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CULTURA POLÍTICA DA SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO

PAULO E O PROJETO NOVA LUZ, DUAS FRENTES PARA UM


FIM: GENOCÍDIO DA POPULAÇÃO NEGRA
Rennan Willian da Silva – 11201723095
Isabela Shigunov de Paula Toledo Melo - 21019616
EDUCAÇÃO E CULTURA POLICIAL

A educação e a cultura policial também são fatores relevantes para o


entendimento do processo em relação à Cracolândia. Desde a década de 1960,
inúmeros estudos sobre os condicionantes do trabalho policial, e mais
especificamente da cultura policial, foram realizados. Entre os trabalhos de maior
destaque estão os dos autores Skolnick (1966; 1993), Reuss-Ianni (1983),
Reiner (1985) e Bittner (2003). Uma das inferências das quais estes autores
chegaram foi acerca da duplicidade de suas faces, ou seja, as instituições
policiais, como muitas outras, são definidas como um conjunto de
comportamentos e normas segundo os quais a organização realmente funciona
(Monjardet; 2002). Somado à isso, como uma das características marcantes da
cultura policial em geral temos o sentido de “missão”, representado pelo
sentimento de que o policiamento não é apenas um trabalho mas sim um meio
de vida com propósito útil e especial (REINER, 2012).

Outra característica que este autor também identifica é a “suspeição”,


definida por ele como a existência de um certo conjunto de estereótipos de
possíveis criminosos, que está inevitavelmente presente, de forma endêmica,
em praticamente todas as instituições e é reforçada diariamente no cotidiano do
trabalho policial. Ele ainda destaca o “isolamento/solidariedade” entre as
características principais, pois isso expressa uma demarcação clara entre “eles”
os outros e “nós” os policiais.

Posto isso, dependendo dos valores adotados, um determinado


comportamento pode ser considerado mais ou menos grave e ter muito, pouca
ou nenhuma repercussão na instituição. Pode, ainda, gerar um inquérito na
corregedoria ou ser apenas ignorado pela ala administrativa da polícia. Embora
não se tenha chegado a um consenso quanto à proporção de policiais que
adotam os elementos que fazem parte da cultura profissional ou sobre a
intensidade com que os policiais são afetados pelos valores estruturantes de sua
instituição, pelo menos três características podem ser destacas como presentes
em várias práticas dos policiais: 1) código de silêncio; 2) autoritarismo e 3)
síndrome de burnout (estresse excessivo e crônico provocado por sobrecarga
ou excesso de trabalho). (HAARR; 1997; BLUMENSTEIN, FRIDELL e JONES;
2012).
Assim, em países como o Brasil, que tiveram uma experiência longa com
regimes autoritários e que ainda se encontram em fase de construção da sua
democracia, os elementos indutores da violência policial e da violação de direitos
permanecem como protagonistas. O fato de não ter ocorrido uma profunda
reforma nas instituições policiais com a transição democrática permitiu que
migrassem para esse novo contexto social e político não apenas as práticas
antidemocráticas do período autoritário, como também as concepções
tradicionais, já ultrapassadas, a respeito do que é a instituição e de qual é o papel
do policial.

Um dos pontos cruciais de todo esse processo diz respeito à necessidade


de fiscalização das ações da polícia por órgãos de controle interno e externo,
pois as instituições policiais se encontram em uma situação complexa e
contraditória pois esta é obrigada, por lei, a prestar contas à sociedade mediante
mecanismos de supervisão internos e externos. Entretanto as mesmas
continuam a cultivar subculturas internas que valorizam o código de silêncio, que
tem o autoritarismo como algo natural e que ignora ou se omite diante do stress
contínuo e crônico a que são submetidos os policiais no cotidiano de seu
trabalho. (GOLDSTEIN; 2003)

Como exemplo empírico desses estudos foram selecionados trechos de


uma entrevista de um Policial Militar concedida à Pública, agência de jornalismo
investigativo: segundo o policial militar, a corporação não trabalha a mente do
policial para o serviço:

- "É subjetivo, não dá pra falar que todo policial vai humilhar, vai bater.
Cada abordagem é uma loteria. Às vezes, você é abordado por três policiais e
cada um pensa diferente; às vezes, você pode responder algo pra mim e eu
achar legal, mas meu parceiro não. Aí ele começa a querer te pegar nas ideias.
Te pegar na orelhada. Se ele se sentir ofendido, ele vai te bater. É a síndrome
do pequeno poder".

Depois, perguntado sobre a diferença do treinamento na academia de


polícia e a prática na rua o policial responde:

- “É como dizem. Esquece tudo aquilo que você aprendeu na escola.


Você sabe que quando vai abordar na rua, quando é um cidadão de bem, você
vai ser educado, vai ser cortês; agora com ladrão é outra ideia. Se você chegar
para conversar ele vai saber que você é recruta, que não tem muita malícia;
então, na ideia, ele vai te enrolar. Um cara que é ladrão mesmo sabe identificar
um polícia no olho. Então você tem que aprender a identificar o ladrão no olho
também. Se acontecer alguma situação na rua que não se aprendeu, você é
militar, tem que saber, não tem pinote. É isso que afasta o policial do cidadão. É
uma coisa que está perpetuada na policia, ninguem vai tirar, só se acabasse com
o militarismo.”

Perguntado sobre a possibilidade de acabar com o militarismo:

- "se acabar com o militarismo, acaba com o poder do Estado, certeza! É


isso o que segura as pontas, mas por outro lado, sem a polícia vai virar um
pandemônio.”

Questionado sobre sua opinião pela periferia ter mais indisposição com a
PM:

-"Não é preconceito da minha parte, mas a maioria dos ladrões mora na


periferia. É um outro tratamento que tem que ter com eles. A periferia é uma área
de risco pro policial, por isso o tratamento mais rústico. Não é uma coisa que
vem de dentro da polícia. Quando você para de ser civil para ser policial, você
em um ano de treinamento meia boca. Então é muito poder para um cara. E a
polícia não trabalha isso na cabeça da pessoa. A minha cabeça é uma, a sua é
outra; de repente você tem maturidade de pegar um cara na rua, que está
fazendo alguma coisa errada e levar pra delegacia. Talvez eu não tenha essa
maturidade, talvez eu seja mais esquentado e queira bater, humilhar o cara. Isso
é subjetivo. Quando chama atenção, sai na mídia.”

Por fim, questionado sobre a meta imposta por seus superiores:

-“Você tem que abordar 15 pessoas por dia e cinco veiculos.”

A INTRANSPARÊNCIA DA SEGURANÇA PÚBLICA

Analisar a atuação da Polícia Militar do Estado de São Paulo é, de uma


maneira ou de outra, dialogar com suas práticas de visibilidade e invisibilidade.
Entende-se que em uma sociedade democrática ações são decididas por voto e
veto da maioria e também que, como plataforma dessa prática, estão políticas
de transparência que despoluem o Estado de nuvens dubiosas.

Em novembro de 2011 a Lei 12527/2011 de Acesso à Informação foi


criada para que os aparatos estatais que antes posavam intocáveis se fizessem
tocar pelo escrutínio público, porém, veremos adiante que o esforço em tornar
visível o truncado funcionamento da PMSP não foi recebido de maneira indelével
gerando uma série particular de ações e pronunciamento que encerram em seu
discurso oculto uma série de problemáticas que tendem, inclusive, a um modus
operandi antidemocrático.

Analisando o processo de aproximação e distanciamento da política de


transparência desenvolvida em 2011 trazemos aqui dois pronunciamentos
oficiais proferidos em 2012 pelo então governador do estado de São Paulo,
Geraldo Alckmin, sobre os resultados de uma operação da PMSP.

Duas coisas são importantes: Primeiro, quem não reagiu está vivo. Em
um carro [tinha] quatro [suspeitos], dois morreram e dois estão vivos
[porque] se entregaram. Segundo, [nos casos de] resistência seguida
de morte, a própria Polícia Militar investiga e o DHPP também
investiga. – Geraldo Alckmin, em entrevista
Ordem é polícia na rua e criminoso na cadeia. – Geraldo Alckmin, em
entrevista

É importante levar aqui em consideração, pela análise de discurso, três


aspectos: quando diz, quem diz e como diz. Seguindo respectivamente temos
sabe-se ano de 2012 fez a cidade de São Paulo se tornar palco de uma escalada
de violência contra forças policiais por partes de agentes do crime organizado; o
ex-governador de SP, em seu posto de chefe das polícias de São Paulo teve na
potência de sua voz não apenas a capacidade de apaziguar ânimos, mas à sua
medida, também a capacidade de inflar discursos e práticas, pois, palavras
refletem sentidos de discurso já realizados, imaginados e/ou possíveis
(ORLANDI, 2009); para a forma de proferir suas palavras é interessante olhar a
fundo o que Alckmin aponta no encerramento do primeiro trecho que expomos
aqui.

O ex-governador aponta que em casos de resistência seguida de morte


cabe à própria polícia militar investigar como se deu tal ação e como foi tratada
pelos policiais alocados. Aqui, para o discurso oculto carregado em significação,
extraímos que a PMSP não pode, mas está em plena condição de julgar, de
forma neutra, aqueles de sua própria corporação. No que trata da transparência
a PMSP teria, pelo discurso de Alckmin, autonomia total de julgar a si própria.
No entanto, isso nos leva a um viés que no futuro – como veremos – se mostra,
no mínimo, complexo.

Nesse primeiro momento, um ano após a Lei de Acesso à Informação ter


sido aprovada já consta, pelo ex-governador um aceno a favor de um
intransparência, pois, se a PMSP é central para julga e investigar os crimes que
comete então há transparência suficiente para demonstrar que essa
investigação é mais do que uma mera performance? Prossigamos, mas
mantendo o friso nessas pequenas formas de fazer ver que emanam dos
discursos oficiais.

O ano de 2014, três anos dentro das dinâmicas produzidas pela Lei de
Acesso à Informação, e ainda, marco histórico de 50 anos da Ditadura Civil-
Militar no Brasil os atritos entre sociedade civil e forças de segurança pública,
notadamente, a PMSP se tornam intensos. Revisitando os eventos históricos
que constam no início e no fim da Ditadura Militar o jornal UOL fez uma série de
entrevistas com ativistas e pessoas da época que fizeram o enfrentamento, ou,
tiveram companheiros e amigos que estiverem resistindo contra o levante
antidemocrático da época. Dessas entrevistam se cristalizaram relatos como o
de Cândida Guariba, neta de ex-presa política que diz: [A PM] que está aí atira
para matar. Ela não está nos defendo; ela está servindo a outros interesses.

A resposta a isso, em nota oficial da PMSP, lemos: Ninguém deveria se


ocupar do julgamento do pretérito, especialmente com os olhos do presente, mas
não é o que ocorre neste país. E também prosseguindo, também se leu:

Ainda somos uma democracia, é bom que nos lembremos sempre


disso. Se um dia tivermos de mudar nosso modelo, que seja pelo
desejo do povo, não de "especialistas". – PMSP, em nota

Nos utilizando mais uma vez da análise de discurso podemos fazer alguns
breves apontamentos. Nos dois trechos citados é latente no ideário da PMSP
uma preocupação com sua imagem, mas além, no primeiro o discurso que se
coloca sorrateiramente é o de que nos é impossível olhar para o passado
dotados de um olhar que crítico que aponte as falhas cometidas o que leva, por
sua vez, à ideia de naturalização do passado, pois, ao momento era o melhor a
se fazer. Ora, não propiciando a criação de uma base crítica que reflita sobre si
mesma a corporação está sujeita a refletir os mesmos erros do passado, hoje,
mas é importante notar que se aberto ao escrutínio público sob lentes do
presente os próprios ideais de proteção e valorização da vida que estampam
materiais publicitários e educacionais da PMSP perderiam sua razão de ser o
que contribuiria para a ruína das bases morais que a corporação se sustenta.

O segundo trecho evidencia um teor ainda mais interessante e até mesmo


cínico, pois, superficialmente o discurso se coloca a favor da democracia, mas
duas coisas podem ser discutidas da forma com que ele se modula. A primeira
é o apreço pela democracia e desejo de proteção da mesma que, sob um tom
rígido, aponta que especialistas não são os mais cotados para inferir sobre a
estruturação da PMSP, mas que o povo, escolhendo democraticamente teria,
sim, esse poder. O segundo ponto, e talvez o mais ácido, é o que se utiliza de
um tom condescendente ao apontar como a democracia funciona, mas vejamos
bem: ainda somos uma democracia, é bom que nos lembremos sempre disso; o
que esse discurso informa é que além de estarmos numa democracia, nós ainda
a vivemos, ou seja, ela pode acabar a qualquer momento e mais, uma ameaça
a estruturação da polícia militar é por si só, uma afronta à democracia.

Ou seja, nesse ir e vir de sentidos se cria uma imagem inatacável, pois, a


democracia não pode ser destruída e atacar a PMSP é, com seu devido mérito,
atacar a democracia fazendo com que independente de quem faça a crítica, povo
ou intelectual, a vítima seja a corporação e não as pessoas que sofrem da falta
de transparência da corporação.

Avançando para o ano de 2015, mas imediatamente ligada ao ponto


anterior está a denúncia da ausência de transparência da PMSP feita pelo
coletivo de jornalistas Ponte e também do jornal Artigo 19. Ambos os veículos de
informação desenvolveram um dossiê em conjunto que aponta para o
negligenciamento sistemático dos pedidos legais feitos com amparo na Lei de
Acesso à Informação.

Não é mérito deste trabalho reproduzir o já desenvolvido na pesquisa feita


por esses dois canais informativos, pois, entende-se que apenas
reproduziríamos com nossas palavras o que fora pesquisado por aqueles. No
entanto, não é menos interessante discutir a importância e o impacto desta
pesquisa. Orlandi ao construir seu manual para análise de discurso aponta que
os discursos não são feitos apenas de forma textual, pois, ao fim pouco importam
as palavras, ainda que tenha valor como peças historiográficas, o que se
focaliza, porém, são os sentidos e significados desenvolvidos.

No que tange o estudo Informação Encarcerada: A Blindagem de Dados


na Segurança Pública de São Paulo, os sentidos e os significados da pesquisa
que foram mostrados a instituição da Polícia Militar do Estado de SP foi o olhar
crítico e ativo da sociedade civil. Observando os pontos brevemente enunciados
anteriormente podemos perceber esse movimento, mas o que se tem no
desenvolvimento desse estudo é a manifestação do sentimento de
empoderamento civil promulgado pela Lei de Acesso à Informação, pois, se
antes não era possível escrutinar o estado e seus problemas, pela lei
desenvolvida em 2011 o cenário mudou de figura. Não mais o estado se
mantinha impune e imune, agora ele jazia no plano dos mortais, passível da
queda e da crítica.

Mas nesse interim, no sentido que os pronunciamentos oficiais da PM e


do estado de São Paulo vinham imprimindo ao longo dos anos seguintes à Lei
de Acesso a Informação, a resposta ao escrutínio público que apontou a
intransparência rampante da corporação veio em 2016 com a Resolução SSP-7
que garantia sigilo de justiça por 15 anos para acesso aos dados da PM.
Entrevistado sobre a resolução o então secretário de segurança pública
Alexandre de Moraes disse que:

As informações objetivas, que até então não eram fornecidas, serão


fornecidas a quem perguntar: o efetivo fixado, o efetivo existente seja
da Polícia Militar, seja da Polícia Civil, seja da Superintendência da
Polícia Técnico-Científica. – Alexandre de Moraes, em entrevista
O que continuará sendo sigiloso é a utilização dos policiais naquele
momento, naquele dia para essa ou aquela operação. Ou seja, as
informações subjetivas em relação a dias e episódios específicos. –
Alexandre de Moraes, em entrevista

Ao passo que no primeiro pronunciamento o sentido que o secretário de


segurança busca criar é o de estabilidade democrática e transparência para com
a população, em seu discurso oculto, no segundo trecho, ele nos oferece
justamente aquilo que o estudo de segurança pública do coletivo Ponte e do
jornal Artigo 19 denunciaram: a falta de transparência das ações de agentes
policiais comandados pela PMSP. Ainda, o problema se situa no que é entendido
aqui por subjetivo pela PMSP e pelo aparato de segurança pública que não versa
sobre isso.

Refletindo sobre o que foi posto vimos que é possível notar um fio
condutor que se inicia em 2011 na criação da Lei de Acesso à Informação e que
segue sendo continuamente permeado por pronunciamentos da PMSP que
acenam para o antidemocrático quando analisamos a criação de sentidos que
seus discursos põem, mas que na superfície se mostram a favor de um modelo
democrático. Essa performance de democracia exercida pela PMSP necessita
ser escrutinada, pois, não apenas valida, mas blinda atitudes antidemocráticas,
antiéticas e que envolvem a naturalização e liberalização da impunidade por
parte das forças policiais; dado que aponta essa constatação é, em 2017, por
pesquisa feita pelo jornal UOL a constatação do aumento do número de mortes
causadas por policiais e ações da PMSP que no montante geral somam valor
recorde somente encontrado em 2001.

A intransparência é parte fundamental de práticas antidemocráticas e que


visualizam em certos grupos da sociedade inimigos em potencial. O trancamento
da possiblidade de crítica dessas práticas leva ao aumento do senso de
impunidade que por sua vez gera uma espiral de violência institucional que,
inconsequente, não mede esforços para realização da sua tarefa pois vê
espelhada no governo do estado, tanto no passado, quanto no presente – pelos
discursos não ditos – a ideia de que ordem é a relação direta de contingente nas
ruas e encarcerados em presídios.

GUERRA ÀS DROGAS OU GUERRA A NEGROS?

Uma das construções históricas e sociais que causam a desconfiança


entre usuários de droga, pobres e negros é a política de guerra às drogas. Na
década de 1970, nos EUA, o então presidente Richard Nixon criou essa política
que viria a ser desastrosa. O objetivo prático era acabar com o tráfico de drogas
por meio do aprisionamento dos traficantes. O resultado, porém, foi o insucesso
no combate ao crime organizado e o massivo encarceramento sobretudo da
classe mais pobre. Dados recolhidos a partir das prisões feitas pelo FBI, polícia
federal estadunidense, entre 2001 e 2010, mostram a desproporção do olhar do
estado para negros e brancos.

Em 2001, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos, menos de 200
foram presos por porte de maconha e mais de 500 negros foram encarcerados
pela mesma razão. Em 2010, a taxa de encarceramento dos brancos se manteve
estável enquanto a dos negros subiu para 700 a cada 100 mil habitantes. Posto
isso, o Brasil importou esse modelo dos EUA e em 2006 adotou a nova Lei de
Drogas, que dá o poder ao agente de segurança, muitas vezes representado
pela figura do policial, de decidir se o sujeito com porte de entorpecentes é
usuário ou traficante. Dados do Ministério da Justiça mostram que o número de
presos por tráfico de drogas no Brasil aumentou de 31.529, em 2006, para
138.366, em 2013. (BORGES, Pedro; 2017)

Para Nathalia Oliveira, presidenta do Conselho Municipal de Políticas


sobre Drogas e Álcool de São Paulo (COMUDA) e coordenadora da Iniciativa
Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD), a atual política de drogas,
na verdade, é a justificativa mais atual para desenvolver mecanismo de
mantenimento de extermínio da população pobre e negra. Essa política, segundo
a entrevistada, criminaliza os territórios pobres, sobretudo naqueles em que há
uma grande população de rua. Portanto, a divisão racial e de gênero aponta que
os mais prejudicados com essa política são os negros, e em especial as
mulheres negras. Em 2012, o Brasil tinha uma população carcerária próxima dos
470 mil, sendo que desse total, 173.536 eram brancos e 295.242, negros. Dados
do Infopen Mulheres de 2015 mostram que 60% das mulheres encarceradas são
negras e que 68% das mulheres atrás das grades estão nesta condição por crime
relacionado ao tráfico de drogas. (BORGES, Pedro; 2017)

Outra perspectiva da política de guerra às drogas e a letalidade policial e


a alta taxa de homicídios no país contra a população pobre e negra. Em 2012,
enquanto 9.667 brancos morreram por armas de fogo, outros 27.638 negros
perderam a vida da mesma forma. Estudo feito pelo programa SPTV, via Lei de
Acesso à Informação, com base nos dados de 2014, denuncia que, para cada
cinco assassinatos na cidade de São Paulo, um é cometido pela polícia. Das
1.198 vítimas de homicídio na capital, 343 morreram por policiais em serviço, o
maior número dos últimos 10 anos.

Outra característica dos moradores da região é o receio com relação à


polícia. 80% dos moradores de rua disseram ter uma relação ruim ou muito ruim
com o aparelho repressivo do Estado. Uma pesquisa utilizada para o relatório
“Crack: Reduzir Danos” aponta a vulnerabilidade da população em situação de
rua e usuária de drogas. O estudo “Alta Mortalidade de Jovens Usuários de
Crack no Brasil: um estudo acompanhado de 5 anos” mostra que esse grupo tem
uma taxa de mortalidade 7 vezes mais alta do que a população em geral, e que
6 em cada 10 moradores de rua e usuários de drogas serão assassinados.

EUGENIA COMO ESSÊNCIA

Não é possível desassociar as operações da cracolândia de outros


momentos históricos onde a elite nacional pensou estratégias de
“desenvolvimento” que passavam por uma ideia de higienização. A partir do
projeto abolicionista, a elite implementou um processo de embranquecimento do
país baseado no conceito de eugenia europeu. Ou seja, dentro da ideologia
eugenista negros e indígenas eram considerados raças inferiores, portanto seu
contingente populacional era tido como um empecilho ao desenvolvimento do
país. Foi através dessa perspectiva que se estimulou o processo do fluxo
imigratório da Europa para ocupar postos de trabalho no país. A segunda etapa
desse projeto foi o estímulo a mestiçagem para que, passadas algumas
gerações, não houvessem mais negros retintos no país.

Especificamente na cidade de São Paulo, esse projeto foi muito explícito


e estendeu a formação do mercado de trabalho, como também ao projeto
urbanístico. A elite cafeeira se dedicou a construir um projeto para transformar
São Paulo num tipo capital europeia e com isso organizou os bairros de Campos
Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista para abrigar fazendeiros em grandes
casarões. Também se instituiu um processo sistemático da substituição da mão
de obra negra por imigrantes italianos, por exemplo. Essas políticas ficam muito
nítidas no relato, em 1919, do Washington Luiz, ex- Secretário da Justiça e da
Segurança Pública, então Prefeito de São Paulo e depois presidente da
república, sobre a Várzea do Carmo, hoje Parque Dom Pedro:
É aí que, protegida pelas depressões do terreno, pelas voltas e
banquetes do Tamanduateí, pelas arcadas das pontes, pela vegetação
das moitas, pela ausência de iluminação se reúne e dorme e se
encachoa, à noite, a vasa da cidade, em uma promiscuidade nojosa,
composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas pela
embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos
inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as
idades, todos perigosos. É aí que se cometem atentados que a
decência manda calar; é para aí que se atraem jovens estouvados e
velhos concupiscentes para matar e roubar, como nos dão notícia os
canais judiciários, com grave dano à moral e para a segurança
individual, não obstante a solicitude e a vigilância de nossa polícia. Era
aí que, quando a polícia fazia o expurgo da cidade, encontrava a mais
farta colheita. (ex-Secretário da Justiça e da Segurança Pública, futuro
presidente da República, Washington Luiz, à frente da Prefeitura
Municipal durante a gestão de 1914 a 1919, sobre negras, negros,
indígenas e outras pessoas pobres que ocupavam a Várzea do Carmo)

O relato de Washington Luiz permite fazer um paralelo direto entre o


projeto de urbanização da Várzea do Carmo em 1919, com o atual Projeto Nova
Luz. Nos dois o objetivo é o mesmo: fazer uma limpeza racial e social e abrir
caminho para o “desenvolvimento”. Antes, um dos argumentos era o uso do
álcool, os(as) negros(as) associados à criminalidade, vagabundagem, ou seja,
dentro dessa ideologia e desse imaginário, uma vergonha para cidade e um país
moderno. Hoje o problema são os usuários de crack que representam o
antagonismo da cidade vendida por João Dória, cujo mesmo declarou que:

[...] é necessário extirpar essa gente que atrapalha a cidade dos


negócios, a cidade moderna. O prédio (ocupado por moradores de rua)
foi invadido e parte desta invasão financiada e ocupada por uma facção
criminosa. Foram rechaçados, inclusive com ameaças de violência
pela ocupação irregular. Porque ali era um centro de distribuição de
drogas também, além, infelizmente, de abrigar famílias em situação de
rua. (citação do ex-prefeito da cidade João Dória, sobre as famílias
desabrigadas pelo edifício Wilton Paes de Almeida, dia 01 de Maio de
2018.)

Portanto, essa ideologia persiste em nossa sociedade até os dias atuais.


Como coloca Pietra Diwan, autora do livro “Raça Pura: uma história da eugenia
no Brasil e no mundo”, se hoje não existe uma eugenia institucionalizada, existe
um pensamento eugenista incrustado no imaginário do brasileiro. Como coloca
a autora, não nos damos conta pois este foi naturalizado e hoje se apresenta
muitas vezes em forma de piada ou como justificativa de diferenciar o seu lugar
em relação ao outro. Piadas corriqueiras como “segunda-feira é dia de branco”
ou “sou pobre, mas sou limpinho” são alguns exemplos de como a eugenia
chegou aos nossos tempos. Pietra atribui a persistência desse discurso aos
programas televisivos, ou seja, à indústria de consumo e a cultura de massa no
Brasil.

RACISMO NAS FUNDAÇÕES DE UM PROJETO URBANÍSTICO

Figura 1. Composição dos moradores da Cracolândia. Fonte:


Nexo Jornal

A pobreza no Brasil não é apenas um problema de segurança pública, um


problema de educação ou mesmo um problema de políticas públicas de
distribuição e equalização do acesso à renda; no Brasil o problema da pobreza
é um problema de cor e essa cor é a cor preta.

Na figura 1 trouxemos dados que apontam não apenas a composição dos


moradores de rua, mas as dinâmicas em que estão inseridos, se são moradores
de rua, se possuem casa alugada ou própria, etc. Dissemos anteriormente que
o problema da pobreza no Brasil é um problema de cor justamente pelo fato de,
pelo negligenciamento sistemático de condições humanas de vida à população
negra, ser ela a maior constituinte da população em situação de rua contando
com cerca de 67% (MERELES, 2017).

Sabendo disso é interessante notar a ação policial das forças de


segurança pública na área denominada Cracolândia, no coração da cidade de
São Paulo. Para além da forma cruel que foram tratadas as pessoas que se
encontravam naquele lugar é importante notar para um retorno, ainda que não
esbravejado a plenos pulmões, das práticas eugenistas de outrora. Percebeu-se
na ação policial da Cracolândia o trato de um problema de saúde como um
problema de polícia; porém, essa ação não surpreende quando tomamos conta
de que o Brasil foi e é um país estruturalmente racista (MUNANGA, 2011).

Buscando, portanto, a renovação de uma região desvalorizada por uma


suposta criminalidade e também, no discurso oculto, pela mancha que a
população negra ali impôs, surge o Projeto Nova Luz, ironicamente, como meio
de trazer luz a uma região que a muito fora esquecida.

A experiência internacional mostra que estas situações somente são


revertidas quando orientadas por um projeto urbano com capacidade
de recriar a localização, e quando lideradas por parcerias público-
privadas num período específico de tempo. – Documento de
apresentação do Projeto Nova Luz

Pela análise de discurso buscaremos evidenciar o teor gentrificador e


elitizante que o Projeto Nova Luz capitanea. Iniciando pelo trecho acima
encontrado no documento oficial da prefeitura de São Paulo que busca
apresentar o Projeto Nova Luz é possível ler que em outras localidades do
mundo projetos semelhantes foram executados e obtiveram grande sucesso.
Primeiro, o discurso que se faz ocultar é o da dificuldade em estabelecer uma
política urbana que seja eficaz, invisibilizados da discussão está a dificuldade –
para não dizer impossibilidade – de se transplantar um projeto internacional para
o nacional pois se tratando de outro espaço com outras dinâmicas o simples
transplante de “sucessos internacionais” não é garantia de sucesso nacional.
Mas ainda mais importante que isso, nesse trecho, está a focalização que essa
reviravolta urbanística somente seria possível através de uma parceria público-privado; esse
apontamento evidencia um outro discurso oculto, o do neoliberalismo que como outras
experiências nacionais e internacionais põe sobre o estado pesos que o privado não está
apto a aceitar.

Esquinas seguras, sombreadas e iluminadas são um ponto de partida


adequado à instalação de pequenos restaurantes e cafés, adotando
uma linguagem arquitetônica comum em seus projetos de restauro. –
Documento de apresentação do Projeto Nova Luz

Nesse outro extrato temos uma ênfase no aspecto da iluminação como


ponto inicial de uma renovação urbana que facilita a instalação de um comércio
local que beneficie a sociedade local. A iluminação pública comprovadamente
diminui a incidência da criminalidade, no entanto, o importante a ser sublinhado
no discurso a favor da especulação mobiliária e da implantação de projetos como
o Nova Luz põe que apenas a iluminação pública diminui a criminalidade quando
na realidade a luminosidade faz é espraiar a criminalidade para outras regiões
sendo mero paliativo dessa. Assim se isenta a resolução de problemas maiores
como a busca do aumento dos índices de investimento público para com a
segurança, educação e capacitação, estes sim, capazes de alterar a realidade
da criminalidade efetivamente.
Por fim, o dado mais interessante que o Projeto Nova Luz traz é o
seguinte:
É relevante considerar o papel que hoje exercem os grandes
equipamentos públicos como museus e espaços para exposições no
entorno da área do projeto. São equipamentos de forte atração
turística, que, contudo, ainda desempenham pouca interatividade
cultural e de oferta de emprego com os residentes na região. Por isto
mesmo sugerem a complementação de atividades no interior da Nova
Luz, atividades próprias da dança, da música, da pintura e outras que
delas derivam, como potencial para uma inovadora oferta de
empregos. – Documento de apresentação do Projeto Nova Luz

Ainda que outras iniciativas tenham poder magnetizador na disseminação


cultural para os residentes da região, entende-se nos discursos não ditos que
somente com o projeto nova luz os esforços poderão ser focalizados para a
implementação de plataformas culturais dinâmicas e integradoras, essa ideia
ainda que soe inofensiva impulsiona uma narrativa incontestável, pois, quem
seria contra o aumento da cultura? Porém, o aceite não pode ser feito em partes,
pois, o aumento da difusão cultural promovido pelo Projeto Nova Luz só é
concluído se todo seu arcabouço vier atrelado.
Esses foram alguns exemplos aqui por nós selecionados, mas durante ao
longo de todo documento que apresenta o Projeto Nova Luz o discurso não
escrito que se coloca é o de que a parceria público-privada é a única forma de
trazer revitalização da área central da cidade de São Paulo e, principalmente,
que a região necessita de mudança. Essa urgência tecida textualmente se
ampara nos mais diversos artifícios, ora a promessa de diminuição da carga
horário ocupada dentro de transportes públicos, ora o aumento de empregos
potencializados tanto pela construção em si quanto pelos estabelecimentos que
irão se aglutinar na região após a revitalização, vez ou outra é discutido o
mantenimento da população local, porém, o grosso da discussão versa sobre a
revitalização de uma área degradada.
Sabemos que a maior parte da população da Cracolândia – região dentro
do escopo do Projeto Nova Luz – é negra (GELEDÉS, 2017), ou seja, aliada a
uma política de guerra ao terror promovida pelas polícias de São Paulo os
setores responsáveis pelo planejamento urbano também se incubem da tarefa
de invisibilizar e ostracizar, mais ainda, a população negra culminando em
operações truculentas e desejosas do extermínio de negros e pessoas
indesejáveis da sociedade para, aí então, abrir caminho para uma revitalização
de fato da região aos moldes de projeto eugenistas do passado.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://almapreta.com/editorias/realidade/cracolandia-da-
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Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/A-pobreza-
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