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ALAN NASSER (MAIO DE 2014)

Afastando as Lendas do Gasto Público, da Tributação e dos Déficits

Como o Dinheiro Moderno Funciona

O Presidente Obama fez uma declaração notável na “cúpula sobre empregos” em 3 de dezembro
de 2009 acerca da responsabilidade do governo perante os cidadãos em tempos de crise
econômica severa. Ele advertiu aos que pressionam por um programa de empregos do governo
que “encarem o fato de que nossos recursos são limitados.... Não nos será possível ter um
segundo estímulo maciço porque, francamente, nós simplesmente não temos o dinheiro”.

Aí está, um importante pilar da agenda da austeridade: “nós simplesmente não temos o dinheiro”.
O problema começou com o “estado de bem-estar social [welfare state]”, o qual nos fez pensar
que o governo poderia “gastar além dos seus recursos”. Obama nos disse incontáveis vezes que
um governo não é diferente de uma família; nenhum pode gastar mais do que recebe, sua renda.
Melhor que as famílias não gastem mais que os ordenados e salários que ganham, e o governo
não deve gastar mais do que suas receitas fiscais. O orçamento ideal é um orçamento equilibrado.
O conservadorismo fiscal da década de 20 está de volta com todo o gás.

A declaração assim que foi pronunciada já era suspeita porque por décadas as elites
governamentais e privadas encorajaram vasta acumulação de dívida pelas famílias. Os déficits
privados foram desde os anos 70 a salvação da economia. Mas a dívida pública é encarada como
um pecado capital, tão grave e habitual a ponto de exigir penitência severa. Mas não é tarde
demais para nos redimirmos. Os salários do pecado orçamentário resultam na austeridade fiscal.

Deste ponto, a agenda neoliberal prossegue. A ampla varredura do “nós simplesmente não temos
o dinheiro” é de tirar o fôlego. A Previdência Social e a Saúde são ameaçadas de falência a menos
que coloquemos nossa casa financeira em ordem. Fica ainda pior. O gasto social passado do
governo criou um problema para nossas crianças, que carregarão o fardo do pagamento da dívida
pública que seus pais encorajaram. Nós legamos a nossas crianças um padrão de vida mais
baixo. Que a vergonha se abata sobre nós!

Os termos deste argumento comum em prol da austeridade dependem de uma certa concepção
de nosso sistema monetário e de como ele funciona. É perceptível que muitíssimos Esquerdistas
compartilham esta concepção. Se a concepção estiver errada, e ela está, a inteira discussão do
déficit e de todas as questões a ele relacionadas – do status da Previdência Social, da Saúde e de
outros programas sociais até o investimento público em larga escala em empregos – precisará ser
repensada.

Um ponto de partida construtivo é uma prescrição enganadora, uma alternativa à austeridade,


ouvida repetidamente de grandes segmentos da Esquerda. Tem sido debatido que a maior parte
do déficit resulta das receitas perdidas pelo governo em decorrência de tributação historicamente
baixa sobre os ricos. E parte muito grande do orçamento do governo é despesa militar. Se os ricos
fossem tributados progressivamente nos, digamos, 92% de Eisenhower, e o orçamento militar
fosse substancialmente reduzido, o governo então “teria o dinheiro” para o tão necessário gasto
social na Saúde, na Previdência Social, na infraestrutura, na pesquisa de energia verde etc.
Muitos na Esquerda estão, assim, de acordo com economistas conservadores e liberais em que o
gasto governamental federal tem que ser financiado de algum lugar, nomeadamente das receitas
fiscais. A Esquerda assegura que gastar arrecadação fiscal mais fundos emprestados, isto é, o
gasto deficitário, não tem problemas normalmente; a Direita restringiria o gasto federal às receitas
fiscais. Mas tanto uma quanto outra acredita que o gasto federal está constrito ou limitado pelas
receitas tributárias. Esta premissa é tratada como autoevidente e como senso comum.

Mas e se a proposição for falsa? O quê então se ela se assenta sobre modelo fundamentalmente
errado do nosso sistema monetário e em incompreensão básica do papel da tributação no nosso
sistema? Este é o argumento da Modern Monetary Theory (MMT), que tem como aderentes não
só renomados economistas como Michael Hudson e James Kenneth Galbraith, mas também todo
banqueiro central. Que a MMT não tenha se tornado ensino padrão tanto entre os economistas de
Esquerda quanto entre os economistas mainstream é testemunho da ignorância geral dos
economistas quanto às operações do sistema monetário e do poder politico daqueles com
interesse na limitação do gasto social do governo.

Quais São as Funções da Tributação Moderna?

Supõe-se que pensemos que a tributação existe para financiar o gasto governamental e para
regular a economia. De fato, é somente o segundo registro que descreve uma função autêntica da
tributação. A política fiscal tenta na verdade regular a economia pela baixa dos impostos quando o
crescimento é arrastado e pela subida dos impostos quando a inflação ameaça. Mas a tributação
não tem nada a ver com “financiamento dos gastos do governo”.

A atração da noção de que tem é baseada na sua meia verdade. Os governos estaduais e
municipais necessitam, de fato, tirar o dinheiro que gastam de algum lugar, ou seja, das rendas
tributárias. Nem os governos estaduais, nem as firmas privadas, nem as famílias têm o poder de
emitir ou criar dinheiro, de modo que são forçados a consegui-lo em outra parte. Os governos
estaduais e municipais juntam dinheiro pela tributação e por empréstimo, as empresas pelas
rendas das vendas e por empréstimo, e as famílias conseguem dinheiro através das rendas de
salários e ordenados, e por empréstimo. Mas o governo federal, porque é o emissor da moeda
nacional, não tem que “conseguir dinheiro” pela tributação ou por quaisquer outros meios. Como
coloca a MMT, o governo federal nem tem nem não tem dinheiro. Não existe soma finita de valor
monetário que o governo federal “obtenha” e “mantenha” ou tenha em algum lugar, por exemplo,
na “caixa-forte” de Al Gore, para que possa sacar daí quando gasta. (1)

Nosso sistema monetário não especifica quanto dinheiro o governo federal, através do seu banco
central, pode emitir. O total depende, se o banco central está desempenhando seu papel como
banco público genuíno, do que é exigido para servir ao interesse público. O governo federal pode
criar tanto dinheiro quanto precise criar para atender às necessidades da cidadania. Ao contrário
da crença disseminada, as rendas tributárias não fazem parte desta história; elas não colocam
nenhum limite operacional monetário sistêmico no que o governo pode gastar. Um governo pode
de fato estipular que não gastará mais do que recebe de ingressos tributários, mas esta é uma
escolha politicamente motivada, não uma exigência do sistema monetário. O incentivo político em
questão é, claro, fabricar uma limitação alegadamente apolítica e objetiva à habilidade do governo
de gastar com propósitos sociais.

As realidades da feitura do orçamento são a este respeito inteiramente diferentes daquelas do


gasto da família, da firma e do governo de nível inferior [estadual ou municipal]. Isto é melhor
ilustrado pelo exame das origens dos seguintes três elementos: o estabelecimento de uma moeda
nacional, isto é, do poder do governo de emitir moeda, tributação, e o gasto do governo federal.

Imagine um Estado-nação soberano que começa a existir e a estabelecer uma moeda nacional
com seu próprio valor. Encontra-se exemplo no mundo real nas práticas dos colonizadores
europeus que estabeleceram novas moedas, deram valor a essas moedas e compeliram os povos
colonizados a usar essas moedas para atender às suas necessidades. Como foram os
colonizadores capazes de fazer isto? Pela cobrança de impostos. (2)

As dificuldades em face dos colonizadores eram formidáveis. Os colonizados têm que ser
transformados em trabalhadores assalariados, eles têm de aceitar seus salários na moeda do
colonizador e têm de adquirir o que querem gastando essa moeda. Antes da colonização os
indígenas produziam e distribuíam o que veio a ser chamado de “bens e serviços” por todo tipo de
meios costumeiros que podiam ter exigido poucas ou nenhuma compra e venda, virtualmente
nunca exigiam trabalho assalariado e nunca envolvia o uso da moeda do colonizador. Os
colonizadores europeus precisavam substituir a produção de subsistência nativa e formas internas
de troca pelo dinheiro moderno e as correlatas instituições e práticas capitalistas. Eles
conseguiram isso pela imposição sobre a população local de uma obrigação tributária denominada
na moeda do colonizador. Os efeitos desta estratégia singular foram economicamente
transformadores.

A função da tributação é neste caso aparente. Nada tem a ver com financiamento de gasto do
governo. A imposição de obrigação tributária resulta na transformação de economias tradicionais
em economias modernas de dinheiro obrigando as populações colonizadas a precisar do dinheiro
colonial e a usá-lo para pagar suas dívidas tributárias. A tributação impõe a moeda do governo
colonial como a unidade padrão de troca para todos os bens e serviços, tornando-a a base do
sistema monetário do país. A imposição de um sistema monetário nacional exige não somente que
os cidadãos queiram dinheiro mas também que precisem de dinheiro. Tem que haver um arranjo
que garanta que os cidadãos possuam e usem a moeda nacional única. O mesmo processo cria
crescente população de assalariados. Os locais obteriam o dinheiro que começou a ser exigido
cultivando culturas de exportação e/ou se tornando trabalhadores assalariados. Que as moedas
estatais são impulsionadas pela tributação [tax-driven] era compreendido por Adam Smith, John
Stuart Mill e J. M. Keynes entre outros.

A tributação também assegura que o Estado pode adquirir do setor privado os bens e serviços dos
quais necessita. O Estado e seu banco central precisam de equipamentos e trabalhadores. Pela
imposição de passivo tributário sobre a população o governo também cria demanda por gasto
público por bens e serviços disponíveis do setor privado, ou seja, estruturas, equipamentos e
trabalhadores. Que outra forma haverá para que as famílias obtenham o dinheiro necessário para
pagar os impostos a não ser a de que o governo forneça esse dinheiro gastando-o no setor
privado? Assim, o gasto do governo precede, sistematicamente falando, a arrecadação tributária e
a produção privada. No começo foi o gasto público.

A menos que o setor privado concorde em vender para o governo, em trocar bens e serviços por
dinheiro emitido pelo governo, as famílias e as firmas não terão dinheiro para pagar seus
impostos. Em outras palavras, o governo, diferentemente da empresa privada, pode garantir a
demanda por sua “produção” [“output”] ao exigir que os impostos sejam pagos na moeda nacional
que somente o governo pode prover pelo seu gasto. Uma vez colocada a tributação, o gasto do
governo é necessário para que as obrigações tributárias possam ser pagas. O gasto público está
assim embutido nas fundações do capitalismo. O gasto público é o Que Haja Luz da atividade
econômica capitalista. (O investimento é exigido para manter a luz ardendo.) Veremos abaixo que
muitos que se acreditam keynesianos subestimam, como o próprio Keynes não subestimou, a
quantidade de gasto do governo necessária para evitar depressão econômica. Historicamente,
apenas o gasto deficitário tem evitado crises econômicas nos Estados Unidos.

A transformação econômica criada pela tributação resulta naturalmente em mercados de todos os


tipos, a maior parte deles sem incluir o governo como participante. A proliferação de mercados
secundários no setor privado torna o dinheiro do governo o meio de pagamento padrão, a unidade
de conta estabelecida e o meio universal de troca. Quando o governo determina que só aceitará a
moeda que ele emite no pagamento de impostos o governo se estabelece como o criador
monopolista da moeda nacional. (3) Isto não quer dizer que os bancos privados não podem criar
dinheiro, como o banco central cria, do ar rarefeito. Quer dizer que somente o governo federal,
através do seu banco central, pode transformar o dinheiro que todos os bancos criam na moeda
nacional única.

Resta a ver abaixo como a maior parte do dinheiro em circulação é criada no nível local pelos
bancos comuns com os quais lidamos. É bastante dizer neste ponto que o poder soberano do
governo permite a ele garantir que sua moeda será necessária para todas as trocas de mercado e
em decorrência constituirá a unidade básica do sistema monetário da nação. Isto é conseguido
automaticamente em virtude da habilidade do soberano de emitir moeda, impor passivos
tributários e especificar como essas obrigações devem ser satisfeitas. Que nenhuma família, firma
ou governo de nível inferior [ao federal] possa fazer isso acarreta que famílias, firmas e governos
de nível inferior [ao federal] estão restritos no gasto deles pela indispensabilidade de obter
dinheiro de alguma outra parte e que o governo federal não se submete a tal restrição no seu
gasto. (4)

Afastando as Lendas do Gasto do Governo, da Tributação e dos Déficits

O sistema banqueiro moderno surgiu como resposta ao virtual monopólio mantido por entidades
privadas como senhores [lords] e reis no que respeita ao acesso à finança. Os Estados-nação
modernos e seus bancos centrais democratizaram a finança com criação da supervisão pública
das instituições financeiras e pela mobilização da finança para o desenvolvimento nacional, que,
para o banco central público, visava a promover o interesse geral. Não existe absolutamente
nenhuma conexão entre o bem-estar geral e os meios de avançá-lo e o fato de os livros do
governo exibirem um superávit ou um déficit. Num sistema de dinheiro fiduciário [fiat money] o
governo tem exatamente a mesma quantidade de dinheiro à sua disposição quer sob déficit
orçamentário quer sob superávit orçamentário.

Indivíduos, famílias e firmas podem de fato arriscar e tomar dinheiro emprestado até a falência,
mas não o governo. É assim porque o governo toma empréstimo na mesma moeda que emite. O
governo federal gasta o que quer no que ele valoriza. Rosa Luxemburg observou que os valores
sociais e as prioridades políticas de todo governo estão evidentes no seu orçamento. Suponha
que o gasto social seja proporção decrescente de um orçamento de governo, e o gasto bélico e
doações aos mais ricos sejam crescente porcentagem. É tudo que você precisa saber acerca de
para quem esse governo governa.

As mitologias correntes do dinheiro e dos impostos funcionam no sentido de mascarar o


verdadeiro caráter do Estado, e de habilitar o governo possuído pelas elites a racionalizar a
austeridade como prudência monetária. Para enxergar através do véu precisamos unicamente
observar a construção do orçamento do governo, o que o governo realmente faz quando gasta,
tributa, escreve cheques para a Previdência Social, o SUS e a Saúde, constrói habitação popular,
faz guerra e socorre bancos. O governo federal, contrariamente a famílias e firmas, não retém
estoque de dinheiro vivo à mão, nem tem saldo “no banco” nem em nenhum outro lugar para
torná-lo apto a gastar. Como o emissor da moeda nacional, ele não precisa destas coisas.

Comece olhando em primeiro lugar para as operações do banco central, o Fed, não para as do
Tesouro. As atividades do Tesouro ocorrem em suas contas no Fed. Toda família, firma,
corporação, todo governo soberano tem uma conta no Federal Reserve Bank. Toda entidade que
lida com bancos, e os próprios bancos, tem conta no Fed. O livro do Fed é sua imensa planilha
eletrônica localizada no seu computador. Como ela funciona?

Quando você paga seus impostos você não está comprando serviços do governo, como você
poderia comprar um produto de uma firma privada. A capacidade do governo de prover tais
serviços como faz não tem relação sistêmica ou operacional com receitas tributárias. Quando o
governo recebe seu pagamento de imposto, o Fed simplesmente debita o saldo do seu banco no
valor do cheque que você enviou, e o seu banco correspondentemente debita o saldo em sua
conta-corrente no mesmo montante. Isso é o que ocorre quando o governo federal aceita um
pagamento. Quando o governo federal faz um pagamento, digamos, à Dell por computadores
usados em escritórios do governo, ele meramente credita a conta-corrente bancária da Dell no
total do pagamento.

No primeiro exemplo – pagamento dos seus impostos – o dinheiro é destruído [wiped-out]; no


segundo – compras do governo do setor privado – o dinheiro é criado. Cada operação acontece
através da redução ou aumento de uma conta bancária privada. Num caso, os números na coluna
caem; no outro, os números sobem. É isso. Este é o único sentido em que o dinheiro em cada
caso “vai para qualquer lugar”. Os números na conta de reserva do Tesouro, sua conta no Fed,
nada absolutamente têm a ver com as transações que acabaram de ser descritas. O dinheiro em
questão consiste em nada mais que entradas em planilha eletrônica. (5)

Sem dúvida, no fim a Dell tem mais dinheiro, isto é, os números na sua conta foram aumentados,
e nessa medida uma constrição financeira sobre uma firma privada foi levantada. Mas o governo
não tem, no mesmo sentido, mais dinheiro depois que você paga seus impostos. Outra vez, isto é
assim porque o governo pode gastar no que escolher gastar, e sua posição de déficit ou superávit
em relação à arrecadação de tributos não impõe nenhuma constrição sistêmica sobre esse gasto.
Nosso sistema monetário não determina nenhuma conexão operacional entre o gasto federal e as
receitas tributárias.

As realidades das contas federais são difíceis de compreender porque nos dizem para pensarmos
na contabilidade e na tributação do governo da mesma maneira que pensamos na contabilidade
privada. Fazemos um cheque para a mercearia e esse pedaço tangível de papel vai para o
vendedor, que agora tem esse tanto a mais para gastar ou poupar. É como se algo real, como
uma onça de ouro, fosse transferido para um vendedor em troca de suas mercadorias. Ele agora
literalmente tem algo que pode utilizar para preencher seus objetivos econômicos. O mais
importante, o que você uma vez teve e ele agora tem é um selo [token] material de um tipo finito.
Pode-se ficar sem ouro. Mas este exemplo é inapropriado para o gasto do governo federal; a
contraparte do governo moderno ao ouro, o dinheiro, não é algo que lhe possa faltar. Nada mais é
que uma entrada em um livro, ou um número em uma planilha eletrônica.
Quando as pessoas ricas com superávits eram os emprestadores, os emprestadores tinham um
ativo real, tangível que ia para o tomador de empréstimo. Mas porque o governo é o criador da
moeda nacional, e faz e recebe pagamentos eletronicamente (antes dos computadores,
datilografando ou inscrevendo um número num livro), não faz nenhum sentido dizer que o governo
federal “obtém” algo real e então dá o que obteve para outro alguém, por exemplo para pagar
benefícios do INSS [tradução livre de “... to pay Medicare benefits”: o Brasil não tem “benefícios”
específicos para a área da Saúde como o Medicare; tem o SUS, mas ele é outra coisa]. Selos
materiais do dinheiro [material tokens of money], como cédulas e moedas, são decrescentemente
significantes nas transações monetárias, e constituem apenas 3-4% do dinheiro com o qual
lidamos. O resto é dinheiro intangível de banco criado na maior parte pelos bancos locais com
pressão sobre teclas de computador e tendo origem, como veremos abaixo, em crédito/débito. (A
imprensa de negócios tem falado da possibilidade de abolir inteiramente todos os meios de
pagamento não eletrônicos.) Não há limite para a quantidade de dinheiro que os bancos podem
criar para ajudar a criar o tipo de sociedade na qual queremos viver.

Um governo que reconhece o direito à saúde contribuirá o que for preciso, não importa quanto
possa ser, para manter a saúde da população. Haveria um programa nacional de saúde, como há
agora um programa nacional de defesa. Esse governo gastaria em prol dos idosos, dos doentes,
dos portadores de deficiência, da mesma maneira que ele agora gasta com equipamentos e
intervenções militares. Mas é improvável que um Estado cujos propósitos mais importantes
incluem o domínio do mundo venha a gastar nos interesses reais dos seus cidadãos. Isso não é
porque o gasto bélico esgota [crowds-out] as receitas tributárias disponíveis para outros
propósitos, mas porque um Estado comandado pelos e para os ricos dificilmente tenderá para a
priorização das necessidades dos não ricos.

Do mesmo modo, o governo federal não está constrito na sua capacidade de efetuar pagamentos
à Previdência Social pelo montante das contribuições recebidas dos segurados [“... by the amount
in the Social Security 'trust fund'”]. O pagamento do meu benefício da Previdência Social nada
mais é que um número que aparece todo mês na coluna de Depósito na minha conta-corrente.
Não dá a mínima para as receitas tributárias do Tesouro. A administração da Previdência Social
pode pagar quaisquer totais necessários para prover um padrão de vida justo. O esquema
contributivo atuarial [“trust fund”] foi inventado para impedir que as pessoas formassem o hábito
de pensar que o governo está no negócio de prover o bem-estar delas [“The trust fund was
concocted lest people form the habit of expecting that government is in the business of providing
for their welfare”]. O debate de 1935 acerca de como o Social Security Act de FDR seria
financiado é revelador.

Roosevelt queria projetar a Previdência Social de forma a, nas palavras dele, “preservar o sistema
de empresa privada em busca do lucro... [e] competir o mínimo possível com as empresas
privadas”. Roosevelt insistia em que um plano de seguro social tem que se conformar tão
proximamente quanto possível ao sistema existente de seguro privado. Assim, o governo finge
que é obrigado a ir atrás do seu dinheiro em algum lugar, exatamente como as companhias
seguradoras privadas recebem seu dinheiro do pagamento dos prêmios.

Muitos New Dealers proeminentes rejeitaram esta premissa, e encararam um “imposto sobre o
salário” (FICA) [nome que se dá nos EUA à contribuição previdenciária forçada sobre o salário do
empregado] no meio de Depressão como absurda. Mas Roosevelt temia que se o governo
assumisse responsabilidade integral pelos pagamentos da Previdência Social, os recipientes
receberiam “alívio”, e FDR acreditava que o alívio – o que hoje é chamado de “esmolas” - erode o
caráter moral. Essas considerações políticas não fazem parte do sistema monetário. Os New
Dealers mais radicais, e havia muitos deles, compreendiam que mesmo na Depressão não havia
limite ao que o governo poderia gastar para trazer segurança econômica à classe trabalhadora
inteira.

É economicamente impossível que a Previdência Social e o SUS [“Social Security and Medicare”]
possam quebrar. Aceite as palavras de Alan Greenspan para isso. Em uma conferência em 1997
no Fed de St. Louis o ex-presidente observou: “Um governo não pode ficar insolvente no que
respeita a obrigações na sua própria moeda. Um sistema monetário fiduciário, como o que temos
hoje, pode honrar o pagamento de tais obrigações sem limite”. [O autor dá o link para a
declaração de Greenspan:
(http://fraser.stlouisfed.org/docs/historical/greenspan/Greenspan_19970800.pdf)]
Ou, como coloca o economista James K. Galbraith, “Um banco dos EUA sempre pagará um
cheque emitido pelo governo dos EUA, aconteça o que acontecer”. (6)

Você não deveria saber disso. É responsabilidade de uma imprensa democrática informar a seus
leitores sobre esta característica elementar da contabilidade do governo e expor os absurdos
maus augúrios de futura insolvência da Previdência Social como propaganda projetada para
reduzir as expectativas públicas da responsabilidade do governo de promover, na mais plena
extensão possível, o bem-estar da cidadania. Em vez disso, a mídia dominante serve para
reforçar a noção perniciosa de que somente o mercado, o setor privado, é capaz de fornecer
segurança material nestes tempos neoliberais.

Os banqueiros conhecem as realidades da finança do governo, mas têm que fingir que não
sabem. Algumas vezes eles escorregam. O hábito da conversa insincera de o governo gastar o
dinheiro dos contribuintes é tão segunda natureza aos formuladores de política que eles algumas
vezes se contradizem completamente. Em uma entrevista em 15 de março de 2009 no programa
“60 Minutes”, Scott Pelley perguntou a Ben Bernanke a respeito do bailout [socorro federal aos
bancos e empresas perto da falência]: “É dinheiro dos impostos que o Fed está gastando?”
Bernanke respondeu:

“Não é dinheiro de imposto. Os bancos têm – contas no Fed, quase da mesma maneira que você
tem uma conta num banco comercial. Então, para emprestar a um banco, nós simplesmente
usamos o computador para aumentar o tamanho da conta que ele tem no Fed”.

Contudo, momentos antes na mesma entrevista, derramando lágrimas de crocodilo a respeito da


“necessidade” – para evitar que todo o sistema financeiro desmorone – Bernanke disse

“É – é absolutamente – eu compreendo porque o povo americano está zangado. É absolutamente


injusto que os dólares do contribuinte vão socorrer uma companhia que fez estas terríveis
apostas”.(http://michaelreinstein.blogspot.com/2009/03/ben-bernanke-on-60-minutes-
complete.html)
Oops, “dólares do contribuinte”? Mas você acabou de dizer que “Não é dinheiro de imposto”.
Pelley interpelou Bernanke quanto a esta inconsistência? Sem chance.

Vale a pena mencionar que você viveria como um rei se recebesse cinco centavos de dólar a cada
vez que você ouviu um radical denunciar o bailout do Fed como tendo sido empreendido “às
custas do contribuinte”. Existe somente um sentido no qual isto é verdadeiro: o dinheiro que foi
financiar o capital deveria ter ido para salvar os americanos de uma catástrofe para o surgimento
da qual eles não desempenharam nenhum papel. Mas a frase é usualmente mal compreendida
como significando que fundos tributários foram desviados para os bolsos dos banqueiros.
Como os Bancos Criam Dinheiro do Nada
Não é somente o Fed que cria dinheiro fiduciário [fiat money]. Os bancos fazem o mesmo. A
maioria das pessoas acredita na história dos livros-texto, ainda empurrada por Paul Krugman e
companhia. Afirma-se nessa história que os bancos são intermediários entre poupadores e
tomadores de empréstimo. Quando você toma emprestado de um banco, diz-se que o banco lhe
empresta dinheiro previamente depositado em conta de algum poupador. Todo banqueiro central
sabe que isto é falso. Eis aqui Graham Towers, Governador do Banco do Canadá (1935-1955):

“Os bancos criam dinheiro. Para isso é que eles existem... [Fazer] dinheiro consiste em fazer uma
entrada em um livro [computador: Alan Nasser]. Isso é tudo... Toda e cada vez que um banco faz
um empréstimo, novo dinheiro bancário é criado – dinheiro novo em folha”.

O Governador do Banco da Inglaterra declarou, em discurso em 2012 na Gales do Sul, “[D]inheiro


é primariamente criado pela extensão de crédito bancário... Os bancos comerciais podem, eles
mesmos, criar dinheiro”.

Mais recentemente o Banco da Inglaterra soletrou o fato no seu Relatório do primeiro trimestre de
2014, que continha um pdf intitulado “Criação de Dinheiro na Economia Moderna”, que declara
“Toda vez que um banco faz um empréstimo, simultaneamente ele cria um depósito que o
contrabalança na conta bancária do tomador, dessa forma criando dinheiro novo.

“A realidade de como o dinheiro é hoje criado difere da descrição encontrada em alguns livros-
texto: Ao contrário de os bancos receberem depósitos quando as famílias poupam e então
emprestarem os depósitos, o ato de emprestar cria depósitos”.

(http://www.bankofengland.co.uk/publications/documents/quarterlybulletin/2014/qb14q1prerelease
moneycreation.pdf)
Quando você toma um empréstimo no seu banco, o banco eletronicamente credita a sua conta-
corrente no montante do empréstimo. O seu novo poder de compra não veio de lugar nenhum;
dinheiro novo foi criado do ar rarefeito [thin air]. O dinheiro tem origem nos bancos através da
extensão de crédito. Os depósitos, portanto, são criados pelos empréstimos. O dinheiro
emprestado não estava no banco quando o tomador conseguiu o empréstimo. A quase totalidade
dos depósitos nos bancos consiste de empréstimos pagos mais os juros extraídos pelos bancos
como remuneração pelo trabalho de apertar algumas teclas de computador para modificar para
cima os números nas contas-correntes dos devedores.

Uma vertente saliente da corrente falsificação sobre como os bancos operam assevera que os
bancos estão limitados no número de empréstimos que podem fazer pelas exigências de reservas
impostas pelo banco central. A atividade banqueira de “reserva fracionada” significa que os
bancos são forçados a manter em reservas [dinheiro nacional oficial] uma certa fração dos seus
empréstimos. Mas não é desse modo que as reservas funcionam. As reservas jamais deixam o
sistema banqueiro e não mantêm nenhuma relação com o montante que os bancos emprestam.
As reservas são mantidas no banco central e estão disponíveis sem limite à demanda dos bancos
comerciais. Os bancos precisam dessas reservas diariamente, mas não para conceder ou cobrir
empréstimos.

As reservas são empregadas pelos bancos nas suas relações com os outros bancos, por exemplo
para fazer compensação entre contas. Você pega emprestado do seu banco; o banco credita sua
conta-corrente no total do empréstimo. À medida que você gasta com o que tomou emprestado,
ou seja, à medida que você emite cheques contra a sua conta, estes cheques podem ser
depositados em contas em outros bancos. Para que os cheques sejam compensados, seu banco
tem que conseguir reservas do banco central. A natureza dessas transações deixa todas as
reservas dentro do sistema banqueiro como um todo, e não modifica o total de reservas em
circulação. Como acontece com o Fed, nada dentro ou fora do sistema, nada que não seja
autoimposto por razões políticas, limita o montante que os bancos podem emprestar.

Eu descrevi o sistema financeiro no seu estado “natural”, ausentes regulações politica ou


democraticamente determinadas. Tais regulações não precisam limitar o total que os bancos
podem emprestar. Mas podem proibir, no interesse público, empréstimos especulativos geradores
de bolhas, divorciados da produção e da pesquisa benéfica. E a ausência de regulação pode,
como vimos no curso da crise corrente, limitar tanto o total que os bancos querem emprestar uns
aos outros e a vontade deles de emprestar a famílias e negócios financeiramente precarizados
pela crise. Mas estes limites refletem as respostas prudenciais dos bancos às condições de crise,
criadas pelos próprios bancos, sob as quais se torna irracional que eles emprestem. A genuína
socialização e democratização do sistema banqueiro como utilidade pública proibiria os jogos de
azar de apostas especulativas e afastaria quaisquer limitações na capacidade do sistema
financeiro de prover dinheiro para transações socialmente benéficas.

O Bicho-papão da Inflação
O roteiro vigente diz que o gasto do governo em larga escala é perigoso porque promove inflação
desbragada. Inflação decorrente de empréstimos imprudentes é possível, mas em circunstâncias
deflacionárias como as que prevalecem em quase todos os países capitalistas desenvolvidos,
advertências de inflação são falsas. De fato, há pouquíssimos exemplos históricos de inflação, sob
condições semelhantes às do capitalismo pós-2008, provocada por gasto promíscuo do governo.

Por que, no fim das contas, um governo racional emite quantidades significativas de dinheiro
novo? Porque há muitas máquinas e trabalhadores parados. Pense na WPA [Works Progress
Administration, do New Deal] sob o New Deal e na crise presente. Em cada caso o setor privado
estava sem vontade de prover trabalho para legiões de desempregados e subempregados.
Gastos do governo destinados a treinar e empregar trabalhadores diretamente enfrentam o núcleo
de tal crise. Isto aumentaria, é claro, o suprimento de dinheiro mas quando a liquidez adicional é
usada para dar emprego e poder de compra às famílias e desse modo induz a venda de estoques
excessivos e traz a capacidade ociosa para a produção, o dinheiro é circulado pelo sistema,
impulsionando o emprego e a produção. Nada neste cenário ameaça hiperinflação.

“O Déficit” Como uma Presunção Reacionária


A conversa de gasto deficitário [como um mal] deveria, à luz das realidades do sistema monetário,
desaparecer completamente. Duas considerações são pertinentes. Primeiro, como vimos, inexiste
conexão operacional monetária sistêmica entre o gasto federal e as receitas tributárias. Segundo,
o que tem sido chamado de “déficits federais” têm sempre, muito antes da Grande Depressaõ e
Keynes, sido essenciais em prevenir desmoronamentos econômicos severos.

Considere os únicos períodos – seis deles – na história americana em que o governo tentou
equilibrar o orçamento federal e reduzir a dívida nacional: 1817-21, 1823-36, 1852-57, 1867-73,
1880-93 e finalmente 1920-30. Cada um destes períodos foi seguido por uma importante
depressão econômica. Do fim da Segunda Guerra Mundial ao meio dos anos 90 não houve
tentativa sistemática de redução da dívida. Este foi também o período mais longo na história
americana sem uma depressão severa. Então, pela primeira vez desde os anos 20, Bill Clinton
equilibrou o orçamento federal e de fato produziu superávit fiscal. É tautológico, do ponto de vista
da contabilidade das contas nacionais, que se o setor público registra superávit, o setor privado
obrigatoriamente consigna déficit, isto é, a dívida tem que se acumular entre famílias e firmas. O
palco foi montado para a crise de 2007 à frente.

O governo deve sempre gastar mais que suas receitas tributárias para que a economia não entre
em colapso. A tributação reduz a demanda do consumidor e contribui para a contração
econômica. Para contrabalançar esta tendência ao arrefecimento econômico, o governo precisa
não meramente substituir o poder de compra perdido; ele tem que gerar mais demanda efetiva do
que a que foi reduzida pela tributação. Assim, mesmo se não houvesse tributação, o governo
ainda teria que gastar para frustrar a depressão econômica.

Observe que esta maneira de descrever “gasto deficitário” não implica que as receitas tributárias
são qualquer parte do que o governo gasta.

Agora, se o “gasto deficitário” pelo governo é uma condição necessária para evitar o colapso
econômico, qual é o sentido da própria ideia de “gasto deficitário”? Por que caracterizar o gasto
federal de todo por sua relação com as receitas tributárias? Deixemos que o governo gaste o que
quer que seja necessário ser gasto para atender às legítimas necessidades do povo. Mas não nos
enganemos em pensar que restrições orçamentárias e contábeis colocam limites sobre o que o
governo pode gastar. A ligação entre o gasto federal e as receitas tributárias é inteiramente
arbitrária e serve tão somente às necessidades daquela classe cujas necessidades deveriam ser
frustradas por todos os meios.

Implicações Revolucionárias
A categoria do gasto deficitário não tem lugar no discurso econômico racional. Um banco central
que pertença ao público – e o Fed não é tal banco – registrará as necessidades
democraticamente determinadas do povo e proverá os meios monetários para o preenchimento
dessas necessidades. Ele apropriadamente descartará a posição de déficit ou de superávit do
Tesouro, compreendendo que estas posições não têm peso no que respeita à questão à mão. Não
haverá portanto conversa de não “ter os meios” [afford] para um programa público de empregos,
de habitação pública, Previdência Social, Saúde universal, e outros. O dinheiro para fazer o que é
preciso ser feito está sempre disponível. Como Keynes colocou, “Para tudo que pudermos na
realidade fazer, podemos ter os meios para tal. Uma vez feito está lá. Nada pode tirá-lo de nós.”
(7)

Não há razão para o fardo da tributação federal. Deveria ser eliminada. Tomada de empréstimo
pelo governo é igualmente ociosa; é um subsídio desnecessário a investidores privados.

Inexiste razão para a cobrança por bancos privados de juros sobre empréstimos. Vimos que não
há limite para o total de crédito que pode ser criado por bancos comerciais. Como o crédito não é
um recurso escasso, então, mesmo pelos padrões mainstream, o crédito é um bem gratuito. Não
precisa haver cobrança por tomar dinheiro emprestado. Como Keynes colocou em Tratado sobre
o Dinheiro

“[Se] os bancos podem criar crédito, (por que) deveriam eles recusar qualquer pedido razoável por
ele? E por que deveriam eles cobrar uma taxa para o que lhes custa muito pouco ou nada?” (8)

As implicações de uma compreensão realista do dinheiro moderno são, eu penso, muito mais
radicais do que tínhamos imaginado. Tais implicações são incompatíveis com o capitalismo e
apontam para alguma forma de socialismo democrático. A Esquerda concedeu demasiadamente à
ideologia monetária prevalecente. Deveríamos pensar duas vezes na próxima vez em que
ouvirmos exortações para elevar os impostos sobre os ricos com o objetivo de reduzir “o déficit”.
Por todas as maneiras, expropriemos os expropriadores. Mas não vamos dar razões erradas para
assim agir.

(1) L. Randall Wray, Modern Money Theory, Palgrave Macmillan, 2012; Understanding Modern
Money:The Key to Full Employment and Price Stability, Edward Elgar, 2006
(2) Pavlina Tcherneva, “Monopoly Money: The State as a Price Setter,” Oeconomicus, Winter 2002,
Vol. 5: 124- 143. And cf. (1) above.
(3) Tcherneva, “Monopoly Money…”
(4) Warren Mosler, The 7 Deadly Innocent Frauds of Economic Policy, Valance Co. Inc., 2010
(5) Warren Mosler, Soft Currency Economics II: The Origin of Modern Monetary Theory (Volume
1) CreateSpace Independent Publishing Platform; 2nd edition 2013
(6) Introduction, Mosler, The 7 Deadly Innocent Frauds of Economic Policy, p. 2
(7) John Maynard Keynes, The Collected Writings. Activities 1940–1946. Shaping the Post-war
World: Employment and Commodities. Vol. XXVII, ed. Donald Moggridge. London: Macmillan.
1980, p. 270
(8) John Maynard Keynes, The Collected Writings. A Treatise on Money. Vol. VI, 1971, p. 196

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