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VISITAS AL PATIO No. 11 - 2017, ISSN 2248-485X, pp.

39-51

O estatuto do fônico na fronteira


entre línguas*

Luiza Milano Surreaux1


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil)

Resumen Abstract

El presente trabajo busca This study aims at investigating


investigar el lugar del aspecto the status of the language
fónico de la lengua en el proceso [langue] phonic aspect on
de adquisición de lengua foreign language acquisition
extranjera. En nuestro recorrido, processes. In our journey, we
volvimos a visitar el legado del revisit the legacy of the Genevan
maestro ginebrino Ferdinand master Ferdinand de Saussure,
de Saussure, partiendo del by starting from the classic
clásico libro Curso de Lingüística Course in General Linguistics
General y del manuscrito De as well as the manuscript De
la double essence du langage. la double essence du langage.
Buscaremos contextualizar Furthermore, we seek to
la formulación jakobsoniana contextualize the jakobsonian
sobre la relación entre sonido formulation on the relationship
y sentido, a partir del legado between sound and sense on
saussuriano, destacando la the saussurean legacy, thus
forma como el hablante organiza highlighting how the speaker
el sistema fónico en el proceso organizes the phonic system
de adquisición de lenguaje. Por in the language acquisition
fin, cuando acompañemos la process. Finally, as we follow
reflexión de Heller-Roazen y de Heller-Roazen’s and Cristófaro
Cristófaro Silva respecto de la Silva’s thoughts regarding the
adquisición de lengua extranjera, foreign language acquisition, we

* Phonic status concerning lenguage borders - El estatuto fónico en la frontera


entre lenguas
Recibido: 30 de junio de 2017 - Aprobado: 30 de agosto de 2017
O presente artigo é uma versão revisada e modificada do texto “Aquisição ou
esquecimento: sobre a relação do falante com o aspecto fônico das língua” (Milano,
2017, no prelo).
1
Doctora en Estudios del Lenguaje en la Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (Brasil). Profesora del Departamento de Letras Clásicas y Vernáculas de
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. e-mail: luizamilanos@gmail.com

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señalaremos nuestra hipótesis present our assumption on the


sobre cómo la condición para status to become speaker of a
convertirse en hablante de una foreign language: it involves the
lengua extranjera pasa por la experience of both producing
experiencia de la producción and perceiving sounds in mother
y percepción de sonidos en la tongue.
lengua materna.

Palabras clave: apropiación, Keywords: appropriation, obli-


olvido, fónico, lengua extranjera. vion, phonic, foreign language.

Introdução

Este trabalho busca discutir o estatuto do aspecto fônico da língua no


contexto de fronteira entre línguas. Mais especificamente, a reflexão
que ora empreendemos nasce no instigante fenômeno observado
nas tentativas de um falante de uma dada língua aventurar-se na
produção oral de outro idioma. Para tanto, apontamos, a seguir,
algumas questões que nos acompanharão ao longo da presente
reflexão: como “adquirimos” sons que não pertencem a nosso
inventário fonético? De que forma os segmentos fonéticos e
fonológicos de nossa língua materna facilitam ou complexificam a
“aquisição” de uma língua estrangeira? A “aquisição” de uma segunda
(terceira, quarta ou outras tantas) língua(s) demanda do falante/
ouvinte que tipo de capacidades perceptivas e/ou expressivas?

A partir dos questionamentos acima apontados, evocaremos


importantes estudos que servirão de base para nossa reflexão.
Inicialmente, buscaremos em Ferdinand de Saussure (1974) e
em Roman Jakobson (1978) o alicerce de nosso percurso. Após
a construção de nosso ponto de apoio, apontaremos estudos
contemporâneos nos quais encontramos eco a nossas inquietações e
instigantes buscas por encaminhamentos. O leitor perceberá tratar-
se de um estudo em desenvolvimento. Compartilhamos, pois, nossas
desacomodações.

Os aportes saussurianos acerca do fônico

Começamos com as reflexões do mestre genebrino Ferdinand de


Saussure e suas considerações acerca do aspecto fônico da língua.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o estudo do fônico em Saussure
não raras vezes foi menosprezado ou ignorado nas leituras do legado
do autor. No entanto, sublinhamos o importante fato de os editores

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Bally e Sechehaye (Saussure, 1974) inserirem na obra póstuma Curso


de Linguística Geral um capítulo sobre Fonologia e um apêndice
sobre esse mesmo tema. Designado como fonologia, esse foi um
dos principais temas abordados por Ferdinand de Saussure em seu
primeiro curso de linguística geral, ministrado de 16 de janeiro a 3
de julho de 1907, na Universidade de Genebra. Vejamos as palavras
de Bally e Sechehaye, organizadores da obra, em parágrafo que dá
início ao apêndice “Princípios de Fonologia”:

Para esta parte, podemos utilizar a reprodução


estenográfica de três conferências feitas por F. de S. em
1897 sobre A Teoria da Sílaba, onde toca também nos
princípios gerais do primeiro capítulo; além disso, uma
boa parte de suas notas pessoais se refere à Fonologia;
em muitos pontos, esclarecem e completam os dados
ministrados pelos cursos I e II [Org.]. (Saussure, 1974:
49, grifos do autor).

Além do aspecto terminológico acerca da diferenciação2 entre


Fonética e Fonologia nos estudos do mestre genebrino, cabe
destacar as oscilações, no Curso de Linguística Geral, quanto ao
aspecto material da imagem acústica. Tratamos de trazer à tona
essas oscilações3, visto que isso é constitutivo da leitura que fazemos
da obra e dos referidos conceitos.

Vejamos, então, passagens da obra do mestre genebrino, partindo do


clássico livro Curso de Linguística Geral (doravante CLG). Lembramos
que, ao nos apresentar o signo linguístico, Saussure propõe concebê-
lo como uma entidade psíquica de duas faces. Ao fazer referência à
imagem acústica, o mestre aponta: “Esta [a imagem acústica] não é
o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte)
psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho
de nossos sentidos.” (Saussure, 80).

Parece-nos importante ressaltar a imagem acústica não como


puro som material, mas como a impressão psíquica desse som, a
representação que dele nos dão testemunho nossos sentidos. É nessa
perspectiva que já antecipamamos a interpretação que fazemos do

2
Em uma primeira leitura do lugar do fônico na obra saussuriana, podese distinguir
fonética –estudo histórico dos son– de fonología –estudo da fonação ou da
articulação dos sons. Analisamos detalhadamente as diferenças entre os conceitos
de fonética e fonologia no legado saussuriano em Milano (2016).
3
Não é objeto deste estudo o detalhamento das oscilações da noção de siginicante
enquanto fônico ou não fônico na obra saussuriana. Fazemos uma leitura
pormenorizada desse aspecto em Milano (2013).

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legado saussuriano, ao pensarmos na relação entre o sujeito e a língua


(ou as línguas). A produção do repertório fonêmico de uma dada
língua está fortemente atrelada à possibilidade que o falante tem de
se colocar sob efeito dela. Ou seja, lidar com o som como realização
material, como “coisa puramente física”, passa necessariamente
pela capacidade de representação desse som enquanto unidade que
clama por sentido. É em seu potencial aspecto físico que a impressão
(e a representação) psíquica se ancora. No entanto, cabe ressaltar
que se não houver laço significante-significado, a pura porção fônica
não sustenta significação, ou seja, resta como uma massa indistinta
de sons.

Assim, considerando que “[...] o significante, sendo de natureza


auditiva [...]” (84) encarrega-se de sustentar a “[...] transmissão
fisiológica da imagem acústica [...]” (19), é possível pensar que a
noção de sistema em Saussure pressupõe um “[...] mecanismo psico-
físico que lhe permite exteriorizar essas [as do sistema] combinações
[...]” (22). Pode-se dizer, portanto, que a porção material do aspecto
fônico do signo linguístico se constata a partir de um mecanismo
psicofísico, cuja transmissão fisiológica é de natureza auditiva.

Inevitavelmente, deriva daí a interdependência entre produção e


percepção: no texto do CLG, conforme veremos a seguir, é enfatizada
a preponderância do aspecto contrastivo. Ou seja, a porção material
conta muito mais pelo fato de produzir diferenças (e oposições)
do que propriamente pela materialidade fônica que carrega em si.
Acompanhemos a explanação:

Não vemos muito bem de que serviriam os movimentos


fonatórios se a língua não existisse; eles não a
constituem, porém, e explicados todos os movimentos
do aparelho vocal necessários para produzir cada
impressão acústica, em nada se esclareceu o problema
da língua. Esta constitui um sistema baseado na oposição
psíquica dessas impressões acústicas, do mesmo modo
que um tapete é uma obra de arte produzida pela
oposição visual de fios de cores diferentes; ora, o que
importa, para a análise, é o jogo dessas oposições e não
os processos pelos quais as cores foram obtidas. (43).

Pode-se acompanhar nessa passagem a concepção através da qual


o aspecto fônico da língua é o responsável material por produzir
diferença e oposição dentro de um sistema. Diríamos que é
necessário que o significante seja formatado com recorte material

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para que entre os significantes, e entre significante e significado, se


possa estabelecer diferenças e oposições.

Além dos recortes extraídos do CLG, temos outras pistas que nos levam
ao cerne da reflexão acerca do fônico em Saussure no manuscrito
editado por René Amacker (Saussure, 2011), De la double essence
du langage (doravante DE). Vejamos como a abordagem do aspecto
fônico aparece no manuscrito DE:

A presença de um som em uma língua é o que se pode


imaginar de mais irredutível como elemento de sua
estrutura. É fácil mostrar que a presença desse som
determinado só tem valor por oposição com outros
sons presentes; e é essa primeira aplicação rudimentar,
mas já incontestável do princípio das OPOSIÇÕES, ou
dos VALORES RECÍPROCOS, ou das QUANTIDADES
NEGATIVAS e RELATIVAS que criam um estado de língua.
(Saussure, 2011: 127, grifos do autor, tradução nossa).

Nessa bela passagem dos manuscritos de Saussure constatamos


o quanto esteve sempre presente no pensamento do genebrino o
aspecto fônico da(s) língua(s) como suporte para a construção da
concepção de sistema. O valor de um elemento no sistema está,
desde sempre, ancorado nas relações que ele estabelece com os
demais elementos. E, em se tratando de um estado de língua, essas
relações dependerão da materialidade fônica para compor unidades
que sejam passíveis de identificação e oposição. Um som (/p/, por
exemplo) é o que o outro não é (/m/, por exemplo).

Maria Pia Marchese realiza uma importante retomada da forma


com que Saussure constrói a definição de fonema no manuscrito
Phonétique (Marchese, 2009). A pesquisadora italiana destaca que
as tentativas de definição da noção de fonema por parte do mestre
genebrino são fortemente marcadas por critérios de negatividade,
visto que aí já se podem perceber importantes indícios da construção
dos princípios da teoria do valor na obra saussuriana. Conforme
destaca essa autora, os conceitos de oposição, valor e diferença,
enquadrados em uma perspectiva de negatividade, apontam
diretamente para uma célebre passagem do CLG: “[...] na língua só
existem diferenças [...]” (Saussure, 1974: 139). Prova disso também
encontramos ainda mais explicitada na seguinte passagem: “[...] os
fonemas são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e negativas
[...]” (138). Eis aí uma consideração significativa do sistema fônico
como organizador da lógica pautada pela teoria do valor, o que, como

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sabemos, produziu significativos efeitos nos trabalhos vanguardistas


do Círculo Linguístico de Praga.

Jakobson e a herança saussuriana

Roman Jakobson, em Seis lições sobre o som e o sentido (1977),


destaca que foi justamente no aspecto significativo da fonologia –o
som concebido como significante– que os herdeiros de Saussure
tiveram razão em investir.

Nos textos que documentam a fundação do Círculo Linguístico de


Praga, encontramos depoimentos explícitos sobre o importante papel
que o recém lançado Curso de Linguística Geral teve nas reflexões,
na época bastante embrionárias, dos teóricos de Praga. É a partir
do registro das importantes “Teses de 29” –documento fundador
do Círculo Linguístico de Praga e da fonologia, fruto do encontro de
linguistas, filósofos e escritores eslavistas, entre tantos pensadores
de uma vanguarda que reunia ciência e arte, que encontraremos
rastros da herança saussuriana. Foi no calor das incitantes discussões
do Círculo da Praga, nos anos finais da década de 1920, que Jakobson
e Trubetzkoy, bastante influenciados pela recente publicação do
Curso de Linguística Geral, traçaram as primeiras e importantes
diretrizes daquilo que hoje conhecemos como a fonologia moderna.
É nas próprias palavras de Roman Jakobson que encontramos o
reconhecimento da filiação saussuriana: “É certo que a Escola de
Praga levou também em conta a experiência da linguística ocidental:
os trabalhos da Escola de Genebra [...]” (Jakobson, 1978: 24-25).

Para Jakobson, Saussure percebeu que a par do fato empírico


–a fala individual– existe a esfera da ordem do social –a língua–.
Nesse sentido, Jakobson propõe que se olhe para esse sistema
de valores relativos que é a língua através de um ponto de vista
funcional. É a partir desse princípio que o linguista russo sugere
a análise dos sons da linguagem visando sua função comunicativa
(independentemente do tipo de situação enunciativa, os sons são
emitidos para “comunicar algo”). Os sons têm uma finalidade e as
inúmeras diferenças (inclusive fonéticas) que aparecem na fala não
possuem todas a mesma função e o mesmo grau de importância. Por
este motivo, as diferenças ganham relevo na proposta jakobsoniana:
as oposições são capazes de distinguir, em determinada língua, os
significados. Jakobson retoma claramente essa ideia nas aulas sobre
som e sentido que proferiu na École Libre des Hautes Études, no
início da década de 1940, em Nova Iorque. Segundo o autor, Saussure
ensina-nos que aquilo que interessa na palavra não é o som em si,
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mas as diferenças fônicas que permitem distinguir uma palavra das


demais, pois são estas diferenças que comportam a significação.
Jakobson destaca que o CLG lança a fórmula que mais tarde viria a
ficar célebre: “Os fonemas são antes do mais entidades opositivas,
relativas e negativas” (Saussure, 1974: 138). O linguista russo
lembra ainda (Jakobson, 1977: 44) que Saussure chega a afirmar
que o sistema destes fonemas claramente diferenciado, o sistema
fonológico, como ele o designa, é a única realidade que interessa ao
linguista no domínio fônico. E um pouco mais adiante aponta:

E apesar das numerosas contradições da doutrina de


Saussure é a ele e à sua escola que devemos a segunda
noção essencial para o estudo funcional dos sons, a
noção das relações entre os fonemas, numa palavra,
a noção de sistema fonológico. (Jakobson, 1977: 44,
grifos do autor).

Vemos, então, que Jakobson, seguindo a trilha saussuriana4, aponta


que o signo linguístico necessita ser concebido como uma entidade
concreta da língua para que seja passível de produzir identidade: se
um signo é o que os outros não são, é necessário buscar uma pista na
realidade concreta desse signo para que se possa identificá-lo como
pertencente a uma dada língua e opô-lo a todos os demais signos
dessa língua. Essa ideia fundamental que explica a organização do
sistema fônico das línguas vemos, portanto, que Jakobson vai buscar
em Saussure.

Após a contextualização da forma como interpretamos a organização


do sistema fônico da(s) língua(s), parece-nos importante ver como
Jakobson vislumbra a realização do emaranhado de sons que se
apresenta a um potencial falante de dada língua. O que queremos
destacar é que a forma com que a coletividade recorta e faz uso da
massa de sons e sentidos que encontra à sua disposição é o que
caracteriza uma língua. Com esse gesto estamos tentando responder
à pergunta acerca de como o falante se apropria de um conjunto
de sons específicos de sua língua (frente à multiplicidade de sons
que seu aparelho fonador é capaz de executar). Vamos, então,
4
Não negamos o conhecimento das críticas que Jakobson faz à separação operada
por Saussure entre sincronia e diacronia e à questão da linearidade do significante,
mas esse não é o foco do presente estudo. Apenas cabe dizer que as pesquisas
em fontes manuscritas saussurianas contemporâneas mostram que a separação
entre sincronia e diacronia é basicamente metodológica. Obviamente, Saussure
não negligenciava a implicação entre essas duas perspectivas de língua. Quanto ao
aspecto linear do significante, também se pode encontrar em fontes manuscritas do
mestre genebrino (Saussure, 2011) apontamentos que mostram a possibilidade de
constituir significação na simultaneidade.

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recorrer a outro instigante texto de Roman Jakobson para buscar


esclarecimentos.

Jakobson, em Por que “mama” e “papa”?5, convida-nos a pensar


na natureza heterogênea da produção das primeiras palavras de
uma criança. É no momento de passagem do balbucio às primeiras
palavras que a capacidade de simbolizar habilita a criança a tornar-
se falante de uma dada língua. O autor retoma a pesquisa do
antropólogo americano George Peter Murdock, na qual se destacam
as “coincidências fonêmicas” entre as formas de nomear as figuras
parentais em línguas de raízes muito diversas. Ao fazer a discussão
por um viés fonemático, Jakobson destaca o fato de o acervo de
fonemas esboçados nas primeiras tentativas de nomear “mãe” e
“pai” ser “severamente limitado” (Jakobson, 1967: 77). Isso parece
indicar que o repertório fonêmico presente nas primeiras palavras
–ligadas às figuras parentais– das diferentes línguas não varia muito.
Há indícios desse fenômeno em diversos aspectos dos primeiros
estágios da linguagem infantil: sílabas formadas por consoante
e vogal (seguindo o princípio do contraste máximo), ausência de
sílaba com estrutura complexa como grupo consonantal, ausência
de sílabas com raízes puramente vocálicas, predomínio de oclusivas
e nasais, incidência de reduplicação silábica (78-79).

Frente à hipótese de que a criança é capaz de produzir qualquer


som de qualquer língua do mundo, cumpre retornar a nossas
perguntas iniciais: como “adquirimos” sons que não pertencem a
nosso inventário fonético? De que forma os segmentos fonéticos e
fonológicos de nossa língua materna facilitam ou complexificam a
“aquisição” de uma língua estrangeira? A “aquisição” de uma segunda
(terceira, quarta ou outras tantas) língua(s) demanda do falante/
ouvinte que tipo de capacidades perceptivas e/ou expressivas? É
chegado o momento de encaminharmos uma tentativa de resposta.

A organização de um sistema fônico

Para responder à primeira pergunta acima apontada, evocamos


o estudo de Jakobson sobre a aquisição das primeiras palavras. A
passagem da fase do balbucio para a fase em que realmente o som
passa a ter um valor fonêmico é marcada por uma grande perda
da habilidade de produzir sons. Conforme já apontamos em outra
ocasião (Milano & Flores, 2015), a criança deixa de ser um poliglota,
5
Texto originalmente escrito em inglês, em 1959, para Perspectives in Psychological
Theory, New York, e publicado em 1960. Utilizamos para leitura a versão brasileira
(Jakobson, 1967).

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Luiza Milano Surreaux

do ponto de vista articulatório, para começar a ser o falante de uma


dada língua, do ponto de vista fonológico. A criança passa a ter de
reconhecer as oposições fonológicas e, mais adiante, as consequentes
diferenciações que há no significado das palavras, bem como passa
a ter a capacidade de guardá-las na memória para reproduzi-las.
A partir disso, conforme ensina Jakobson (1967), encontra-se
em formação um sistema fonêmico. Ou seja, aqueles sons que se
encontram em condições de serem alçados ao status de fonema de
uma dada língua habilitam a criança a produzir as primeiras palavras.
Foi justamente nesse momento (mítico) que perdemos todos a
habilidade de produzir aquela enorme variedade de sons (todos os
sons de todas as línguas do mundo). É o preço que pagamos para nos
tornarmos falantes de nossa língua materna. É nesse ponto preciso
que damos passagem ao interessante estudo de Heller-Roazen.
Acompanhamos o pesquisador e ensaísta canadense Daniel Heller-
Roazen (2010)6 ao destacar que, a partir do desaparecimento do
balbucio, nascem uma língua e um falante. Ou seja, para a criança
se tornar falante de uma determinada língua, é necessário deixar
de utilizar muitas das consoantes e vogais que emitia antes, sendo
natural que, ao abandonar os sons não pertencentes à língua que está
adquirindo, logo se esqueça de como são produzidos. Acompanhemos
as palavras do autor,

Talvez o bebê deva esquecer a série infinita de sons que


outrora produzia no “ápice do balbucio” para conseguir
dominar o sistema finito de consoantes e vogais que
caracteriza uma língua determinada. Talvez a perda de
um arsenal fonético ilimitado seja o preço que a criança
deve pagar para obter os documentos que concedem
cidadania na comunidade de uma língua específica.
(Heller-Roazen, 2010: 9).

Segundo Heller-Roazen, é necessário operar um esquecimento,


pois “[...] quando a criança começa a falar uma língua única, ela
obviamente não tem o que fazer com todas as consoantes e vogais
que emitia antes [...]” (8). A partir da reflexão desse autor deparamo-
nos com o fato de que para falarmos uma língua –nossa língua
materna– precisamos operar um esquecimento, um recalque de
todos os sons que não pertencem a essa língua e suas possíveis
formas de estabelecer relação com outros tantos sons. Podemos
inferir que o que se passa em relação a apropriação de uma outra
língua é menos um processo de “aquisição” do que um gesto de
6
Texto originalmente publicado em 2005, em inglês, sob o título Echolalias: On the
forgetting of language. As passagens apontadas são oriundas da tradução brasileira,
de 2010.

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“rememoração”. Teríamos algo como um “levantamento do recalque”


produzido quando nos tornamos falantes de nossa primeira língua.
Não se trata, portanto, de “aprender” novos sons, mas de resgatar
o que nos era disponível antes do esquecimento que um dia foi
necessário empreender. E a viabilização desse resgate, do ponto
de vista fônico, parece não ter outra saída senão pelo viés de nossa
língua materna. Tentaremos mostrar como isso se torna possível, ao
respondermos à segunda questão anteriormente levantada: De que
forma os segmentos fonéticos e fonológicos de nossa língua materna
facilitam ou complexificam a “aquisição” de uma língua estrangeira?

A organização de um segundo sistema fônico

Para encaminharmos a reflexão sobre o processo de aquisição do


aspecto fônico de uma segunda língua, será importante resgatarmos
o caráter fundante que a organização do sistema fônico de nossa
língua materna tem nesse processo. Nesse ponto, acompanhamos
a contribuição extremamente original de Cristófaro-Silva (2007).
Essa importante pesquisadora da fonética e fonologia do português
brasileiro, em um texto sobre aquisição fônica de língua estrangeira,
nos aponta o caminho. Segundo essa autora, “[...] a construção do
sistema sonoro de uma língua estrangeira é baseada, primordialmente,
no sistema sonoro da língua materna e tem interferência direta
deste [...]” (Cristófaro-Silva, 2007: 81). De forma muito instigante,
Cristófaro-Silva dilui o peso que recai sobre o aprendiz de língua
estrangeira no que diz respeito à sensação de incompetência frente à
fluência em uma segunda (ou terceira, etc) língua. A autora (78) é clara
ao dizer que, no ensino de língua estrangeira, os sons equivalentes
nas duas línguas (materna e estrangeira) devem ter explicitadas ao
aprendiz as suas particularidades fonéticas específicas. Por outro
lado, complementa a linguista, os sons novos na língua-alvo devem
ser categorizados a partir de sons já conhecidos na língua materna.
Tivemos oportunidade de constatar essa realidade em um estudo
sobre a apropriação do francês como língua estrangeira (cf. Milano &
Gomes, 2013). Também em nosso estudo, verificamos que parece ser
impossível, de fato, abstrair a presença da língua materna na tentativa
de expressão em língua estrangeira. Deriva disso que toda tentativa
de produção em língua estrangeira deva passar, necessariamente,
pela primeira língua e que o advento da constituição do sujeito
falante em outra língua tampouco se dará abstraindo as marcas da
língua materna.

Os eventuais contratempos fônicos na apropriação de uma língua


estrangeira passam pelo reconhecimento de ordem física, acústica
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Luiza Milano Surreaux

e articulatória, em sua vertente linguística: trata-se de um sistema


de signos –a língua estrangeira– sendo introduzido em outro
sistema de signos já consolidado –a língua materna–. Mais do que
erros, desvios ou problemas, as singulares produções daqueles que
se experimentam em outra língua parecem ser, assim, fortemente
marcadas pela primeira língua.

Permeados por esse conjunto de reflexões encaminhamo-nos para o


final do percurso que aqui empreendemos, resgatando, finalmente,
a terceira questão por nós proposta: A “aquisição” de uma segunda
(terceira, quarta ou outras tantas) língua(s) demanda do falante/
ouvinte que tipo de capacidades perceptivas e/ou expressivas
relativas ao fônico? Acreditamos que a resposta a essa última
indagação começa por, em primeiro lugar, desmistificar o processo.
Ou ao menos reinterpretá-lo.

O lugar do fônico na fronteira entre línguas: encaminhamentos

Para refletirmos sobre o estatuto do aspecto fônico na fronteira


entre línguas, um passo importante será constituir um ponto de
vista desde o qual olhar para o fenômeno. Nesse sentido, no lugar da
ideia de “aquisição” de uma língua estrangeira, sugerimos conceber
o processo como apropriação. Vemos nessa proposta a etimologia do
termo: tornar própria. Tornar própria uma língua estrangeira será
sempre um processo absolutamente singular, mesmo que o façamos
em parceria.

Certamente há tendências na forma com que falantes de um dado


idioma apropriam-se de determinada língua (falantes nativos do
português tendem a recair no mesmo tipo de “erro” ao tentar falar
inglês, por exemplo). No entanto, em meio à homogeneidade de um
grupo, encontraremos falantes buscando a sua forma de reconhecer
e produzir os sons de uma outra língua. Falar um outro idioma é
tornar próprio o jeito de reunir formas fônicas e sentidos, a partir da
lógica de uma outra língua.

Gostaríamos também de destacar que, na reflexão que ora


empreendemos, o lugar que o aspecto fônico da(s) língua(s) toma na
discussão sobre apropriação de língua estrangeira merece destaque.
O falante de uma dada língua começa a vislumbrar a possibilidade de
falar outra língua a partir do momento em que se vê em condições de
atribuir sentido às formas fônicas que passa a recortar.

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Nesse processo, será necessário operar dois movimentos. O primeiro


será o de buscar analogias entre sua língua materna e a língua-alvo.
Não há como apagar sua condição de falante de sua própria língua e
acreditamos que é justamente a partir dela que ele poderá reconhecer
pontos comuns que o habilitam ao desafio. O segundo movimento
é ligado ao que chamamos de “levantamento do recalque” que foi
efetuado ao final do período do balbucio. Aventurar-se a falar uma
língua estrangeira é reencontrar sons “esquecidos” desde os tempos
do balbucio, é experimentarmos expor nosso ouvido e nosso aparelho
fonador a alguns sons de uma determinada língua do mundo.

Lidar com esses desafios parece-nos, pois, tarefa dos linguistas que
se ocupam do aspecto fônico da língua. Igualmente aos professores
de língua estrangeira cabe perguntarem-se sobre como dar um justo
lugar ao aspecto sonoro da língua, ao acompanharem o processo de
apropriação de língua estrangeira por falantes sempre tão singulares.
Se é sob o efeito dos sons de nossa língua materna que nos tornamos
falantes “nativos”, será a partir dela que poderemos nos apropriar
dos efeitos do som e do sentido de uma língua que, embora jamais
possamos chamar de materna, abrirá novas e surpreendentes
possibilidades de negociação entre o fônico e sentido estender
fronteiras em nossas possibilidades simbólicas.

Bibliografia

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50
Luiza Milano Surreaux

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