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A abordagem do relevo pela geografia... TERRÆ DIDATICA 5(1):27-41, 2009
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TERRÆ DIDATICA 5(1):27-41, 2009 W. Z. Bertolini, R. C. Valadão
1 Os seguintes títulos se referem às coleções aprovadas pelo PNLD 2005 e analisadas neste trabalho.
ADAS, Melhem. Geografia. 4ª ed. São Paulo, Editora Moderna, 2002.
ARAUJO, Regina; GUIMARÃES, Raul Borges; RIBEIRO, Wagner Costa. Construindo a Geografia. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.
BOLIGIAN, Levon; MARTINEZ, Rogério; ALVES, Andressa; GARCIA, Wanessa. Geografia Espaço e Vivência. São Paulo: Atual Editora, 2001.
BRANCO, Anselmo L; LUCCI, Elian Alabi. Geografia Homem & Espaço. 17ª ed – São Paulo: Saraiva, 2002.
CASTELLAR, Sônia; MAESTRO, Valter. Geografia. 2ª ed. São Paulo: Quinteto Editorial, 2002.
GARCIA, Helio Carlos; GARAVELLO, Tito Marcio. Geografia. São Paulo, Editora Scipione, 2002.
MOREIRA, Igor. Construindo o Espaço. São Paulo, Editora Ática, 2002.
PEREIRA, Diamantino A.C.; SANTOS, Douglas; CARVALHO, Marcos B. de. Geografia: Ciência do Espaço. São Paulo, Atual Editora/Editora Saraiva, 1998.
ROCKENBACH, Denise; MARQUETI, Elza; ALVES, Gloria; CUSTÓDIO, Vanderli. Série Link do Espaço. 1ª ed – São Paulo: Editora Moderna, 2002.
SENE, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Trilhas da Geografia. São Paulo, Editora Scipione, 2002.
VESENTINI, José W. e VLACH, Vânia. Geografia Crítica. São Paulo: Ed.Ática, 2001
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A abordagem do relevo pela geografia... TERRÆ DIDATICA 5(1):27-41, 2009
amostra para o estudo da abordagem do relevo nos O significado do relevo nos estudos geográficos
livros didáticos de geografia do ensino fundamental.
Totalizando 11 coleções, a análise do conteúdo didá- O conhecimento dos lugares, das regiões e do
tico referente ao relevo nos volumes dessas coleções mundo sempre foi motivo para o homem se deslo-
foi balizada pelos seguintes critérios2: (i) Temas car pela superfície do planeta em busca de terrenos
abordados. Através deste item pretende-se deixar propícios à sua sobrevivência. Ao longo de toda a
claro quais tópicos específicos são utilizados para as história da humanidade, pelas suas andanças, os
explicações relativas ao relevo. Exemplos: agentes homens sempre se depararam com as formas da su-
internos e externos, planaltos, planícies e depres- perfície terrestre. Constituindo barreiras ou passa-
sões, erosão, ação dos rios, vertente, interferência gens livres, as formas do relevo ajudaram e ajudam
humana, dentre outros; (ii) Clareza, consistência/ a formar um pouco da ideia e da imagem sobre o
concisão. Trata-se da boa colocação das palavras no que vem a ser a natureza, associada a certas carac-
texto de modo a facilitar o entendimento em nível terísticas do espaço físico. Moreira (1993), citado
de ensino ao qual se destina o livro. Entende-se pela por Camargo (2000, p.149), afirma que “vemos a
questão da consistência/concisão a boa associação natureza vendo coisas: o relevo, as rochas, [...], a
entre as idéias do texto e a simplicidade da lingua- vegetação, e os rios etc”.
gem, obedecendo-se a uma estrutura que facilite a É demasiadamente difícil conceituar e esclare-
assimilação por parte dos alunos; (iii) Concepção cer o que é a natureza, visto que envolvidos interna
geomorfológica adotada: relevo integrado às re- e externamente por ela nossas ideias a seu respeito
lações sociais ou dissociado delas; (iv) Fidelidade ainda transbordam das externalizações advindas da
conceitual. Adequação dos conceitos presentes revolução mecanicista dos séculos XVII e XVIII.
nos livros didáticos aos conceitos científicos atuais; Nossa visão da natureza ainda é profundamente
(v) Contextualização entre diferentes linguagens baseada na separação entre objeto e sujeito, caracte-
didáticas – fotografias, blocos-diagramas, mapas, rística básica do racionalismo que consubstancia na
esquemas, perfis topográficos – e o texto didático. prática a sólida ideia do homem como um ser acima
Nesse quesito observou-se se essas linguagens aju- do meio natural. Nossa visão de natureza se baseia
dam a complementar e enriquecer as informações na visão mecanicista associada aos nomes de Copér-
e explicações do texto didático ou não. nico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton (Capra
Tradicionalmente, o conteúdo geomorfológico 1996). Encarada como a engrenagem do relógio
abordado no ensino fundamental é tratado na 5ª cósmico, à natureza foi deferida a tarefa científica de
série, quando os conceitos fundamentais referen- esmiuçar todas as suas peças a fim de compreender
tes às dinâmicas naturais do planeta são colocados o funcionamento dessa grande máquina. Contudo,
aos alunos. Entretanto, dando-se conta de que em a antiga crença da natureza como um ser vivo, per-
algumas coleções didáticas o conteúdo relevo não sonalizado e misterioso persistiu, por trás das ideias
se concentra exclusivamente no volume da 5ª série, dominantes durante a Idade Média, a Renascença e
achou-se por bem alargar um pouco o horizonte de o Iluminismo (Sathouris apud Cidade 2001, p.109).
análise, contemplando também de que maneira o A discussão sugere que o convívio entre a visão de
conteúdo relevo está presente em outros volumes uma natureza racional e mecânica e uma natureza
de algumas coleções. Dessa maneira, as análises, orgânica persistia, embora com predominância da
apesar de deterem-se mais pormenorizadamente primeira (Cidade 2001, p.109).
nos capítulos destinados exclusivamente ao relevo Ainda que possa conduzir a um conhecimento
– a maioria destes presentes nos livros da 5ª série –, parcial, acreditamos que pensar a natureza a partir
não deixam de mencionar como o relevo aparece dos seus atributos, da sua manifestada diversidade
nos outros volumes de cada coleção, quando isso e da maneira como refletimos a seu respeito ajuda
ocorre. a unir o que durante muito tempo esteve separado
pelo racionalismo desintegrador. Começa-se a que-
2 Critérios semelhantes foram utilizados em trabalho de Cyriaco, Milani e rer ir além do reconhecimento de que não se pode
Nunes (2002), intitulado Análise dos conteúdos geomorfológicos dos livros
didáticos da 5ª série do ensino fundamental. Nessa pesquisa os critérios
separar o homem da natureza. De que não se pode
de análise são assim denominados: conteúdos abordados, concepção de conceber o homem como uma figura estranha, pois
geomorfologia, consistência, lacunas na construção dos conceitos, clareza brotou do próprio material da natureza, em cujas
e adequação em nível de ensino. oficinas ele foi moldado (Lewis 1968, p.77).
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Novas formas de relacionamento entre ho- fenômenos a ele relacionados em toda a biosfera e
mem e natureza, e, por conseguinte, entre socie- ficam a cargo da geomorfologia.
dade e natureza, vêm sendo gestadas no seio de um
apelo por uma nova postura de cada ser humano A importância da geomorfologia nos estudos da biosfera
frente a si mesmo, à sociedade e ao planeta. Trata- pode ser aquilatada em relação às pesquisas ecológicas
se da emergência de uma visão ecológica alicerçada (fauna e flora) e do Homem. (...). Por exemplo, as
compartimentações do relevo podem explicar os padrões
na experiência profunda, ecológica ou espiritual,
de distribuição biogeográficas atuais e pretéritas da
de que a natureza e o eu são um só (Capra 1996,
fauna e da flora (Suguio 2000, p.85).
p.28-29).
A construção de uma nova mentalidade hu-
mana frente à natureza e ao destino cósmico ao Sob o viés geomorfológico, no Brasil, o relevo
qual toda a humanidade está submetida deman- insere-se no contexto das geociências de diferen-
da o conhecimento e a comunhão de diferentes tes maneiras: aplicações geomorfológicas ao uso e
saberes, científicos ou não. É preciso conhecer controle da erosão dos solos, compartimentações
para entender. O conhecimento ajuda a edificar do relevo para definição de áreas de proteção am-
as virtudes necessárias a uma nova mentalidade biental, mapeamento geomorfológico, ensino. De-
humana, desde que cada pessoa, ajudada por esse bruçando-se sobre esse último aspecto encontra-se
conhecimento, encontre sentido em sua realidade o interesse deste trabalho, o qual aborda o relevo
cotidiana e nos propósitos de sua vida. frente às preocupações da geografia enquanto dis-
O estudo do relevo é parte do conhecimento ciplina escolar, com o objetivo de compreender o
da natureza e da própria história da jornada hu- espaço dos homens que também é espaço físico.
mana pela Terra. Estudar o relevo significa falar A geomorfologia é uma ramificação das geoci-
das características naturais e físicas do espaço e ências que se preocupa com o estudo das formas do
de como essas características estão relacionadas relevo da superfície do planeta, sejam elas terrestres
à vida do homem. Mais que isso, a compreensão ou submarinas. Ela investiga a geometria, a gêne-
do relevo esbarra, do ponto de vista ideológico, se, a idade e a dinâmica das formas da superfície
tanto na apropriação da natureza pelos valores de terrestre. De acordo com Guerra e Guerra (2001),
mercado quanto na postura política da sociedade a geomorfologia:
frente à natureza. Os relevos constituem os pisos
sobre os quais se fixam as populações humanas e (...) é a ciência que estuda as formas de relevo, tendo
são desenvolvidas suas atividades, derivando daí em vista a origem, a estrutura, a natureza das rochas,
valores econômicos e sociais que lhes são atribuí- o clima da região e as diferentes forças endógenas e
exógenas que, de modo geral, entram como fatores
dos (Marques 1994, p.25).
construtores e destruidores do relevo terrestre (Guerra
É antiga a apropriação do conhecimento das
e Guerra 2001, p.203).
formas da superfície terrestre para ajudar os ho-
mens na sua sobrevivência. Sun Tzu faz referên-
cia, há mais de 2500 anos, em seu escrito A arte da Vê-se que a geomorfologia mantém relações
guerra, a como o relevo pode ajudar os soldados estreitas com outros saberes científicos; não só com
a se locomoverem a fim de derrotar o inimigo e a geologia e com a geografia, cujas perspectivas fun-
conquistar territórios. Sun Tzu, reconhecendo damentam sua sistematização, mas também com a
diferentes tipos de terrenos, tendo em vista princi- pedologia, botânica, climatologia, cujos objetos de
palmente o relevo, transforma esse conhecimento estudo interferem no dinamismo e na evolução do
em estratégia de guerra. Segundo ele, a formação relevo. É difícil precisar os limites entre os diferen-
natural da região é o melhor aliado do soldado tes campos de conhecimento das ciências naturais
(Tzu 1997, p.72). Nos terrenos colinosos e em porque os mecanismos dinâmicos que movimen-
suas margens, Tzu (1997) sugere ocupar o lado tam a natureza – e também o relevo – são resul-
ensolarado, às suas costas pois assim os soldados tantes da sobreposição e das inter-relações entre
obterão vantagens aproveitando-se das caracterís- atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera. No caso
ticas naturais do terreno. da geografia, qualquer tentativa de delimitá-la por
Contemporaneamente, as preocupações em um determinado conjunto de conhecimentos con-
torno do relevo se referem ao caráter científico dos siderados auto-suficientes torna-se insustentável e
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empobrecedora, uma vez que reside no constante dimento do relevo: o de que foge aos nossos olhos
diálogo e na comunhão com outras ciências e sa- uma visão completa de algumas formas do relevo,
beres a riqueza da análise geográfica. Análise essa principalmente aquelas de maiores amplitudes. So-
que durante muito tempo cindiu e esqueceu de bre este assunto Ab’Saber (1975, p.9) alerta que:
unir, e, hoje, pede o reconhecimento e a conexão
dos distintos elementos que compõem o mundo O observador mais prevenido, que se esforça para
natural e o mundo humano, facetas de uma mes- entender um pouco melhor as formas de relevo que o
ma e grande complexidade. A geomorfologia, no envolvem, tem que saber de antemão que está vendo
apenas minúsculas partes de um todo, ou mesmo
âmbito dos estudos geográficos, reflete muito bem
elementos ou componentes quase isolados de alguns
a interpenetração de fatores naturais e humanos no
conjuntos. Por esta razão, temos que entender desde o
condicionamento que as formas e os processos do início, em nosso treinamento, que existem ordens de
relevo criam para a ocorrência de outros fenômenos grandeza diferentes no relevo terrestre.
e processos (Coltrinari 1999). Tradicionalmente
ligada às denominações do relevo, a geomorfologia
atual abre seu leque de opções e abarca distintas Existem, portanto, variadas formas e diferentes
maneiras de relacionar formas e processos com o tamanhos do relevo na contínua e imensa superfície
meio ambiente. Conforme aponta Marques (1994, terrestre e “os diferentes tamanhos de formas es-
p.24-25), tão diretamente associados à cronologia e à gênese
(Ross 1992, p.21)”.
A evolução do conhecimento humano na direção da O professor Jurandyr Ross (1992) propôs meto-
Geomorfologia, entretanto, não se restringiu apenas dologia de classificação do relevo em seis táxons ou
a procurar reconhecer tipos de relevo e os processos a escalas de amplitude, tendo em vista as influências
eles relacionados. Tem procurado ir sempre mais além,
das forças endógenas e exógenas na esculturação
buscando encontrar respostas para muitas questões que
da superfície terrestre. Desde as maiores – morfo-
pudessem explicar, por exemplo, como os processos se
articulam entre si; como evoluem os grandes conjuntos estruturas – relacionadas aos processos geológicos
de relevo; qual o significado do relevo no contexto am- da litosfera, até as menores – ravinas, cicatrizes de
biental; como interferir ou controlar o funcionamento deslizamentos, etc – relacionadas às vezes com a
dos processos geomorfológicos; como conviver com os atuação humana sobre o meio ambiente, é inte-
processos catastróficos; como projetar (no espaço e no ressante ressaltar que uma forma classificada em
tempo) o comportamento dos processos e as formas de um determinado táxon pode, após um tempo, ser
relevo resultantes. reclassificada em outro. Isso evidencia claramente
a dinâmica do relevo segundo a escala do tempo
Da mesma forma que as preocupações espaciais geológico ou segundo a escala do tempo humano.
não mais se limitam às descrições do quadro físico, Essas perspectivas escalares variam de acordo com
mas revelam os arranjos nele levados a cabo pelos a preponderância dos diferentes fatores de escul-
homens (Carvalho 1986, p.46), o significado do turação do relevo. Considerando a escala geológica
relevo encontra-se além da simples altimetria ou do tempo sabe-se que antigas áreas rebaixadas de
diferença de nível topográfico. Essa noção equivo- bacias converteram-se, mais recentemente, em
cada foi muito difundida pelos livros didáticos há planaltos e serras. Da mesma forma, entretanto por
algumas décadas, quando o relevo era observado outras causas, uma vertente pode dar lugar a uma
simplesmente como elemento de demarcação das voçoroca em uma escala de tempo humana. Como
fronteiras de um país (Casseti 1994). já indicado, a permanência das feições do relevo
depende do jogo de forças que se estabelece a partir
da atuação dos mecanismos endógenos e exógenos
As escalas espacial e temporal na abordagem dentro de uma escala de tempo que é geológico e
do relevo também histórico/humano.
Reconhecer que, a despeito da “forte antropi-
As dimensões das diferentes formas do relevo, zação que marca a maior parte das terras emersas
principalmente aquelas de maior amplitude como (...), existem feições fundamentais do relevo de
os planaltos, planícies e depressões, nos chamam a permanência relativa” na superfície da Terra, pelo
atenção para um ponto imprescindível no enten- menos em termos da escala de tempo histórica
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(Ab’Saber 1975, p.7), leva-nos a entender um pou- Dentro das perspectivas do estudo das formas
co mais sobre as formas topográficas da superfície do relevo o fator tempo não pode ser esquecido, de-
terrestre e a relacionar formas e estruturas à gênese vendo-se lembrar que a escala de tempo – geológico
do relevo. e histórico/humano – implica diferentes percepções
Contudo, relacionar determinado tipo de rele- e formas do relevo. Segundo Kohler (2001, p.32),
vo ou conjunto típico de formas a uma determinada um relevo, na maioria das vezes, foi elaborado por
estrutura geológica é um exercício perigoso para processos policíclicos, modelado por diferentes
não dizer uma simplificação errônea. Visto que processos em diferentes escalas temporais.
conjuntos semelhantes do relevo aparecem em No que se refere ao entendimento do relevo
unidades estruturais diferentes, o que se verifica no quadro ambiental contemporâneo, por mais que
é que não há um relevo típico para cada estrutura se recorde a escala do tempo geológico, imprescin-
geológica. Como nos lembra Ross (1992) a idade e a dível para se avançar na compreensão da comple-
gênese das formas é diferente da idade e gênese das xidade natural, é preciso reconhecer, guardadas as
estruturas. As primeiras são muito mais recentes do devidas restrições, a importância das forças sociais
que as segundas na escala do tempo geológico. na determinação do ritmo daquilo a que chamamos
Durante longo período, o tempo da história de natureza (Carvalho 1986).
natural esteve separado do tempo da história social. Claro deve estar, todavia, que o mais importante
As ciências sociais ficaram à margem das novas di- não é reconhecer ora a maior ou menor importância
mensões do tempo geológico quando a história da dos ritmos temporais dos processos naturais ou so-
Terra e dos seres vivos foi repensada no século XIX ciais em si mesmos, mas, que na complexidade atual
(Drummond 1991). Contudo, a geografia teve que do mundo e do planeta aparece uma integração de
lidar desde cedo com essas duas noções de tempo – o ritmos temporais diferentes entre sociedade e na-
geológico e o humano/cultural – sem poder se dar ao tureza sobre a qual se assenta um (des)equilíbrio
luxo, em suas análises, de desconhecer as centenas de pelo qual passa o destino da humanidade.
milhões de anos necessárias à conformação da topo-
grafia atual dos continentes ou os poucos milênios
capazes de contextualizar a história da humanidade Algumas noções aplicadas ao processo de
sobre a superfície terrestre. Ainda que possa privile- ensino-aprendizagem do relevo
giar a escala do tempo geológico ou a escala do tempo
humano/cultural de acordo com o objetivo de suas Enquanto o ensino de geografia foi visto sim-
análises, a geografia não pode prescindir de qualquer plesmente como meio de fazer conhecer aos alunos
uma destas concepções de tempo – ambas, por sinal, o que o país possuía em termos naturais e sociais,
de origem social – sob pena de não compreender a o relevo foi tratado pelos livros didáticos e pelos
produção histórica e seus reflexos no espaço. Por esta professores como algo estanque, desvinculado das
ideia vê-se que é impossível dissociar as categorias relações entre a sociedade e a natureza e da realidade
espaço e tempo da análise geográfica. Segundo Tole- dos discentes. A tradição positivista, tão presente
do (2005, p.42) citando os Parâmetros Curriculares nos meios de formação acadêmica e escolar, fez com
Nacionais do Ensino Médio (1999), que a compreensão do relevo nos estudos geográ-
ficos se restringisse à constatação da simples loca-
Ao situarmos a idade da Terra em aproximadamente lização dos “acidentes geográficos” de um país ou
4,5 bilhões de anos, podemos entender que a história das região. Tal fato, resquício de um modelo de ensino
sociedades humanas corresponde a uma pequena fração preocupado em infundir nos alunos o sentimento
de tempo da história do planeta. A compreensão da escala
patriótico por meio do conhecimento dos recur-
de tempo pode situar o papel do homem no processo de
sos naturais nacionais, deixou para trás a busca dos
transformação da natureza, assim como dimensionar,
para além do tempo presente, os limites e o poder das vínculos e das relações entre o meio ambiente e as
ações humanas [no espaço]. Dentre os aspectos impor- espacialidades engendradas pelas técnicas.
tantes decorrentes da abordagem dessas temporalidades, Atualmente, reclama-se por um ensino que seja
destaca-se a reciprocidade das transformações promovi- capaz de lidar com as partes e com o todo a fim de
das pela natureza sobre a vida dos homens e como estes levar à compreensão de uma realidade complexa
mudam os ritmos de tempo da natureza. em suas múltiplas dimensões. É nesse sentido que
se quer situar os conhecimentos geomorfológicos,
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contextualizando-os no seio das relações entre so- A construção de conceitos é uma habilidade funda-
ciedade e natureza e tornando-os menos abstratos mental para a vida cotidiana, uma vez que possibilita
aos alunos, de acordo com o objetivo de conhecer o à pessoa organizar a realidade, estabelecer classes de
funcionamento da natureza em suas múltiplas rela- objetos e trocar experiência com o outro. Segundo Coll,
ções, como proposto pelos Parâmetros Curriculares os conceitos “nos liberam da escravidão do particular.
Nacionais (Brasil 1998, p.35). Conhecer o funcio- Se não dispuséssemos de categorias e conceitos, qual-
quer objeto (...) seria uma realidade nova, diferente e
namento da natureza de modo integrador significa
imprevisível” (Cavalcanti 2003, p.139).
conhecer a nós mesmos em nossa multiplicidade,
é entender que estamos, simultaneamente, dentro
e fora da natureza (Morin 2001, p.48). Sobre os A mudança na relação do homem com o mun-
conhecimentos já estabelecidamente compartimen- do é um dos grandes desafios que toma forma neste
tados, como é o caso dos conhecimentos relativos início de século. Transposta para a relação entre
à natureza, Edgar Morin lembra que: homem e natureza, tal mudança requer a forma-
ção de cidadãos capazes de se posicionarem ética
Não se trata de abandonar o conhecimento das partes e responsavelmente frente às dificuldades locais e
pelo conhecimento das totalidades, nem da análise globais e com relação à vida.
pela síntese; é preciso conjugá-las. Existem desafios Os conceitos científicos ensinados pela
da complexidade com os quais os desenvolvimentos
geografia na escola estão repletos das representações
próprios da nossa era planetária nos confrontam ine-
sociais e das imagens trazidas pelos alunos das
lutavelmente (Morin 2001, p.46).
suas interações socioculturais e experiências
individuais. De acordo com Cavalcanti (2003,
É preciso congregar os diferentes saberes relati- p.33) a geografia trabalha com conceitos que
vos ao humano/social e à natureza de maneira mais fazem parte da vida cotidiana das pessoas e em
integradora de modo a contextualizá-los na com- geral elas possuem representações sobre tais
plexidade planetária da qual somos parte. Nesse conceitos. Por isso é importante ter em conta,
sentido, Toledo (2005, p.31) afirma que: ao se problematizar os conceitos referentes ao
relevo – e não só a isso –, que os alunos já trazem
(...) os tópicos geocientíficos têm tido um tratamento consigo certas associações destes conhecimentos
fragmentado e disperso, insuficiente para promover a com as ideias sobre a natureza e a paisagem. É
compreensão da Terra como um sistema complexo e importante que o professor e o texto didático, em
dinâmico, e para desenvolver a sensibilidade necessária
suas explicações, consigam se aproximar o máximo
para enfrentar os desafios impostos pela degradação
possível do contexto de vida e das ideias que os
ambiental.
alunos têm a respeito do relevo. Certamente essa
tarefa deve recair mais substantivamente sobre o
professor, visto que o livro didático não é feito sob
A construção de conceitos como meio de encomenda de acordo com as experiências pessoais
aprendizagem de cada aluno que o utiliza. Onde as palavras
parecem ter o seu significado geográfico esgotado,
A linguagem escrita é um importante mediador a linguagem oral tem a missão de contextualizar o
entre o aluno, a construção do conhecimento e o conceito à realidade do aluno e torná-lo inteligível
professor. É por meio dela, na maioria das vezes uti- ao mesmo.
lizada através do livro didático, que se dá a formação No que se refere ao ensino dos conceitos,
de conceitos e a desejada articulação destes com a
vida cotidiana por parte do aluno. A importância do a experiência tem mostrado a ineficácia de se ensinar
pensamento conceitual está diretamente ligada ao conceitos à criança ou ao jovem apenas transmitindo
processo de aprendizagem realizado pelo aluno atra- a eles o conceito definido no livro ou elaborado pelo
professor. A pesquisa corrente sugere que o professor
vés da sua capacidade de abstração e dos estímulos
deve propiciar condições para que o aluno possa for-
exteriores que lhe chegam por meio dos sentidos. O
mar, ele mesmo, um conceito. Por essa razão, é re-
desenvolvimento do pensamento conceitual permi- levante o investimento intelectual para compreender
te uma mudança na relação cognoscitiva do homem o processo de construção de conceitos (Cavalcanti
com o mundo (Cavalcanti 2003, p.27). 2003, p.26).
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Dessa forma, é importante ressaltar que o por exemplo, normalmente matérias de ensino
conceito deve ir ao encontro dos significados já vistas separadamente tanto em sala de aula quanto
construídos pelo aluno; não simplesmente para em livros didáticos. Por outro lado, quando se fica
lhe mostrar o que há de incongruente em seu ra- preso ao círculo de informações que o conceito
ciocínio, mas para efetivar o conceito como uma denota perde-se a possibilidade de ampliação do
explicação plausível e de assimilação significativa. conhecimento e normalmente criam-se associações
Como conseguir isto? Evidentemente esta é uma simplistas, facilmente esgotáveis em si mesmas.
tarefa que ultrapassa o livro didático e fica a cargo
do professor saber fazer a intermediação entre o
instrumento de apoio à aprendizagem – o livro Relações entre natureza, paisagem e o relevo
– e o aluno – protagonista do processo de cons-
trução do seu conhecimento –; entre a linguagem Os conceitos de natureza e paisagem estão
extraverbal e a verbal. Certamente essa tarefa não intimamente ligados pelas representações men-
pode fugir ao diálogo consistente entre professor tais construídas pelos alunos ao longo da vida. As
e aluno, em que os formalismos conceituais e a questões relativas a como problematizar e ensinar
rigidez do pensamento não podem se sobrepor à o relevo de forma menos abstrata e mais próxima
necessidade de flexibilizar os conceitos e de mostrar aos alunos nos remetem, inevitavelmente, a certas
ao aluno sua responsabilidade na construção do categorias que embasam a linguagem da geografia
seu conhecimento. Sobre isso, Cavalcanti (2003, e caracterizam esse campo de estudos como uma
p.160) afirma: disciplina acadêmica e escolar. Segundo Caval-
canti (2003, p.26):
O diálogo que pode ocorrer no ensino não se dá de
forma direta de pensamento para pensamento, ao Tais conceitos [os das categorias] adquirem impor-
contrário, ele só pode ocorrer por meio das palavras tância no ensino na medida em que podem ser toma-
e de seu significado. A palavra é uma expressão de dos como referência para a estruturação dos conteúdos
um conceito e seu significado é, nesse sentido, uma a serem trabalhados, por exemplo, ao longo das séries
generalização. Porém os significados das palavras finais do ensino fundamental (5ª à 8ª).
não são estáticos, ao contrário, alteram-se constante-
mente, mudando também a relação entre as palavras
e o pensamento. Normalmente a ideia que os alunos têm sobre
paisagem está associada à beleza que aparece na
presença de elementos naturais como rios, ár-
Em se tratando de conceitos, construções men- vores e as formas do relevo que eles conseguem
tais complexas expressas através da linguagem oral e visualizar. Tal ideia ajuda a construir uma noção
escrita, é preciso ter cuidado para não apresentá-los estereotipada do que é a paisagem, uma vez que,
como verdades imutáveis. No processo de ensino- associada somente a objetos e seres considerados
aprendizagem isso requer atenção especial do bonitos, ignora outros objetos presentes na ma-
professor para apresentar o conceito, no momento terialidade do espaço vivenciado cotidianamen-
adequado, como uma construção social sobre a te pelos alunos (Cavalcanti 2003). É necessário
realidade, e não como a própria realidade, o que problematizar a paisagem, ou qualquer outro
significa demonstrar o caráter relativo do conceito elemento ou categoria socioespacial, tendo em
(Cavalcanti 2003, p.157). vista que tanto a sociedade como a natureza cons-
É interessante apontar que o caráter relativo tituem os fundamentos com os quais paisagem,
dos conceitos pode conduzir a uma série de possi- território, lugar e região são construídos (Brasil
bilidades de abordagem dos conteúdos de ensino. 1998, p.30).
Mais que isso, pode ajudar o aluno a construir um No que se refere ao ensino do relevo é pre-
conhecimento crítico e autocrítico acerca da maté- ciso procurar estabelecer relações coerentes com
ria de ensino, uma vez que permite ver diferentes o clima, a vegetação, os rios, para se entender os
interesses e correlações envolvidas com o objeto em mecanismos naturais que o constituem; e com
questão. Tal postura, de ir além de previsíveis sig- a sociedade para apreender como e em que me-
nificados conceituais, conduz a um conhecimento dida as diversas atividades humanas interferem
mais integrado entre homem, natureza e economia em suas formas e modificam-nas. Isto, é claro,
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sem se esquecer das diferentes noções de escala A vertente como categoria de ensino do relevo
temporal e espacial. Na busca de uma aborda-
gem relacional que trabalha com os fenômenos A vertente pode ser entendida como uma for-
sociais, culturais e naturais característicos de ma tridimensional da superfície modelada pelos
cada paisagem é preciso que essa busca permi- processos desnudacionais – atuantes no presente
ta uma compreensão processual e dinâmica da e/ou passado –, representando a conexão dinâmica
paisagem, compreendendo que ela representa as entre o interflúvio – divisor de águas – e o talvegue
heranças das sucessivas relações no tempo entre – eixo mais baixo do fundo de um vale por onde
a sociedade e a natureza em sua interação (Brasil escoam as águas. Ela pode ser tomada como com-
1998). Problematizar o relevo em meio às ques- ponente básico do relevo em termos de menores
tões sociais é possível, por exemplo, através do amplitudes. Morros, colinas, grotas, são formas do
traçado das ruas e suas características indicativas relevo constituídas por vertentes. A vertente pode
do relevo do lugar (Suertegaray 2000), dos terre- ser perfeitamente delineável na paisagem e, dessa
nos mais propícios ao cultivo, da susceptibilidade forma, vista como uma totalidade, tende a ser um
e conformação do relevo em função do tipo de “objeto” importante para a análise e compreensão
solo, da ocupação desordenada de morros e suas do relevo. Mais do que isso, na vertente podem ser
consequências ambientais. Ao se falar sobre esses identificados os mecanismos pelos quais os agentes
assuntos, citados como exemplos, trata-se, tam- erosivos atuam na esculturação das formas super-
bém, do relevo, entendido como aquele sobre o ficiais e como isso se relaciona à erosão dos solos.
qual se desenrolam todas as ações e interações Sobre este assunto Ross destaca:
entre sociedade e natureza.
O relevo é um componente da natureza e É evidente que os processos erosivos ou de esculturação
um recurso natural (Casseti 1995). No Brasil, operantes no momento atual se manifestam ao longo
entretanto, fazer essa distinção não é fácil porque das vertentes. A dinâmica atual do relevo melhor se
manifesta nas vertentes e é portanto neste táxon que o
a apropriação humana sobre os recursos naturais
homem pode melhor perceber e atuar junto aos processos
sobressai como uma questão exclusivamente po-
morfogenéticos, pois a vertente é o resultado da morfogê-
lítica e não cultural. No Brasil, o meio ambiente nese ou morfodinâmica viva, presente, atual. É ao nível
não é um valor cultural (Compiani 2005) e o rele- da vertente que confunde-se o estudo da dinâmica do
vo, quando não se refere a áreas economicamente relevo e os problemas relativos à erosão dos solos, que
interessantes, nem sempre é reconhecido em seu na verdade fazem parte de uma mesma realidade (Ross
potencial paisagístico e na sua inter-relação com 1992, p.21).
o ecossistema. Esse desconhecimento camufla
o valor da natureza enquanto valor estético e Segundo Casseti (1995) a evolução da vertente
cultural. analisada ao longo do tempo geológico necessaria-
Para que o relevo, ensinado no contexto mente incorpora o antagonismo determinado pelas
dos conhecimentos geográficos, contribua para forças endógenas – comandadas pelas atividades
criar posturas mais responsáveis frente à crise tectônicas – e exógenas – relativas aos processos
ambiental é preciso inserí-lo no quadro da atual morfoclimáticos.
problemática ambiental contemporânea e, em Para além do entendimento da vertente como
certa medida, politizar sua abordagem. De acordo um aspecto físico do espaço e como palco de de-
com Carvalho (1986, p.48), terminados processos de esculturação do relevo, é
possível correlacioná-la ao uso e ocupação do solo
Politizar esta abordagem é hoje trazer a questão urbano. Na vertente se materializam as relações das
ambiental à tona, ou se preferirmos, dar um trata- forças produtivas e sua apropriação ou transformação
mento ecológico ao estudo do quadro físico e, de resto, encontra-se subordinada ao conceito de propriedade,
a qualquer estudo geográfico. A abordagem ecológica
definida por determinada relação de produção (Cas-
tem o grande mérito de explicitar a imposição dos
seti 1995, p.86). Tal abordagem, mais do que mostrar
limites que os homens se impõem a si mesmos na
busca de suas realizações sociais, tendo como pano ao aluno como o relevo está presente nas relações
de fundo a própria natureza. sociais do cotidiano, demonstra que, em se tratando
de apropriação do espaço, a relação do homem com
a natureza é [salvo exceções] uma relação social que,
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na sociedade capitalista, representa uma relação de Notou-se em boa parte das coleções, como
classe (Casseti 1995, p.131). Todavia é preciso ter tendência, a dispersão da abordagem do relevo
bem claro que tal associação – da relação homem- pelos quatro volumes da obra. Muitos autores
natureza como relação social – não pode fazer parte têm distribuído o conteúdo geomorfológico pelos
de uma lógica determinista em que um tipo de ter- livros das outras séries a fim de resgatar concei-
reno propicia a ocupação de certo grupo social com tos vistos na 5ª série e aprofundá-los em análises
determinado poder aquisitivo, por exemplo. mais contextualizadas. Contudo, tais análises mais
A abordagem do relevo através das vertentes pode contextualizadas referem-se, na maior parte dos
levar os alunos da realidade concreta familiar a eles casos, simplesmente à descrição do relevo carac-
– lugar – à totalidade dos fenômenos que regem a terístico de continentes e regiões, como aconte-
estruturação da superfície terrestre. A vertente abre ce no caso das regiões brasileiras; salvo poucas
caminho para o entendimento de processos gerais exceções como no caso de Moreira (2002) e de
de esculturação do relevo a partir daquilo que é fa- Pereira, Santos e Carvalho (1998), em que os
cilmente percebido em nível local. processos ambientais são inter-relacionados de
maneira mais efetiva.
Percebe-se que em muitos livros o texto di-
Considerações Finais dático não conduz à noção processual de mode-
lamento da crosta terrestre através da interação e
retroação das várias esferas naturais do planeta e
As coleções didáticas de geografia e a abordagem do seus ciclos. Esta noção processual do modelado
relevo terrestre poderia ser alcançada através das expli-
cações em torno dos agentes internos e externos.
O primeiro aspecto a caracterizar a abordagem O estudo dos processos modeladores e da atuação
do relevo, que aparece muito claramente a partir de das forças endógenas e exógenas possibilita a as-
uma análise inicial das coleções didáticas de geografia similação dos conceitos e a compreensão de que
aprovadas na edição de 2005 do PNLD, é que este entender tais processos é entender a origem da
conteúdo ainda é tratado de maneira fragmentada vida terrestre, inclusive do homem (Vieira et al.
em relação às outras dinâmicas naturais – atmosfera, 2003). Contudo, tais explicações sobre a atuação
hidrosfera, biosfera. Quando, de fato, o relevo dos mecanismos endógenos e exógenos são pou-
poderia ser apresentado como ponto de convergência co relacionadas aos processos geomorfológicos,
dos processos naturais em atividade sobre a crosta ficando estancadas como descrições e conceitos
terrestre, privilegiam-se a conceituação, descrição muito abstratos. Os rios, por exemplo, não são
e a constatação das suas formas em macroescala de vistos como agentes modeladores do relevo na
maneira desarticulada com outros processos naturais. maior parte das coleções. O clima, através da alter-
Augustin e Brun (1985) já haviam constatado esse nância de fases áridas e úmidas, não é relacionado
aspecto e suas observações esclarecem muito bem o à prolongada ação erosiva sobre o relevo brasileiro
que ainda hoje pode ser observado em muitos livros ao longo do tempo geológico. Menciona-se, mui-
didáticos. tas vezes, que o clima é um importante agente
transformador do relevo sem, no entanto, haver
A geografia física é colocada como algo abstrato, alheio à explicações sobre o porquê. Muitos porquês e como
vivência do aluno. Assim, uma vertente, uma colina, um estão ausentes nas explicações dos livros didáticos
solo ou uma paisagem vegetal são descritos como idéias em torno do relevo. Esta ausência é demonstra-
não concretas. Os conceitos via de regra, são apresentados
da por lógicas implícitas no texto que constituem
sem a preocupação de estabelecer qualquer correlação
lacunas entre uma frase e outra. O texto não é
com o mundo real, o “espaço vivido” pelo aprendiz.
Conseqüentemente, o aluno não consegue perceber ou claro o suficiente para demonstrar todas as etapas
deduzir que ele, ao percorrer o caminho da escola, desce do processo que levam os planaltos, por exemplo,
uma vertente, atravessa um vale, pisa um determinado a serem áreas fornecedoras de sedimentos ou a
tipo de solo, atravessa uma associação vegetal, sofre os como os processos erosivos, ao destruírem algumas
efeitos do clima quando sua com o calor e se cansa (...). formas do relevo, constroem outras. Além disso,
Entretanto tudo isto está descrito no livro-texto (Au- os textos didáticos são extremamente pobres em
gustin e Brun 1985, p.274). analogias que facilitem a assimilação dos conceitos
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Tabela 1 – Características fundamentais da abordagem do relevo nos livros didáticos de Geografia aprovados pela
edição de 2005 do Programa Nacional do Livro Didático
1 2 3 4 5 6 7
Adas, 2002.
Geografia Suficiente Insuficiente Irrelevantes Boa Sim Não Sim
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