OU
ARMAZÉM LITERÁRIO
POLÍTICA.
Documentos officiaes relativos ao Reyno Unido de Por-
tugal dos Algarves e do Brazil.
E D I T A I , D A J U N C T A DA S A Ú D E .
Lisboa, 21 de Junho.
A J U N T A da Saúde Pública faz saber, que por Aviso
expedido pela Secretaria de Estado dos Negocio* Es-
trangeiros, da Guerra e Marinha, em data de 7 do corrente,
lhe foi communicada a gazeta de Amsterdam de 24 de
Mayo próximo passado, na qual. vem incluído um artigo
de Haarlem de 22 do mesmo mez, cujo theor he o seguin-
t e — " O Conselho d'Estado, governador do Norta de
Hollanda, authorizado para o fazer assim em similhantes
casos, participa sem demora a quem poder pertencer, que
conforme as noticias recebidas de Christiansand, em data
de 10 do presente, em Siindfior, distante trinta e seis horas
da parte do Norte da Cidade de Bergen, julga ter appare-
cido uma perigosa, e contagiosa doença, que ataca as pes-
soas, fazendo-as morrer em menos de doze horas ; e dizem
que procede de algumas relíquias de um naufrágio, de
pessoas que vierao parar á costa. Assim se acha necessário
avisar a todos os negociantes, e pessoas marítimas para se
Voi.. X V I I . No.98. A2
4 Politica.
livrarem daquella Costa da Norwega, c naõ terem com-
municaçaõ cora as embarcações, que de lú vierem, c po-
derem ser encontradas no mar. No mais Sua Magestade
mandou já tomar todas as providencias necessárias para o
dicto rim."—Em conseqüência pois deste desagradável, e
perigoso acontecimento, a Junta recorre sem perda ile
tempo ás seguintes providencias para por meio dellas
evitar a communicaçaõ deste novo flagello, que ameaça a
segurança da saodé pública do Reyno.
1. Saó considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Norwega inelusivamente os da Tinmark ;
especificamente—Bergen, Stavangcr, Oroutliein, Chris-
liaii.suud, 11a Ilha de Tosscn, Ctiristiania, Cbristiansanil,
Laitrwigen, Risocr, Tonsberg, Abbcfiord, Frcdcrick-
Shall, Frcdcrickstadt, e o pequeno porto de Wareii^cr.
2. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
porto do Reyno ; e quando sueceda que cheguem a entrar
cm algum dos portos do Reyno, seraõ obrigadas a saliir
com as cautelas, que as suas circumstancias especifica*, e
a> do porto, em que tiverem entrado, rccommeiidarcin, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeira todos os portoi
do Reyno ; e apenas se lhes concede lançarem fora cartas,
ou papeis, que tragam a seu bordo, para serem cutregues
ás repartições, ou pessoas, a quem se dirigem, depois de
purificados pelos desiiifuclantes mais enérgicos, que aclu-
aliiienlc se praticam em similtiautcs casos; ficando rcslrin-
gida esta mesma liberdade ao porto de Lisboa, pelo perigo
que roubaria á segurança da saúde pública, se este nu-
liudroiissimo ramo Ac policia externa de saúde se pcrinit-
tisse em qualquer outro porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeilosos tlisle con-
tagio totlos os porto» ria Julland na Dinamarca, especifi-
camente—Homens, Sabic, .Nickiopirg, Alburg, Mariager,
Arhusen, Freilcricia, líilicii, Kingkiepmg, Wcile, ion-
Politica. 5
ningen, Husum, Hoyer, Flensborg, Apenrede, Hadersle-
ben, e a Ilha de Nordstrand :—Todos os portos da costa
occidental da Snecia, especificamente — Gothenburg,
Marstrand, Uddevall, Kongsbaka, Warburg, Falkcnlierg,
Halmstadt, Lageholm, Engeihorm, Helsingborg, Malmo,
Landseron, Ystad, Falsterdo ;—e o porto de Amai, per-
tencente ao Lago Venere.
4. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. Saõ considerados como levemente suspeilosos deste
contagio todos os portos das Ilhas Dinamarquezas, especi-
ficamente na Ilha de Fyen; os portos de Odenseo, Asseus,
Suenborg, Nieborg, Faborg, na Ilha de Alsen; o porto de
Sonderborg, na Ilha tle Langeland, o porto de Rudkio-
ping : na Ilha de Laland, os portos de Naskou, Saxkio-
bing, Rodbye, Nisted; na Ilha de Falster; o porto de
Niektoping: na Ilha de Moen, o porto de Steege: na
Zeeland, os portos de Copenhagne, Wordingborg, o
pequeno porto dcNestued, Skilskiocr, Korsor, Niekioping,
ELsenor, Kiogc, Fririicsborg, Frcdericsund ; todos os
portos do Holstein, especificamente Lubeck, Travcmunri,
Neustadt, Gluckstat, Meldorf, Hciligenafcn, Rcndsborg,
Kiel porto pertencente á Rússia. Todos os portos Suecos
das provincias de Bleking, e de Smalaod, especifica-
mente ; os portos de Carlscrona, Carlsliam, Christiaxistadt,
Calmar: a Ilha de Oeland : a Ilha de Gothland com o
seu porto de Wisby ; e a Ilha de Bornholm com os dous
portos de Ronde, e Ncxoc.
6. As embarcações procedentes dos portos comprehen-
didos no artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no porto de Lisboa debaixo de uma observação
de 10 dias.
7. As providencias que ficam adoptadas nos seis artigos
7
6 PolitiCmU
antecedentes, seraõ reduzidas n sua fiel observância de-
baixo das medidas, cautelas e responsabilidades, que se
eslalieleeôrani peloe artigos 8, 9, e 10, do edital de 30 de
Março do corrente anno.
E para que chegue á noticia de todos, e se nn6 possa
allegar ignorância, se mandou atfaxar o presente edital em
Iodas as praças, c lugares públicos dos porto» do Reyno
para ser cscrupulosauiente observado, era quanto naõ for
dispensada, ou modificada por outro a sua litleral obser-
vância.— Lisboa, 19 de Junho, de 1816.—Luiz Antonio
Rebello da Silva.
ÁUSTRIA.
(Puhlicáram-sc quatro patentes imperiaes, ou decretos
relativos ás finanças. O primeiro, ordena, que se naõ
ponha cm circulação papel-moeda, que tenha circulação
forçada ; e estabelece o modo por que se ha de extinguir
o antigo.)
Resumo do decreto, para extincçaõ do papel-moeda.
As árduas convulsoens, que acommettêrnm a Europa,
pelos vinte e cinco annos passados, nos obrigaram, desde
o principio de nosso reynado, a tomar parte nas continuai
guerras deusoladoras, que puzérara em perigo a segurança
e independência do Império—objectos de inestimável
valor tanto para os soberanos como para os povos. Con-
seguintemente, para a nossa independência e segurança
naõ podíamos nem devíamos poupar esforços alguns.
A dcsenvoluçaõ de toda a força do Estado, porém, oc-
casionou despesas, que excediam muito os meios dos que
haviam de pagar os tributos. Invocamos a confiança do
nosso povo. O papel, representando o valor do ouro, nos
habilitou a prover ás urgentes necessidades do Estado, c a
manter o perigoso conflicto, CUJA renovada terminação
tornou a pôr a Monarchia de posse daquellas provincias,
que lbe foram arrancadas; e confirmou d? novo a sua se-
Politica. 7
gurança e independência. O nosso primeiro cuidado tem
lido restabelecer as nossas desordenadas finanças; e desde
as ultimas negociaçoens de paz nos temos empregado era
preparar os meios necessários para obter este fim.
O resultado tem conrespondido a nossos esforços; e ex-
perimentamos particular satisfacçaõ em poder tomar me-
didas, que nos conduzirão a este objecto, sem infringir os
direitos e legitimas pretençoens de nossos fieis vassallos.
As medidas, que temos adoptado, saõ fundadas na livre
cooperação do nosso bom povo: e descançamos na sua
confiança, que de si mesma se unirá aos arranjamentos que
temos publicado, e que se justificarão completamente por
seus resultados.
Para o futuro naS se porá em circulação papel-moeda,
qoe tenha valor forçado nos pagamentos: nem se aug-
mentará o que ja está em circulação. Se algumas circum-
stancias extraordinárias exigirem despezas, além dos re-
cursos ordinários do Estado, a administração da repartição
de Finanças tomará as medidas necessárias para cubrir as
despezas por novos recursos, e meios extraordinários, sem
introduzir, em caso nenhum, papel moeda, que tenha cir-
culação forçada.
O papel-moeda existente poderá ser trocado no computo
de dous septimos, por notas do novo banco, que se ha de
erigir; e essas notas do banco seraõ trocadas por dinheiro
da convenção, em sua somma total; e no computo de cinco
septimos de sua somma total; e a extensão de cinco sep-
timos, por assignados nas dividas do Estado, vencendo
juro de um por cento, em dinheiro da convenção. Poderá
também o dicto papel-moeda ser empregado como capital,
entrado no novo banco; com esta intelligencia, porém,
que por cada acçaõ (consistindo o capital em 50.000
acçoens) se adiantarão 2.000 florins em papel, e 200
florins e dinheiro da convenção. A vantagem dos possui-
dores do papel moeda consiste na segunda alternativa,
• Política.
1*. no gozo das vantagens, que o banco apresenta; e í*.
no rédito de ÍJ por cento de juros em dinheiro de con-
venção, que seraõ pagos pelo banco em obrigaçoens, que
o banco expedirá para esse objecto.
INGLATERRA.
FRANÇA.
PAIZES-RAIXOS.
R E P U B L I C A DAS ILHAS I O N I C A 8 .
Corfu, 21 de Abril, 1816.
Aos 23 deste mez, o Baraõ E. Theolofcy, Presidente do
Senado de Corfü, pronunciou, perante um grande con-
22 Politica.
corso de pessoas de todas as classes, que por causa da so-
lemnidade do dia se tinham ajunctado na igreja de nosso
illustrissimo Sancto, uma eloqüente oraçaõ em Grego, que
tocou profundamente os ouvintes, e encheo de alegria os
seus coraçoens. Para satisfazer os desejos de muitos que
a ouviram, assim como de outros, que naõ estiveram pre-
sentes, damos a traducçaõ delia, que he com tudo mui
inferior ao original. Daremos uma idea desta oraçaÕ pe-
los seguintes notáveis extractos.
" O tractado de Paris, estipulado entre dous ministros
de Inglaterra e dous da Rússia, um dos quaes he nosso
mui estimado patrício, nos fez felizes, bonrando-nos com
a protecçaõ da Inglaterra.
" Desde os tempos mais remotos, que Homero cantou,
nenhum periodo houve taõ a propósito para nos fazer fe-
lizes.
" Lédc a nossa historia, nos historiadores antigos e mo-
dernos ; lembrai-vos do que nos tem acontecido, durante
os 30 annos passados ; e vereis que temos passado a me-
lhor parte de nossas vidas em feudos e discórdias, ou de-
baixo de Governos arbitrários e fluetuantes. Algumas
vezes como subditos de naçoens estrangeiras, que nos des-
prezavam ; outras vezes protegidos por naçoens, que sin-
ceramente desejavam a nossa felicidade, porém demasiado
longe para poderem contribuir para ella.
Passou depois a provar, que na presente situação das
Ilhas, nenhuma potência lhes pôde dar com soa protecçaõ,
tantas vantagens como a Gram Bretanha, por causa de
sua riqueza, de sua força marítima, de seu extenso com-
mercio, esua eminência na agricultura, artes e manufac-
turas.
" Nenhuma das naçoens Europeas nos tem feito a justiça
que merecemos, em tal gráo como os escriptores Inglczcc
cm suas obras ; somente elles viram c reconheceram em
nós aquellas boas qualidades, que os Francezes, os Ale-
Politica. 23
maens, os Italianos, os Russianos tem tantas vezes procu-
rado depreciar em suas obras.
« Nenhuma he taõ versada na nossa lingua, como a In-
gleza.
** Alegrai-vos, pois, habitantes das Ilhas Ionicas, com o
vosso futuro destino. O Lord Gram Commissario de S.
M. Britannica está a chegar; bem depressa vereis Sir Tho-
maz Maitland, cujo nome se naõ pôde pronunciar sem
veneração: com elle entram nas nossas Ilhas a segurança,
e a felicidade.
" Elle removeo todos os obstáculos do commercio de
nossos portos, e outra vez abundarão entre nós os manti-
mentos.
" Elle tornou a abrir os nossos templos, e ordenará a res-
tituição de sua propriedade.
" As medidas adoptadas por elle, e cuidadosamente exe-
cutadas pelo Major-General Phillips, fizeram parar as de-
vastaçoens da peste, e nos fazem esperar que a vejamos de
todo extirpada.
" Elle vos restituirá o vosso Bispo, e a ordem ecclesias-
tica terá o seu estabelecimento legal.
" A nossa Igreja orthodoxa florecerá, e terá preferencia
sobre todas as outras.
" As leys aristocráticas nao conromperaõ mais os vossos
custumes ; mas vos tereis leys livres e justas, como as que
governam as grandes naçoens ; e vós vereis que se esco-
lhem, para as executar, os mais sábios e mais rectos ho-
mens, os pays e os amigos do povo.
" A vossa industria revivirá; melhorar-se-ha a vossa
agricultura: vós podereis exportar os vossos productos,
em vossos vasos, e uma bandeira inconquistavel segurará
o vosso commercio contra todo o insulto.
" Abertos para nós os portos da Inglaterra, elles nos offe-
receraõ vantagens particulares. As nossas cidades flore-
ceraÕ; o nosso paiz será o empório dos negociantes dos
24 PoKtica.
artistas e doe sábios. Estabelecer-se-haó hospil**" para
os pobr« e enfermos ; e escholas publicas para instruc-
çaõ da nossa mocidade; assim como livrarias, que distri-
buirão os thesouros da literatura antiga e moderna. O
illustre Soberano, que nos protege, fazendo-nos dignos de
seus favores, nos fará dignos de nossos antepassados, e nós
vi viremos perfeitamente felizes."
COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco.
O monopólio do tabaco, que tem enriquecido a mais de
um individuo, nos tem offerêcido occasiaõ para instarmos,
repetidas vezes, sobre a necessidade de aproveitar este ramo
das rendas publicas em beneficio do Etado, e naô con-
sentir que só seja em proveito dos particulares monopo-
listas.
A primeira vez, que expuzemos ao publico o abusivo
modo da arremataçaõ do Contracto do tabaco; porque
esta matéria nunca se tinha feito publica pela impressa em
Portugal, causaram as nossas observaçoens grande ruído.
Os Contractadores chamaram-nos intromettidos, por fallar»
nos do que nos naõ importava. Os do Governo, que
sabiam as razoens porque deviam proteger os Contracta-
dores, assaltaram-nos logo com o nome de jacobino e revo-
lucionário ; incendiario, que deseja tirar as cousas da boa
ordem em que estaõ. Os Desembargadores da Juncta do
Tabaco, também acharam muito mal feito, que depois
d'elles haverem consultado a favor do tal Contracto, se
Y O L . X V I I . No. 98. E
34 Commercio e Artes.
puzcsse o Correio Braziliense a bacharelar, contra a sua
opinião. Os do povo, que naõ querem ter o trabalho de
pensar, admiraram-se que o Correio Braziliense assim fal-
lasse ; porque se o que dizia fosse verdade, ja alguém o
teria dicto dantes. Assim causou o que nós dissemos do
Contracto uma geral desapprovaçaõ do Correio Braziliense,
naquellas classes de pessoas.
Os homens pensantes e imparciaes naõ julgaram assim ;
e nós deixando os outros com as suas teimas, continuamos
a clamar contra o Contracto ; quando elle teve de se arre-
matar a segunda vez. O que escrevemos entaõ, ja naõ
causou tanta admiração : uns diziam que talvez fosse ver-
dade o que trazia o Correio Braziliense ; porque a resposta
que lhe dera o Investigador éra mais para atirar com
chufas ao Redactor, do que para convencer o publico com
argumentos. Outros diziam, que sempre éra bom provai
que o Correio Braziliense éra mentiroso, pondo a lanços
o contracto, e dando assim a conhecer ao publico, que,
naõ havendo quem lançasse nelle, os ganhos dos con-
tractadores naõ eram os que espalhava o Braziliense. O
mesmo Governo foi desse parecer, que éra necessário por
o contracto a lanços para tapar a boca aos falladores.
O modo, porém, de se escapar a uma justa compe-
tência foi pôr o Contracto a lanços taõ tarde, que nenhum
arrematante, a naõ serem os actuaes contractadores, que
poderiam (cr tomado as suas medidas, tinha tempo de
mandar as ordens á Bahia para as compras do tabaco,
antes da saffra seguinte ; assim ninguém be quiz arriscar a
lançar no Contracto, para evitar o perigo de naõ poder
fornecer o tabaco conforme os ajustes.
Nestes termos naõ havendo arrematantes, tornou-se a dar
o Contracto aos antigos Contractadores, os quaes modes-
tamente o aceitáiara por fazer senriço a El Hiy. Mas o
Correio Braziliense, sem se cançar com estas repetidas
tramóias ; tomou a expor estas circumstancias da falta do
Commercio e Artes. 35
tempo na arremataçaõ ; e tanto se gritou com isto; que
por fim veio ordem a Lisboa, para se fazer a arremataçaõ
do Contracto com a devida anticipaçaõ. He possivel,
qoe ainda desta vez se naõ consiga todo o bem, que dese-
jamos ; porém, como ja começa a abalar esta velha e
ruinosa fabrica, devemos ter mui boas esperanças de a ver,
antes de muito tempo, cahir por terra.
Convém portanto explicar o que se esta fazendo em
Lisboa, em cumprimento da ordem do Rio-de-Janeiro,
para se arrematar o Contracto do tabaco cora a devida an-
ticipaçaõ.
Puzéram-se editaes, annuncicando o tempo em que se
receberiam os lanços; pois tal éra a ordem Regia: mas
taõ escondidos ficaram os taes èditaes, que nenhum dos
nossos Correspondentes pôde achar uma sô copia para
nolla remetter. £ com tudo apparecéram alguns pertur-
badores da boa ordem estabelecida, que offerecêram dar
mais pelo Contracto cem mil cruzados. Isto escandalizou
muito a Juncta do Tabaco ; porém ficaram atônitos,
quando os mesmos lançadores offerecêram mais a quinta
parte dos lucros do contracto, no caso de haver lucros ;
para o que offereciam-se também a patentear os seus livros,
a pessoas, que de ordem Regia os examinassem.
Os que offerecêram este lanço fôram Jozé Diogo de
Bastos, Raton, Clamouse, e Rocha do Porto. Sobre o
qual mui cavalheiramente perguntou Quintella, na quella
mesma noite, em uma assemblea em que se achava, e na
presença de um dos Governadores do Reyno, se o tal Rocha
éra Thomas da Rocha Pinto ; on a casa de Roxe ? A
pergunta parecia de zombaria, mas tendia a produzir o
effeito de mostrar a insignificancia de uma casa de com-
mercio, que até naõ he bem conhecida. Vamos ao resto.
Apparecêrem logo novos lançadores, por parte de Bra-
hamcamp e seus sócios, que offerecêram as mesmas con-
diçoens, e mais duzentos e cincoenta mil cruzados.
E2
3$ Commercio e Artes.
Uy, Senhores Contractadores antigos ; pois ja lhes faz
conta augmentar os lanços? Ja *• ossos senhorias nao tem
medo de perder uo contracto ; e arremataho só por lazer
serviço a S. Majestade l
Naõ para aqui o negocio. Estes contractadores, naõ
puderam concordar entre si, sobre qual delles serta o caixa;
porque naõ queriam que fosse Brahamcamp ; assim naõ foi
adiante o que projectaram ; e no entanto, no terceiro dia de
lanços, estava dobrada a primeira offerta : isto he o lanço
estava ja em 200 mil cruzados.
O prazo estava a tindir, quando Brahamcamp apre-
sentou um requirimento dizendo, que tinha ainda que of-
ferecer. Com isto se sospendeo a arremntaçaõ na Juncta,
até obterem novas instrucçoens do Governo.
Na manhaã seguinte foi o Secretario Salter a ('asa de
Quintella ; c posto que nos naõ deva importar muito con-
ferências particulares, com tudo esta visita naõ deixou de
ser em occasiaõ critica.
Com effeito a deshavença entre Brahamcamp e Quintella
desmanchou uni pouco os planos dos antigos Contracta-
dores ; mas no entanto decidio o Governo, que se tor-
nasse a pôr o contracto a lanços, e que preceilt-ssc o Edic-
tal, com toda a publicidade na forma das Ordens Regias.
Deste Edictnl pudemos ter copia ; e he o seguinte : —
" A Juncta da Administração Tabaco, em cumprimento
do Avizo de 25 do Corrente, que ultimamente lhe loi ex-
pedido, põem de novamente a lanços o mesmo contracto,
para se arrematar na forma do uso do Reyno e systema
até agora seguido; e os que se propuserem á mia arre-
mataçaõ apresentarão os seus lanoçs na mesma Juncta nas
tardes dos dias 6,9, e 13 do Julho próximo futuro.
Lisboa, 26 de Junho, de 1SI6."
" LOUBENÇO ANTÔNIO I>K A R A Ú J O . "
Commercio e Artes. 37
He importante explicar as palavras deste edictal, que
puzemos em Itálicos " na forma do uso do Reyno e sys-
tema até agora seguido." O uso do Reyno nunca foi ar-
rematar estes monopólios em basta publica, como agora
se pretende : o uso do Reyno éra dar o ministro d'Estado
o monopoilo ao que lá se chama os meninos bonitos. • A
que se refere, portanto, a expressão de pôr o contracto a
lanços na forma do uso do Reyno ?
A explicação deste enigma he a seguinte. Como uma
das offertas dos novos lançadores éra, que, alem do que
offereciam de mais que os passados, dariam também a
quinta parte dos lucros; acharam os sábios que na matéria
tiveram voto; qne éra mui indecoroso ao Soberano ser as»
sociado nos lucros com os particulares negociantes : assim
para se livrar El Rey da vergonha de metter no Erário mais
a quinta parte dos lucros do Contracto; se tornou a pôr o
Contracto a lanços na. forma do uso do Reyno ; isto he,
sem que se aceite a offerta de alguma parte dos lucros.
A outra questão he a respeito do tempo, que deve durar
o Contracto; e porque um dos partidos declarou, que
a naõ se fazer a arremataçaõ por nove anuos, naõ lança-
ria ( o outro partido disse, que se a arremataçaõ fosse por
três annos, lançaria mais ; com tanto que naõ fosse obri-
gado a manifestar os lucros.
A Juncta da Administração do Tabaco tem toda a razaõ
de querer, que a arremataçaõ se faça segundo o uso do
Reyno ; porque a naõ ser assim, a primeira cousa, que os
novos contractadores haviam de requerer, éra a abolição
da Juncta, que lhes naõ servia de nada, e causava uma
despesa de quize ou desasseis contos de reis ; e como a ley
da própria conservação he geral no universo, mui bem
fazem os Desembargadores da Juncta, em votar que naõ
se alterem os usos do Reyno; visto que essa alteração pode
causar a morte da dieta Juncta. Ergo deve conservar-se
o systema até agora seguido.
38 Coaisxercio e Artes.
Agora observamos mais, que se naõ declara cousa al-
gnraa a respeito do sabaõ c do rape. Donde podemos con-
cluir que esta ommissaõ he para algum fim. E suppo-
nhamos, que os afilhados levara o contracto J comprehende-
se nelle o sabaõ e o rape ? Supponhamos, que os com-
petidores dos afilhados saõ os arrematantes ; pertence-lhe
ou naô, e sabaõ e o rape ? Aqui haõ de variar os doutores,
segundo os casos.
As condiçoens da arremataçaõ de um monopólio tam im-
portante para o Erário, uma vez qne os do Governo naõ
sabem ou naõ querem saber como haõ de cobrar o direito
por este artigo, senaõ continuando o monopólio, devem
ser públicos, e ao menos, ja que o mal do monopólio ex-
iste, seja com o maior proveito possivel para o Erário, a
Mas o uso do Reyno he que os direitos sobre o tabaco,
sobre o sabaõ, &c. se cobrem por monopólio ; he verdade,
que assim he ; e he verdade que nos desejávamos ver co-
brado o direito sobre estes artigos, on por excisa, como
na Inglaterra; ou por outros modos; mas ja qne assim he
o uso do Reyno, e systema atê agora seguido, dé o Erário
esses lucros ao raouopolista, que mais offerecer para a Real
Fazenda. Façam-se as arremataçoens publicas; declarem-
se as condiçoens, que se esperam ; e diga-se que artigos
comprehenderá o monopólio.
Foi por via da Inglaterra, que se soube primeiramente
em Lisboa, qoe o Governo no Rio-de-Janeiro, queria fazer
a experiência de administrar o Contracto por conta do
Erário, a fim de averiguar, quaes eram os verdadeiros
lucros dos monopolistas. Isto fez com que Quintella, o
seus companheiros offerecesaem mais 200 mil cruzados, e
que se lhes desse a elles o contracto, som se esperar pela
decisaõ do Soberano. Agora acerescem mais outros 200
mil cruzados.
i E naõ presta o contracto; e o Correio Braziliense me-
rece ser queimado por andar a fallar em taes coutas ?
2
Commercio e Artes. 39
A nossa opinião, por diversas vezes explicada, tem sido
sempre e ainda he, que, mesmo no caso em que os mo-
nopolistas pagassem ao Erário uma somma equivalente aos
seus lucros ; ainda assim éra mais conveniente ao Estado,
que essa quantia fosse cobrada por um direito de alfândega,
na importação do gênero ; e deixar aos particulares ma-
nufacturar o tabaco da forma que cada um quizesse, e ve-
dêllo pelo preço que pudessem alcançar; porque assim se
dividiam por muitas pessoas industriosas os lucros, que se
concentram só nos monopolistas ; excita-se a competência
entre os fabricantes a qual fabricara melhor, e os consum-
midores comprarão aquelles, que mais barato venderem.
Quando o tabaco chamado Rape se fabricava em Lisboa
da folha terceira, que de refugo vem da Bahia, e que se
vendia a 800 reis a libra, éra freqüente o contrabando do
Rape da França, que sahindo ás vezes por metade do preço
do de Lisboa, e outras vezes pela terça parte, offerecia tal
lucro ao contrabandista, queeste arrostava todos os perigos
das tomadias. Este rape de França he fabricado com o
tabaco de Virgínia, que a industria Franceza, com a
mixtura de outras folhas, leva ao ponto de perfeição, que
lisongea o olfato dos que usara deste cheiro, naõ obstante
que o tabaco da Bahia he superior ao de Virgínia.
Martinho de Mello, conhecendo isto, trabalhou quanto
pôde por aperfeiçoar o tabaco nacional, mas nunca foi
apoiado pelos contractadores, nem pela Juncta; porque o
lucro certo, e o privilegio exclusivo, produzem sempre a
inércia, em vez de fomentar o aperfeiçoamento do artigo ;
visto que o monopolista está seguro da venda, quer o ar-
tigo seja bom quer máo. Tanto isto he assim, que offere-
cendo um sugeito ao Contractador Quintella a descuberta
do methodo, por que se podia fazer o Rape em Lisboa
igual ao Francez, disse o Contractador, que daria por
isso cincoenta moedas, quando o Mestre, que offerecia a
descuberta, exigia emprego e sallario perpetuo. Daqui
40 Commercio e Artes.
naõ resultou outra cousa senaõ obterem os Contractadores
permissão de importar tabaco de Virgínia, com o pretexto
de o mixtnrar com o da Bahia, c com manifesta deterio-
ração do gênero nacional.
Por estes pretensos serviços dos Contractadores se lhes
permittio augmentar o preço do Kapé a 1.200, <* 1.600
reis a libra ; o que opera como novo imposto ao urtigo, e
por conseqüência mais pezatlo tributo ao povo, sem que
dahi resultasse maior rendimento ao Erário. Chegou a
tal ponto o abuso, que até mandaram os Contractadores
buscar á França, e introduziram em Portugal Rape já
manufacturado; sem haver no Governo quem reflectisse
nos males que dahi resultam á naçaõ, e que o melhor
modo tle augmentar o consummo do gênero, e por isso ac-
crescentar os rendimentos do Erário, he fazer o tabaco me-
lhor, e vendado pelo preço mais barato possível.
Havia o Bispo da China obtido da Raynha, D. Maria I.
que Deus haja, uma ordem para que os Contractadores
lhe mandassem todos os annos uma pequena porçaõ de
tabaco (parece que eram 32 libras) para fazer presentes a
certos Mandaiins, e facilitar com isso as suas negociaço-
ens. Passados alguns annos deixaram os Contractadores
de fazer a remessa, queixou-se o Bispo, deram-se novas
ordens ; estas naõ foram executadas ; «• os contractadores
pediram ser aliviados daquella pensaõ. O Governo de
Lisboa, naõquizdccidir a questão, remetteo o negocio para
o Rio-de-Janeiro. Assim com arecusaçaõ desta insificante
remessa, para li.is taõ úteis, se pretendeo fazer crer a pe-
núria dos Contractailores, que naõ podiam dis|>crisar 32
libras de tabaco.
Exaqui as grnndes vantagens, que pode esperar o Estado
de eugortlar monopolistas particulares a custado povo, e
em deterioramenlo da industria geral.
C •« 3
Preços Correntes dos principaes Productos do Brazil em
Londres, 25 de Julho, 1816.
ASSUCAR. branco . . . IIS lib. ">5s. Op 65s. (lp Si. I4s. 7Jd.
trigueiro , 42s. Op 46s. Op
mascavado 37s. Op 41». (lp
Algodão1 , Rio . libra Ss.Td. pMOOlih.
Bahia . . . K.Tlp 2?. Ò'p eut navio Inglez
Maranhão . ls. l l p <<!s. Op ou Portuguez
Pernambuco Ss. l p Ss. Sp S5s. 6d. em na-
Minas novas vio doiitras ca-
D*. America melhor . . . . Ss. 2p 2s. 8p çoe ns.
Annil Brazil ls. 9p 4>. Op 4}d. por libra.
Arroz 119 lib. It. Os. Ofá.
Cacao . . . . Para fios. Op. 76s. Op .ls. 4d. por libra.
Caffé Rio libra .. 56 s. Op. 6-ls. Op Ss. 4d. por libra.
Cebo Bom II* lib. 4Hs. Op. t9s. Op. .<ia.2d.pM 12 lib.
Chifres . . , . . grandes . . . . 1SS . . . . 40s. Op. lis. Op. 5H. 6p. por 100.
Couros de Boy Rio grande libra . . 0s. 5 j p . Os. 8p. 9Jd. por couro.
Rio da Prata Os. 6p. Os. 8}p.
D*, de Cavallo 3s. Op. 6s. Op.
Ipecacuanba boa libra 9s. Op. 9s. 6p. 3s. 6d. por libra.
Quina pálida . . ls. Op. l s . típ. Is.ljd. por lib.
ordinária 1>. 5p.
mediana Ss. Ip. Ss. Sp.
ána Ss. Op. Ss. 6p.
vermelha 6a. 6p. Ms. 9p
amarctla ls. Sp. 1*. 4p
rbata . . . 2s. Op.
torcida . 4s. 6p. 5s. Op
Pao Brazil tooel, 115/. 120/. 4/. a tonelada.
Salsa Parrilha 2s. Sp 4s.0rl
Tabaco.... rolo libra . . . '
Os. 4p. 44 4 a4 d ' S 3 s . i n i p . lib. exciie
c3/.16s.9d.alf.I0Olb.
Prêmios de Seguros.
BRAZIL .... . Ilida 2 tiuineos por cento;
Vinda 2 i 2*
LISBOA E PORTO ..Ilida I] (íuineos.
Vinda I \ (l uineos.
MADEIRA Ilida SO Sir. vinda 30 S b \
AÇORES Mula Ij (íuineos a 2.
..Vinda o mesmo.
Rio DA P R A T A . . . I l i d a 3 G \ ;
vinda o mesmo
a
VOL. X V I I . N o . 98.
[ 42 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R R A .
PORTUGAL.
Tractado de câmbios; offerecido aos Estudantes da
Real A ula do Commercio, para terem um verdadeiro co-
nhecimento deste ramo de commercio, o mais difficuUoso e
importante ; e se faz também digno de todos os negocian-
tes : preço 400 reis.
NOVO M E T R O N O M O .
Carta ao Edictor.
SENOR !—Como he provável, que alguma considerável
porçaõ de vossos Leitores se interessem pela invenção, que
faz o objecto desta carta ; e de que anticiparaos grandes
vantagens para a musica em geral, nós vos ficaremos obri-
gados, se a inserirei» na vossa publicação periódica, o
mais cedo que for possivel.
Tractamos do Metronomo de Mr. Maelzel; ou instru-
mento para bater o compasso; cujo objecto principal he
ministrar aos compositores os meios de indicar com pre-
cisão, e conforme a um padrão universal, o gráo de ra-
pidez que se requer para cada tempo de sua composição :
e com isso escusar a necessidade de recorrer aos termos
vagos e insuficientes de Adagio, Allcgro, Presto, &c.
Ha muito tempo que tal instrumento éra um desideratum
por toda a Europa, e se tinham feito varias tentativas para
o construir, que naõ fôram bem succedidas; por fim ap-
parecêo o Metronomo de Maelzel, que nos parece ter al-
cançado tudo quanto se desejava. He elegante, portátil
e de preço racionavel: simples na construcçaõ ; a escala
hc fundada na divisão do tempo em minutos ; e he uni-
versalmente intelligi vel; as pancadas audíveis, que bate,
podem regular-se para o mais vagaroso adagio, assim como
para o mais rápido presto.
Os melhores compositores do /íbntinente,* tem ja adop-
[Conünuar-se-ha.J
V O L . X V I I . No. 98.
C *> ]
MISCELLANEA.
KDVCAÇAÕ BLBMENTiB.
N \ 4.
Emprego» das differentes Classes de menino» na Eschola.
Primeira Classe.
liiSTA classe he composta dos meninos mais novos, e que
entram para ella sem saber cousa nenhuma, e a quem he
preciso ensinar o alphalieto, e fazer decorar as oraçoens da
cartilha : o seu lugar lie nos bancos mais próximos ao
mestre ; e diante dos quaes estaõ as inezas cubertos de
arêa.
Como cada um dos indivíduos desta classe precisa ser
instruído separadamente, naõ podem haver nesta clasnc
mais de vinte meninos para cada decuriaÕ. A primeira
operação he ensinar-lhes as letras do alphabeto, e para isso
se servem, nas novas escholas, de um engenhoso methodo;
que consiste em fazer que os meninos escrevam as letras do
alphabeto cm uma grande taboa negra, que está suspen-
dida diante delles, como uma espécie de púlpito, e cuberta
de arca : o decuriaõ escreve tom o dedo a primeira letra
diante tio discípulo, e este a copia logo, da maneira, qu*
lhe diz o decuriaõ ; JKW este modo aprende o menino a ler
a a escrever sem despeza de pcnnas, papel ou tinta ; e tu
lhe ensinam ao mesmo tempo a» duas operaçoens, manual
e íntellec tual de conhecei e fazer a» letras: operaçoens,
que, nas eschola» ordinárias, saõ dislincla», e requerem
dous tempo».
Quando se tem corrigido a-, letras ctciiptas pelos me-
nino», o tlecuriaò pas»a por cima da arca uma taboinha
P-»ra a alizar, e dispõlla a servir para nova escripU. As-
sim além da» outras utilidades se poupa o tempo dos mc-
7
Miscellanea. 59
ninos, e se evitam distracçoens, que occorem, com o ar-
ranjamento do papel penna, e tinta.
Quando os meninos tem por esta maneira aprendido a
escrever e conhecer todas as letras do alphabeto, tanto
pequenas como maiúsculas, se lhe põem diante uma
grande carta do A, B , C ; grudada n'um papelão : entaõ
elles nomeam e escrevem as letras na arêa, imitando as da
carta, o que lhes imprime definitivamente na memória, a
figura das letras. O decuriaõ lhes pergunta os nomes das
letras salteadas; e aqui começa nesta classe o systema
fundamental da eschola, de se adiantar ou retrogadar era
classe, conforme o gráo de aproveitamento dos meninos, e
os progressos que fazem.
Calcula-se que os meninos precisam cerca de três sema-
nas, ao mais tardar, para conhecer bem todas as letras;
e dez semanas, quanto muito, para as escrever bem na
arêa.
Logo que tenham copiado sufficiente numero de vezes
as letras da carta, se lhe tira esta de diante, e se lhes faz
escrever as letras de memória ; até ficar certo, que as sa-
bem todas perfeitamente.
Do mesmo modo se procede para os fazer escrever, co-
nhecer e pronunciar algumas syllabas simplices, como Ba,
be, b i ; que elles deverão imitar, e soletrar; mas ter-se-
ha sempre cuidado de lhes naõ dar novas liçoens, sem que
elles estejam perfeitos nas precedentes. Porém, para que
se naõ fatiguem com demasiadas repetiçoens, se interrom-
perá esta occupaçaõ, fazendo-os aprender de t ó as ora-
çoens e o cathecismo. NaÕ se lhe fará repetir mais de
três ou quatro palavras ao mesmo tempo, e se interrompe-
rão, fazendo continuar ao seu vizinho; a fim de estar
certo de que todos estaõ attentos, e que naõ repetem ma-
chinalraente o que acabam de ouvir. Esta instrucçaõ ele-
mentar dura ordinariamente três mezes, ao mais, ainda
com os meninos de menor talento.
H2
60 Atiscellanea.
O methodo de escrever na nría, qne fixa a atfençaôdo»
meninos» o*, diverte ; e he tle grande economia nas escho-
l.is publicas. O Dr. Bell achou este methodo praclicado
na índia, destle tempo immemorial, c elle foi o primeiro,
que o nitrodiizio na Kurnpa.
Cm menino menos instruído deve sempre ser collocado
ao pé dtiuiro, que saiba formar ns letras melhor; e os
que naõ a*, uaõ snln-m absolutamente fazer, as escreverão
sempre depois tio decuriaõ ter escripto a Iclra, para o imi-
tarem immcdiniamenlc, continuando assim até que possa
escrever a letra por si mesmo.
As niftmas letras tio alphabeto se devem dividir em
classes, secundo as suas analogias tle figura : primeira-
mente as letras que constam de linhas rectns, como I, II,
T , L, í' : depois ns que exigem a formação de um an-
gulo, como A, V, M, N , Z , K, Y , X ; dahi ns que con-
stam de curvas; como O, U, C, J , (í, I), P,B, R, Q,
S. Estas classes de letras se nprendem melhor, em con-
seqüência da siinilhança tia figura. A maior tlidiculdatle,
cm ensinar estas letras, (acorre naquellas, cuja forma he
mui similhante, e unicamente tlistint Ia pela variedade de
posição; p, q, b, d, freqüentemente se tomam uma por
outra; poi ém fazendo nuibai no mesmo tempo, os meni-
nos facilmente apreiitlein a tlisliiigiiilla». A demais, elles
-aõ Iodos empregados ao mesmo tempo, em rscrevéllai, c
lie c.iriu»ti tibsci v.ir, como totlos os meninos levantam o
dedo ao mesmo tempo, e escrevem catla um a sua letra
imitando os que menos s*boiu, os seus vizinhos que melhor
escrevem.
lia outio iiiclhodo tle ensinar o alfabeto, que he e»crc-
ventlo-o cm letras mui grandes, em um papel grudado em
papcLó, c (K-ndurado n i parede. Oito meninos, da classe
do» q U l csi rcveiu ua arêa, formam um cenncirciilo cm
i rno drsta caria, e--t.ut.lo de pe conforme os seus nume-
'" • '- -• 3 , «!vc. ate 8. t s t e s numero» estaõ pintados em
Miscellanea. 61
um pedacinho de papelão, pendurado ao botaõ da vestia ;
ou ao pescoço por um cordel. O menino mais aprovei-
tado, tem o N*. 1., e além disso uma tira de couro dou-
rado, como insígnia honrosa de merecimento. Este me-
nino he sempre a quem o decuriaõ pergunta primeiro as
letras salteadas, apontando com o ponteiro para uma letra,
e perguntando? " que letra he esta?" cm quanto elle
responde acertadamente conserva o seu lugar, e insígnia
de honra ; porém logo que erra, perde o numero e a de-
coração, que se dára ao menino seguinte, que responde com
acerto.
Este plano promove uma constante emulação ; e em-
prega constantemente a attençaõ do decuriaõ ; porque
elle naõ pôde olhar para outra parte em quanto pergunta
as letras aos meninos, sem que a sua distracçaó seja logo
percebida, pelos que aspiram ao prêmio. O decuriaõ
naõ somente tem obrigação de ensinar ; mas ver que os
subdeenrioens de sua classe ensinem também com o mesmo
cuidado. Se um menino, quando be perguntado, chama
ao A, B ; o decuriaõ naõ lhe diz, " isso naõ he B , " sim-
plesmente manda ao menino seguinte que diga o nome da
letra, e corrija o erro do precedente. Estes dous metho-
dos da carta no papelão e escrever na aréa, saõ usados al-
ternadamente todos os dias, servem de corrigir um ao
outro, e de variar o emprego dos meninos, que sempre se
fatigam mais, e esgotam a attençaõ, continuando, por muito
tempo, no mesmo exercicio. As letras de conta se apren-
dem do mesmo modo.
O ensino da primeira classe, portanto, he intimamente
connexo com a escriptura ; mas na segunda classe começa
pela escripta ; e he necessário attender a esta distineçaõ;
porque na segunda classe aprendem os meninos a escrever
na pedra o alphabeto, e depois syllabas de duas letras, ba,
be, bi, & c . ; aprendendo também a soletrar estas syllabas
62 Miscellanea.
em cartas conrespondentcs grudadas era papelão, e pen-
duradas na parede.
Segunda Classe.
Esta classe consiste principalmente dos meninos, que,
tendo aprendido a escrever na área todas as letras do ai-
phabeto, e figuras tle conta ; c a distinguillas perfeita-
mente no papel, estaõ capazes tle passar para esta classe,
comparativamente superior.
Aqui aprendem a soletrar syllabas de duas letras, c a
escrever na pedra, com o ponteiro, ns mesmas syllabas,
que aprendem a soletrar na carta. O decuriaõ manda es-
••rever, ix>r exemplo, a sillaba mi ; todos o> meninos a es-
crevem com o ponteiro na pedra, ao mesmo tempo, e a
soletram ; depois voltam as pedras para a parte tle fora ;
para que o decuriaõ as veja: este vai ao longo do banco
olhando pira todas as pedras, e notando as que naõ estaõ
Ivm 1-scrip'as : dahi manda voltar ns pedras para dentro ;
limptllas com a rqionja ; e prepni.tr para escrever nova
syllaba.
A pedra, em que os meninos escrevem, deve ser a pedra
negra, ou sclusin, commumente usada para este» fins;
com oito poli-.ríttl ts de longo, e quatro de largo, com seu
caixilho tle páo ; e um cordel por que está pendurada ao
pescoço tio menino : o ponteiro tle pedra, tom que se es-
t r o e, ileveiá lambem rstai alado á pedra por um cordel
de sutlii ieule cumprimento, para se poder usar sem ficar
solto. N i parte 8ii|H*rior da pedra deve haver um alpha-
beto gr.i-.ado de maneira permanente; o qual servirá de
traslado aos meninos.
Segundo o methodo antigo se ensinava aos meninos a
soletrar qualquer palavra, começando pela primeira »vl-
laba, c repelindo depois »empre, com as outras syllabas,
que soletravam, as s\ llab is precedentes ; o que perde tem-
po considerável, íatiga os meninos, cansa distracçaõ c de-
Miscellanea. 63
mora, em vez de adiantar, os seus progressos. Pelo con-
trario, pelo novo methodo, se dá aos meninos um perfeito
conhecimento de todas as syllabas, fazendo que as palavras
naõ sejam mais do que um composto de duas, Ires ou qua-
tro syllabas, que nao precisam mais do que ser divididas
para serem logo soletradas. Assim se acha que os meninos
sabem ler, logo que sabem as syllabas ; assim como se sabe
dançar, logo se sabe dar os passos. Saõ elementos tios
elementos, e uma marcha proporcional á intelligencia do»
meninos, e ao gráo de attençaõ de que elles saó susceptíveis.
Este methodo permitte ainda seguir a leitura com a escrip-
tura ; porque naõ ha mais difficuldade em escrever uma
syllaba cujas letras se vêm ; do que em a pronunciar,
quando se conhecem as letras.
As liçoens desta classe, pelo que respeita á arithmetica,
se limitam unicamente a escrever as letras de conta, e a
entender o seu valor abaixo de cem, pela uniaõ de duas
letras.
INGLATERRA.
Processo contra o Tenente-general Gore.
F o i este processo uma acçaõ, que poz Carlos Perkin
Wyatt, Esc. contra o Tenente-general Gore, Governador
da Provincia do Canada Superior, por haver publicado
um libello famoso, falso e malicioso; e por ter suspendido o
dicto Wyatt do seu Officio de Medidor-geral das terras da
Coroa naquella provincia, sem motivos sufficientes ; pelo
que soffreo consideráveis damnos.
O advogado Best, que dirigia a accusaçaõ; disse que
havia três fundamentos no libello da demanda, para qne o
A. puzesse esta acçaõ: 1° que sendo o A. Medidor-geral
das terras da Coroa ua província, do Canada Superior, fôra
78 Miscellanea.
ITÁLIA.
Roma, I a de Maio.
T E N D O a Sanctidade de Nosso Senhor Pio V i l . feliz-
mente Reinante dispensado da Entrada publica S. Exc.
9 Senhor Conde de Funchal, Embaixador extraordinário
de S. A. R. o Principe Regente do Reino-Unido de Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves, junto da Sancta Sé, e tendo
concedido ao mesmo se dirigisse na manhaã de Terça feira
30 de Abril á sua Audiência publica, fez S. Exc. partici-
par isto mesmo aos Eminentíssimos Senhores Cardeaes, ao
Excellentissimo Corpo Diplomático, Prelados, Príncipe»,
e alta Nobreza ; pelos quaes foram mandadas á residência
de S. E x c , no palácio do Senhor Duque de Fiano, as car-
ruagens, com os seus Gentishomens, para o Cortejo, e
foram estes tractados com exquisitos refresco».
Pela volta das dez horas, partio da sobredicta residência
o Senhor Embaixador encaminhando-se para o Pontifício
Palácio Quirinal. Eis-aqui a ordem do noblissimo cor-
tejo : Hia adiante um criado abrindo o passo, c após ette
outro criado com oguarda.sol franjado de ouro; seguia-se a
vistosa berlinda onde hia a grande almofada, e traz ella
do*e criados com fardas ricas agaloadas de prata.—Se-
guia-se após estes uma bellissinia Estufa lustrosamente or-
nada, onde hia o Excellentissimo Senhor Embaixador em
uniforme rico, com todos os seus Hábitos e Insígnia».
Hiam nu carroagem com S. Exc. os MonsenboresGuerrieri
Arcebispo de Alhcnas, Serlupi Auditor da Rola, c Fro»ini
Camerario. Aos lados desta, além do Decano, c .Sub-Dc-
Miscellanea. 89
cano vestidos de preto, caminhavam os Pagens luzidaraente
vestidos de veludo com guarniçaõ de ouro. Seguiam-se a
estes Os Guardaportões com suas bandas ricas, e dois
Volantes esplendidamente adornados com barretinas em
que se via o escudo das armas do Regio Embaixador.—
Vinham depois mais três carroagens elegantes, na primeira
das quaes hia o Senhor Cavalheiro Alvares ex-Encarre-
gado dos Negócios de S. M. Fidellissima, o Senhor Cava-
lheiro Suterman Mordomo da Legaçaõ, Monsenhor Nadini,
e o Senhor Cavalheiro João Gherardo Rossi. Na segun-
da carroagem da coiuativa hiam o Senhor Francisco Pe-
reira Arquivista, o os Senhores Innocencio da Rocha
Galvão, e João Theodoro W y s , Secretários, e o Gentil-
homem da Corte o Senhor Giuntotardi. Na ultima car-
roagem hiam os Senhores Hypolito da Costa, Camillo
Silveira, e os dous Adjutantes da Câmara de S. Exc.—
Succedia a estas uma numerosa comitiva de carroagens
dos Eminentíssimos Cardeaes e da Nobreza.
Com este luzidissimo accompahamento, caminhando
sempre em meio de immensa multidão de povo de todas as
classes, chegou o Embaixador de S. M. Fidellissima ao Pa-
lácio Apostólico Quirinal, onde, com a formalidade do
estylo, foireeebido pela familia Nobre de Sua Sanctidade,
e depois foi introduzido por dous Mestres de ceremonias
Pontifícias à Audiência do Summo Pontífice Reinante
Pio VIL
Depois de haver beijado o Pé, e a Maõ, e de ter sido
admittido ao abraço, começou em genuflexaõ o seu cumpri-
mento, apresentando ao Sancto Padre as Credenciaes do
seu Real Principe Regente. Acenou S. Sanctitade ao il-
lustre Portador dos Soberanos sentimentos, que se levan-
tasse, e sentasse. Prosegnio elle, sentado, o seu discurso,
expondo a nobre occasiaõ da extraordinária Embaixada,
naõ dirigida a outra cousa mais que a congratular Sua
Sanctitade em nome do Principe Regente pelo seu feliz e
VOL. X V I I . N o . 98. M
90 Miscellanea.
fausto regresso a Roma, e pela desejada e applaudida re-
cuperação dos Estados Pontifícios, assim como também
para dar um novo testemunho publico tio filial respeito,
summa devoção, e fidelidade daquella generosa Real
Corte para com a Sancta Sé, implorando a Apostólica ben-
ção para o Sereníssimo Principe Regente, para a Regia
Corte, e para todos os Subditos do Reino-Unidodc Portu-
gal, do Brazil, e dos Algarves.
O Santo Padre respondeo com affectuosissimos senti-
mentos, manifestou o sincero agradecimento de seu animo
por este acto de religiosa veneração prestado á Sancta Sé, e
fazendo um publico e distincto elogio do Sereníssimo
Regente, e de toda a Real Familia pelas brilhantes e re-
petidas provas de sua piedade Christaã, * encarregou o
Senhor Embaixador de assegurar cada vez mais ao Se-
reníssimo Principe de seu paternal affecto, e da sua reci-
proca inclinação a toda aquella Fidelissima Real Corte.
Proferio finalmente S. Sanctidade obsequiosas expressões
de estima, e affeiçaõ para com a mesma Pessoa do Senhor
Fmbaixador pelas muitas virtude», que, além de sua
nobilissima ascendência e talentos, o fazem acecito, c dis-
tincto.
Terminada a resposta do Summo Pontífice, conservou-»*
o indvtoReal Interprete na audencia do Sancto Padre, em
quanto este se dignou admittir suecessivamente toda» as
pessoas do seu cortejo a beijar o Pé.—Daqui passou S.
Exc. a visitar o Eminentíssimo Senhor Cardeal Consalvi
Secretario d'Eilado do Nosso Soberano.
Freiras em S. Miguel.
Na parte da conrespondencia, neste N°., achará o Leitor a
narraçaS de um facto, acontecido na Ilha de S. Miguel; que he
Miscellanea. 101
digno de lêf-se, e de meditar.se. Elle prova qnam justas saõ
ai nossas ideas, a respeito dos conventos de frades e freiras.
A nossa opinião a respeito das ordens mouachaes, naS he
ignorada de nossos Leitores ; porque temos sido nisso mui de-
cididamente claros. Consideramos os conventos como azvlos
mal úteis, para onde se retirem as pessoas de ambos os sexos, a
quem uma verdadeira vocação, ou o desgosto do mundo, faça
necessário um retiro daquella natureza. Em Inglaterra, aonde
nao ha estes refúgios, os suicídios saõ freqüentemente o resul-
tado desta falta.
E com tudo, nada he mais horroroso do que o cruel expedi-
ente de algum pays de familias, que para favorecer o filho ou
filha mais velho , mettem os demais nestas prizoens perpétuas,
enganando.os em idade, em que nao saS capazes de escolha; e
sustentando estes aleivosos procedimentos até com a força ar-
mada do Governo.
O easo presente he o de duas meninas, que na tenra idade de
7 ou 8 annos deviam ser fechadas n'um convento, aonde sem
ver outra cousa mais do que as instituiçoens do Convento, e
obedecendo ás ordens de suas mestras; chegam a idade de
profissão ja feitas freiras, e a cerimonia do veo nao he senaõ
uma mera formalidade, para lhes tirar toda a esperança de
«ahir daquella prizaõ ; porque quanto ao mais, freiras eram
desde a idade de 7 annos,
Este roubo, feito ao Estado, de crianças, que assim se forçam
a ser freiras, tem sido de algum modo obviado, pela necessidade
de obter licença Regia, antes que alguma menina seja por esta
forma emparedada. Mas o DeaÕ de Angra, nao obstante as
leys em contrario, violentamente introduzio duas meninas no
Convento de S. Miguel; e porque as freiras nao quizéram
obrar contra as leys, foi ao Convento com uma tropa de sol.
dados, mandou que os portamachados arrombassem as portas,
preudeo a abbadessa, e vi et armis, fez entrar as meninas no
Convento.
i Se as freiras naõ queriam receber as educandas (ainda sem
fallar na ley a seu favor) que utilidade pôde ter o Governo, em
as obrigar a isso, usando até da tropa ? Os Conventos devem
102 Miscellanea.
ter suas leys particulares, ou compromissos, assim como as
mais irmandades, e por ellas se devem regular: se um sócio, em
qualquer corporação particular, offende os mais, estes devem
queixar-se aos mioistros de justiça; e naõ somente sendo a of-
fensa contra as leys do Estado; mas ainda mesmo contrariasas
suas leys ou estatutos particulares, pôde e deve o magistrado
obrigar o individuo, qne quebrantou as leys, a reparar o
damno que fizesse com isso a seus collegas : faltando á obser-
vância dessas leys.
Porém prestar o Governo a força armada, para introduzir
violentamente duas meninas n'um Convento de freiras, he ab-
surdo indesculpável, repugnante a toda a boa legislação, e con-
trario a todos os interesses do Estado.
Olhando para este caso, somente pelo que pertence a utili-
dade publica, e ao que nos parece ser o principio mais justo
de legislação, sobre as ordens monasticas, naõ podemos deixar
de descer desta consideração a observar o padre DeaÕ, que
representou tam notável papel nesta farça.
Jamais vimos um exemplo tam conspicuo de hypocrisia, do
que a Pastoral, que vem copiada na narrativa, que publicamos
sobre esta matéria. O tal Padre Deaõ, por favorecer os seus
empenhos, atropella as leys, mandando admittir no convento as
meninas, que naõ tinham nem idade competente, nem licença
Regia. Porque as freiras resistem a isto, enfurece-se o DeaÕ;
pede o auxilio de tropas, arromba as portas do convento, mette
nelle as crianças, que estava empenhado em fechar ali; atira
com as freiras no cárcere; insulta-as;—em fim mostra em todo o
seu procedimento a ira, o furor, o orgulho, e todas as mais
paixoens que lhe ferviam u'alma—e vem com uma suave pasto-
ral, com o nome de Jezus Christo, com o Apóstolo amado,
com a sancta amargura de seu coração, e com todo o resto da
bateria da mais refinada hypocrisia.
Ehepara sustentar procedimentos desta natureza, que o Go-
verno presta o seu braço armado—e que haja quem supponlia
ser justo obrigar, por meio da força, a que as pessoas illudidas
continuem a ser victimas de sua illusaõ ; e que nao haja meio
Miscellanea, 103
de salvar, pelo arreprendimente, mesmo uma resolução, tomada
em momentos inconsiderados!
ALEMANHA.
ÁUSTRIA.
ESTADOS U N I D O S .
FRANÇA.
HESPANHA.
Apparecêo em Londres uma lista de navios Hespanhoes, que
os corsários de Buenos-Ayres tem aprezado juncto a Cadiz; e
as cartas particulares daquella cidade dizem, que o Governo se
acha sem forças ou meios de fazer sahir ao mar vazos de
guerra, com que possa reprimir aquelles insultos.
As gazetas Francezas trazem uma curiosa noticia de Hespa-
nha, aununciada em uma carta de Madrid, de 17 de Maio; e
he o seguinte extracto dafalla, que fez o Jezuita, nomeado para
abrir a aula de Malhematica.
44
Todos os males," disse o Professor, 44 que a Europa tem
soffrido por estes 30 annos passados, tem sido effeito dos ga-
bados conhecimentos do século passado; e que levaram os ho-
mens á irreligiaõ e á rebelião. Eu, portanto, somente vos ex-
plicarei a Anthtnetica, a Álgebra, e a Geometria; porque
temo que o resto das Mathematicas só sirvam de vos conduzir
ao atheismo e materialismo."
Continua a carta dizendo, que todas as pessoas presentes,
que seriam 120, se escandalizaram com similhante proposição.
N o segundo dia só apparecéram na aula 30 pessoas ; no ter-
ceiro, quatro, e no quarto dia um só discipulo.
Esta falia do tal Jezuita contém um longo commentario,
breve como he, da DeducçaÕ Chronologica. Hespanha he sem
duvida o paiz da Europa mais próprio para arreigar estas dou-
trinas Jezuiticas.
ORDEM DE MALTA.
POTÊNCIAS BARBARESCAS.
Fragatas.
Severn 40
Glasgow 40
Hebrus , 36
Granicus 36
Chalupas.
Britomart; Mu tine ; Heron, Prometheus, Cordelia.
Bombardeiras.
Belzebub ; Herla; Fury; Infernal.
Dizem alguns, que ao Imperador de Rússia se devem estes
preparativos contra os piratas de Barbaria. S. M. Imperial
tem feito deste negocio um artigo importante em todas as ne-
gociaçoens, em que tem ultimamente entrado com outras na-
çoens ; e consente em que as outras potências contribuam par
a despeza da expedição, que se está preparando na Inglaterra.
Também se diz, que uma esquadra Hollandeza acompanhará
a Ingleza.
RÚSSIA.
SUÉCIA.
WURTEMBERG.
CONRESPONDENCIA.
POLÍTICA.
REYNO UNIDO DT PORTUGAL BRAZIL E ALGARVES.
LISBOA.
Edictal da Juncta da Saúde.
9 de Julho.
A Juncta da Saúde Pública faz saber, que por Aviso ex-
pedido pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangei-
ros, da Guerra e Marinha, em data de 28 de Junho próximo
antecedente, lhe foi communicada a noticia official de se
ter manifestado na cidade de Cagliari, capital da Ilha de
Sardenha, uma terrível moléstia, da qual se acbavaõ ata-
cadas 680 pessoas no dia 24 de Abril próximo passado ; e
entre estas, 200 em grande perigo de v i d a : Em conse-
qüência pois deste desagradável e perigoso acontecimento,
a Juncta recorre, sem perda de tempo, ás seguintes provi-
dencias, para por meio dellas evitar a communicaçaõ deste
novo flagello, que ameaça por mais um lado a segurança
da saude pública do reyno.
1. Saõ considerados como contagiados deste flagello
todos os portos da Ilha de Sardenha, especificamente—
Cagliari, Ogliastro, Terra Nova, Stagno, Oristagni,
Alghieri, Porto Tore, CapoFrasque, Ilha Santo Antioche:
Todos os portos da Ilha de Corsega; especificamente,
Ajaccio, Girelate, Bonifácio, Calvi, Saõ Fiorenzo, Alga-
giola. ContiuuaÕ a ser comprehendidos nesta mesma
classe todos os portos especificados no artigo I . do edictal
Política. 135
de 30 de Março, do corrente anno, por continuarem os
motivos porque alli foram considerados como taes.
2 As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, naõ se admittem em nenhum
Porto do Reyno : e quando succeda que cheguem a entrar
em algum dos Portos do Reyno, seraõ obrigadas a sahir
com as cautellas, que as suas circumstancias especificas, e
as do Porto era que tiverem entrado, recommendarero, ou
fizerem necessárias, prevenindo primeiro todos os Portos do
Reyno; e apenas se lhes concede lançarem fora as cartas
ou papeis, que tragam o seu bordo, para serem entregues
ás Repartições, ou pessoas, a quem se dirigirem, depois de
purificados pelos desinfectantes mais enérgicos, que actual-
mente se pratiçaõ em similhantes casos; ficando restringida
esta mesma liberdade ao Porto de Lisboa, pelo perigo que re-
sultaria á regurança da Saúde Pública, se este rnelindro-
sissimo ramo de Policia externa de Saúde se permittisse
em qualquer outro Porto do Reyno.
3. Saõ considerados como muito suspeitosos desse con-
tagio os Portos da Ilha d'Elba ; especificamente, Porto
Feraio, e Porto Longon. Na Toscana o Porto de Liorne:
Na Campanha de Roma, Sancto Stefano, Civita Vechia,
Fiumicino, e Porto Dansa : No Reyno de Tunis, Biserta,
Tunis, Galipoli, Susa, e Monaster : ISo Senhorio de Al-
ger, Alger, Bonna, Bougic, Arzeni, Storo, Ilha Taburgo,
Oran, Tenes, e Marsalquivir. Continuam a ser compre-
hendidos nesta mesma classe todos os Portos especificados
no Artigo III. do Edictal de 80 de Março, do corrente
anno por continuarem os motivos por que alli foram con-
siderados como taes.
4. As Embarcações procedentes dos Portos comprehen-
didos no Artigo antecedente, saõ admittidas só, e exclusi-
vamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma quarentena
rigorosa.
5. As AmbarcaçÕes precedentes dos Portos de Itália
s2
136 Politica,
que nao ficam expressamente nomeadas no Artigo I I I . ; as
que procederem da Ilha de Malta; e as que procederem
em geral dos Portos de Barbaria, que naõ ficam expressa-
mente nomeados no sobredicto Artigo III., saõ admittidas
só, e exclusivamente no Porto de Lisboa, debaixo de uma
quarentena de 20 dias.
6. Os Artigos VI. e V I I . do Edital de 30 de MaTço,
do corrente anno continuam na sua literal observância.
7. As Providencias, que ficam adoptadas nos seis Arti-
gos antecedentes, seram reduzidas á sua fiel execução, de-
baixo das medidas, cautellas, e responsabilidades, que se
estabeleceram pelos Artigos VIII., I X , e X , do Edictal
de 30 de Março, próximo passado.
E para que chege á noticia de todos, e se nao possa al-
legar ignorância, se mandou affixar o presente Edictal em
todas as Praças, e Lugares Públicos dos Portos do
Reyno, para ser escrupnlosaraeiite observado, em quanto
naõ for dispensada, ou modificada por outro a sua literal
observância.
(Assignado) L u i z ANTÔNIO REBELLO DA SILVA.
Lisboa, 3 de Julho, de 1816.
FRANÇA.
HESPANHA.
INGLATERRA.
ORDEM G E R A L .
SUÉCIA.
Resposta da Dieta.
Senhor!—Chegou o momento, que ha tanto tempo éra
o objecto dos desejos do Naçaõ, e de Storthiug : termi-
naram as nossas deliberaçoens.
He com uma boa fe cordeal, que temos constantemente
trabalhado em dar aos negócios públicos um resultado,
148 Política.
conforme aos desejos, e communs esperanças d' El Rey e
da Naçaõ. Tivemos sempre em vista este objecto, naõ
obstante os obstáculos, que se nos opposéram pelas dificul-
dades das matérias, pela sna complicação, pelas novas cir-
cumstancias e formas a que éra necessário attender. Forti-
ficados pela consciência da pureza de nossas intençoens, e
pelo zelo que temos empregado no preenchimento de
nossos deveres para com a nossa amada pátria, e para
com um Governo sábio e paternal, submettemos os nossos
trabalhos ao juizo de nossos contemporâneos, e da poste-
ridade.
Ainda que tivéssemos de lamentar, que algumas de nossas
resoluçoens, que nós julgávamos de considerável importân-
cia, naõ houvessem tido naquelle momento o desejado
effeito, comtudo lisongeamo-nos de ter feito alguma cousa
para o bem do Reyno.
A constituição, que serve de garantia a nossa liberdade
legal; a uniaõ da peninsula Seandinavia debaixo de um
sábio Governo, que assegura a nossa condição politica; as
bases, que temos trabalhado por fixar, de parte dos nosso-
arranjamentos internos ; e as medidas, que podemos espe-
rar para o futuro, quando as assembléas nacionaes tiverem
adquirido maior experiência, nos fazem esperar a futura
felicidade da Norwega. Ouça o Ceo os nossus rogo!
Vós, Senhor, segundo o desejo da NaçaÕ, oecupaes
presentemente o lugar de Vice Rey ; e vós nobre Prín-
cipe, que segundo as esperanças, que S. M. nos tem dado,
em breve o exerci tarei s ; estais ao ponto de voltar para nm
povo composto de nossos irmaõs. O pezar, que temos, de
naõ ver mais prolongada a vossa estada entre nós, he com-
pensado somente pela convicção de que vós sereis, juncto
ao throno, o interprete da Naçaõ, e o protector de seus
direitos.
Concidadãos, Membros doStorthing;—Depois de haver
terminado os nossos difficeis e importantes trabalhos esta-
7
Politica. 149
mos aos ponto de voltar para nossas casas. Esforceroonos
cada um de nós, por varonil comportamento, e prudentes
discursos, em derramar em torno de nós o respeito ás leys,
e ordenanças do Estado; e a confiança e affeiçaõ aos que
o governam. Porém, sobre tudo, demos as graças ao Ora-
nipotente, que nos tem permittido gozar aquella paz e
felicidade, que tantos outros paizes tem desejado em
vaõ.
Deus guarde a El Rey e ao seu Reyno.
WURTEHBERO.
Memorial dos Estados a Sua Majestade.
Temos sido informados com certeza, de que Vossa Ma-
jestade tem ordenado uma leva de recrutas de 900 homens.
Esta ordenação foi expedida, sem que os Estados tivessem
nenhuma communicaçaõ official délla, em profunda paz,
sem nenhuma razaõ plausível; a tempo em que está ainda
em pé uma força militar, calculada para otempo de guerra,
eque excede muito os meios do paiz: quando os tra-
balhos do campo requerem imperiosamente os braços de
tados os trabalhadores ; quando tudo indica a necessidade
de diminuir as despezas do Estado, e quando a miséria,
que existe entre o povo, he tal, que he impossível descre-
velia. Elles souberam com grande susto, que a sua penú-
ria, que parecia haver chegado ao seu maior auge, havia
ainda de ser augmentada.
Os elementos, de dia em dia, privam o cultivador do
prospecto, que até aqui o tinha snpportado prevenindo a
desesperaçaõ; mas estas misérias augmentam diaria-
mente, e excitam o temor da mais tremenda extremi-
dade. Em taes circumstancias os abaixo assignados naõ
podiam ter esperado tal ordenação : nella vêm uma nova
e triste prova, que os convence da pouca razaõ que tinham,
para fomentar, no espirito dos povos, esperanças de al-
VOL. XVII. No. 99. u
150 Politica.
<ruma mitigação em sua sorte ; e de que voltasse outravez
a ordem politica solidamente confirmada ; porque, ainda
que se debandasse igual numero de tropas, o povo via,
que, depois desse debandamento das tropas, as que ficavam
excediam muito os meios do paiz; e naõ podia assim ficar
satisfeito de que esse beneficio naõ havia de ser inutilizado
pela medida de novas levas de gente. Em conseqüência,
os Estados se vem obrigados a rogar encarecidamente a
S. M., que se sirva condescender em revogar a dieta
ordenação.
H e verdade que V- M. declarou aos abaixo-assignados,
pelo rescripto de 24 de Junho," que se naõ receberia, nem
se responderia a nenhuma petição ou representação, que elles
apresentassem, a naõ ter por objecto o seu peculiar negocio,
que he a Constituição." Porém naõ obstante que essa
declaração seja de taõ pouca satisfacçaõ aos Estados
assim como a todo o povo, nem por isso deixam os abaixo-
assignados de se supporem desligados das obrigaçoens,
que os seus deveres lhes impõem. Se elles se deixassem
ficar mudos expectadores da execução da sobredicta me-
dida, elles teriam sido tanto mais culpados da violação da-
quelles deveres, quanto estes tem sido reconhecidos da
forma mais authentica, tanto por Vossa Majestade e pelo
povo, como por seus representantes. No rescripto de 21
de Julho do anno passado, V. M. expressou que naõ tinha
duvidas, a respeito do direito dos abaixo assignados, em
protestar quanto ás levas de tropas : em outro rescripto da
mesma data, V. M. até declarou da maneira mais formal,
que as negociaçoens entre o Governo e os Estados, sobre as
queixas do paiz, eram independentes das discussoens sobre
a Constituição ; e naõ deviam soffrer demora. Os direitos
do povo, e os dos Estados, de fazer representaçoens ante o
vosso throno, naõ precisam de novas provas. Se, peta
nova convocação, dos Estados, assim como pelos rescriptos
de Vossa Majestade de 16 de Outubro, e 13 de Novembro,
Politica. 151
de 1815, o povo tinha de ser abandonado ao poder arbi-
trário; se os seus representantes naõ separarem os direitos
dos deveres ; se, ainda mesmo sem novo compacto consti-
tucional, elles naõ podem oliiar para o infeliz povo Wur-
temburguez como um povo sem direitos; se, por todos os
seus procedimentos, naõ só os que se referem meramente
ás negociaçoens sobre o restabelicimento da Constituição,
elles tem trabalhado por manter um estado de direitos, que,
até independentemente de toda a constituição primitiva,
existe entre todo c qualquer Governo e o povo, que he
representado por Estados :—naõ se deduz daqui nenhum
fundamento plausível para aceusar a sua assemblea de ter
espirito revolucionário.
HANOVER.
Patente do Principe Regente, pela qual declara a cessaõ
do Ducado de Lauenbvrgo á Prússia.
George, Principe Regente em nome e a bem de Sua
Majestade George III, pela graça de Deus, Rey do Reyno
Unido da Gram Bretanha e Irlanda, Rey de Hanover,
Duque de Brunswick e Lunebuig, &c.
Na final libertação da Alemanha de um jugo estrangeiro,
effectuada pelo auxilio das Potências Alliadas, era o nosso
mais anxioso desejo tomar a unir debaixo do nosso sceptro
todas as possessoens da nossa casa em Alemanha, e con-
servallas inseparáveis; e para poder remunerar os vasallos
dellas, pela lealdade e affeiçaõ, de que elles nos tem dado
as mais assignaladas provas, mesmo debaixoda opressão
de uma occupaçaõ estrangeira. Este esforço, que,
em todos os tempos, temos preferido ao engrandeci-
mento do território de nossos Estados, tinham também
por seu objecto especial a conservação indivisível do
ducado de Saxe-Lauenburg, cujos habitantes tinham
sempre, e especialmente nos últimos tempos calamitosos,
u2
152 Politica.
debaixo de um jugo estrangeiro, dado indubitaveis provas
de sua devoção e aflecto a nós e a nossa Casa: e para o
alcance deste objecto nós o fièrecemos promptamente o fazer
todos os sacrifícios, que fossem compatíveis coma verda-
deira felicidade dos nossos Estados Alemaens como um
todo.
Como, porém, he uma das conseqüências das diversas
mudanças, que tantos dos Estados Europeos tem sido
obrigados a soffrer, pelo aperto das circuinstâncias ; que,
para a confirmação das futuras relaçoens territoriaes da
Alemanha, nem se desprezassem as opinioens das Potências,
com cujo auxilio se libertou o nosso paiz de um jugo es-
trangeiro ; nem que se separassem os interesses da Ale-
manha, e seus differentes Estados, do que éra necessário
para a execução dos differentes tractados concluídos entre
as Potências Estrangeiras, e para a manutenção da tran-
quillidade geral, que delles dependem ; assim dahi se
seguio, que ficasse connexa com as importantes conseqüên-
cias da felicidade de nossos outros Estados da Alemanha,
em geral, a cessaõ ao Rey de Prússia da quella parte do
Ducado de Saxe-Lauenburg, que fica na margem esquerda
do Elbe. Este consentimento de nossa parte foi tam im-
periosamente necessário, que qualquer ulterior demora, que
nisso puzessemos, naõ seguraria aos nossos vassallos desta
parte a sua connexaõ com o nosso sceptro.
Nestas circumstancias, e convencido de que he do nosso
dever fazer este sacrifício, por mais árduo que elle seja a
nosso coração, para utilidade do todo, temos resolvido, em
conformidade de um tractado, concluído com El Rey de
Prússia aos 29 de Maio do anno passado; e ao depois
modificado por outro tractado de 23 de Septembro se-
guinte, ceder, e pôr á disposição de S. M. Prussiana,
aquella porçaõ do Ducado de Lauenburg situada na mar-
gem direita do Elbe, á excepçaõ do Cantaõ de Nenhaus e
do território incluído entre elle e Mecklenburg; por quem
Politica. 153
elle tem de ser immediatamente cedido e traspassado a
Sua Majestade El Rey de Dinamarca.
Temos ao mesmo tempo estipulado a manutenção de
todos os actuaes direitos e privilégios da dieta porçaõ ce-
dida do ducado de Lauenburg • e particularmente o recesso
concluído com os Estados delle aos 15 de Septembro, de
1702, e ratificado por S. M. El Rey aos 21 de Junho de
1765; assim como também, que o novo oecupante tome
sobre si as dividas do Estado, e o prompto e justo paga-
mento dos gastos e dividas contrahidas durante a occupa-
çaõ dos Francezes.
Temos dado commissaõ e poderes a Joaõ Christiano
Duriug, Commendador da nossa Ordem dos Guelfos, para
que ponha em execução a sobredicta sessaõ, e para que,
em nosso nome absolva os Estados e habitantes, era geral,
do juramento de fidelidade e homenagem, porque ate aqui
se achavam ligados á nossa casa ; e ao mesmo tempo que
elle lhes recommenda, que mostrem a mesma fidelidade
e affeiçaõ ao seu novo Governante, que até aqui tem mos-
trado a nós e á nossa Casa, tios lhes communicamos a se-
gurança de que a lembrança de sua lealdade e effeiçaõ a
nós e a nossos antepassados, nunca se riscará de nossos
coraçoens.
Por ordem especial de Sua Alteza Real o Principe
Regente.
C. Von DECXEN,
Von BRBMER,
Von ABNSWALDT.
Hanover, 16 de Julho, 1816.
PAIZES-BAIXOS.
Memorial dos Estados Provinciaes de Liege, á Segunda
Cornara dos Estados Geraes.
Altos e Poderosos Senhores 1—do momento em que a at-
tençaõ dos Estados Geraes he chamada para a organiza-
154 Politica.
çaõ do systema de tributos, no momento em que El Rey
submette á vossa deliberação os planos de seu Ministério,
sobre este importante e delicado ramo da administração, he
do dever daquelles, que S. M. tem chamado a formar os
Estados Provinciaes, o apresentar-vos o tributo de suas
meditaçoens, revelar-vos as suas anxiedades, e fazer-vos
conhecer os desejos do povo. Este dever he também uma
das mais importantes funçocns constitucionaes dos Estados
Provincionaes; e julgamos que, preencbendo-o, conre-
spondemos á confiança de S. M. De todos quantos re.
speitos se lhe podem prestar, a verdade he a que elle
dá mais valor, e que he mais agradável ao seu co-
ração.
Estamos convencidos da necessidade de supprir ás ne-
cessidades do Estado, e invariavelmente daremos o ex-
emplo dos sacrifícios : mas, a fim de que a divida dos
cidadãos para com o Estado seja paga sem queixumes,
he necessário que se observe a ordem natural das contri-
buiçoens, e que a sua repartição seja feita entre todos os
membros do Estado com aquella igualdade, sem a qual
naõ pôde haver justiça. He neste ramo especialmente,
que o Governo se deve mostrar pay commum de todos
os cidadãos, e trabalhar pelos convencer de que, vi-
vendo debaixo das mesmas leys, tem direito ás mesmas
vantagens.
Nesta matéria dos tributos, ha um pequeno numero de
ideas simplices, de principios fundamentaes, de que se
naõ pode o Estadista afastar sem grandes inconvenientes.
Assim, devem impor-se tributos aos productos estrangeiros,
em preferencia aos nacionaes : os objectos de luxo e
mero commodo, antes que os de primeira necessidade ;
e também, ao mesmo tempo que pôde submetter-se aos
tributos o que entra no consuromo doméstico, os artigos
de exportação e o alimento da industria devem ficar
izentos: estes saõ os únicos meios de obter um balanço
Politica. 155
favorável. A questão que se offerece agora he, se o plano
do Ministério he ou naõ conforme a estas ideas e prin-
cipios ? Propôrem-se segeitar o sal a um direito de mais
de 3 florins por 100 libras: a cerveja a um tributo de 1
florim e 14 soldos por hectolitro : e vinho a 24 florins por
pipa : os espíritos ardentes estrangeiros a 40 florins ; e os
nacionaes a 53 florins por pipa ; ao mesmo tempo que o
chá, café, assucar, algudaõ, cacáo, e outros productos
coloniaes estrangeiros saõ quasi izentos de direitos.
Tal systema nos parece destructivo de toda a confiança,
pernicioso á agricultura e ao commercio : parecenos cal-
culado a nutrir uma fatal rivalidade, encadeara industria
e fazer o nosso terreno e a nossa industria tributários aos
estrangeiros. Em primeiro lugar carrega particularmente
sobre o consummo de algumas das provincias do Reyno,
em quanto outras ficam quasi izentas. Em um paiz de
certa extençaõ, o consummo varia, segundo os custumes e
usos : a sciencia da legislação consiste, em pezar devida-
mente estas matérias; taxando os artigos por tal maneira,
que se possa manter a igualdade ; e que a differença das
necessidades dos habitantes naõ seja causa da exempçaõ
de alguns e de sobrecargos em outros. A cerveja he um
artigo de uso geral, nas províncias do Sul: o chá he prin-
cipalmente consummido nas provincias do Norte : entaõ
i porque se naõ ha de establecer ura balanço, taxando o chá
ea cerveja na mesma proporção, em relação ao seu valor. ?
I Porque se naõ ha de lançar antes uma parte destes ex-
orbitantes direitos sobre os productos coloniaes, que está-
vamos acustumados a comprar pot taõ alto preço, em vez
de carregar com elles a cerveja, o sal, e outros artigos de
primeira necessidade, como se pretende no plano dos Mi-
nistros ? i Porque ha de obter uma izençaõ, que nada
justifica, o tabaco, que he um artigo, cujo uso he mera
creatura do habito, e naõ da necessidade ?
O relator do plano dos tributos naõ pôde dissimular,
7
156 Politica.
que seria próprio favorecer a uso da cerveja, bebida sau-
dável, e pouco própria a fomentar o excesso da bebedice:
l como acontece, entaõ, que a par desta judiciosa obser-
vação se acha um regulamento, que eleva o tributo sobre a
cerveja a mais de 50 por cento de seu valor médio nas
provincias? i He a isto que chama favor ? Este direito
he exhorbitante ; assim como os outros, e o he em tal grão,
que o resultado enganará os que o propuzéram : elle
acabará interiamente com as fabricas de cerveja, naquellas
partes, aonde os direitos actuaes, posto que muito menores,
ja as tinham diminuído bastante.
O imposto sobre o vinho hede 40 por cnato do seu valor
médio : a genebra do paiz cento por cento de seu valor
ordinário. A proposição de taõ pezados direitos só se
pôde explicar pelo total esquecimento de grade numero de
artigos, cujo consummo he menos necessário á vida; e
parece que o objecto destas medidas he concentrar as con-
tribuiçoens, em vez de as estender, e de as fazer communs
a todos. Porem ao menos naõ se devia perdoar aos espí-
ritos ardentes estrangeiros, nem deviam estes receber
alguma vantagem, na competência, que éra inevitável; e
com tudo, neste plano, elles tem a quarta parte de menos
nas impossiçoens ; e a genebra fabricada nos paizes vi-
zinhos ao Reyno, sendo admissível, como os espíritos ar-
dentes estrangeiros, ameaça, com uma repentina e desas-
trosa annihilaçaÕ, os lambiques nacionaes, tam úteis a nossa
agricultura.
Propôem-se, contra o exemplo de todas as naçoens es-
trangeiras, e particularmente da Inglaterra, impor um di-
reito sobre o carvaõ, o que causaria rápida diminuição em
nossas fabricas. De toda a parte se tem feito representa-
çoens ; porém a Provincia de Liege deve especialmente
temer as calamidades, que resultariam deste imposto. As
manufacturas de pannos, de pregos, de armas, e de ferro
em geral, as de pedra hume, cobre, e zinco, constituem
Política. 157
haõ somente a riqueza, mas a existência de nossa provin-
cia ; e todas estas forjas, todas estas fabricas, dependem
do uso do carvaõ. Augmentando-se o preço daquelle
combustível (e tal seria o effeito do proposto tributo) rora-
per-se-hia toda a balança, e se daria a superioridade aos
estrangeiros. O Reyno, cercado por industriosas provin-
cias, veria passar para suas maõs o capital das fabricas, e
se substituiria ao que presentemente he objecto de lucrativa
exportação, uma ruinosa importação. Este engano, em
matérias de tam grande interesse, he inconcebível em um
século, em que a competência da industria he um dos mais
csienciaes ramos da política ; e quando o gênio dos ho-
mens se tem applicado, com tam bom successo, em sup-
prir as faltas da natureza, c as desvantagens da posição.
A Inglaterra faz esforços perpétuos, para supprir, pelos
melhoramentos nas artes mechanicas, o que lhes nega o
seu terreno e sua população : o carvaõ, por meio de seus
engenhos de vapor, tem vindo a ser o movei universal de
suas fabricas, i E quererão os povos dos Paizes-Baixos
privar-se dos recursos, que se apresentam á sua industria,
pela fácil extracçaõ do baixo preço do carvaõ? Se a Ze-
lândia, a Hollanda, c Frizelandia tiram a sua opulencia
do commercio e navegação, a Provincia de Liege, e algu-
mas outras da Belgia, devem a sua prosperidade à sua in-
dustria fabricante.
Estes dous interesses tem igual direito á protecçaõ;
porque saõ igualmente preciosos ao Estado : com esta
differença porém, que o commercio marítimo deve sempre
ser precário, em quanto existir uma naçaõ superior no
mar: ao mesmo tempo que as nossas fabricas, fundadas
nos recursos de nosso território, e na industra de seus ha-
bitantes, apresentam uma baze muito mais solida.
Estas penosas verdades nos fôram extorquidas, por um
sentimento de dever, pelo conhecimento das necessidades
do povo, pelo desejo de prevenir as calamidades, qne um
VOL. X V I I . N o . 99. x
158 Commercio e Artes.
máo systema deve ocasionar, e especialmente pela necessi-
dade de estabelecer o Reyno sobre a baze de uma uniaõ
franca e desinteressada. Esta uniaõ só pôde ser estabele-
eida e mantida por uma igual distribuição dos encargos
públicos : os zelos perturbam as familias, assolam as ci«
dades e solapam os fundamentos sobre que descança a se-
gurança do Estado. A uniaõ de todos os vassallos he a
verdadeira garantia da prosperidade das naçoens.
COMMERCIO E ARTES.
Contracto do Tabaco.
A continuação deste monopólio, depois do clamor que
sobre isto se tem feito, he ja tam escandalosa, que até os
mais vis aduladores do Governo se naõ atrevem a defen-
dêllo. Quem tal diria ! O Investigador Portuguez mesmo,
no seu No. 62, p. 256, se declarou abertamente contra o
Governo de Lisboa, incluindo o Principal Souza (he
verdade que ja naõ está em Londres o Conde de Funchal;
por tanto, diz o rifaõ ; " agora frades agora, que anda o
guardião por fôra.) pelos procedimentos que tem practi-
cado sobre a arremataçaõ deste Contracto. Veremos depois
que o Investigador advogou esta causa de má vontade,
pelo mal que a defendeo.
Achamos porém publicadas as condiçoens, que offere-
cêram os negociantes rivaes dos actuaes contractadores, e
dizem que o seguinte papel he copiado que elles apresen-
taram á Juncta do Tabaco.
Pnmeira proposta.
1. O Abaixo assignado Diogo Ratton, Fidalgo Cavalei-
ro da Casa de S. A. R. e negociante desta praça, se pro-
põem fazer um serviço muito relevante ao mesmo Senhor,
pelo qual espera da sua Real benignidade, que conhecido,
Commercio e Artes. 171
haja de o tomar na sua Regia contemplação, para o at-
tender como for servido.
2. Esta lembrança hc filha das repetidas conversas, quu
elle teve com seu pay, Jacomo Rattnn, sobre este assumpto
quando antes de sua deportação viviam junetos : e isto cm
razaõ de ter sido um dos principaes estudos do dicto sen
pay a economia politica, pela precisão que tinha de o
fazer, para desempenho do lugar que servia, de Deputado
do Tribunal da Real Juncta do Commercio, que tantos
annos teve a honra de occupar.
Foi sempre um ramo das rendas Reaes, que mereceo
muito a sua attençaõ, o contracto geral do tabaco c das
saboarias, e o modo porque se poderia fazer mais produe-
tivo ao Real Erário ; e, ao mesmo tempo, o Governo pu-
desse conhecer fia sua administração, e de seus lucros, pa-
ra que assim naõ continuasse a ser uma espécie de patri-
mônio de um pequeno numero de negociantes, sem que se
habilitassem outros, para haver para o futuro a necessária
concurrencia na sua arremataçaõ.
3. Para este fim tem formado uma companhia de nego-
ciantes honrados, c abonados desta praça, e da do Porto,
dos quaes tem procuração bastante, e tendo combinado os
seus próprios interesses com os da Real fazenda, se pro-
põem augmentar o rendimento do contracto gerai do ta-
baco e saboarias, c fazer conhecer ao Governo, qual seja o
seu verdadeiro, e effectivo rendimento, na forma e com as
condiçoens seguintes. A saber.
Ia. Que o contracto geral do tabaco e saboarias, lhe ha
de ser arrematado por nove annos, que haõ de principiar
em o 1*. de Janeiro, 1818, e haõ de acabar em o ultimo de
Dezembro, de 1826 ; pelo mesmo preço e condiçoens, que
o trazem os actuaes contractadores, fazendo as mesmas
despezas da arremataçaõ que elles fizeram ; pagando to-
das as propinas que estaõ cm practica, sem alteração al-
guma ; assim como se obrigarão á mesma forma dos pa-
172 Commercio e Artes.
gamentos cm mezadas, e quartéis, nos dias determinados
sem nenhuma differença.
2*. Que além do dicto preço e condiçoens, por que os
trazem os actuaes contractadores, que todas faz certas, of-
ferece á Real fazenda a quinta parte dos lucros, que se li-
quidarem annualmente ; para o que se obrigará a com-
panhia a trazer sempre a sua cscripturaçaÕ ein dia, com
toda a regularidade ; para no fim de cada anno se fazer
um balanço geral, pelo qual se venha no conhecimento dos
dictos lucros, e quinze dias, depois de fechado o dicto ba-
lanço annual, entrará no Real Erário com a somma, que
importar a dieta quinta parte.
3*. Que quando, porém, sueceda haver perdas (o que Deus
naõ perraitta) ou haver lucros tam diminutos, que a quinta
parte delles naõ preencham cem mil cruzados, a compa-
nhia se obrigará a preenchêllos á sua custa; e a entrar com
elles sempre annualmente no Real Erário, na dieta forma,
quinze dias depois do balanço.
4'. Que para desvanecer toda e qualquer duvida, que
se possa offerecer a respeito do comportamento e boa fé
da companhia, ou delles contractadores, se lhe nomeará
um Fiscal por parte da Real fazenda, que diariamente ex-
amine c fiscalize a exacçaõ da escripturaçaÕ, e do balanço
annual, para o qne lembra Alexandre Antonio das Neves,
por ja se achar aprovado por S. A. R., ou outro qualquer
de reconhecida probidade, e conhecimentos necessários, á
eleição do Governo.
5*. Que, no caso de haver perdas, estas recairão sempre
sobre a companhia, ou sobre elles contractadores, sem que
dellas possam pedir indemnizaçaõ, salvo o cazo de invazaõ
do inimigo, o que Deus taõ permitta.
(Assignado) D I O G O RATTON.
Lisboa, 18 de Junho, 1816.
Nomes dos sócios e fiadores do sobredicto Diogo Rat-
ton: a saber; em Lisboa, Nicolao Clamouse, Browne &
Commercio e Artes. 173
C*. Joze Diogo de Bastos. No Porto, a Casa de Bernar-
do Clamoose Browne and C\, que se compõem dos se-
guintes sócios, Pedro de Clamouse Browne, Joaõ Luiz de
Ia Roque, Manuel de Clamouse Browne, Francisco de
Clamouse Browne.
f
Pernambuco. libra... 2 s . • P 2s.
Ceará 26. èP- 2s.
Bahia ls. llp 2s.
Maranhão .. Is. l l p . '8s. Tp. por lb. 100 em na-
Pará vio Portuguez ou Inglez.
Minas novas
Capitania. ..
An n il Rio 3s. 6p. 4s. 6p. 4|p. por lb.
Ipecacuanha Brazil 9s. 6p. lOs. 6p. 3s. 6|p.
Salsa Parrilha Pará 3s. 8p. 4s. 2p. ls 2*P.
Óleo de cupaiba 3s. 6p. 9p. ls UJp.
Tapioca Brazil 8p. 12p 4p.
Ourocu ls. 6p. 2s. Sp. direitos pagos pelocompdor
Tabaco . em rolo 4p. 5p. > Livre de direitos por e».
Í em folha . . . .
ÍA
4p.
9p.
5p.J portaçao.
9Jp
j
'Rio da Prata pilha < B 8p. 8ip
(C 6íp. 7p.
CA v9|p. por couro em navio
Couros \ Rio Grande <B Portuguez ou Inglez.
c
(
Pernambuco salgados
-Rio Grande de cavalho couro • • 4s. 6p. Ts. 6p.
Chifres RioGrande. 12|3 38s. 6p. 40s. 6p. 5s. 6jp. por 100.
Páo Brazil Pernambuco Tonelada 115/.
Páo amar rello . . . . Brazil
r.
120/. ) direitos pagos pelo com
7s. 0p.| 8s. Op. J prador
Esp<
ecie.
Ouro em barra £%
Peças de 6400 reis.
Dohroens Hespanhoes, por onça.
Pezos dictos
Prata em barra
Câmbios.
Rio de Janeiro 58| Hamburgo 36
Lisboa 55$ Cadiz . . . . 34
Porto 55i Gibraltar.. 31
Paris 25 90 Gênova . . .
Amsterdam 12 6 43*
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2£Gnineo8.
Lisboa )
Porto J .... U
•5 li.
Madeira 1 •í.
Açores 21.
Rio da Prata 2 .
3i. 3 .
Bengala 3
C 179 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS P U B L I C A Ç O E N S EM I N G L A T E R U A .
PORTUGAL.
o
Sahio a luz : o 2 . tomo do Guarda-livros Moderno, ou
curso completo de instrucçoens elementares sobre o Com-
mercio, tanto em mercadorias, como em banco. Preço
1800 réis.
BRAZIL.
Prelecçoens Philosophicas sobre a Theorica do Discurso e
da Linguagem, a Estética e Dicecsina, e a Cosmologia.
Por Silvestre Pinheiro Ferreira. Rio-de-Janeiro,
1813.
No vol. xiii. p . 460, deste Periódico, annunciamos ja
esta obra; e demos uma breve idea das oito Prelecçoens,
que até entaõ tinham apparecido. Agora, neste mez de
Agosto, nos chegaram ás maõs as outras Prelecçoens,
desde a nona até a vigessima segunda, a que acompanha
uma traducçaõ das Cathegorias de Aristóteles ; pelo mes-
mo Author.
Na prelecçaõ nona ; e primeira das que tivemos o gosto
de ler por esta vez; começa o A. a examinar a philoso-
phia dos antigos e modernos Authores ; e dá principio á
matéria pelas Cathegorias de Aristóteles, como aquelle que
sem duvida tem a primazia ; a qual abundantemente se
mostra, nesta sua obra das Cathegorias; aonde se encon-
tram as mais bellas regras de raciocinar, e fallar com
justeza. Esta prelecçaõ nona explica os principios e jus-
tifica as razoens em que Aristóteles fundou as suas catego-
rias, ou distribuição das ideas em differentes classes ; pelo
que vem esta prelecçaõ a ser mui importante, naõ só para
entender o que o A. diz para o diante ; mas para facilitar
a intelligencia da mesma obra d'Aristoleles.
Nada he mais justo do que a importância que o A. dá
(§ 315) á nomendatura das sciencias: os conhecimentos,
que qualquer homem adquirisse por sua experiência e por
sua meditação, findariam com elle, se naõ pudesse com-
municallos aos demais homens por termos intelligiveis:
assim vemos, que muitos remédios, descubertos pelos anti-
gos, se nao podem usar, ja porque a descripçaõ dos medi-
camentos naõ he intelligivel, já porque ás mesmas enfer-
midades naõ saõ suficientemente characterizadas: e nada
188 Literatura e Sciencias.
contribue mais para a clareza, na communicaçaõ de nossas
ideas, do que a boa nomenclatura.
E com tudo, apenas podemos convir com o A. quando
elle leva isto ao ponto de dizer (322) que " as sciencias
nada mais saõ do que o conhecimento do valor das pala-
vras e phrazes, que constituem a particular nomendatura de
cada uma dellas."
Segundo o mesmo A. (^ 10) a nomenclatura das scien-
cias naõ he senaõ um dos cinco elementos de que ellas se
compõem ; e por isso he difficil de entender porque o A.
neste lugar reduza as sciencias unicamente ao conheci-
mento da nomenclatura. Se nós tivéssemos de diffinir a
sciencia meramente por um dos ciuco elementos, que o A.
lhe assigna, diríamos antes, que " as sciencias nada mais
saõ do que o conhecimento dos factos, sobre que cada
uma dellas se versa." Assim aquelle que soubesse maior
numero de factos seria o mais sábio; mas se julgamos esta
nossa difíiniçaõ defeituosa, por naõ abranger quanto he
necessário, muito menos podemos adimittir a do A., que,
conrespondendo com a nossa no demais, em lugar dos
factos põem a nomenclatura.
Nós conhecemos na America Septentrional, em New-
Jersey, um índio mudo, c que naõ sabia lêr nem escrever.
Este homem éra o curandeiro de sua tribu, e tinha feito
um extraordinário estudo de botânica, e dizem, que tinha
aprendido de sua mãy o conhecimento das virtudes de
muitas plantas; e o mais notável he, que, havendo feito
uma espécie de erbolario, ou collecçaõ de plantas secas, as
tinha classificado, em parteleiras, na sua cabana, segundo
a configuração das raízes, e dahi segundo os usos á que as
destinava; como vomitorios, purgas, antídotos para mor-
deduras de cobras, &c.
Deixando de parte o pequeno gráo de perfeição; ou,
para melhor dizer, a imperfeição da sciencia daquelle
índio, he evidente, que elle possuía em algum gráo ás
Literatura e Sciencias. 189
sciencias da botânica e da matéria medica, sem conheci-
mento do valor de palavras e de phrases ; porque as naõ
tinha; e éra mudo. Se porém o tal Índio quizesse com-
municar essa sciencia, que tinha adquirido, entaõ as pa-
lavras e phrases lhe seriam necessárias ; e tanto melhor
daria a conhecer aos outros o que elle sabia, quanto mais
correctas e mais bem diffinidas fossem as palavras e phra-
ses, que para isso usasse, porque em fim concordamos
perfeitamente com o que o A. diz ($ 323) de que as diffini-
çoens, axiomas, theoremas, e problemas abrangem todas
as partes de um tractado de qualquer sciencia; posto
que naõ sejam a mesma sciencia; pois esta, quanto a nós,
consiste no conhecimento que tem o que a possue, e a
quem chamamos sábio, dos factos, que lhe saõ relativos, e
de um bem dirigido raciocínio, na sua combinação. Neste
sentido he impossível admittir a distineçaõ, que o, A. faz,
($ 538) entre conhecimentos e sciencia: porquanto o
mesmo A., quando tracta de distinguir o estado das scien-
cias do gráo de conhecimentos do sábio escriptor (ç 633),
chama sciencia a massa de doutrinas espalhadas por todos
os escriptos, que delia tractam."
A prelecçaõ décima contem explicaçoens ao segundo
aphorismo das Cathegorias d'Aristóteles; por occasiaõ
disso mostra a importância de bem entender os termos de
Aristóteles horaonymo, e synonymo; assim como os do A.
equivoco, e uoivoco; porque traduz os de Aristóteles. A
undecima prelecçaõ continua ainda com o segundo apho-
rismo : e na duodecima passa ao terceiro e quarto» A
décima terceira prelecçaõ oecupa-se com os aphorismos 5*.
e8™.
O A., tractando nesta ultima prelecçaõ a utilissima ma-
téria dos systemas ; c havendo dado aos systemas natural,
e artificial, os nomes de exegetico e diagnostico; inter-
rompe a sua série de explicaçoens sobre os aphorismos de
Aristóteles; e no $ 494, final desta prelecçaõ, diz as ma-
VOL. X V I I . No. 99. 2B
190 Literatura e Sciencias.
terias que se propõem tractar para o diante, do seguinte
modo : —
" Mais teria eu a observar-vos, sobre a arte e a historia dos sys»
temas. Porém o apontado basta por ora, para o fim de vos desen-
volver a doutrina de Aristóteles, e mostrar-vos na applicaçaõ a este
assumpto, a grande comprehensao de suas utilidades. E portanto,
reservando para mais opportuna occasiaõ o voltar á doutrina dos
systemas, passarei a fallar de outra applicaçaõ por extremo interes-
sante das quatro quandes cathegorias de que tractamos, bem como
das três mencionadas nos três aphorismos de Aristóteles; e vem a ser s
a de estabelecer uma espécie de harmonia entre os differentes idiomas -
facilitar o estudo das linguas estrangeiras; e resolver de um modo
indirecto o grande problema de uma lingua universal: ou ao menos
de um modo de conrespondencia geral entre todas as oraçoens; ao
que os modernos tem dado o nome de passigraphia: na seguinte pre-
lecçaõ tractarei destes differentes usos, a que os philosophos naõ
tem prestado toda a attençaõ, que a importância das suas incalculá-
veis vantagens, no tracto social, lhes devera ter aconselhado."
O A. satisfaz ao diante (% 583) a objecçaõ, que aqui se-
ria mui obvia, de interromper a analize das Cathegorias
d'Aristoteles,estendendo-seem todas as seguintes prelecçoens
(14 a ., ate 22 a .) no parallelo entre as sciencias phisicas e
mathematicas com as moraes, para examinar qual dellas se
acha mais adiantada.
A composição e publicação immediata das prelecçoens,
que naõ permitte a escolha das matérias ; e a considera-
ção de que estas prelecçoens philosophicas, sobre as sci-
encias em geral, naõ eram destinadas a servir de curso
elementar de Philosophia; saÕas razoens do A. para naõ se-
guir uma ligação methodica das ideas, que, sé existisse,
haveria mostrado, que o A. trabalhava sobre ura plano
systematico, em que a distribuição das matérias fosse con-
forme ao arranjamento que o A. tivesse adoptado. Porém
segundo esta declaração do A. parecenos que o Leitor so
deve esperar disserlaçoens sobre vários pontos das sci-
encias, e destinadas para aquella classe de pessoas, que,
Literatura e Sciencias. 191
tendo ja feito um curso de estudos, possue os principios, e
entende a linguagem das sciencias.
Nós naõ podemos aqui deixar de observar, que O A.
mostra vasta amplitude de conhecimentos, nos exemplos de
que se vale, para explicar os seus principios. A cada
passo se acham exemplos tirados dos termos técnicos da
Historia Natural, da Medecina, de todos os ramos das
Mathematicas, da Jurisprudência, &c. Ora he evidente,
que a classe de homens estudiosos, que se tenham appli-
cado ao conhecimento geral das sciencias, ainda sem passar
muito além da nomenclatura, he uma classe bem limitada
de pessoas ; c se fallarmos da mocidade, aquém o A.
dirige as suas prelecçoens, os indivíduos, que possam ter
os conhecimentos, que os exemplos de que se usa nestas
prelecçoens prcsupôem, saõ na verdade rarissimos. O A.
mesmo convém, que pudera ter tirado os seus exemplos,
se quizesse, de cousas triviaes ; e que estivessem portanto
ao capto do commum dos ouvintes de suas prelecçoens;
mas aprouve-llie obrar de outra maneira.
O parallelo do progresso das sciencias em que o A, en-
tra, desde a décima quarta prelecçaõ em diante, merece
bastante attençaõ, naõ só pela importância da matéria, mas
também pelo methodo e arranjamento com que o A. tracta
esta questão.
Havendo o A. reduzido a cinco os elementos das sci-
encias ; a saber, factos, nomenclatura, systema, theoria e
methodo, procede a comparar, as sciencias naturaes com
as moraes, em cada uma destas cinco divisoens, para
chegarão resultado de saber, quaes dellas se acham mais adi-
antadas, e em que parte ou partes destes elementos existe
o tal adiamento; e para provar a necessidade de examinar
a questão com estas distineçoens, se explica com o exemplo
da medecina. (§ 437)
" Be assim, que a medecina, rica em factos, he pobríssima em
nomenclatura • e os mesmos factos acham-se ali até o presente isola-
2 B 2
Í92 Literatura e Sciencias.
dos, sem sustenta. Porém muito mais feliz do que outras Sciencias
no que respeita a theorica, pode apontar sobre as causas, razoens, e
effeitos da maior parte dos symptomas senaõ tudo, ao menos, o que
mais nos importa conhecer He evidente, que, estando taõ atrazada
em nomenclatura, e taõ destituída de systema ; nem mesmo podem
estar lançadas as bases para o methodo, ou, como alguns se explicam,
para uma Philosophia Medica.'"
Tara se entender o bem deduzido parallelo, que o A.
faz das sciencias, he mui essencial ter em vista as divisoens,
e subdivisoens, que dellas faz; assim como as deffiniçoens,
que lhes ajuncta (desde o § 507 até % 512); aqui transcre-
veremos esses lugares do A. antes de dar-mos a nossa
opinião sobre o seu parallelo.
" §507 Abordemos á proposta questão do parallelo das sci-
encias Moraes com as sciencias Phisicas e Mathematicas, debaixo
deste mesmo ponto de vista. E primeiro que tudo fixemos os limites
década uma daqueltas sciencias."
" Appellidara-se pois Phisicas aquellas, que tractam das proprie-
dades dos corpos. Todas as outras intitulam-se Moraes como j s
acima notamos (§495). O campo das primeiras abraça todos os phe.
nomenosnaí inlellectiia.es da Natureza: o destas ultimas naõ se estende
além de uma parte dos phenomeuos do Reyno Animal; quero dizer
aquelles, cujo complexo constitue o que se chama Intelligencia."
" 508. £ ainda he de advertir, que, supposto a alçada das sciencias
denominadas Moraes comprehenda todos os phenomenos da Intelli-
gencia ; de facto póde-se dizer, que até ao presente se acha unica-
mente limitada â Psycologia do Homem. Mas he certo, e convém
fazer-vos notar, que cada uma das innumeraveis familias do Reyno
Animal offerece á sciencia uma nova ordem de intelligencias. E sem
duvida enriqueceria a Psycologia com a descuberta de novos entes o
Philosopho que descrevesse com mais exactidaõ e miudeza, do que
até agora se tem feito, algumas das immensas variedades de entes sen-
sives, que o altento observador contempla extasiado nas differentes
classes de animaes, que povoam o universo, desde o homem até ao
Poljpo."
" 509. Tanto as sciencias Phisicas como as Moraes se dividem em
Positivas e fíypotheticas; e tanto umas como outras saõ históricas ou
theoreticas."
" 510. A parte histórica das sciencias Phisicas affeclou-se o nome
Literatura e Sciencias. 193
de Historia Natural. E á theoretica os de Phisica e de Chimica, na
maneira que expuzemos nos •}§ 156, e 160, advertindo que, quando
assim se contrapõem phisico e chimico, significa o mesmo que me-
chanico."
" 511. Quanto ás sciencias Moraes, distinguindo-as igualmente
naquellas mesmas rubricas, denominaremos umas Sciencias Moraes
Históricas, (ou Historia Natural dos Entes Intelligentes) : e as outras
thepreticas $ que vem a ser a Lógica, a Grammatica, a Esthetica e a
Diceosina.
" 512. Assim como as sciencias Phisicas, logo que saem da es-
phera dos phenomenos, que nos offerecem os corpos da natureza, e
simplificando os objectos e as expressoens, se remontam á vasta re-
gião das hypotheses, se appellidatn Sciencias Mathematicas; do
mesmo modo as Sciencias Moraes, partindo dos phenomenos
intellectuaes, que a experiência nos mostra, criam um mundo hypo-
thetico, edam origem a uma nova ordem de sciencias, que eu de-
nominarei Sciencias Moraes Hypotheticas,e que se poderiam chamar
as Mathematicas das Sciencias Moraes; porque também aqui, por
meio da abstracçaõ e simplificação dos objectos, se chega a deduzir
daquellas hypotheses certas formulas, que, supposto naõ representem
os objectos moraes, taes como elles saõ na natureza, servem com
tudo para os virmos a conhecer por approximaçaõ. E para isso naõ
temos mais do que substituir ás expressoens geraes, e indetermina-
das daquellas formulas, as expressoens determinadas, que a sciencia
Moral Histórica nos offerecer, para o caso que se tractar. Quantas
questoens, por exemplo, naõ resolvemos nós cada dia, com a citação
de uma sentença, de uma máxima, de um provérbio ? Pois estas
nada mais saõ do que expressoens geraes, de que a questão que ven-
tilamos he um caso particular; bem como o saõ das formulas da
Mathematica as questoens, que, pela citação detlas, se resolvem."
Discorrendo o A. pelas differentes sciencias, segundo a
divisão que dellas fez ; e em cada uma dellas pelos cinco
elementos, que deixamos apontado; em todos elles acha
que a preferencia está da parte das sciencias moraes ; e
nos que somos perfeitamente de acordo com a opinaõ do A.
somente pudemos notar neste parallelo, que o A. apontando
a maior parte das faltas, que, em cada um dos cinco ele-
mentos, se observam nas sciencias Naturaes ou Phisicas,
naõ se encarrega sempre do mesmo trabalho, pelo que re-
194 Literatura e Sciencias.
speita as sciencias Moraes; o que notamos, naõ por aceu-
sar o A. de parcialidade, mas porque nos parece que a
comparação seria cabal mente entendida, se a pardas faltas
das Sciencias Naturaes viessem os defeitos das Sciencias
Moraes ; e immediato ás vantagens das Sciencias Moraes
viessem expostos também os melhoramentos das sciencias
Phisicas. Explicaremos com um ou outro exemplo o que
dizemos.
Comparando o A. as sciencias, pelo que respeita a sys-
tema, na prelecçaõ J9 ; desenvolve com a maior clareza
cinco differentes espécies de systemas; expõem mui judicio-
samente os systemas artifial e natural, nota os defeitos
dos systemas nas sciencas naturaes, e decide-se pelas
moraes.
Do % 641 em diante toma para segundo exemplo o es-
tado da Jurisprudência ; e lembra o que ha nesta matéria
de bom pelo que respeita ao systema. Mas nós deseja-
ríamos ver comparados o melhor systema de Historia Na-
tural, com o melhor systema de Jurisprudência, para vêr
entaõ qual destes systemas conrespondia melhor aos seus
fins.
Supponhamos que a comparação éra feita entre a Histo-
ria Natural de Linneo, e o Digesto i Qual destas duas
obras classifica melhor os seus objectos ? Qual tem as di-
visoens mais adaptadas á natureza das matérias i Qual
offerece mais auxilio á memória pela ligação dos differentes
assumptos uns depois de outros ?
Quando o A., notando os defeitos do systema de Linneo,
aponta o acharem-se connexos em uma divissaõ o bugie
e a balea; nos teria muito satisfeito, se notasse também,que
os escravos, no Direito Romano, saõ considerados como
cousas e naõ como pessoas, e que por tanto os titulos sobre
os escravos naõ devem entrar na divisão daquelles em que
se tracta de pessoas.
Pelo que respeita a nomenclatura, quando o A. mortra
Literatura e Sciencias, 195
os defeitos da nomenclatura nas sciencias naturaes ; po-
deria também ajunctar logo os grandíssimos defeitos da
nomenclatura na jurisprudência; e que tem sido mo-
tivo de tam bem fundadas queixas de muitos Juriscon-
sultos.
O A. leva esta súperidade das sciencias Moraes ao
ponto de dizer, pelo que respeita a linguagem, que " naõ
constando as línguas vulgares senaó de palavras e de
phrases, cujo valor tem sido determinado e fixado pelo
uso dos povos, naõ pode jamais ser incerto, ainda que al-
gumas vezes possa ser difficil de definir."
Era para desejar, que o A. lembrasse também aqui as
immensas duvidas que occorrera todos os dias, em conse-
qüência da incerteza do valor das palavras e phrases.
Continuamente he necessário recorrer á decisaõ de juizes
ou de árbitros, para dar alguma intelligencia ás disposi-
çoens testamentarias, ainda quando o testador se tem es-
forçado por expressar claramente a sua vontade. As pa-
lavras de que usaõ os indivíduos nos seus contractos, saõ
constantemente a causa de demandas, para averiguar o
seu valor ; e na legislação Romana este inconvemente foi
sentido a tal ponto, que se determinaram certas formulas
das quaes deviam os contractantes usar, sobpena de serem
nullos seus contractos ; formulas que outros legisladores
acharam ser remédio quasi tám pernicioso, como a mal a
que se propunham curar : e assim se puseram outra vez
essas formas ou em desuso, ou sugeitas a muitas excepçoens
e modificacoens.
As mesmas leys, cujas palavras saõ ponderadas com to-
do o cuidado, offerecem exemplos de tanta incerteza na
sua intelligencia, como as expressoens do testador, ou do
contractante.
Isto posto naõ será fácil o provar, em toda a sua exten-
çaõ, que nas línguas vulgares o valor das palavras naõ
pôde jamais ser incerto.
196 Literatura e Sciencia».
O A. fazendo-se cargo de responder a alguma objecçaõ
contra a jurisprudência, diz, (S 646) que he preciso naõ
confundir os erros dos Sábios, com o estado das sciencias;
mas nos julgamos, que nao ha outro modo de comparar o
estado dai sciencias, senaõ comparando os coriíeos de cada
uma dellas um com outro, seja em todos, seja em parte
dos elementos das sciencias. H e por isso que neste paral-
lelo desejávamos ver comparado Linneo com oDigesto,
Tournefort com Coufucio, Boheraave com o Koran. Ou
olhando para os authores novíssimos desejaríamos ver com-
parados o systema nomenclatura e methodo de Cullen, na
Medecina, com Bentham, na Legislação.
Mas nem por isso, que desejávamos ver o parallelo, que
o A. se propôs a fazer das sciencias, exemplificado de
escriptor a escriptor, differimos em opinaõ quanto á con-
clusão, que a vantagem se acha da parte das sciencias
Moraes ; e tanto somos nisto da opinião do A. que naõ
podemos convir na expressão do % 647 (se elle se deve
entender como soa) " de que nenhum dos que escreveram
sobre a Jurisprudência abraçou o plano de recopilar em
um só corpo e tractar methodiamente da Nomenclatura e
Systema da Sciencia:" Porquanto, na nossa opinião isso
fizeram quanto ao Direito Romano, os compiladores das
Institutas deJustiniano,e depois delles Heinecio; e quanto
ao Direito universal Bentham, e outros : a questão he, se
elles fizeram as suas recapitulaçoens com tanto methodo,
taõ boa nomenclatura, e taõ bem aranjado systema, como
Linneo na Botânica, Cullen na Medecina Chaptal na Chi-
raica, &c.
Concluiremos agora esta breve noçaÕ das matérias, que
o A. se propõem tractar nestas Prelecçoens, copiando o
modo porque elle se exprime, sobre a causa da alternativa,
que se tem experimentado em todas as naçoens do mundo,
passando do estado de ignorância ao de instrucçaõ, e deste
outra vez ao estado de ignorância. Ha sem duvida outras
Literatura e Sciencia». 1-97
causas, que a historia nos ensina terem produzido, em al-
gumas naçoens, a fatal passagem das luzes para as trevas,
ott do estado de civilazaçaõ para o da barbaridade, mas
a causa, que o A. assigna, tem sido algumas vezes a única ;
em outras, tem obrado em concurrencia com as demais ;
e se acha taõ enérgica c succinctamente deduzida, que
temos grande prazer em a expor aos nosros Leitores pelas
mesmas palavras do A. (§ 573)
" O vulgo, qualquer que seja a naçaõ, conserva-se sempre em um
destes dous estados. Em quanto o numero dos homens de letras e
de educação he limitado, o vulgo permanece naquella infância de
conhecimentos, a que se chama barbaridade. E depois que, espa-
lhando-se a instrucçaõ, se forma entre os homens de letras e o vulgo
uma classe media, composta de homens encyclopedicos ou charla-
taens $ isto he; que de todas as palavras scienlificai tem idea informe
e estropeada; entaõ começa o império das homonymias ou equí-
vocos."
" 574. Ora como similhante sciencia consista toda em um jogo
de palavras, cousa fácil, e ao alcance de todo o mundo; cresce tanto
mais rapidamente o numero dos adeptos, quanto he agradável a sur-
preza, cora que conduzidos pelo mágico charlatão de metaphora em
metaphora, aprendem e se habituam a discorrer sobre qualquer ma-
téria que se offerece i por quanto dado um thema, isto he uma pro-
posição, em que se affirma ou nega algumas cousa, vara-o sueces-
sivatnente transformando, pela substituição dos synonimos e horao-
nymos, década amadas palavras do mesmo thema: de modo, que
cada nova forma em que elle apparece, por virtude destas suecessi-
vas substituiçoens he uma nova conclusão : he para elles uma nova
verdade, tanto mais notável e preciosa quanto mais paradoxal ou
fora da natural expectaçaõ. Por esta arte o charlatão confunde-se aos
olhos do vulgo com o sábio, naõ só pelo estylo e linguagem, de que
•e serve; mas até pela deducçaõ de novas, e admiráveis conclusoens,
que recebe como outras tantas verdades. Mas aos olhos do vulgo o
charlatão deve apparecer tanto mais superior ao sábio, quanto forem
mais espantosas as conclusoens, que elle deduzir dos seus errôneos dis-
cursos."
" 674. Cresce pois com o numero dos sábios o dos charlat&ens *.
com a differencia porem que a proporção cresce sempre, e com rá-
pido progresso em favor destes: bem depressa a numerosa cohortt
VOL. X V I I . N o . 99. 2 c
198 Literatura e Sciencias.
dos falsos sábios, naõ podendo fazer triumphar seus erros pela per-
suasão, recorre á força : guerras de opinião devastam os Estados *, e
o vulgo, confundindo outra vez os verdadeiros com os falsos sábios,
proscreve de envolta os bons com os máos conhecimentos : mas naõ
podendo banir de uma vez todos os conhecimentos, capitula, e faz
escolha. Ora a verdade he inflexível, naõ sabe capitulai*; a verdade
he uma só, naõ pode haver escolha. A verdade he pois banida, e
dos erros voltam a dominar aquelles, que parecem menos compatíveis
com os erros, que acabam de fazer a desgraça dos poros. Assim
passam alternativamente as naçoens das trevas da barbaridade ás luzes
da razaõ, e destas tornam a cair, sempre conduzidas pela maõ de
charlatanismo, no cahos da ignorância."
diantes, e dos seus músicos, na mesma linha dos seus artífices de toda
espécie.
Isto naõ destroe a distineçaõ entre as duas classes de artistas, por-
que continuando o mesmo inventario, por-se-hia na parte do mo vi-
vei, ou do capital circulante, os productos dos artífices, e até os vi-
veres por consumir, que saem de suas loges ; mas naõ se metteriam
lá as sentenças dadas, as junctas e visitas dos médicos, nem as repre-
sentaçoens, nem os concertos com que o povo se diverte.
204 Literatura e Sciencias.
parte da renda, como já dissemos, naõ he verdadeiramente
um fructo do trabalho humano, mas sim a compensação
de um privilegio; e resulta da espécie de monopólio que
disfructamos proprietários de terras sobre todos os seos
concidadãos.*
Os artífices, e aquelles que possuem trabalho accumu-
lado nunca poderiam obter colheitas, se os proprietários
do solo lhes naõ alugassem o trabalho de terra para con-
correr com o seu. Desta espécie de monopólio resulta,
que o aluguer do trabalho da terra naõ he tam proporcio-
nado á sua força productiva, como á necessidade que delle
ha, ou maior ou menor concurrencia a elle; e que a ren-
da de um campo fértil vale pouco em ura deserto, ao mes-
mo tempo que a de um campo estéril se estima em muito
nas vizinhanças de uma cidade rica e populosa.
0 monopólio he, pois, a base da parte da renda, que se
pagaria pela terra inculta, em quanto a outra parte, que
representa o trabalho que o proprietário tem accumulado
sobre o seu solo, segue a mesma marcha, e he sujeita ás
mesmas regras que a renda dos outros capitães fixos.
MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.
N-.5.
Emprego dos meninos nas differentes classes.
Terceira classe e seguintes,
\JS MENINOS, que chegam ao ponto de conhecer bem
as sylabas de duas letras, entram na terceira classe aonde se
lhes ensinara as sylabas de três letras; justamente pelo
mesmo methodo; e isto constitne os estados da terceira
classe; assim como o conhecimento dos números na com-
binação de três letras de conta.
A quarta classe aprende as syllabas de quatro letras; e
os algarismos também até quatro letras.
A quinta classe estuda as palavras de muitas sylabas,
soletrando sylaba por sylaba, e mui devagar, mas com o
acento próprio da palavra, e imitando o decuriaõ. As
syllabas precedentes naõ se repetem depois das subse-
quentes. Por exemplo Re-li-gi-aõ consta de quatro syl-
labas, que o menino pronuncia rc, li, gi, aõ, sem que fa-
tigue a atenção, nem restrague a intelligencia e o tempo,
com a desnecessária repetição das syllabas. Por este me-
thodo adquire a liçaõ da palavra em menos tempo, e
aprende ao mesmo tempo o acento, que lhe deve dar.
Quanto á arithmetica, o estudo dos algarismos se leva
nesta classe até cinco letras, e se aprende também a for-
mação das fracçoens.
A sexta classe consta dos meninos, que, lendo bem as
palavras, podem ja ler algum livro. Tem-se escripto em
Inglaterra varias obras para este fim; como resumos da
Bíblia, Cathecismos, contos moraes, &c.; e as palavras
saõ lidas sem primeiro repetir as syllabas separadamente.
Vot. XVII. No. 99. 2D
206 Miscellanea.
N a escripta cessam os meninos de escrever na pedra, e
principiam a escrever em papei ; mas para evitar a des-
peza do papel ; que be um artigo considerável nas escholas
gratuitas, inventaram em Inglaterra o uso de um papelão
envernizado com certo verniz, que admite bem a tinta;
mas que se limpa lavando as letras com uma esponja hu-
medecida com água ; o que faz com que o papelão sirva
para muitas escriptas.
Nesta classe começam os meninos a aprender as opera-
çoens de arithmetica ; e portanto daremos aqui o methodo,
que nisto segue Mr. Lancaster, posto que ha outros, que
se dizem ser igualmente úteis e fáceis.
Segundo o methodo antigo, o mestre escreve em um
livro ou papel, para cada discípulo, as somas que elle
deve somar, multiplicar, &c. os menimos vaõ para os seus
lugares, aondem fazem a operação, e depois o mestre ex-
amina se está correcta.
Os defeitos deste methodo consistem; na despeza do
p a p e l ; no tempo que perdem o mestre e os discípulos ; e
na duvida de que a operação foi feita pelo mesmo discípu-
lo ou por outro. Tudo isto se remedeia escrevendo os me-
ninos as somas, quem o decuriaõ manda escrever a todos
ao mesmo tempo, usaudo da pedra em vez de papel; e
fazendo a operação immediatamente á vista do decuriaõ.
Por este methodo o decuriaõ á frente do seu banco,
manda a todos os meninos escrever uma soma, por ex-
emplo 6 4 0 ; por baixo desta outra, 320; e por baixo
desta outra 160 ; dahi manda soinmar as três addiçoens, e
todos os meninos, logo que acabam a operação, voltam
a pedra para fora, para a inspecçaõ do decuriaõ.
Por este modo o decuriaõ vê em primeiro lugar,
quaes saõ os meninos mais expeditos em fazer a
operação; c, em segundo lugar, observa os erros de
cada nm para os corrigir. Daqui provém também a fa-
cilidade de conhecer o gráo de melhoramento dos meninos
2
Miscellanea. 207
para a divisão das classes de arithmetica, assim como de
leitura e escripta ; porque deve sempre haver o cuidado,
de naõ demorar em uma classe inferior, o menino, que tem
feito assás progressos para ser posto na classe comparativa-
mente superior.
O mesmo methodo he exactamente applicavel ás outras
operaçoens de diminuir, e repartir ; porque naõ ha mais
do que o decuriaõ ensinar a todos os meninos a um tempo,
aquilo que nas escholas ordinárias se ensina a cada menino
individualmente. A differença de fazerem todos a mesma
operação, com os mesmos algarismos, naõ altera em cousa
alguma o adiantamento dos meninos, como he manifesto,
ao mesmo tempo que poupa um incançavel trabalho ao
mestre.
Quanto ás operaçoens da somma, e diminuição, os meni-
nos começam por aprendêllas uos papeloens da parede
como as letras do a, b, c ; assim, formando os meninos
um circulo de oito ao redor da carta, em que estaõ os al-
garismos, o decuriaõ lhes pergunta individualmente ; por
exemplo - 9 c 9 quantos saõ ?; o menino deve responder,
18. Se o menino naõ responde acertadamente, a mesma
pergunta se faz ao menino seguinte : assim se dividem as
classesd'arithmetica como as de lêr, com as mesmas distinc-
çoens, números, prêmios, &c. e só depois qne os meninos
podem bem responder a estas perguntas entram na opera-
ção desommar na pedra, como fica dicto.
Como em todas as operaçoens d'arithmetica he necessá-
rio começar por poucos algarismos, e Silos auginentando â
proporção do adiantamento dos discípulos, assim na classe
de sommar se deverão fazer subdivisoens dos meninos, que
sommam addiçoensdeduas, três, quatro, &c. letras de conta.
Nestas novas escholas ha livros, em que se acham ex-
emplos de muitas contas em todas as operaçoens ; e cada
decuriaõ tem um livro destes, para por elle dictar aos
discípulos as parcellas sobre que tem de fazer as opera-
2 D 2
208 Miscellanea.
çoens ; e assim sem ter o trabalho de fazer elle mesmo a
operação, olhando simplesmente para o resultado no livro,
decide se a operação dos discípulos está ou naõ correcta.
Donde se vê, que naõ he necessário que um menino seja
mui provecto cm arithmetica, para poder servir de de-
curiaõ nestas classes d'arithmetica; dictar as somas para
as operaçoens, e decedir se as que fizeram os discípulos
estaõ ou naõ certas. Além de que um decuriaõ gasta o
mesmo tempo em ensinar dez, que em ensinar vinte dis-
cípulos.
Outro methodo para os meninos trabalharem as opera-
çoens, he em circulo ao redor do papelão aonde estaõ es-
cripta s as parcellas que se devem sommar. Cada um dos
meninos copia aquellas parcellas para a sua pedra; e faz
a somma : dahi o decuriaõ pergunta ao primeiro menino
qual he a somma total; se este responde errado; o decuriaõ
naõ o emenda mas pergunta ao menino segundo, o qual, se
diz a somma certa, he premiado com tomar o primeiro lugar,
e decoração honorífica; que conserva até qne responda
alguma vez errado ; porque entaõ he substituído pelo que
primeiro depois delle disser a somma certa.
Seria agora desnecessário decorrer por todas as classes,
tanto de lêr e escrever como de contar; porque os exem-
plos dados mostram bem o systema das divisoens, a dimi-
nuição do trabalho do mestre, e a economia do tempo dos
discípulos. As mesmas regras saõ applicaveis a todas as
classes, e a mesmas vantagens se seguem em todos os pe-
ríodos da educação elementar.
Ainda mais, estas mesmas regras se tem applicado no
ensino de outros objectos ; como he, por exemplo, nas
escholas de meninas, no ensino da custura, aonde este
novo methodo se tem applicado com iudizivel vantagem.
Resta-nos agora examinar a econômica e arranjo geral
adoptado nestas novas escholas ; que muito contribue
para a boa ordem aproveitamento dos discípulos, e rc-
Miscellanea. 209
ducçaó do tempo necessário para os meninos aprenderem
as primeiras letras. Isto será o objecto dos ensaios se-
guintes.
Rio-de-Janeiro, 6 de Abril.
Por Decreto de 31 de Janeiro deste anno, foi S. M.
Servido tendo consideração ao reconhecido merecimento
do Cavalleiro José Corrêa da Serra, de o nomear seu Mi-
nistro Plenipotenciario junto dos Estados Unidos da Ame-
rica.
FRANÇA.
[Continuar-se-ha.]
INGLATERRA.
IV.—Estados Veneziano».
Nestes Estados, durante a sua independência, os dous
Patriarcas de Veneza e de Aguila eram escolhidos pelo
Senado;—-quando vagava uma Se Episcopal, enviava o
Senado a Roma os nomes de três Ecclesiasticos, e a Bulla
da instituição pedida era enviada pelo Papa aquelle cujo
nome era o primeiro na Lista.—Nestes Estados existem a
respeito do Regium Placitum (ou Regio Prazme) os mes-
mos regulamentos que ha nos já mencionados.
V.—Toscana.
Quando vaga um Bispado, apresenta o Governo de Tos-
cana ao Papa os nomes de quatro indivíduos, recommen-
dando ao mesmo tempo, pelo orgaõ do Ministro em Roma,
aquelle que he mais particularmente designado para oc-
cupar a Sé vaga.—Existe ali também o Regium Placitum.
XII.—Dinamarca.
Naõ ha alli Bispos Catholicos Os Sacerdores Catho-
licos recebem as suas nomeaçoens d o Bispo de Hildesheim,
que exerce por delegação a authoridade de Vigário
Apostólico a respeito de vários Estados em que elle naõ
reside.
X I Vi—Suécia.
O Rei authorisa, " por diploma," os Vigários Apostó-
licos para exercerem as suas funcçoens no Reyno, confor-
mando-se aos Edictos de tolerância. Naõ ha alli regula-
mento para o exercio do Regium Placitum.
XV.—Prússia.
A nomeação para o Episcopado pertence geralmente á
Coroa; mas quando a nomeação do Bispo naõ tem sido
reservada á Coroa, exerce o Cabido o direito de eleição.
—O Regium Placitum está em vigor na Prússia.
XVI.—Paizes-Baixos.
Ha presentemente negociaçoens relativas a novos regu-
lamentos entre o Papa e o Rey.
XVII.—Hamburgo.
Naõ ha alli Bispos Catholicos, e naõ se deixa publicar
edicto algum do Papa.
XVIII.—Saxonia.
Depois da Reforma, naõ ba alli Bispo Catholico ex-
cepto o Confessor do Rey, que tem authoridade de Vigário
Apostólico. Naõ se obtiveram informaçoens algumas a
cerca do Regium Placitum.
234 Miscellanea.
X I X . — H a n o v e r , Hessia, Baden.
Estaõ actualmente entabolatlas negociações a respeito
dos regulamentos Ecclesiasticos.
X X . — C a n a d a e Colônias lnglezas.
O Rey de Inglaterra nomeia para cada Sé que vaga, e o
Bispo he depois confirmado pelo Papa.
O Appeodix contém documentos relativos ás Eleiçoens
pelos Cabidos.
U.tl-1-jJ.
Miscellanea. 236
ila regra, se este Jornal instituído, e conduzido como tem
údo, continuasse a defender coherentemente o partido, qne o
i intenta.
Voltou pois o Scientifico acazaca, justamente em um ponto,
em que os seus padrinhos, e mantenedores precisavam do apoio
de sua vozerla, para os ajudar a fazer qne a guerra fosse me-
nos impopular do que he ; e esta deserção dos Scientificos he
ainda mais digna da censura; por ser justamente em ponto,
em que a razaõ está da parte do Governo do Brazil, como
provaremos. Pelo que he bem de suppôr, que os taes Scien-
tificos escolheram de propósito esta occasiaõ de se fazerem
populares, á custa do character de seus protectores, e dos de
seu partido; nao obstante a sem razaõ com que argúem o
Governo do Brazil.
Eis aqui o fira dos trabalhos e dos gastos suggeridos pelo
Conde de Funchal; eis aqui o apoio Scientifico, qne elle pro-
curou com sua habilidade ao Governo do Brazil; defensores,
que voltaram a cazaca quando eram precisos—em fim projectos
Funchalenses.
Nós porém, que nao estamos dispostos, naõ precisamos,
nem desejamos procurar a aura popular, nem estamos acustu-
mados a cortejar o favor de ninguém, tractaremos de expor os
motivos, que julgamos haverem determinado a Corte do Rio-
de-Janeiro a invadir o território de Montevideo; e, se os mo-
tivos forem os que suppómos, mui justificado julgamos aquelle
Governo por obrar como obra; n.iõ tendo a Jornal Pseudo
Scientifico dado outra razaõ do seu dicto, seuaÕ o ipse dixit,
de que ao Brazil nao convinha fazer guerra a ninguém. As
guerras trazem comsigo grandes males, mas nem por isso
deixam de ser necessárias muita* veses. Entre os indivíduos as
disputas decidem-se recorrendo aos magistrados ; e por tanto
ne alguém se determinasse a nunca ter demandas, fossem quaes
fossem as injurias ou damnos que lhe tfzcssem, acharia em breve
que o mundo naõ possue as virtudes, qu-: aquella determinação
B-dge, para se viver socegado. Entre as naçoens nao pôde
haver essa decisaõ de magistrados • e assim também, aquelle
poro que se determinar a aunca ter guerra, sejam quaes forem
236 Miscellanea.
as injurias que lhe fizerem, será sempre o escarneo das outras
naçoens, e acabará por ser escravo.
Amittindo-se pois que a guerra he algumas vezes necessária;
resta-nos o mostrar, que no caso presente ha motivos, que
justificam aquella medida no Governo do Brazil.
Informados, como nós estamos, do incommodo que a vizi-
nhança do general Artigas tem causado ao Brazil, achamos mui
racionavel, que a Corte do Rio-de-Janeiro tentasse a conquista
de todo o território ao Norte do Rio-da-Prata, e a Leste do
Paraguay.
He indubitavel que a addiçaÕ daquelle território ao Brazil,
lhe procura limites mui naturaes, e izentos de controvérsias;
mas naõ bastava isso para que a Corte do Brazil tivesse direito
de invadir os paizes vizinhos. Menos poderia justificar a
guerra, a utilidade da aquisição ; porque, além de que essa
utilidade nunca dá tal direito a naçaÕ alguma; tal utilidade
nao existe, fadando simplesmente do valor do terreno, a respeito
do Brazil; aonde o que sobram saõ terras, sem que haja habi-
tadores que as cultivem.
Mas a justiça, que suppómos, e com que nos parece se deve
defender a medida desta guerra no Rio-da-Prata, provém da
necessidade, que tem El Rey de Portugal, de proteger os seus
subditos, naquella parte do Brazil, contra os repetidos incom-
modos, que lhe causam os Insurgentes debaixo do Governo de
Artigas; e no que concordam exactamente os outros Insur-
gentes de Buenos Ayres. Examinando a origem deste mal se
vè, que elle nao tem outro remédio senão a guerra.
Pelo tractado de Madrid, que fez o embaixador D. Fran-
cisco Ignocencio ; pay do outro celebre negociador Conde de
Funchal; entre outros muitos despropósitos e mostras da igno-
rância daquelle ministro, foi o deixar um campo neutral, entre
os territórios de Hespanna e de Portugal; campo, que, nao
podendo ser occupado por nenhum dos Governos, naõ podia
deixar de servir de couto aos contrabandistas e facinorosos de
ambas as partes. Outro mal que causou D. Francisco com
aquelle tractado, foi deixar para os Hespanhoes os povos
das Missoens, o que punha por aquella parte os habitantes de
Miscellanea. 237
ambas as naçoens em demasiado contacto uns com outros, por
nao serem os limites bem demarcados, por conhecidos rios, ou
outras divisoens naturaes.
No tempo do antigo Governo Hespanhol se remediava o
grande inconvenieute do Campo Neutral, mandando ambas as
naçoens partidas de soldados de cavallo a explorar aquelles
territórios; e supposto que as taes partidas militares pouco
fizessem, além de receber peitas dos contrabandistas, com tudo
sempre atemorizavam de algum modo os facinorosos ali refu-
giados.
Agora, Artigas nao attende a isto ; e como tem necessidade
desses mesmos contrabandistas e facinorosos, para apoiar as
suas pretençoens ao Governo do paiz, qne se naõ fundamenta
em outra cousa, sao baldadas todas as representaçoens do Go-
verno Portuguez, para que elle contenha em ordem os seus sol-
dados. Isto he tanto mais temivel ao Governo Portuguez,
quanto Artigas, nem quer, nem pôde, ainda que quizesse,
manter boa disciplina entre seus soldados.
Constam as tropas de Artigas de bomens alevantados, con-
trabandistas por officio, e malfeitores por habito : nao tem
outra paga senaõ o que obtém com a pilhagem, nao ja contra
os seus inimigos somente, mas até contra os mesmos povos, que
vivem sugeitos ao Governo de Artigas; e este general nao
pôde conduzir taes tropas por outro meio, que nao seja o que
empregam os cabeças de salteadores, que vém a ser, deixando
os de seu bando fazer quanto querem, e capitaneando-os uni-
camente ao combate, quando se tracta da defensa commum.
Os escravos, que fogem do Brazil, os desertores, os facino-
rosos saõ todos bem acolhidos pelas partidas de Artigas no
campo neutral; e se o Governo do Brazil nao puzer cobro a
isto, com tempo, tomando occupaçaõ militar daquelle terri-
tório, o campo neutral se povoará, dentro em bem pouco
tempo, de homens levantados, que se faraõ temíveis com suas
correrias, e que pela natureza do paiz, e modo de vida de seus
habitantes, seraõ ao depois inconquistaveis pelas forças, que o
Brazil lhe pôde oppôr.
Veja-se no mappa a contiguidade daquelle campo neutral
VOL. XVII. No. 92. 2H
238 Miscellanea.
aos estabelicimentos Portuguezes; considere-se a qualidade de
gente, que infecta aquelle território ; aonde nao chega a juris-
dicçaõ de nenhuma das naçoens; reflicta-se na impossibilidade,
quando naõ seja a falta de vontade, em Artigas, de tranqüili-
zar aquelles povos—e se achará que a Corte do Rio-de-Janeiro
nao tem outra alternativa, senaõ tomar posse militar daquelle
paiz. Ora isto he o que se chama fazer a guerra.
Depois deste motivo, que resulta do miserável arranjo da-
quelle tractado, que estipulou a existência do tal campo neu-
tral; ha outro, que vem a ser os Povos das Missoens.
Quando a Hespanha declarou a Portugal a guerra, que fina-
lizou com o tractado de Badajoz, e depois com a paz geral
d'Amiens, tomaram as tropas Portuguezas do Rio-grande vá-
rios povos das Missoens, que pelo citado tractado de Madrid
tinham ficado a Hespanha. Portugal nunca restituio esta con.
quista, e muito máo tempo éra de a restituir, quando as pro-
vincias vizinhas se achavam em estado de revolução.
Os insurgentes commandados por Artigas, assim como os
outros pertencentes a Buenos-Ayres; de quem os primeiros
saõ inimigos declarados ; e os de Sancta F é , aonde ha um Go-
verno separado, que nem obedece ao de Montevideo, nem ao
de Buenos-Ayres, todos concordam na idea de tirar aos Por-
tuguezes esta sua conquista das Missoens; ede certo o teriam
ja feito, se tivessem podido acommodar as rixas, que tem
entre si.
A entrada dos insurgentes nas Missoens, deixa-lhes o campo
aberto até o território do Rio-pardo, ponto de grande impor-
tância na capitania do Rio-grande ; donde se segue que, para
segurar a posse das Missoens, he necessária a posse de todo o
paiz na margem esquerda do Paraná ; principalmente as pas.
sagens deste rio em Corrientes e Sancta F é ; porque saÕ as
chaves de todo aquelle território.
N o estado pois actual das cousas he impossível obter a ne-
cessária segurança da provincia do Rio-grande, tanto da parte
do campo neutral como da parte das Missoens, sem que por
meio da guerra se tome occupaçaõ militar de todo o território
de que tractamos.
Miscellanea. 239
Creaçaõ de novos Lugares de Letras no Brazil.
por alvará com força de ley, dado no Rio-de-Janeiro aos 5
de Dezembro, de 1815, se creou na villa do Penedo, commarca
das Alagoas, um lugar de Juiz-de-fóra do crime, eivei e orfaõs,
com o mesmo ordenado, aposentadoria, e propinas, que vence
o juiz-de-fóra da villa do Recife de Pernambuco; e pelo mes-
mo alvará se erigiram em villas as povoaçoens de Maceió e
Porto-das-Pedras; creando-se para cada uma dellas os offi-
ciaes respectivos, e determinando os termos, qne lhes hao de
pertencer.
Ja em outros N o s . dicemos a nossa opinião, sobre a escu-
sada multiplicação de Lugares de Letras ; e, se nos aceusarera
de repetiçoens, responderemos, que he a repetição do mal,
quem nos obriga a repetir a queixa.
Aqui achamos o exemplo de três villas, nma em que se esta.
belece Juiz-de-fóra, outras em que bastam os Juizes-Ordina-
rios. Se se averiguar a razaõ de differença naS se achará ou-
tra, senaõ a maior ou menor população daquellas villas ; ou,
por outros termos, que as villas de menos habitantes naõ
produzem bastante rendimento para sustentar Juiz-de-
fóra. De maneira que, o que se consulta nao he a melhor
ou peior administração de Justiça; porém sim o maior ou
menor rendimento do Juiz-de-fóra.
De outro modo, se para a Justiça ser bem administrada, na
villa rendosa, he preciso que haja Juiz-de-fóra, também este he
necessário na villa menos rendosa; pois tanto em uma como
em outra podem oCcurrer os mesmos casos para a decisaõ do
Juiz.
Ha alguns annos, que, tocando nesta matéria, citamos o ex.
emplo da Inglaterra, depois tornamos, por occasiaõ similhante,
a lembrar a mesma practica Ingleza; e agora pela terceira vez
nao podemos deixar de metter á cara do Governo do Brazil o
estabelicimento dos Justiças na Inglaterra. Os Juizes Supre-
mos na Inglaterra (exceptuando o paiz de Gales) saõ única,
mente doze, distribuidos nos três tribunaes supremos; o Crimi-
nal chamado Kings-bench; o Civil, chamado Comtnon-pleas ,*
2 H 2
240 Miscellanea.
e o da Fazenda Real, chamado Exchequer. Os Juizes além
de attenderem as causas nos seus respectivos tribunaes, vaõ
quatro vezes no anno fazer a correiçaõ das provincias, distri-
buindo entre si por turnos, e em rotação de dous em dous jui-
zes, as commarcas ou Condados, em que tem de fazer a correi-
çaõ, em cada estação do anno.
Desta pouquidade dos Juizes Letrados se segue, que o res-
peito, que se tem aos seus lugares, he igual ao das maiores per-
sonagens do Reyno ; elles saõ muitas vezes mandados chamar á
Casa dos Lords para darem o seu parecemos debates, sobre a
formação das leys, que respeitam a administração da Justiça;
e o Juiz mais antigo do primeiro tribunal, que he o Criminal,
chamado Kings-bench, he sempre nomeado Lord e Par do
Reyno, com titulo que fica sendo hereditário em sua familia.
He verdade que, sendo os processos na Inglaterra de viva
vós, e nao por escripta como em Portugal, se despacham as
cansas com summa brevidade; e como, por essa razaõ, um juiz
pôde despachar muitos processos em um dia, menos juizes vem
a ser precisos do que em Portugal; aonde para se evitar este
mal seria necessário introduzir a mesma forma de processos
verbaes da Inglaterra.
Mas ainda assim mesmo, sem recommendar uma reforma de
tal magnitude, julgamos que o numero de magistrados letrados
he excessivo em Portugal, e faltando dos Juizes-de-fora, nao
sô o seu numero he demasiado, porém he inútil para a adminis-
tração da Justiça, e pernicioso ao respeito que se deve conser-
var á magistratura; assim como incommodo ao Governo, que
tem deacommodar tantos pretendentes; e pezado aos povos, que
tem de pagar os tributos para a sustentação de empregados
inúteis; inúteis dizemos, por que seus officios podiam ser exer-
citados pelos homens ricos, que seraõ Juizes Ordinários, mera-
mente pela honra do lugar.
DINAMARCA
A p. 151, publicamos a Patente do Principe Regente de
Hannover, pela qual elle cede, como agora se dáá Dinamarca, o
Miscellanea. 241
ducado de Lauenburg. A entrega foi feita em Ratzburg por
um Commissario Prussiano, aos 27 de Julho. Esta cessaõ he
em conseqüência de se haver dado á Prússia a Pomerania, e a
Norwega á Suécia. A porçaõ pois de Lauenburg, que per-
tencia a Hannover foi em primeiro lugar cedida á Prússia.
Estes documentos só tem de interessante, o constituírem parte
do direito publico da Europa: como taes saõ necessários na
nossa colecçaõ.
ESTADOS UNIDOS.
FRANÇA.
HESPANHA.
As noticias particulares de Madrid referem, que aos 19 de
Julho, pela meia noite, fôram tirados das prisoens solitárias
em que se achavam em Ceuta os seguintes prezos d'Estado,
Arguelles, Alvarez Guerra, Merino, Rico, Goycoche, Serrano,
Calvo, Puga, Mesequer, Perez Rosa, e vários outros partidis-
tas das Cortes. Todos elles fôram aquella mesma hora mettidos
abordo de um xaveco; carregados de ferros; e o xaveco se
fez logo a vela sem ninguém saber para onde. Diziam uns,
que os prezos seriam lançados ao mar (porque tudo o que he
máo se suspeita de Fernando VII.) outros, que seriam lança-
dos em terra na ilha dezerta de Cabrêra, juncto a Majorca,
para que ali morressem á fome.
El Rey de Hespanha acaba de dar um passo mui impor-
tante a favor do despotismo, naõ ja em administração, mas
na Constituição do Estado. Havia no reyno de Navarra uma
Commissaõ permanente de Deputados do Povo, a cuja revisão
e approvaçaõ eram submettidas todas as leys e ordens Regias,
antes de se porem em execução naquelle Reyno. Agora man-
dou El Rey uma ordem pasa ser promulgada ; e sem o consen.
timento dos Deputados do Povo, os quaes se oppuzéram a isto.
0 Vice-Rey (Espeleta) prende-os todos em uma noite, pôllos
cm prizoens incommunicaveis, e acabou com isto peremptoria-
raente, e pela simples ordem de um Vice Rey a mais importante
parte da Constituição de Navarra, que tinha escapado invio-
lável a todas as concussoens dos mais despoticos Soberanos da
Hespanha.
0 general Abadia, que estava encarregado da inspecçaõ
das tropas destinadas a uma expedição contra as colônias, foi
demittido daquelle lugar, e partio para Valencia, aonde deve
2i2
248 Miscellanea,
residir debaixo das vistas do Capitão General Elio. Lardiza-
bal, ex Ministro de Estado, foi também desterrado de Madrid,
ficando sugeito á inspecçaõ do CapitaÕ-general Eguia.
As queixas do exercito e marinha pelas faltas de pagamento,
obrigaram o Ministro da guerra a expedir uma ordem do dia
circular, em que se promette aos soldados o terem os seus
pagamentos na mesma proporção dos empregados na lista civil.
Esta ordem confessa, que muitos officiaes de marinha e do ex-
ercito tem morrido de fome e á mingua. Mas ainda assim
esta promessa vai mui pouco ao ponto; por queos mesmos
empregados civis naõ recebem a quarta parte do que lhes he
devido.
Tudo na Hespanha ameaça a dissolução do Estado, por sua
própria fraqueza : a expressão das noticias, que dali vem he,
que a machina politica parará por si, quando as suas differen-
tes partes começarem a quebrar de fraqueza, acontecimento,
que naS pôde estar mui distante.
Eis aqui a copia daquella incrivel ordem do dia :—-
" O Secretario de Estado e da Marinha deo parte a El Re; Nosso
Senhor, de que no Departamento do Fero), o tenente da armada
Real, D. Jozé Labradores, um capitão de fragata, D. Pedro Quevedo,
e um official de Fazenda, morreram de fome, e á mingua: e que
um capitão de mar e guerra, dous commandantes de fragata, e mui-
tos outros de várias classes estavam moribundos, e obrigados ajazer
sobre palha: nesta occasiaõ, elle além disto manisfestou a S. M.,
que a causa da deplorável situação destes meritorios, leaes e dignos
membros da marinha, procedia da maneira desigual, em que a pe-
quena propriedade, que se continha no Real Thezouro, éra distribuí-
da entre os criados d'EI Rey, pelos que dispunham dos fundos do Es-
tado. E havendo-se movido o animo de S. M. no mais alto gráo,
ouvindo o relatório e observaçoen s do dicto Secretario, foi servido
resolver e ordenar, que sejam observadas rigorosissimamente ai suas
Reaes ordens, a respeito de serem os membros da marinha pagos
em igual e regular maneira, cora o resto das pessoas empregadas pelo
Estado: de sorte que se a esta meritoria classe senaõ pagar mais do
que metade, terça ou quarta parte de seu soldo mensal, nenhuma
outra pessoa poderá receber maior proporção ; quer pertença á
repartição do Thesouro, quer ao Militar, Civil ou Ecclesiastico. 0
que participo a V. E. de Ordem Real," &c.
Miscellanea. 249
A p. 137, deixamos publicado o decreto, pelo qual El Rey
encarrega a educação da mocidade de ambos os sexos aos con-
ventos de frades e freires. Esta medida, depois da admissão
dos Jezuitas, e do restabelicimento da Inquisição, nos mostra
bem as intençoens de Fernando VII. Em outro qualquer paiz
teríamos julgado, que esta medida de aproveitar os religiosos
para educar a mocidade, ao menos nas primeiras letras, seria
de summa vantagem ao Estado; porém, considerando o fa-
natismo d'El Rey catholico, os seus esforços para arraigar a
ignorância em sua pátria, e o aborhecimento do clero a tudo que
saõ conhecimeutos úteis, nos faz olhar para o decreto, que men-
cionamos, como baze do systema com que se intenta reduzir a
Hespanha a uma naçaÕ de frades.
Se nós sentíssemos alguma veneração ou respeito por Fer-
nando VII. aconselharíamos, que desistisse de tam terrível em-
preza; mas como as cousas vam, desejamos, que elle continue,
e obre ainda peior; porque elle mesmo trará o remédio ao mal.
Apresse-se pois Fernando V I I , com a sua obra; aperte cada
dia mais e mais as medidas, que vai seguindo, que quanto mais
pressa nisso se der, mas cedo acabará a sua tarefa.
COLÔNIAS HESPANHOLAS.
INGLATERRA.
NÁPOLES.
POTÊNCIAS BARBARESCAS.
SUÉCIA.
WURTEMBERG.
CONRESPONDENCIA.
POLÍTICA.
FRANÇA.
HESPANHA.
N». 2 o .
Resposta do Cap*. General de Andaluzia, datada de
Cadiz, 16 de Maio, de 1816.
SENHOR !—A prizaõ de Mr. Ricardo Meade teve lugar,
em conseqüência de um decreto do Real e Supremo Con-
selho de Guerra, com o parecer e consentimento de S. M.
o qual ordenou, que, se a somma requerida naõ fosse im-
mediamente depositada na thesouraria do Consulado, ou
afiançada com plena satisfacçaõ daquelle tribunal, se
practicasse a sua prizaõ: e que elle naõ pôde fazer nem
uma cousa nem outra, he circumstancia de que vós pareceis
estar plenamente informado, pelo que eu observo na vossa
carta official de 14 do corrente, a qual contém uma serie de
raciocínios absolutamente desnecessários, emprehendendo
provar, que eu naõ devia ordenar a prizaõ de Mr. Meade
por ser isso contrario aos tractados, e á justiça de sua
causa, &c. tudo o que se poderia representar de maneira
mais decorosaá authoridade suprema, aonde se originou o
decreto de sua prizaõ; e naõ a mim, que sou um mero of-
ficial executor : nem eu posso conceber porque seja re-
querido a dar-vos copias officiaes dos procedimentos, que
vós requereis, havendo as mesmas sido ja dadas a Mr.
Ricardo Meade; como parte mais immediatamente inte-
ressada. Este tribunal está bem longe de ter aggravado o
caso de Mr. Meade ; antes pelo contrario tem toda a dis-
posição de lhe conceder todas as facilidades em seu poder,
consistentes com a fiel execução de suas ordens, que lhe
prohibem a permissão de ir para Madrid : porem se vós
ficareis responsável por Mr. Meade, em plena extençaõ, eu
7
270 Politica.
representarei isso ao Consulado, e se elle considerar que
isso satisfaz, entaõ poderei ordenar o que for de justiça e
de direito.
N°. 3o.
Carta do Cônsul Americano ao Governador de Cadiz.
Cadiz, 17 de Maio, de 1810.
S E N H O R !—Em resposta á carta de V. E x \ datada de
16 do corrente, a respeito da prizaõ de Mr. Meade, um
cidadão dos Estados Unidos, seja-me permittido represen-
tar a V. E x \ , que, além das instrucçoens, que tenho de
meu Governo, sempre tem sido, e he o meu desejo, tractar
as authoridades constituídas, juncto as quaes resido, com
aquelle docôro e respeito, que lhes saõ devidos; porém
V. Ex". se naõ admirará, que, como representante de
minha naçaõ, eu deva arguir com aquella energia, que
convém ao presente caso, quando vejo um cidadão dos
Estados Unidos, e um de seus mais respeitáveis sugeitos,
tractado como criminoso, e tido até agora prezo em uma
masmorra, com sentinella a vista, que lhe naõ permitte
sair á distancia de dez passos da porta de sua prizaõ,
quando se practica tal procedimento com um cidadão da
naçaõ que eu represento, faltaria ao meu dever para com
meu Governo e para commigo mesmo, se naõ usasse de
meus maiores esforços para averiguar a causa, e obter os do-
cumentos, efficiaes pelos quaes possa averiguar, se este in-
dividuo tem comettido crime, que mereça tal tractamento;
e particularmente quando vejo, por papeis originaes, que
o caso he absolutamente de natureza civil, e actualmente
pendente ante um tribunal commercial, naõ posso fazer
menos do que expressar a V. Ex a . a minha surprezaaos
procedimentos, que se practicáram com este sugeito, por
nenhuma outra razaõ mais do que por elle recusar o pagar
a mesma somma segunda vez, tendo-a elle ja depositado,
Politica. 271
segundo as ordens de um tribunal competente, no thesouro
de S. M., como se reconheceo formal e solemneraente sob
o signal do punho de S. M., com a determinação de S. M.
que se ajunctassem fundos de outros recursos, para o ex-
presso fim de re-embolçar o Real thesouro.
Tenho requerido a V. Ex*. que se communicassem os
procedimentos, que tiveram lugar, em conseqüência da
ultima ordem Real, que ordenou a prizaõ da pessoa de
Mr. Meade. V- Ex*. responde, que naõ he obrigado a
dar-me isso; porque ja fôram dados a Mr. Meade. Como
representante de minha naçaÕ, tenho de dar contas ao En-
viado Extraordinário e Ministro Plenipotenciario de meu
Governo, de qualquer occurrencia que succeda nos limites
de minha jurisdicçaõ, relativa a cidadãos da minha naçaõ,
e igualmente ao Governo do meu paiz; e, anxioso de des-
empenhar o meu dever, com aquella precisão que exige um
negocio taõ extraordinário e de tanta publicidade, e que in-
volve naõ menos do que a liberdade de um cidadão America-
no e os direitos do meu paiz; hedo meu indispensável dever
repetir o meu requirimento, que V. Ex*. seja servido orde-
nar, que o escrivão encarregado deste negocio me dê copias
authenticas da dieta ordem Real, e de todos os outros pro-
cedimentos, que tiver havido até esta data, incluindo as
ordens do Governador do castello de St». Catalina, aonde
Mr. Meade está prezo, cujas despezas eu pagarei.
Eu observo, que V. Ex*. naõ pôde annuir a meu requi-
rimento de permittir que Mr. Mead volte para sua casa,
e menos conceder-lhe passaporte para Madrid ; e sois ser-
vido acerescentar, que se eu ficar por fiador, na plena ex-
tensão de minha responsabilidade vós apresentareis isto ao
tribunal do Consulado, e, sendo approvado, dareis as or-
dens necessárias. Tenho offerecido, e repito a minha
offerta outra vez a V. Ex". de que estou prompto a em-
penhar a rainha responsabilidade, em toda a sua extensão
e sentido, pela pessoa de Mr. Meade, sendo tudo quanto
272 Politica.
a Real ordem exige, fazendo-me responsável, tanto na
minha qualidade publica como na particular, de que elle
se naõ auzentará desta cidade, antes da terminação do ne-
gocio de que se tracta.
(Assignado) JAIMES LEANDRO CATHCART.
N-. 4 o .
Replica do Capitão General a Mr. Catheart.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
SENHOR]—Em conseqüência da vossa carta de 17 do
Corrente expedi a rainha ordem, cuja copia aqui achareis
para vossa informação.
Cadiz, 20 de Maio, de 1816.
S. Ex*. O Capitão General de Andaluzia, Governador
civil e militar desta cidade, tendo visto e examinado os
procedimentos, assim como a ultima carta official do Côn-
sul dos Estados Unidos, a respeito do caso de Mr. Ri-
cardo Meade, foi servido ordenar, que se apresentasse ao
Consuldado desta cidade uma copia do ultimo paragrapho
da dieta carta official, para que, com o pleno conheci-
mento que elle tem da resolução tomada pelo Real e Su-
premo Couselhode Guerra, que ordena, que a fiança que
se receber de Mr. Ricardo Meade seja de sua plena satis-
facçaõ, seja servido significar se approva a que agora of-
ferece o sobredicto Cônsul, tanto na sua publica qualidade
como na particular; e, obtida a sua resposta, se ordenará
outro sim o que respeita ás instrucçoens dadas ao governa-
dor do castello de St». Caí ali na, assim como á pro-
priedade de dar copias autlienliçadas dos procedimentos
em que taõ fortemente se insiste : no entanto se lhe dará
copia desta ordem, acompanhada de uma carta official,
para que até este ponto seja elle informado para seu go-
verno.
Politica. 273
Assim decretado e adoptado, com o conhecimento e
approvaçaõ do Auditor de Guerra, e assignado por S. Ex*.
o Governador.
LINARES.
RODRIGUEZ PELAEZ.
Verdadeira copia do original registrado, em obediência
das ordení do Real e Supremo Conselho de Guerra, para
pedir e obter de Mr. Ricardo Meade, certa fiança por este
tribunal, agora certificado, o principal escrivão da repar-
tição de guerra nesta cidade : em prova do que puz o meu
signal sos 20 de Maio, de 1816.
(Assignado) J O S E F RODRIGUEZ P E L A E Z .
N*. 5°.
Carta do Governador do Castello de Sta. Catalina, ao
Governador-general.
Castello de S'\ Catalina, 18 de Maio, 1816.
0
Ex *». S E N H O R !—D. Ricardo Meade foi conduzido a
esta fortaleza, aos 2 do corrente, pelo Ajudante D. Sebas-
tião Ortiz, como informei a V. Ex*. na minha participa-
ção official do mesmo dia : e, em conseqüência da ordem
de3, foi aqui deixado na qualidade de pessoa debaixo de
prizaõ. Alguns dias depois elle observou-me, que se V.
Ex*. requeresse officialmente ser informado de se achar
elle ou naõ suficientemente seguro na fortaleza, que eu lhe
faria mercê de responder na affirmativa, para que elle naõ
fosse mudado; ao que respondi com a minha custumada
franqueza, que o meu comportamento havia de ser inteira-
mente governado pelo lheor de minbas ordens, e que se
filas exigissem a segurança de sua pessoa, eu naõ podia
deixar de o mudar para uma das casas próprias para esse
fim; porque nunca quiz correr o risco de me implicar por
pessoa alguma, nem quereria que corresse algum risco o
VOL. X V I I . No. 100. 2N
274 Politica.
official da guarda. Aos 13 recebi a carta de V. Ex*., da-
tada de 11, a que alludo, e desejando remover todas as
duvidas, que se podiam levantar, sobre a fugida de Mr.
Meade, V- Ex*. ordenava que o informasse, se o quarto,
em que elle estava prezo nesta fortaleza, éra suficientemente
seguro, sob a responsabilidade das pessoas encarregadas
de sua guarda; no que eu lhe communiquei francamente
a ordem, e que éra indispensável que elle fosse removido
para o quarto que lhe éra destinado, como representei a
V. Ex*. na minha nota de 14. Porém devo observar, que
naõ he uma masmorra, como as que se usam para crimi-
nosos sentenciados a castigo capital, como tam fortemente
exaggera o Cônsul dos Estados Unidos da America; pelo
contrario, he um quarto decente, caiado, com uma grande
janella, e tal que he segundo as circumstancias occupado
por pessoas de todas as classes ; e, se Mr. Meade se naõ
prejudicasse pela sua sensibilidade exaltada com a prizaõ,
devia reconhecer, que o tenho tractado com tal amizade,
respeito e consideração, qual he compatível com a neces-
sária segurança de sua pessoa,como ordena o Supremo Con-
selho ; porque he um facto, que elle pôde passear todo
o dia acompanhado de seus parentes e amigos, sem ne-
nhuma outra mortifiençaõ mais do que a de estar fechado
de noite, o que eu naõ posso evitar ; pois ainda que sup-
ponha, pelo respeitável character de Mr. Meade, que es-
taria igualmente seguro passeando nas ruas de Cadiz, ou
prezo no mais apertado calabouço, com tudo naõ ha ley
pela qual eu possa persuadir o official da guarda, que a sua
responsabilidade naõ augmentaria, se o prezo tivesse a plena
liberdade da fortaleza, que pela sua localidade muito fa-
cilitaria a sua fugida, se a intentasse, o que tem aconte-
cido com outros.
O Cônsul dos Estados Unidos veio aqui antes de hontem
e me aceusou de que V. Ex*. ignorava absolutamente, que
Politica. 275
Mr. Meade estava em estreita prizaõ: e eu nao pude
deixar de observar pelo seu tom imperioso, que elle tinha
tomado este negocio com muita ardencia, tudo o que peço
licença para communicar a V Ex*. em resposta á carta
official de V. Ex*. datada de hontem, pedindo, em con-
seqüência, que V- Ex*. tenha a bondade de me instruir,
em que qualidade continua Mr. Meade nesta fortaleza.
Deus guarde a vida de V Ex*. muitos annos.
N \ 6'.
Decreto official do Consulado.
Temos visto a communicaçaõ official de V- Ex*., da-
tada de hontem, e tendo plenamente considerado o seu
contheudo, somente podemos informar a V- Ex*. que a
fiança proposta pelo Cônsul dos Estados Unidos, como
ali se explica, naõ he, nem em sua natureza nem em seu
objecto, tal que possa ser approvada ou admittida neste
tribunal.
Deus guarde a V. Ex*. muitos annos.
(Assignados) M I G U E L DE MASSOU.
NJCOLAÓ B L A N A .
MIGUEL DE CARRASGUEDA.
NÁPOLES.
Documentos sobre a disputa com os Estados Unidos.
WURTEMBERG.
Decreto do Ministro de Estado, dirigido aos Chefes das
differentes Repartiçoens, sobre os procedimentos, que
tem havido, a respeito da Constituição do Reyno.
Por varias representaçoens, feitas aos Ministros de Es-
tado tem elles visto, com admiração, as errôneas ideas,
que tem naõ somente prevalecido entre grande parte dos
vassallos de S. M. mas que tem sido fomentadas e disse-
minadas pelos chefes de Repartiçoens e Communs, a res-
peito das transacçoens, que tem tido lugar relativamente
á Constituição do Reyno : ideas que tem representado
como suspeilosos actos de S. M., originados nos mais
puros e benéficos motivos.
Ha muito tempo, que S. M. tem publica e inequivoca-
mente pronunciado a sua determinação, de collocar a pros-
peridade de seu povo sobre bazes permanentes, por meio de
uma Constituição, adaptada ás suas relaçoens, preservan-
do ao mesmo tempo o Governo Executivo, na sua firme
e regular carreira, livre de ingerências da parte da pre-
sente Assemblea dos Deputantados, constituída unicamento
para deliberar a respeito da Constituição.
Ainda que S. M. nesta determinação se naõ movesse por
forma alguma, nem pelas demonstraçoens de impaciência
daquelles que pensavam, que os procedimentos tinham sido
demasiadamente prolongados, nem pelo juizo prematuro
de outros, que expressavam as suas duvidas de um resulta-
do proveitoso, nem ainda mesmo pelas transacçoens alheias
7
Politica. 279
deste êxito, que tem tido lugar ; com tudo S. M. tem tra-
balhado com anxiedade, em tanto quanto he possivel, para
corrigir as vistas errôneas, que entretem a parte bem dis-
posta de seus vassallos, e refutar, com verdade e franqueza,
aquelles que imaginam, que naõ podem melhor servir a
sua pátria doque representando todos os actos do Governo
n'uma luz falsa e injusta.
Para este fim os chefes das repartiçoens saõ informados,
pelo presente acto, da situação dos nossos negócios, para
que assim possam instruir, rectificar e tranqüilizar aquelles,
que estaõ debaixo de sua administração.
Desde a introducçaõ do plano de Constituição, annun-
ciado aos 15 de Março do anno passado, que tendia á uniaõ
dos antigos com os novos dominios de S. M . em um todo
bem regulado, tem os Estados, entaõ convocados, causado
demoras; e por isso, depois de varias vicissitudes, se abri-
ram os procedimentos actuaes, na conformidade dos prin-
cipios contidos no Rescripto de 13 de Novembro do anno
passado, e no Ponto Fundamental que lhe éraappenso ; o
fim de S. A. R . tem invariavelmente sido a acceieraçaõ e
feliz terminação desta importante obra: e ainda que éra
de prever, que o complemento deste objecto requeria con-
siderável espaço de tempo; pois involvia naõ somente a
adopçaõ daquellas partes da antiga Constituição, que eram
compatíveis com o bem do Estado, na que se fazia de novo»
e o satisfazer as vistas e expectaçoens dos differentes mem-
bros do Estado, mas também o prevenir todas as futuras
apprehensoens, e falsas concepçoens, por uma explicação
distincta dos mútuos deveres e relaçoens; com tudo S. M .
nunca deixou de aproveitar todas as occasioens de promo-
ver, com a maior actividade, o progresso da obra.
Além disso, S. M. informando-se, em Abril deste anno,
do resultado dos procedimentos, expedio, com as vistas de
os accelerar, vários Monitorios, como testemunham os
280 Política.
Rescriptos de 26 de Maio, e 9, e 21 de Agosto, deste anno,
dirigidos ao Committé para os negócios dos Estados: e
quanto S. M. está ainda anxioso pelo final arranjamento
deste negocio, se tem inequivocamente mostrado nas in-
strucçoens dadas ao Committé Real, para que façam um
relatório de seus progressos duas vezes por semana.
Mas, por outra parte, as differentes representaçoens dos
Estados, estranhas á obra da Constituição, e seus esforços,
antes de seu acabamento, para se metterem de posse dos
direitos dos Estados do paiz, cuja verificação só pôde
começar com a nova Constituição, nao somente distrahe
por muitos modos os Membros do Committé Real de seu
principal objecto; mas também deve obrar geralmente em
forma prejudicial á natureza dos procedimentos. Foi a
respeito destes passos, que S. M. expressou o seu sério
desprazer, e pelos quaes se vio ultimamente obrigado, no
Rescripto de 24 de Junho deste anno, a fazer saber á As-
semblea dos Estados, que naõ tomaria em consideração
nenhum de seus memoriaes e representaçoens, que naõ
fossem exclusivamente limitados ao estabelicimento da
Constituição, único destino daquella Assemblea.
Alem disto, he da natureza dos procedimentos de nego-
ciaçoens, que em nenhum caso he possivel ás authoridades
do Governo effectuar uma terminação mais breve da obra,
se os Estados naõ forem a igual passo com ellas. He tam-
bém sabido, que a declaração do Committé dos Estados, a
respeito dos pontos mais importantes da Constituição; a
saber, o que he relativo aos tributos e organização dos Es-
tados, só ha mui pouco tempo he que fôram transmittidos
aos Commissarios Reaes; e que, se os funccionarios Reaes
nao subemettem estes pontos a uma exacta e attenta con-
sideração, naõ somente obram contra os seus deveres para
com El Rey e a Pátria, mas se expõem ás mais justas accu-
saçoens, da parte dos Estados; e tanto mais quanto estes,
Politica. 281
em sua resposta á Nota dos Commissarios Reaes aos Pleni-
potenciarios dos Estados, em 28 de Junho deste anno, naõ
hesitaram declarar o seguinte:—
"A culpa da demora naõ he imputavel á falta dos bons
progressos, no negocio, mas unicamente á convicção de
que o primeiro e superior dever dos Estados he, o conti-
nuarem tam importante obra, como sangre frioedelibera-
ção Alemaã : e por mais que a Assemblea dos Estados par-
ticipe nos sentimentos de S. M . , quanto ao desejo de que o
povo entre expeditamente na fruição de seus direitos, com
tudo o Committé dos Estados naõ pôde nisso achar justifi-
cação para proceder com demasiada pressa, em negocio,
que deve servir de ley para séculos; porque isso naõ ser-
virá de desculpa, ante a posteridade, aos traços de preci-
pitação, que se desêjam,para poupar as despezas de uma
sessaõ."
Em primeiro lugar, aos 13 do mez, os Estados entrega-
ram vários papeis, relativos aos direitos públicos dos cida-
dãos, communs, e corporaçoens, á legislação, e á proprie-
dade da Igreja Catholica; e elles tem ainda de declarar
os seus sentimentos, a respeito da administração da justiça
civil e criminal, poder do Governo nas matérias de policia,
instituiçoens de educação, matas e caçadas; do que se
pôde facilmente vêr, que credito merece a asserçaõ de que
os Estados tem feito tudo quanto está de sua parte, e que a
conclusão somente espera o assenso de S. M.
No entanto, porém, S. M. tem pensado sobre o modo,
porque seria menos inconveniente a seus fieis vassallos a
demora, inseparável de uma obra de tanta magnitude, e
destinada para a mais remota posteridade; fornecendo
aos dictos seus vassallos meios de deduzir dali toda a ale-
gria e satisfacçaõ possíveis, mesmo antes do acabamento
do todo. Com estas vistas destinou a actual contribuição
Franceza, para a fundação de um estabelicimento, desti-
nado a pagar a divida publica, cujos bons effeitos deveriam
VOL. XVII. No. 100. 2 o
282 Politica.
ser tanto menos mal entendidos pelos Estados, quanto
expressamente se reservara a concurrencia da futura As-
semblea constituída dos Estados.
Pelos regulamentos relativos a impedir o estrago da caça,
se obtinha o objecto, mais efficaz e rapidamente, do que
segundo as antigas providencias, chamadas Commun-
Wildschuetzen ; e se prohibia aos guardas das tapadas, da
maneira mais expressa, que commettessem excesso algum.
Quanto á constituição dos lugares de Chancellaria
(Kauzleistellen) tem-se introduzido melhoramentos essen-
ciaes; e pelo que respeita ás queixas sobre vários outros
objectos, que tem sido representados a S. M., tem-se reme-
diado os aggravos, em tudo quanto elles se tem achado
que eram verdadeiros.
Se, nao obstante os desejos que tem S. M. de aliviar o»
encargos de seu fiel povo, por todos os modos possíveis,
naõ tem até agora podido abaixar a proporção dos impos-
tos ; isto tem em parte sido necessária conseqüência dos
acontecimentos passados, que apertam também em maior
gráo sobre outros Estados ; e deve-se trazer á lembrança,
que, ainda sem diminuir os tributos, o thesouro tem sido
privado de sommas consideráveis, pelo favor, que se man-
dou practicar com as classes inferiores, de pessoas sugeitas
aos tributos, e especialmente pelo atrazamento daquelles,
que estavam em melhores circumstancias e mesmo, em
parte, pelas classes superiores do povo, ao mesmo tempo
que, naõ somente se tem pago sommas consideráveis âs
communs, em compensação de reclamaçoens originadas
em tempos antigos, mas também, em conseqüência da es-
cassez (em vez de tirar partido dos altos preços, como os
proprietários de terras; augmentando por isso as rendas)
se tem repartido dos armazéns Reaes grande quantidade
de mantimentos ; parte a preço módico, e parte a troco de
obrigaçoens de compensação futura, e parte também sem
nenhum equivalente. 7
Commercio e Arte». 283
Nestas circumstancias, por mais penoso que seja a S. M.
Real vêr mal representadas suas vistas paternaes, por tam
vários modos, e por maior que seja a responsabilidade
aque se sujeitam aquellas pessoas, que para isso contribuem
de alguma maneira, com tudo elle continuará com inflexí-
vel seriedade, do modo aqui designado, a usar de seus
maiores esforços, para obter, no mais breve tempo possivel,
o objecto a que se dirigem unanimemente os seus desejos, e
os desejos de todos os amigos da Pátria.
Decretado em Stuttgard, aos 22 de Agosto, de 1816.
O R E A L MINISTRO DE ESTADO.
COMMERCIO E ARTES.
PORTUGAL.
Edictal da Juncta do Commercio em Lisboa, sobre os
regulamentos da Saúde no Baltico.
XJOM Aviso da Secretaria d'Estado dos Negócios Estran-
geiros, Guerra, e Marinha, de 29 de Julho próximo pas-
sado, baixou á Real Juncta do Commercio a copia de um
officio, que dirigio o Ministro da Rússia na Corte de Madrid
ao Ministro de Portugal D . José Luiz de Souza; cuja
traducçaõ he a seguinte :—Senhor. Em conseqüência das
medidas de precaução, adoptadas ultimamente na Rússia,
nenhum navio poderá ser recebido nos portos do Baltico,
e do Mar Branco sem um certificado de segurança do
Governo Dinamarquez, ou documento comprovativo de
ter feito quarentena, ou seja na Norwega, ou na Inglaterra.
Quanto aos navios procedentes dos paizes, que naõ estaõ
bocados da peste, nem mesmo suspeitos delia, mas que
tiverem a seu bordo carregações susceptíveis de commu-
nicar uma moléstia contagiosa, naõ poderão ser admittidos
na Rússia senaõ depois que a authoridade respectiva tomar
as suas informações, sobre o estado da saúde da equipagem,
2o 2
284 Commercio e Arte».
e verificada a natureza das doenças, e das mortes aconteci-
das durante o seu ultimo transito: e no em tanto similhan-
tes navios ficarão debaixo de observação, e naõ poderão
ter alguma communicaçaõ com os outros, nem com algum
ponto da costa. Se se apresentar um navio, que nem possa
produzir o certificado do Governo Dinamarquez, nem
provar authenticamente haver feito a quarentena em um
dos Lazaretos da Inglaterra, ou da Norwega, ou que tiver
a seu bordo producçoes susceptíveis da propagação dos
germes de uma moléstia contagiosa, será obrigado a affas-
tar-se das costas com as precauções ordenadas. Como
naõ ha Cônsul da Rússia em Lisboa, apresso-me neste
momento a communicar a V- Ex*. as sobredictas disposi-
ções, rogando-lhe queira facilitar o seu conhecimento aos
negociantes e navegadores Portuguezes : e aproveito esta
occasiaõ para reiterar a segurança da muito distincta con.
sideraçaÕ com que tenho a honra de ser de V- Ex*. hu-
milde e obediente creado—Tatistcheff—A. S. Ex 1 . Mon-
sieur de Souza.—Madrid, 19 de Julho, de 1816.
E para que chegue á noticia de todos se mandou affixar
o presente Edital. Lisboa, 9 de Agosto, de 1816.—José
Accursio das Neves.
Total - - 13.680
Commercio e Artes. 291
Accresce ainda a isto a despeza de 600 reis por dia para
o guarda-de-bordo, em quanto a embarcação naõ s á e :
donde se segue, que naõ he possivel exportar ou baldear
100 couros, porque fariam a despeza de 220 reis cada ura,
que he maior do que depachando-os para terra; e fica
assim neste caso a providencia da baldeaçaõ mais nociva
do que o mal, para o negociante, e uma pequeníssima
parte destes direitos he a que vem a entrar no Erário ; as-
sim se perde a exportação de pequenas quantidades de
couros, que alias se fariam nas erabarraçoens pequenas
para Ayamonte, Galiza, &c. ; o que tam pezados tributos
fazem impossível; como se vê do seguinte calculo :—
100 Couros avaliados a 3.000 reis pagam pelos
dous por cento - 6.000
Emolumentos da baldeaçaõ - - 13.680
Guarda, pelo menos 3 dias, a 630 reis 2.400
reis 22.080
339.940 383.360
339.940
Total de 2 annos 723.300 361.650 Total 21:437.077
Termo médio de 361.650 — a 65, importa 23:507.250
Annil
Ipecacuanha
{ Ceará
Babia
Maranhão . .
Pará
Minas novas
Capitania...
Rio
Brazil
2s.
ls.
ls.
3s.
9s.
èp.
llp,
llp.
2s.
2s.
I p.
lp.
2s. Op. )8s. 7p. por lb. 100 em na-
Espécie.
Ouro em barra =£3 19 0
Peças de 6400 reis 3 19 0
Dobroens Hespanhoes 3 14 6 > por onça.
Pezos dictos 0 4 10J
Prata em barra 0 0 0
Câmbios.
Rio de Janeiro 594 Hamburgo 36 11
Lisboa 55 Cadiz 34
or
E !° -*.;.'"!".""".' 55 Gibraltar 38 |
Parir; 2 6 Gênova 43i
Amsterdam......'."""'''' ] \ \ \" j2
Prêmios de Seguros.
Brazil Hida 2 Guineos Vinda 2 a2fGuineos.
Lisboa)
Porto \
Madeira 2 2 .
Açores 3 .
Rio da Prata 3 4
Bengala H 3*
[ 296 ]
LITERATURA E SCIENCIAS.
NOVAS PUBLICAÇOENS EM INGLATERRA.
PORTUGAL.
Saio á luz o 3*. tomo do Diccionario Geographico de
Portugal, preço 400 reis : e uma collecçaõ de mappas de
Portugal e Algarves, por 400 reis, para intelligencia do
mesmo Diccionario.
HISTORIA DO BRAZIL.
Annuncio ao Publico.
O Redactor do Correio Braziliense se está empregando
em escrever a Historia do Brazil, desde o seu descobri-
mento, até a epocha em que para ali se mudou a Corte e
Familia Real Portugueza.
Para isto tem ajunctado uma numerosa biblioteca, de
livros tanto Portuguezes como estrangeiros, em que se
tracta de alguma cousa da America; naõ se tem poupado,
nem a despezas, nem a trabalhos, para obter de todas as
partes as informaçoens necessárias.
Porém ainda assim naõ sobram materiaes, para fazer a
connexaõ dos differentes períodos, e ligar a historia das
differentes capitanias ; assim como noticias locaes, e mo-
dernas, que se nao podem achar nos authores, que até
agora tem escripto sobre aquella matéria.
Pedio, portanto a todos aquelles Portuguezes, seus
amigos, ou que julgou interessarem-se em ver ellucidada
a historia do Brazil, que lhe enviassem as noticias, que
pudessem obter a este respeito, para o que lhe indicou os
seguintes pontos ; que aqui publica ; temendo que alguma
de suas cartas naõ cheguem ás maõs a que eram des-
tinadas.
I o . Os livros Portuguezes, antigos, que tractam do Bra-
zil, alguns dos quaes, por sua escassez e raridade, o Redac-
tor naõ tem podido obter.
2 a . Listas dos Governadores, de cada capitania, com as
datas de seus governos, e familias a que pertenceram;
ajunctando a cada um os factos notáveis, que houverem.
3s Copias das Ordens, e Providencias Regias, destina-
das a cada capitania, ou governo.
4°. Listas dos Bispos das differentes cidades e datas de
Literatura e Sciencias. 301
sua instituição; com os factos notáveis na vida de cada
um, relativos á historia Ecclesiastica.
5\ Noticias sobre os tempos em que se formaram as
differentes freguezias; nomes de seus parochos, e popu-
lação.
6". Bullas Pontifícias, que tenha havido, sobre os ne-
gócios ecclesiasticos do Brazil.
7a. Genealogias das principaes familias das pessoas il-
lustres, que fôram donatários, e primeiros povoadores das
differentes capitanias.
8*. Noticias estatísticas, incluindo população, agricul-
tura, fabricas, artes, &c.
MISCELLANEA.
EDUCAÇÃO ELEMENTAR.
N \ 6.
Disciplina das escholas. Prêmios.
xS ESTE artigo temos de observar três cousas ; os prêmios
os castigos, e a averiguação das faltas. Nas escholas mui
numerosas faz-se suraraamente difficil ao Mestre attentar por
estas cousas com a necessária exactidaõ ; e o methodo, que
sobre isto se tem adoptado nas novas escholas, tem a grande
vantagem de obviar todas as difficu Idades, facilitar o tra-
balho do mestre, e melhorar muitíssimo a condição moral
dos discípulos.
Ninguém ignora quam grande seja o estimulo da emu-
lação em todas as idades do homem ; e quanto os prêmios
de distineçaõ servem para despertar a energia do espirito,
em uma louvável competência : os prêmios pois destas es-
cholas saõ fundados nestes principios, e a experiência tem
amplamente demonstrado a sua utilidade.
A leitura e escripta dos meninos esta sujeita, como te-
mos visto, á inspecçaõ constante do subdecuriaõ da classe;
muitas vezes he examinada pelo decuriaõ geral; e o mestre
de vez em quando attende também ás classes. Segundo o
resultado desta constante inspecçaõ, saõ os meninos collo-
cados oa sua classe pelos números 1, 2, 3, &c. tirando-se
318 Miscellanea.
a precedência unicamente do seu merecimento; e os nu-
meros estaõ pintados em um pedacinho de papelão, que o
menino traz pendurado ao botaõ da vestia; e logo que
qualquer menino excede aoque lhe fica superior, dando-lhe
quináo em alguma resposta, muda o lugar com elle e
toma-lhe por conseqüência o seu numero. Assim, por ex-
emplo, se o menino N". 7, naõ pôde responder a uma
pergunta; e o menino N°. 8, respondeo a ella certo, este
toma logo o N°. 7, e dá ao que o tinha o N°. 8. O me-
nino que obtém ser N°. 1, traz, além do N°. uma tira de
couro dourado, aonde está escripta a palavra mereci-
mento ; ou merecimento em ler, merecimento em escrever,
merecimento em arithmetica; conforme for o gênero, em
que elle se houver distingnido. Esta distineçaõ honorífica
também se perde perdendo o N°. o que succede logo que
outro lhe der quináo. Os menios ordinariamente se delei-
tam com estes signaes de aprovação, e trabalham ás inve-
jas uns dos outros para os obter e conservar.
Quando os meninos acabam a liçaõ entregam os seus N°.
e marcas de distineçaõ ao decuriaõ; porem aquelles meninos
que tem além disto recebido o prêmio extraordinário de
trazer certa pintura ao pescoço, grudada n'uni papelão, tem
jus, quando a entregam ao decuriaõ, depois da liçaõ, para
receber outra pintura similhante, que fica sendo sua :
prêmio que muito satisfaz aos meninos mais novos, e he
mui ambicionada de todos.
Estas pinturas, além de servirem de prêmio, saõ também
outra fonte de instrucçaõ, pelas inscripçoens nellas escrip.
tas, contendo sentenças moraes, que os meninos se esforçam
em ler e entender ; e explicar uns aos outros. Os prêmios
de brincos, como pioens, cavallinhos, &c. naõ saõ taõ
próprios; porque satisfazem os meninos naquelle gênero até
que ficam saciados ; ao mesmo tempo que nas pinturas se
recebe grande varidade de liçoens e de divertimentos, que
podem mudar em cada premiu ; e com o mesmo custo nas
Miscellanea. 319
estampas, sempre mais baratas, do que qualquer outro
objecto que se escolha para premiar os meninos.
Algumas das estampas saõ feitas por maneira, que se
podem cortar em varias partes, e dar cada uma dellas a
differentes meninos, com igual satisfacçaõ delles ; dema-
neira que a medíocre somma de um shilling, ou 15 reis,
chega para dar cem prêmios destes.
Também se daõ prêmios unicamente de escriptos, em
pedacinhos de papel, aonde está impressa uma passagem em
verso ou prosa, historia, & c . ; prêmio mui interessante
pela applicaçaõ, que excita no menino para o ler.
A distribuição destes prêmios, nas escholas numerosas,naõ
pôde deixar de ser feita pelos decurioens; e pelo que res-
peita o lêr e contar, facilmente pôde o decuriaõ decedir
do merecimento relativo dos meninos; porque tem a regra
geral de fazer mudar para o lugar do que responde errado
oprimeio seu inferior, que lhe deo quináo. Na compara-
ção do merecimento da escripta, porém, este trabalho he
mais difficil; e por isso devem os mestres ter grande cuida-
do em escolher meninos de bom discernimento, para serem
decnrioens, e distribuírem os prêmios, na classe da es-
cripta. Nas escholas pouco numerosas poderá o mestre
fazer esta inspecçaõ da escripta de todos os discípulos ;
porém he isso impossível em grande multidão de meninos,
pelo que em taes casos o mestre se limitará á boa escolha
de decurioens, e a examinar de vez em tempos, se os de-
curioens decidem com justeza do merecimento compara-
tivo da escripta dos discípulos.
Em algumas escholas ha ainda outra sorte de prêmio,
que heem dinheiro; distribue-se este aos meninos que so-
bresáem, dando-lhes um bilhete, em que está escripto o
valor do prêmio; por exemplo 5 reis, \0 reis, &c. ; o
menino que continua por trcs ou quatro vezes, sem perder
0 seu N°. 1, da classe, recebe este bilhete ; mas se outro
lho tira pelo exceder, antes de chegar ao determinado nu-
320 Miscellanea.
mero de vezes, caso o torne o primeiro a alcançar, prin-
cipia a contar do novo as vezes, que he necessário para
obter o prêmio, que lhe he pago, apresentando o bilhete ao
mestre, com a certidão do decuriaõ. Estes prêmios os
limitam ordinariamente á classe de arithmetica.
A emulação nestas escholas naõ só se applica como esti-
mulo entre menino e menino na mesma classe, mas entre
uma classe e outra classe; no que se interessa ja a compe-
tência dos decurioens, em procurar o adiantamento de suas
respectivas classes, e exista um espirito de partido, tra-
balhando todos os meninos em sustentar a honra da dis-
tineçaõ de sua classe.
A classe mais adiantada occupa o mais honrado lugar
na eschola ; cuja honra naõ consiste em outra cousa, se-
naõ em que aquelle lugar he designado como tal; bem
como os números entre os meninos de uma classe. A classe
que excede a outra occupa o seu lugar de preferencia; e
a decisaõ tem lugar examinando a escripta de todos os me-
ninos de uma classe, com todos os meninos de outra; fa-
zendo a comparação de dous a dous ; e vendo no fim em
qual das classes houve maioridade nas preferencias.
O espirito de partido e de corporação he taõ sensível
nestes exemplos, que ordinariamente se observa ser maior
a alegria dos meninos, na elevação de sua classe sobre
outra, do que na preferencia individual, que obtém, sobre
o companheiro da mesma classe : a industria, portanto,
que este methodo excita, he proporcional ao efeito do es-
timulo; e summamente vizivel nos esforços dos decuri-
oens, em excitar cada um os meninos de sua classe, ja com
reproches aos remissos, ja com louvoures aos applicados.
Quando este concurso tem lugar, he tal o interesse dos
decurioens, que naõ cuidariaõ de outra cousa se os dei-
x assem, pelo que estes exercícios se fazem mais raras vezes;
para evitar o pôr a eschola em demasiado fermento. Or-
dinariamente os árbitros saõ tirados dos mesmos meninos
Miscellanea. 321
mais provectos em numero de doze, e presididos pelo
mestre. Os meninos escolhidos para esta funcçaõ de
juizes do facto, ou como lhe chamara nos tribunaes da
Inglaterra, para jurados, inspira aos meninos certo ar de
importância, que os move a decidir com a maior rectidaõ
que podem, e tende consideravelmente a destruir um dos
peiores vicios da educação tanto publica como particular,
que he o habito de mentir, para occultar as faltas de seus
camaradas.
Nas escholas ordinárias o mestre parece ser um ente de
ordem differente, e portanto ha entre os meninos uma
conspiração geral para o enganar; daqui vem esta dissi-
mulação taõ geral na infância, que suffoca muitas vezes as
sementes das mais elevadas virtudes. E se a principa
vantagem da educação publica he, apresentar uma ima-
gem da Sociedade, naõ pôde esta vantagem ser completa,
sem que as differentes relaçoens de superiores e inferiores,
julgados e julgadores, sejam practicadas entre os me-
ninos : pelo contrario a única differença entre mestre e
discípulos, só traz á idea obediência cega, um proceder
de escravo, ura temor do despotismo, d' onde se deve
seguir a dissimulação, a mentira, e outros vicios, que pro-
duzindo habito na infância, nem ainda a maior reflexão
da idade provecta chega a poder remediallos.
O merecimento e naõ o capricho do Mestre be o meio
da promoção ; e a authoridade dos decurioens e dos ár-
bitros, saõ os anéis da cadea, que ligam os superiores
aos inferiores, pelos lugares intermediários, a que todos
tem o direito de aspirar ; e essa consideração diminue o
pezo da authoridade, ao mesmo tempo que o desejo de
•W* a ella promovido estimula o zelo ; e a rotação dos
empregos, obtidos segundo o merecimento, e por árbitros
imparciaes, destróe a tendência aos ódios, e abhorreci-
mento do mestre ; tam geral n' outras escholas.
* Cet Ordre est repandn par toute Ia Terra, il subsiste depois bieo
des Siecles dans les pais les plus policéa; il me s'est jamais ingere
dans les afiaires d'Etet * il n'a jamais fatt que du bien a Ia Bepn-
Miscellanea. 327
FRANÇA.
Processo do Abbade Vinson.
Paris, 4 de Septembro. Ainda que o processo do Ab-
bade Vinson, author da Concordai expliqueê au Roí,
teve lugar hontem, como cousa de Policia Correctional, e a
portas fechadas, com tudo ajunctou-se muita gente para
ouvir a decisaõ, sabendo que a sentença por força havia
de ser publica.
Mr. Emery, o Advogado d'El Rey requereo, que se
supprimisse a obra, e que se declarasse seu author cul-
pado de instigaçoens sediciosas, contra a ley de 1815.
Mr. Roussaible, Advogado, fallou a favor do Abbade
Vinson.
A s 5 horas a Corte pronunciou a sentença, que,em sum-
ma, he a seguinte :—
Considerando ; 1*. Que o Sieur Abbade Vinson, he, se-
gundo a sua mesma confissão, author da publicação de que
se tracta :
2°. Que em todo o decurso daquella obra o Abbade
Vinson, desattendendo o artigo 9 da Carta, e o artigo 13 da
Concordata, tem characterizado de pilhagem, e roubo ma-
nifesto a venda dos domains nacionaes ; e os seus compra,
dores e possuidores, ainda mesmo os do presente dia, la-
droens sacrilegos : que elle tem trabalhado por assustar
as consciências dos dictos possuidores, ameaçando-os com
a vingança do Ceo ; e mantendo que o Papa e os Bis-'
pos naõ podiam legalizar a confiscaçaõ dos bens da
Igreja. 1
Considerando, que, em outra passagem, elle censur;
Miscellanea. 335
severamente o procedimento do nosso Sancto Padre o
Papa, e o Corpo da igreja Gallicaua, que elle designa
debaixo do nome de Concordataire, e denomina scisma-
tica; qac, obrando assim, o Abbade Vinson, quaesquer
que tenham sido as suas intençoens, tem instigado o povo
Francez a violar a ley do Reyno, mantida, ao menos pro-
visionalmente, pela charta, etem faltado ao respeito a El
Rey, e tem até fomentado a desobedencia á sua authori-
dade:
Portanto, o tribunal supprime a obra, sentencea o Sieur
Abbade Vinson a três mezes de prizaõ ; podendo o Procu-
rador d'El Rey fazer a este respeito, um arranjo com os
superiores ecclesiasticos do Abbade Vinson ; e outro sim
o condemna em 50 francos de muleta, e a continuar por
dous annos debaixo da superintendência da Alta Policia ;
e fixa a somma da sua fiança em 300 francos ; e ordena
outrosim que pague as custas.