição no interior do mundo. E, em se tratando de
um ato empreendido por mulheres negras, que historicamente transitam por espaços culturais
diferenciados dos lugares ocupados pela cultura das elites, escrever adquire um sentido de
insubordinação. Insubordinação que pode se evidenciar, muitas vezes, desde uma escrita que fere “as
normas cultas” da língua, caso exemplar o de Carolina Maria de Jesus, como também pela escolha da
matéria narrada.
A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para “ninar os da casa grande” e sim para
incomodá-los em seus sonos injustos.
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Disponível em: http://nossaescrevivencia.blogspot.com/2012/08/da-grafia-desenho-de-minha-mae-um-
dos.html
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Sendo as mulheres negras invibilizadas, não só pelas páginas da história oficial brasileira,
mas também pela literatura, e quando se tornam objetos da segunda, na maioria das vezes,
surgem ficcionalizadas a partir de estereótipos vários, para as escritoras negras cabem vários
cuidados. Assenhoreando-se “da pena”, objeto representativo do poder falo-cêntrico branco,
as escritoras negras buscam inscrever no corpus literário brasileiro imagens de uma auto-
representação. Surge a fala de um corpo que não é apenas descrito, mas antes de tudo vivido.
A escre (vivência) das mulheres negras explicita as aventuras e as desventuras de quem
conhece uma dupla condição, que a sociedade teima em querer inferiorizada, mulher e
negra. Na escrita busca-se afirmar a duas faces da moeda num um único movimento, pois o
racismo como lucidamente observa Sueli Carneiro, (op.cit. 51) “determina a própria
hierarquia de gênero” em sociedades como as latino-americanas, multirraciais, pluriculturais
e racistas. Para pensar também racismo vinculado a outros modos de opressão, busco as
conclusões de Luiza Bairros (2000), quando a estudiosa afro-brasileira lendo as feministas
afro-americanas discorre sobre a teoria feminist standpoint (ponto de vista feminino)
defendida pelas feministas negras americanas.
(...)
Retomando a reflexão sobre o fazer literário das mulheres negras, pode-se dizer que os
textos femininos negros, para além de um sentido estético, buscam semantizar um outro
movimento, aquele que abriga toda as suas lutas. Toma-se o lugar da escrita, como direito,
assim como se toma o lugar da vida.
Nesse sentido alguns textos tornam-se exemplares, como os de: Geni Guimarães, Esmeralda
Ribeiro, Miriam Alves, Lia Vieira, Celinha, Roseli Nascimento, Ana Cruz, Mãe Beata de
Iemanjá, dentre outras. Não se pode esquecer, jamais, o movimento executado pelas mãos
catadoras de papel, as de Carolina Maria de Jesus, que audaciosamente reciclando a miséria
de seu cotidiano, inventaram para si um desconcertante papel de escritora, que para muitos
veio macular uma pretensa e desejosa assepsia da literatura brasileira.
Essas escritoras buscam na história mal-contada pelas linhas oficiais, na literatura
mutiladora da cultura e de dos corpos negros, assim como em outros discursos sociais
elementos para comporem as suas escritas. Debruçam-se sobre as tradições afro-brasileiras,
relembram e bem relembram as histórias de dispersão que os mares contam, se postam
atentas diante da miséria e da riqueza que o cotidiano oferece, assim como escrevem às suas
dores e alegrias íntimas.
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Disponível em: http://nossaescrevivencia.blogspot.com/search/label/proseando
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ESCRITORAS AFRO-BRASILEIRAS
MARIA FIRMINA DOS REIS Maria Firmina dos Reis, que, em seu romance Úrsula, de
1859, faz surgir pela primeira vez em nossas letras a voz da
escrava e, junto com ela, o suplício do navio negreiro e a
memória do mundo de liberdade deixado do outro lado do
oceano. Através da personagem Mãe Suzana, a autora
inaugura não um novo paradigma, mas um modo
diferenciado da representação até então existente. Nele, a
autoria feminina e afro-identificada substitui o
protagonismo da mulata pelo da negra. Mãe Suzana é
negra e explica ao jovem escravo alforriado o verdadeiro
sentido da liberdade. Fala de sua vida em África, da
família, e da filha que teve de deixar para trás, enjaulada
que foi como “mercadoria humana” pelos traficantes
insensíveis aos seus apelos de mãe: “foi embalde que
supliquei em nome de minha filha que me restituíssem a
liberdade: os bárbaros sorriam-se de minhas lágrimas e
olhavam-me sem compaixão” (Reis 2004: 116, grifo
nosso). E, como ela, outra mãe, a fugitiva Joana, do conto
“A escrava”, de 1887, enlouquecida depois de ver os filhos
menores serem vendidos pelo senhor. A obra de Firmina dá
início à desconstrução do estereótipo, substituindo o apelo
carnal da mulata pelo drama da escrava impedida de criar
seus filhos.
Com os ensaios:
Em Quarto de despejo, narra suas experiências como mulher negra, pobre, catadora de
lixo e moradora da favela do Canindé, onde hoje fica o campo da Portuguesa de
Desportos de São Paulo.
Apesar de subjugada pela sua condição de moradora da favela, por ser mãe solteira de
três filhos e pelo pouco tempo de estudo que lhe foi permitido, seu diário é carregado de
reflexões sobre a mulher, política e também sobre a vida daqueles que viviam uma
situação parecida com a sua.
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Ver biografia, ensaios e textos em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo e
no blog da escritora: http://nossaescrevivencia.blogspot.com/
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2. Vozes-mulheres
Conceição Evaristo
3. Todas as manhãs
Todas as manhãs acoito sonhos
E acalento entre a unha e a carne
uma agudíssima dor.
Todas as manhãs tenho os punhos
Sangrando dormentes
Tal é minha lida
Cavando, cavando torrões de terra,
Até lá, onde os homens enterram
4. Meu rosário
Meu rosário é feito de contas negras e mágicas.
Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo
padres-nossos e ave-marias.
Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques
do meu povo
e encontro na memória mal adormecida
As rezas dos meses de maio de minha infância.
As coroações da Senhora, em que as meninas negras,
apesar do desejo de coroar a Rainha,
tinham de se contentar em ficar ao pé do altar
lançando flores.
As contas do meu rosário fizeram calos
em minhas mãos,
pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,
nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo.
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6. RECORDAR É PRECISO
O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento vaivém nas águas-lembranças
Dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto.
Sou eternamente náufraga,
mas os fundos oceanos não me amedrontam
e nem me imobilizam.
Uma paixão profunda é a boia que me emerge.
Sei que o mistério subsiste além das águas.
7. Favela
Barracos montam sentinela
na noite
Balas de sangue
derretem corpos
no ar
Becos bêbados
sinuosos labirínticos
velam o tempo escasso
de viver
8. Da menina, a pipa
Da menina a pipa
e a bola da vez
e quando a sua íntima
pele, macia seda, brincava
no céu descoberto da rua,
um barbante áspero,
másculo cerol, cruel
rompeu a tênue linha
da pipa-borboleta da menina.
E quando o papel
seda esgarçada
da menina
estilhaçou-se entre
as pedras da calçada
a menina rolou
entre a dor
e o abandono.
9. Filhos na rua
O banzo renasce em mim.
Do negror de meus oceanos
a dor submerge revisitada
esfolando-me a pele
que se alevanta em sóis
e luas marcantes de um
tempo que aqui está.
8
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/443-ana-maria-goncalves
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Jornalista, nascida em São Paulo em 1958, Esmeralda Ribeiro faz
parte da Geração Quilombhoje, que atua nos movimentos de
Esmeralda Ribeiro9 combate ao racismo e na construção de uma ‘Literatura Negra’, a
partir do resgate da memória e das tradições africanas e afro-
brasileiras.
Sálùbá
Nanã Buruku
Divindade do povo Ashantí
embala com dignidade
àqueles de tez escura
jogados em qualquer vala dura
na lua sua banhe com altivez os corpos
daqueles sem rosto na multidão.
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http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/244-esmeralda-ribeiro
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http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/186-cidinha-da-silva
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Miriam Alves
Mahin amanhã
Cristiane Sobral11
Cristiane Sobral é carioca e mora em Brasília desde a década de 90.
Escritora, poeta, atriz, diretora e professora de teatro. Ganhadora em
2017, do Prêmio FAC-Secult-DF de Culturas Afro-Brasileiras. Imortal
cadeira 34 (Academia de Letras do Brasil). Mestre em Artes (UnB),
Especialista em Docência Superior pela Universidade Gama Filho, RJ.
Licenciada em Educação Artística; Bacharel em Interpretação Teatral
(Universidade de Brasília). Professora da SEDF — Atuando como
Coordenadora Intermediária na Regional de Ensino do Núcleo
Bandeirante — DF. Diretora de literatura afro-brasileira no Sindicato dos
Escritores. Começou a publicar em prosa e poesia em 2000 na antologia
Cadernos Negros. Suas obras poéticas e ficcionais são O tapete voador
(2016), Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção, Não vou mais
lavar os pratos, e Só por hoje vou deixar meu cabelo em paz. Você pode
ver o trabalho de Cristiane em seu blog e na página do Facebook.
Cristiane foi uma das poetas indicadas por Jarid Arraes em nossa lista
Poetas Negras da Literatura Brasileira.
Estes poemas, originalmente do livro “Só por hoje vou deixar o meu
cabelo em paz”, foram publicados na iniciativa Mulheres que
escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que
visa debater não só questões da escrita, como visibilidade, abrir novos
diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os
dilemas de sermos escritoras.
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https://cristianesobral.blogspot.com/ http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/203-cristiane-sobral
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Retina Negra
Sou preta fujona
Recuso diariamente o espelho
Que tenta me massacrar por dentro
Que tenta me iludir com mentiras brancas
Black Friday
Alguns homens sonham com meu corpo
Entre os seus lençóis
Eles desejam desesperadamente
Consumir meu sexo
Mas não suportariam meu banzo
Meu clamor
Não aguentariam vestir a minha pele negra
Nem por um segundo
Black Friday
Meu corpo nunca estará em liquidação!
Para vocês jamais venderei barato
O que sempre custará o dobro.
Tente me amar
Tente me amar
Enquanto a chuva não vem
Depois que o leite derramar
Ame como nunca amou ninguém
Tente me amar
Sem pensar em voltar
No balanço do trem
Esperando a hora certa
De fazer um neném
Tente me amar
Sem desculpas pra me deixar
De anel no dedo
Ame completamente sem medo
Tente me amar
Sem me confundir com ninguém
Enquanto seu lobo não vem
Tente me amar
E consiga.
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Jarid Arraes
Reflexo
preta,
essa tua pele
cinco tons
mais marrom
que a minha
atiça o toque
das minhas mãos
e dos meus beijos
a saliva
.
te olho derramada
escorrendo
em contraste
no lençol
absorvida
e quero cada poro
induzindo melanina
desmedida
preta,
você tem a textura
qua arrepia
meus pelos
tem o toque
que desperta
meus peitos
e meus olhos
transbordam
um tesão
que é espelho.