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São Paulo
2016
LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA
São Paulo
2016
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3
LUCIANO ABBAMONTE DA SILVA
BANCA EXAMINADORA
4
Para Innocencia Gonçalves da Silva, a vó Nô
5
AGRADECIMENTOS
A Luiz Gonzaga da Silva, pai, que dedicou sua vida profissional à ciência das águas e das
infraestruturas hídricas, e me incentivou a cursar o mestrado, contribuindo, com olhar crítico
e atento, nas várias etapas de produção e revisão da pesquisa.
A Daisaku Ikeda, mestre budista e filósofo do mundo, que me auferiu a têmpera para
observar, refletir e lapidar constantemente a vivência contínua que constituí a memória, o
conhecimento e a sabedoria da vasta e insondável experiência humana na Terra. “Observe
cuidadosamente. Reflita profundamente. Execute num instante”.
A Angélica Tanus Benatti Alvim, orientadora, pela paciência e dedicação com que me
ensinou a disciplina e a responsabilidade da pesquisa acadêmica, e também sobre o
comprometimento do pesquisador na instituição em que atua.
A todas as amizades, colegas, encontros e encantarias que não foram citados diretamente,
mas que fazem parte desse tecido urbano que é a vida, a “Rede de Indra”, e do qual essa
pesquisa é apenas um nó, madrepérola, ou um fio de seda.
7
RESUMO
Este estudo discute a relação entre água e cidade, entre rios e ruas, e analisa a
formação, transformação e consolidação do sítio urbano de São Paulo a partir de uma
unidade da geografia física, a bacia hidrográfica. Consideram-se as diferentes escalas de
inserção da bacia no território, e destacam-se, como componentes principais da pesquisa, a
hidrografia, o relevo e as infraestruturas urbanas. Neste contexto, a área da microbacia
hidrográfica do Córrego Tiquatira, na região da Penha foi escolhida como estudo de caso. O
ano de 1930 foi definido como momento inicial do recorte temporal, por revelar, com base
na cartografia SARA Brasil, a riqueza do sítio precedente e o caráter de convivência entre o
núcleo urbano dessa região e o conjunto dos cursos d’água. Atualmente, porém, o quadro é
o inverso, e o relevo – em especial os fundos de vale e os anfiteatros de nascentes – foi
completamente transformado em prol da criação de solo urbano útil, e a hidrografia do sítio
precedente convertida, quase que integralmente, em um sistema viário, parte de uma rede
de infraestruturas metropolitanas. Este estudo é composto de duas partes: a primeira
apresenta uma conceituação sobre bacia hidrográfica e sua conversão em sítio urbano, no
capítulo 1; contextualiza brevemente a transformação do sítio urbano de São Paulo em
função do rio Tietê e seus afluentes, no capítulo 2; e discorre sobre a formação histórica da
região da Penha, destacando alguns fatores relevantes na sua transformação e consolidação
urbana, no capítulo 3. A segunda parte, capítulo 4, descreve a construção do método
utilizado para a análise da microbacia hidrográfica inserida no tecido urbano, destacando a
relação entre a hidrografia, o relevo, os tecidos locais e a rede de infraestruturas
metropolitanas, e evidenciando os conflitos existentes nessa articulação.
8
ABSTRACT
This study discusses the relationship between water and city, between rivers and
streets, and analyzes the formation, transformation and consolidation of the urban site of
São Paulo from a unit of physical geography, the watershed. Different scales of insertion of
the watershed in the territory are considered, and stand out, as the main components of the
research, hydrography, site plasticity and urban infrastructure. In this context, the area of
the Tiquatira watershed in the Penha area was chosen as a case study. The year of 1930 was
set as the starting point of the time frame, for reveal, based on the SARA Brazil cartography,
the wealth of the previous site and the character of coexistence between the urban center
of the region and all the waterways. Currently, however, the picture is the reverse, and the
site plasticity - particularly the valley bottoms and amphitheaters springs - has been
completely transformed for the sake of good urban soil creation, and hydrography of the
previous site was converted, almost entirely, on a road system, part of a network of
metropolitan infrastructure. This study consists of two parts: the first presents a concept of
watershed and its conversion into urban site, in Chapter 1; briefly contextualizes the
transformation of urban São Paulo due to the Tiete River and its tributaries, in Chapter 2;
and discusses the historical formation of Penha region, highlighting some relevant factors in
its transformation and urban consolidation in chapter 3. Part II, Chapter 4, describes the
construction of the method used for the analysis of watershed inserted in the urban fabric,
highlighting the relationship between hydrography, site plasticity, local fabrics and a
network of metropolitan infrastructure, and highlights the conflicts in this joint.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo
Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda, Cangaíba, à direita, Penha, 2012
Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí
Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817
Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941
11
Figura 3.20 – Colina da Penha, 2014
Figura 4.11 – Faixa de alta tensão atravessando margeando a Rua Rocha Fraga, 2010
Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais
12
Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas
metropolitanas
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira
13
SUMÁRIO
PRÓLOGO .............................................................................................................................. 16
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 21
2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub-bacias do Rio Tietê: replicação de uma
experiência ........................................................................................................................ 83
14
3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO................ 87
REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 173
15
PRÓLOGO
16
A cidade é o palco onde se desenrola o drama da vida cotidiana. Uma rua, uma
avenida, uma ponte, uma casa, um edifício ou um bairro são expressões típicas desse palco,
e assim a cidade como um todo. Tal palco é construído sobre um sítio original, uma porção
do relevo terrestre dotada de características gerais, atributos e particularidades. Um rio,
uma colina, um vale, uma várzea, um bosque ou uma serra são expressões possíveis desse
sítio, e vão condicionar o modo como se configura a cidade. Atualmente, as metrópoles
contemporâneas constituem uma das expressões mais notáveis da capacidade humana de
transformar o sítio precedente, e encontram seu complemento direto e necessário nas
grandes obras de caráter industrial e impacto regional, como usinas hidrelétricas e campos
de produção agrícola.
19
Nas cidades dos rios sem discurso, as obras de infraestruturas urbanas preteriram o
sítio precedente, em prol de uma mais-valia dos fluxos que atravessam a cidade. É esta mais-
valia, porém, que ocasiona alguns dos principais impactos e conflitos que caracterizam a
metrópole contemporânea. Nesse sentido, a reflexão de Simas é fundamental para embasar
um estudo acerca da cidade dos rios sem discurso (2013, p.70):
20
INTRODUÇÃO
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas
Mario Quintana
21
Este estudo partiu de uma inquietação ou curiosidade inicial sobre as águas urbanas,
conceito que orientou toda a reflexão aprofundada nesta pesquisa. Principiou com um
questionamento sobre a relação entre o sítio urbano de São Paulo e os seus cursos d’água, e
buscou elencar quais foram os principais processos constituintes que a determinaram, e
como estes resultaram na sua configuração atual. Após um processo metodológico no qual
foram exploradas várias frentes de interesse1, tal pesquisa culminou em um foco de análise
que destaca dois tipos de elementos urbanos: os rios e as ruas da cidade. Nesse sentido,
delineou-se uma tentativa de estabelecer uma ponderação entre uma unidade de análise – a
bacia hidrográfica, e as infraestruturas urbanas como camada de cidade a ser analisada.
Este enfoque determinou a escolha do conceito de tecido urbano como uma matriz de
desenho a partir da qual são extraídas as camadas e categorias para análise do sítio. Tal
escolha implicou também uma limitação metodológica quanto à capacidade e abrangência
da escala de analise e exigiu, portanto, um recorte conceitual para delimitação da sua área,
ou seja, a definição de um perímetro físico para caracterizar o objeto empírico. Assim, como
recorte conceitual adotou-se uma unidade oriunda da geografia física, a bacia hidrográfica,
por conter tanto o elemento da hidrografia quanto do relevo, ambos indispensáveis para o
entendimento de como se dá a formação, transformação e consolidação de um estrato do
sítio urbano a partir das infraestruturas que a caracterizam.
1
Entre as quais a gestão de políticas públicas urbanas e o estudo comparativo de unidades
territoriais internas e externas à cidade.
22
Como recorte físico foi escolhido o perímetro da microbacia hidrográfica do Córrego
Tiquatira, afluente do Rio Tietê na região da Penha, por apresentar tanto uma quantidade
suficiente de variáveis, quanto uma escala de análise factível de reconhecimento. Além
disso, os três principais cursos d’água que configuram a bacia passaram por processos de
urbanização bem distintos, revelando tipologias diversas entre si e que possibilitam uma
comparação quanto às diferentes formas de intervenção realizadas em fundos de vale. O
Parque Tiquatira, em especial, é uma obra emblemática, tanto como espaço público que
integra as colinas da Penha e do Cangaíba, quanto pelas situações inusitadas que apresenta,
principalmente na sua área de foz.
Como recorte temporal, foi definido o período entre 1930 – um momento passado,
caracterizado pela presença visível dos cursos d’água e do convívio destes com o núcleo
urbano da Penha e os assentamentos circundantes, e 2015 – o momento presente, na qual
os cursos d’água foram transformados em componentes de um sistema viário, e tornaram-
se quase que completamente ocultos para a própria cidade. No ano de 1930, ocorreram dois
eventos marcantes para a cidade de São Paulo: a publicação do Plano de Avenidas Prestes
Maia – que contribuiu decisivamente para a formulação das diretrizes que pautariam o
crescimento da cidade em função do aumento do traçado viário, e o levantamento
cartográfico SARA Brasil, um registro pormenorizado do sítio urbano do município de São
Paulo.
Pretende-se lançar mão da concepção de sítio urbano a partir dos atributos físicos de
um sítio geográfico, mas, principalmente, na expressão do tecido urbano, enquanto conceito
que configura graficamente a cidade, e cuja constituição se molda em função do relevo
desse sítio precedente, como uma echarpe de seda pousando sobre a pedra. Nesse sentido,
a bacia hidrográfica é uma parcela que corresponde ao território e, na medida em que se
converte em sítio urbano, torna-se também uma unidade em interface com a política, objeto
da geografia humana. Essa interface implica uma multiplicidade de escalas possíveis de
observação do território – consequentemente do sítio urbano, e que serão encaradas aqui,
inicialmente, de modo específico: uma escala máxima – do contexto regional, externo aos
limites da cidade; um escala intermediária do limite metropolitano2 em interface com o
2
Totalidade da cidade como um conjunto de municípios de mancha urbana conurbada.
23
limite da bacia hidrográfica; e as localidades internas a um município como uma escala
mínima, constituídas por um conjunto de microbacias hidrográficas. Doravante, o conjunto
dos processos políticos que ocorrem no território se reflete na constituição física das
cidades3, bem como suas sucessivas transformações.
É neste contexto que uma bacia hidrográfica passa a determinar um sítio urbano,
sendo ocupada e servindo de suporte para a construção de uma ou mais cidades. No caso
específico do sítio urbano de São Paulo é possível caracterizar sua formação a partir de uma
tradição construtiva luso-brasileira. Assim, a bacia hidrográfica torna-se subsídio
fundamental para se entender não só uma concepção de sítio urbano baseada em uma
unidade geomorfológica, mas de um modo tradicional de fazer cidade que pode ser
entendido como um “urbanismo de colinas” (LOBO, SIMÕES JUNIOR, 2012). Mais
precisamente, o conceito de bacia hidrográfica oferece uma perspectiva para abordar um
urbanismo “entre” colinas, uma vez que uma bacia é formada por, no mínimo, duas colinas.
3
Com base nesse raciocínio, as cidades podem mesmo ser consideradas como centros nevrálgicos do
território, e também os maiores artefatos construídos pela humanidade, tanto por sua escala quanto
pela sua complexidade.
24
metropolitanas que compõem a cidade de São Paulo, em escala macro. Nessa problemática,
a bacia hidrográfica se destaca como uma unidade do sítio urbano, e o conjunto das várias
sub-bacias que a compõem caracterizam uma multiplicidade de situações, que guardam
similaridades estruturais entre si e expressam, ao mesmo tempo, atributos peculiares e uma
consistência inalienável, ainda que preterida, como será possível observar.
A interface entre água e cidade, entre bacia hidrográfica e território, tem se revelado
um tema multifacetado e problemático, devido aos diversos modos de apropriação e
utilização dos recursos hídricos, todos fundamentais para a manutenção da vida urbana. A
água, em suas várias manifestações – rios, cachoeiras, lençóis freáticos e precipitações
pluviais – serve conjuntamente ao abastecimento humano, ao saneamento básico, à
produção e suprimento elétrico, sendo também matéria prima tanto no campo da
agricultura quanto da indústria. Porém, é justamente essa sobreposição de usos que
evidencia, nas cidades, disparidades e contradições. Na atualidade, os países dito
desenvolvidos já apresentam expoentes de obras urbanas que possibilitam situações de
convívio entre os rios e a cidade circundante, de modo a preservar as suas orlas e garantir
um nível minimamente satisfatório de saneamento das suas águas4. Já nos países ditos em
desenvolvimento – incluso o Brasil, o quadro é oposto5.
Nas cidades brasileiras, entre estas a região metropolitana de São Paulo, é comum e
reiterado o despejo de esgotos e toda espécie de resíduos nos cursos d’água, e parte
significativa de suas orlas são ocupadas por populações de alta vulnerabilidade social e
residentes em assentamentos precários. Além disso, ocorrem periódicos casos de
4
Vide a reportagem Oito exemplos de que é possível despoluir os rios urbanos, escrita por Romullo
Baratto para o periódico Archdailly. Disponível em <http://www.archdaily.com.br/br/01-
168964/oito-exemplos-de-que-e-possivel-despoluir-os-rios-urbanos>. Acesso: 16 janeiro 2015.
5
A comparação de dados fornecidos em diferentes pesquisas apresenta discrepâncias. Uma delas,
elaborada pelo Banco Mundial em 2012, coloca o Brasil em 101º posição no ranking mundial, com
81,33% de acesso ao saneamento básico. Disponível em <http://data.worldbank.org/products/wdi>.
Acesso em 16 janeiro 2015. Outra, divulgada pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial
Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável, com ano base 2011, atingiu indicador de 0,581,
“indicador que está abaixo não só do apurado em países ricos da América do Norte e da Europa como
também de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina em que a
renda média é inferior ao da população brasileira”. Disponível em
<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-ocupa-a-112a-posicao-em-ranking-de-saneamento-
basico>. Acesso em 16 janeiro 2015. A segunda pesquisa é considerada como mais verossímil, frente
a uma análise mais atenta e ponderada da situação dos rios urbanos das principais metrópoles
brasileiras.
25
enchentes, em consequência dos sazonais períodos de chuvas, fruto de uma ocupação
extensiva das áreas de várzea e por conta de uma impermeabilização gradativa do solo.
Somam-se a esses fatores o desmatamento de matas ciliares, indispensáveis à manutenção
do ciclo das águas, bem como a utilização dos recursos hídricos para além das possibilidades
de recarga das chamadas bacias de cabeceira.
Com base nesse raciocínio, o sítio urbano da microbacia do Tiquatira foi escolhido
como objeto deste estudo tanto pela sua rica hidrografia, hoje preterida em função de um
sistema de infraestruturas viárias, quanto pela intrínseca articulação que realiza com seu
principal vetor hídrico, o rio Tietê. De modo geral, podemos afirmar que a articulação das
sub-bacias do Tietê ocorre em três escalas: regional, relativa ao Estado; metropolitana,
inserida na região da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê; e local, das várias sub-bacias sobre a
qual se assentam as diversas localidades internas ao município, ou seja, as microbacias.
26
de conhecimento sobre a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano, e que será
apresentado no decorrer deste trabalho.
A segunda frente diz respeito a uma série de pesquisas de campo, orientada por dois
enfoques. Um enfoque etnográfico, no sentido de interagir com as pessoas que utilizam a
cidade e entender como se dá o condicionamento desta em função daquelas, e a
apropriação dessas em função daquela. E um segundo enfoque, cartográfico, em que se
buscou aprofundar a leitura e decodificação da cidade enquanto objeto de registro, desenho
e representação. Esses exercícios de vivência e observação possibilitaram um entendimento
específico sobre as dinâmicas predominantes que caracterizam a região de estudo, e uma
atenção especial às minúcias e peculiaridades do lugar.
A fundamentação teórica na qual se baseia este estudo foi definida por uma revisão
bibliográfica dos quatro blocos temáticos apresentados. Primeiro, o bloco de caracterização
da unidade geográfica da bacia hidrográfica (STRAHLER, 1957; PFAFSTETTER, 1989; CORATO,
BOTELHO, 2001; SACRAMENTO, 2001; ALBUQUERQUE, 2003; ARTILHEIRO, 2006; REIS, 2011;
SOUZA e DA SILVA, 2012; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE; 2014). Segundo, o bloco de
problematização da conversão da bacia do Alto Tietê em sítio urbano de São Paulo
(AB’SABER, 1957; LANGENBUCH, 1971; SÃO PAULO, 1984; DEÁK e SCHIFFER, 1999; SANTOS e
SILVEIRA, 2001; MEYER, 2000; ALVIM, 2003; TRAVASSOS, 2004; FRANCO, 2005; TUCCI, 2006;
27
BROCANELI, 2007; TRIPOLONI, 2008; DE BEM, 2009; FUSP, 2009; GORSKY, 2010; MONTEIRO
JÚNIOR, 2011; SHUTZER, 2012; SANTOS, 2014). Terceiro, o bloco histórico sobre o sítio
urbano de São Paulo e a região da Penha (FREIRE, 1936; ARROYO, 1954; BONTEMPI, 1969;
TOLEDO, 1981; MARQUES, 1988; SANTARCANGELO, 2004; JESUS, 2006; LOBO e SIMÕES
JUNIOR; 2012, MENDEZ, 2014). E quarto, o bloco metodológico para análise do tecido
urbano (INDOVINA, 2004; NAVARRO, 2009; SANTOS, 2012; COELHO, 2013; FERNANDES,
2013; ANASTACIA, 2013).
28
inicial, de formação do núcleo original da Penha e a microbacia definida com um uso
predominantemente rural. Uma fase intermediária, de intensificação do processo de
urbanização na microbacia, que se dá pela implantação da ferrovia nessa região. E uma fase
atual, expressa por uma multiplicação e segmentação do traçado urbano na microbacia, com
a implantação de infraestruturas viárias, de caráter regional e metropolitano, que responde
à demanda de um sistema de transportes predominantemente automobilístico. Em seguida,
destaca-se a transformação dos fundos de vale dessa microbacia, definidos pelos seus
principais cursos d’água, os Córregos Tiquatira, Franquinho e Ponte Rasa, e quais são as
diferenças e peculiaridades que se revelam quando da sua comparação.
29
1. INTERFACE ENTRE BACIA HIDROGRÁFICA E SÍTIO URBANO
30
A bacia hidrográfica consiste de uma porção de superfície que, como um recipiente,
comporta o fluxo, drenagem e escoamento das águas que a ela se destinam, sejam
submersas, emergentes de lençóis freáticos, sejam as águas pluviais. É um dado físico do
território6, entendido como espaço geográfico constituinte e organizado politicamente
(ALVIM, 2003, FRANCO, 2005, SCHUTZER, 2012). Nesse sentido, a bacia hidrográfica, ainda
que seja um dado físico, fruto de um processo geológico cuja formação remonta a milhares
de anos. Atualmente, o conceito de bacia hidrográfica deve ser considerado a partir de um
escopo de ação humana – deliberada ou intencional, que a utiliza, modifica e transforma
conforme as necessidades e as alternativas disponíveis. Assim a bacia hidrográfica é parte
integrante de processos de ação humana que interferem no território e o deformam
continuamente.
6
Segundo Santos (2001, p. 11-19), o território pode ser definido como “uma união indissolúvel de
sistemas de objetos e sistemas de ações, e suas formas híbridas, as técnicas” e, num sentido mais
restrito, o “nome político para o espaço de um país”, podendo mesmo ser definido a partir de outros
limites físicos ou político-administrativos. Tais limites condicionam os modos de organização do
território, e são delimitados por uma ação política. Derivada do grego antigo, Politéia, o conceito de
Política foi utilizado originalmente para denominar todos os procedimentos relativos a Polis, ou
cidade-Estado, e posteriormente passou a indicar o conjunto da ações ligadas à idéia de governança
e Estado.
31
sua conversão em sítio urbano. Para tanto, foi definido um critério de análise orientado
pelas noções de tecido, traçado e infraestruturas urbanas, que permitem um modo de
apreciação específico para este objeto de estudo. Com base nessas noções, torna-se possível
identificar o conjunto de infraestruturas que incidem sobre a bacia, deformando-a, e que
configuram atributos estruturais ao sítio urbano. Ainda, este conjunto de infraestruturas se
articula de diversas formas com a bacia, segundo as características de cada tipologia, e
ocorrem em diferentes escalas do tecido.
Bacia hidrográfica é a designação para uma área com perfil côncavo, que funciona
como receptora das águas pluviais, confluindo estas águas dos pontos mais altos para os
mais baixos, sendo drenadas por um curso d’água principal, e descarregadas por uma saída
determinante, conhecida como foz (Figura 1.1). As bacias se justapõem nas chamadas linhas
divisoras de águas ou linhas de cumeada, que podem ser definidas topograficamente a partir
dos pontos mais altos entre um perfil e outro, e constituem, portanto, uma área de interface
entre bacias (SCHUTZER, 2012b). As áreas mais baixas, por sua vez, são definidas como
32
fundos de vale, e o eixo longitudinal que segue sua declividade é chamado talvegue7. Por
conta disso, a bacia hidrográfica pode ser dividida desde os rios maiores até seus elementos
mínimos – os afluentes primários, podendo ser decomposta em sub-bacias (Figura 1.2).
Essa decomposição opera uma idéia de estrutura, no sentido de haver uma hierarquia
para uma série de situações articuladas. Assim, ainda que a bacia hidrográfica possa ser
entendida como uma unidade fundamental de análise, também pode ser dividida em
unidades menores, onde cada sub-bacia desempenha uma função comum enquanto
unidade geomorfológica, mas também um papel específico, no sentido da sua posição em
função de outras bacias, bem como do sítio urbano em que está inserida. Doravante, torna-
se relevante contextualizar a bacia hidrográfica como sendo parte de um sistema maior,
geográfico e, portanto, constituinte de uma territorialidade múltipla. Esse tipo de enfoque
para o conceito de bacia hidrográfica e sub-bacias implica uma sequência de diferentes
escalas, cabendo diferenciar seu aspecto continental e regional do aspecto metropolitano e
7
Do alemão talweg, “o caminho do vale”.
33
urbano-local. Doravante, a bacia pode ser entendida como um conceito formalmente
consistente, bem como uma unidade de medida para analisar diferentes escalas de
território, conforme afirma Schutzer (2012b, p. 271-272):
8
No planeta Terra, a água é a única substância que existe, em circunstâncias naturais (no sentido de
corriqueira, casual ou ordinária), nos três estados da matéria: sólido, líquido e gasoso. A coexistência
destes três estados implica que existam transferências contínuas de água de um estado a outro, que
está presente tanto nos oceanos, como nos continentes e na atmosfera. Esta sequência fechada de
fenômenos pelos quais a água passa denomina-se de ciclo hidrológico. Este movimento é alimentado
pela força da gravidade e pela energia do sol, que provocam a evaporação das águas dos oceanos e
continentes, e também precipitações, na forma de chuva, granizo, orvalho e neve (REIS, 2011).
34
nascentes, fontes e pântanos ou alimentando rios, lagos e cursos d’água; escoa sobre a
superfície, no caso em que a precipitação é maior do que a capacidade de absorção do solo;
evapora retornando à atmosfera; congela formando as camadas de gelo nos cumes das
montanhas e geleiras (Figura 1.3).
35
Figura 1.4 – As bacias de drenagem dos principais oceanos e mares do mundo
Fonte: elaborado pelo autor (ref. Citynoise, 20079)
9
In <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ocean_drainage.png>. Acesso: 12 outubro 2014.
10
A América do Sul compõe o maior conjunto continental de bacias hidrográficas exorreicas, relativo
à área terrestre de contribuição direta em função do Oceano Atlântico. E o Brasil responde pela
maior quantidade destas bacias. Atualmente, o território brasileiro é dividido em 12 regiões
hidrográficas, definidas segundo resolução nº 32/ 2003 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos –
CNRH. Este conselho é a instância máxima da hierarquia do Sistema Nacional de Gerenciamento dos
Recursos Hídricos do Brasil, e foi instituído pela Lei nº 9.433/ 1997.
11
Para uma subdivisão de nível 2 do continente, parte-se da foz ou exutório, ponto de descarga da
bacia a ser dividida, à montante, identificando todas as confluências e distinguindo o rio principal dos
seus tributários. Os maiores tributários, de acordo com o critério de área drenada, correspondem à
metade das sub-bacias, no caso de número par, e metade menos um, no caso de número ímpar. Os
demais tributários são considerados menores.
36
Figura 1.5 – Codificação de bacias hidrográficas Nível 1
Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ministério do Meio Ambiente, 2014, p. 186)
37
Em suma, a bacia hidrográfica pode ser caracterizada tanto como uma unidade
geomorfológica que pode ser decomposta em n sub-bacias, quanto um sistema capilar e
ramificado que funciona segundo o escoamento acumulativo das águas. A bacia hidrográfica
consiste, portanto, de um padrão de comportamento do ciclo hidrológico em função do
relevo, que ocorre dentro de um perímetro compartimentado do território, e pode ser
analisada a partir de diferentes escalas. Nesse sentido, uma questão relevante consiste no
uso dos prefixos sub e micro, que indicam escalas de bacia. Na articulação entre relevo,
hidrografia e sítio urbano, a bacia incorpora esta multiplicidade de escalas onde uma área
coesa de movimento das águas torna-se a unidade de medida do território. Segundo
Anastacia (2013, p. 8):
Assim, podemos definir mesobacias como sub-bacias dos afluentes que encontram as
bacias de nível 2. No caso brasileiro, tais bacias são de domínio federal, fronteiriças entre
estados, ou que atravessam mais de um estado, e bacias de domínio estadual que perfazem
uma área intermunicipal. Finalmente, poderíamos definir como microbacias aquelas
circunscritas em um limite municipal, que são sub-bacias de um rio maior que atravessa esse
dado município. Tais microbacias podem mesmo ser intermunicipais, desde que estejam
inseridas em um contexto metropolitano que as englobe. Em suma: microbacias (municipais
ou intermunicipais) deságuam em mesobacias (metropolitanas, estaduais ou regionais) que
deságuam em macrobacias (nacionais ou continentais).
A hidrografia é uma linha de pesquisa da geografia física que, junto com a hidrologia,
estuda as águas do planeta Terra. Todo o conjunto de componentes dos recursos hídricos
compõe o quadro de abordagem da hidrografia, desde os oceanos, rios, lagos, lagoas,
39
arquipélagos, golfos, baías, cataratas até obras de infraestruturas como usinas hidrelétricas,
barragens e represas, canais e eclusas etc (ARTILHEIRO, 2006). No caso das obras de
infraestrutura, ressalta-se a capacidade destas em provocar mudanças significativas na
forma e comportamento desses componentes dos recursos hídricos. Mais especificamente,
podemos definir hidrografia a partir de seu significado literal, ou seja, a partir de suas raízes
linguísticas: hydrus, do latim, significa “cobra de água” ou “hidra” 12, e grafé, do grego,
“escrita”, “registro” e “estudo”. O termo hidrografia refere-se então tanto a uma idéia de
ramificação e capilaridade dos rios quanto a uma noção de desenho ou traço que estes
efetuam enquanto cursos d’água.
Com base nesse raciocínio, foi proposto por Strahler (1957, p. 914) um sistema de
hierarquia de canais, que denomina os menores efluentes de uma bacia – aqueles que não
recebem nenhuma contribuição, como canais de ordem 1. A junção de dois canais de ordem
1 forma um canal de ordem 2, e assim por diante, de modo que a junção de dois canais de
mesma ordem F definem um terceiro canal, de ordem N, na razão N = F + 1. Na junção de
dois canais de ordens diferentes, se mantêm a ordem do maior canal que segue à jusante
(Figura 1.6). Neste sistema, o canal principal da bacia é aquele de maior ordem.
Sequenciando este sistema encontram-se os oceanos do planeta Terra como os estuários
das bacias continentais, e caracterizam uma ordem máxima de bacia hidrográfica.
Uma espécie de animal cnidário de corpo cilíndrico e em forma de pólipo. Na mitologia grega, era
12
O relevo, por sua vez, pode ser caracterizado, primeiramente, por uma topologia, no
seu duplo sentido, geométrico – o estudo das noções de proximidade, como limite e
vizinhança, e topográfico – por meio da descrição detalhada de um local. Num segundo
momento, o relevo é, além de topográfico e geométrico, também geomorfológico –
constituinte de diferentes tipos de solo, com elementos hidrográficos e vegetais, e apresenta
uma grande diversidade de formações: veredas, campos, florestas, colinas, desfiladeiros,
41
chapadas, escarpas, montanhas, serras, depressões, vales, várzeas, estepes etc. Relevo que
se modifica e se sedimenta desde alhures do tempo. Para Schutzer (2012b, p. 311):
A modificação do relevo a partir da ação antrópica também pode ser entendida como
uma série histórica, um processo de transformação contínua que se dá entre natureza e
sociedade, entre relevo e cidade. Segundo Schutzer (2012b, p. 14):
43
velocidade do escoamento superficial, colaborando para o retardamento da
chegada da água às outras bacias situadas à jusante; como também para o
próprio uso da água para abastecimento ou como recurso paisagístico. Por
ser uma área receptora de sedimentos, o assoreamento deve ser
controlado e monitorado.
A bacia hidrográfica possui uma constituição física que pode ser decomposta segundo
seus componentes constituintes – hidrografia e relevo, e também compartimentada
segundo particularidades referentes às suas porções formais – cumeeiras, encostas e fundos
de vale. Toda essa elaboração parte de um referencial estritamente geográfico quanto à sua
natureza. Porém, é a apropriação urbana de uma bacia hidrográfica que vai implicar uma
série de uso e transformações correlatas a essas mesmas particularidades de forma, ora
reconhecendo nelas pré-existências relevantes, ora promovendo modificações deliberadas e
indiferentes quanto a essas mesmas pré-existências.
44
1.2. PROBLEMÁTICA DA BACIA HIDROGRÁFICA CONVERTIDA EM SÍTIO URBANO
Toda e qualquer cidade está acomodada sobre um sítio precedente, portanto a uma
bacia hidrográfica caracterizada por um relevo específico, e que também é parte de um
ecossistema – conjunto formado por todas as comunidades bióticas que vivem e interagem
em determinada região e pelos fatores abióticos que atuam sobre essas comunidades, ao
qual seria diferenciada a presença humana de outras espécies animais e vegetais. Segundo
Schutzer (2012a, p. 61):
13
No início do século XX, a taxa da população mundial residente em cidades era de cerca de 15%.
Atualmente, em países desenvolvidos, por exemplo, os Estados Unidos, a taxa de urbanização chega
a 94%. Na América Latina e no Caribe, a taxa de crescimento populacional é de 3 % a 5% ao ano. No
Brasil, em 2010, para uma população de 190 milhões de habitantes, a taxa de população urbana
registrada foi de 84%; na década de 1960, a taxa era de cerca de 44% (Tucci, 2006, p. 399). Este
rápido crescimento da taxa de população urbana, que no caso brasileiro dobrou nos últimos 50 anos,
evidencia o processo de crescimento acelerado pelo qual passaram várias cidades.
45
constrói com esses uma relação convergente, de simbiose, com o relevo e a hidrografia. Na
segunda situação, o crescimento se alheia aos elementos da estrutura inicial, e confunde,
dissimula ou mesmo os destrói impune e imponentemente, criando uma superposição
divergente e contraditória, conforme explica Navarro (2009, p. 17):
Um sítio urbano principia num lugar, e por uma razão de assentamento. A formação de
uma cidade implica a definição de qualidades territoriais – por que ocupar essa cumeeira,
aquela colina ou o vale do outro lado do rio? A escolha desses atributos vai determinar a
configuração de elementos urbanos fundamentais da cidade – por exemplo, a rua principal
instalada no topo da colina ou áreas portuárias junto a planícies aluviais, elementos estes
que constituirão a identidade primeira do sítio urbano. Posteriormente, tais elementos
podem ser conservados ou suprimidos, dependendo de como se dá a transformação da
cidade, considerando taxas de crescimento populacional e implantação de diferentes
tecnologias de infraestruturas. Neste processo, os critérios de ocupação do sítio precedente
– principalmente nos países em desenvolvimento, têm desconsiderado aspectos
fundamentais do comportamento do ciclo hidrológico, causando sucessivos impactos a este
e ocasionando modificações no balanço hídrico e no escoamento das águas pluviais em
função da geometria da bacia, por conta de modos específicos de ocupação do solo e
implantação das infraestruturas urbanas (Figura 1.7). Como observa Tucci (2006, p. 400):
46
Pontes e taludes de estradas que obstruem o escoamento, redução da
seção de escoamento e de aterros, deposição e obstrução de rios, canais e
condutos de lixos e sedimentos, projetos e obras de drenagem inadequados
[...] caracterizam ações pontuais onde o prejuízo público é dobrado, já que
além de não se resolver o problema, os recursos são gastos de forma
equivocada.
47
Tais condições de interferência do ciclo hidrológico, como enchentes e a poluição
contínua das águas, consequência de um crescimento divergente da cidade, são decorrentes
de modos específicos de uso e ocupação do solo que se fazem conflituosos com a bacia
hidrográfica, que é, ao mesmo tempo, sistema de drenagem, conjunto dos recursos hídricos
e unidade de planejamento urbano-ambiental. A problemática das enchentes e saneamento
das águas no sítio urbano só será solucionada frente à medidas de planejamento, desenho e
projeto urbano que considerem as diferentes escalas de bacias hidrográficas e medidas de
controle da ação das águas no sítio urbano.
Outro modo de lidar com o controle do escoamento das águas consiste de medidas
ditas estruturais, que partem do princípio do armazenamento das águas por meio de
dispositivos como tanques, lagos e pequenos reservatórios abertos ou enterrados, entre
outros. Tais medidas são denominadas de controle à jusante e, diferente de medidas de
controle compartilhado, que opera lote a lote, prevê custos menores de operação e
manutenção e facilidade na execução da obra. Por outro lado, a relação entre terrenos
disponíveis e locais de implantação se revela problemática, pois tais obras, em muitos casos,
desconsideram o caráter de projeto e inserção urbana e acabam por se apresentar como
infraestruturas que não se articulam com seu entorno (TUCCI, 2006, p. 422).
48
Os diferentes tipos de medidas de controle de escoamento das águas no sítio urbano
atuam sobre as bacias hidrográficas de modos peculiares e diversos, mas apresentam um
quadro no qual o funcionamento da bacia ocorre variada e continuamente, devido à
constante movimentação da água no ciclo hidrológico. Porém, mais do que as medidas de
controle, o que ainda caracteriza as cidades dos países em desenvolvimento é a insuficiência
de uma gestão compartilhada que consiga equacionar minimamente problemas urbanos,
como enchentes sazonais e a ação cotidiana de poluição dos cursos d’água.
O tecido urbano deve ser entendido como a representação gráfica do sítio urbano,
designando, portanto, a expressão física da forma urbana (COELHO, 2011). A leitura do
tecido urbano é uma atividade meticulosa, na qual as perguntas e inquietações acerca dos
49
motivos e sentidos sobre o conjunto da forma urbana permitem identificar o sentido
histórico, a noção de memória e a revelação da identidade deste ou daquele lugar, desta ou
daquela cidade. Conforme afirma Coelho (2013. p. 24):
Os processos que moldam a forma do tecido urbano e dele se apropriam são múltiplos
e atuam diversamente na ação do tempo. Segundo Coelho (2013, p. 18):
A identificação de uma fase marcante do tecido urbano coloca-se como uma evidência
de memória e atributo de sua identidade. O conjunto do tecido, formado por uma
diversidade de elementos urbanos – a rua, a praça, a igreja, o quarteirão, as pontes e
viadutos, os edifícios e os bairros etc, guardam memória quanto aos seus diferentes
momentos de formação, ao mesmo tempo em que manifestam sua diversidade. Nas
palavras de Coelho (2013, p. 21):
51
Certas características formais dos tecidos são mais facilmente
compreensíveis a partir da sua decomposição, isto é, a partir da abstração
dos principais sistemas que os compõem ou da própria desagregação dos
seus elementos urbanos. (...) A particularidade da dinâmica do tecido
urbano advém da natureza dos espaços que o compõem, constituídos por
uma infinidade de unidades autônomas e com interesses próprios – as
parcelas – e um espaço coletivo que as estrutura – o espaço público. É esta
realidade que justifica a diversidade do tecido urbano, mas também a
dificuldade do seu controle como objeto.
Frente às diversas escalas de tecido urbano, bem como das várias possibilidades de
abordagem e complexidade, definiu-se neste estudo uma decomposição que considera
52
especialmente as relações do traçado urbano. Este se define, basicamente, pelos eixos
viários públicos em interface com as parcelas privadas. A partir do traçado serão analisadas
as articulações entre infraestruturas metropolitanas com tecidos locais, e a relação de
ambos com a hidrografia do sítio precedente, conforme será verá no capítulo 4.
14
Urdidura e trama são termos oriundos da tecelagem, e designam a base mecânica da indústria têxtil.
53
Figura 1.9 – urdidura e trama
Fonte: elaborado pelo autor
Desse modo, cabe diferenciar os espaços que constituem o parcelário maior – quadra,
quarteirão, ou bloco – espaços de permanência, públicos ou privados, do leito carroçável, ou
seja, ruas, vias e calçadas – espaços de fluxo e circuitos de movimentação. Tais espaços de
fluxo caracterizam o conjunto do traçado urbano e, ao mesmo tempo, sua relação com o
relevo. Nesse sentido, o traçado urbano incorpora as sucessivas experiências de contato que
a ocupação urbana realiza. Conforme afirma Schutzer (2012b, p. 124-125):
O primeiro contato que uma cidade estabelece com seu território pode ser
verificado através do traçado urbano. A conformação das ruas originando
quadras e sua extensão pelo território é uma das primeiras relações que se
configuram entre o meio ambiente e a cidade. Ela define a localização
geográfica, a forma das quadras, regula a disposição dos edifícios que
conformam os espaços livres, interliga os espaços da cidade, define
hierarquias e limites urbanos.
54
Ao empreender a leitura dos traçados urbanos a partir da sua relação com o
relevo destacam-se primeiramente os acidentes topográficos que de uma
forma abrupta marcam o território e que pela sua morfologia constituem
obstáculos que impedem ou condicionam a implementação das malhas,
como modelos ideais ou simplesmente o prolongamento dos traçados. (...)
Os planaltos e os fundos de vale largos permitem o assentamento dos
traçados, mas possuem condicionantes naturais com características
semelhantes, escarpas ou encostas, que constituem um impedimento para
a extensão das malhas quando estas se baseiam em sistemas geométricos
regulares.
55
1.3.3. Infraestruturas urbanas
As infraestruturas que fazem parte do traçado urbano são tão diversas quanto
determinantes. Estradas, pontes, viadutos, ferrovias, cabos e torres de suprimento elétrico,
canais e rios, conectam-se e sobrepõem-se uns aos outros, caracterizando o aspecto
complexo das várias camadas do traçado, como um palimpsesto. Conforme afirma Santos
(2012, p. 3):
56
A espacialização das atuais redes de circulação, comunicação e
abastecimento é expressa de forma diferenciada e dicotômica na cidade e
no território, entre aderência e desconexão, entre a extrema polarização e
a fratura, exigindo do seu desenho uma aproximação intermediária,
mediadora, intersticial que amplifique as possibilidades de interação entre
a escala global (das redes) e a escala local (dos tecidos). É esta cidade que,
construída segundo racionalidades múltiplas, onde a natureza fragmentária
e individual da decisão, impede visões totalizantes ou unitárias, exige uma
atenção particular aos mecanismos de comunicação entre atores, sistemas
e espaços.
Assim, as infraestruturas urbanas são factíveis de análise a partir de pelo menos três
escalas. Primeiro, uma escala local, do objeto simples, unitário, uma rua, uma ponte, uma
57
avenida, um canal, escala na qual o objeto articula-se com seu tecido adjacente no sentido
de ser determinante a este e ao mesmo tempo determinado. Segundo, uma escala
intermediária, do objeto composto, articulado, em pelo menos, dois componentes: ruas e
avenida, viaduto e rua, ponte e rio. Terceiro, uma escala externa ou contextual, na qual os
fluxos, ainda que atravessem o tecido e interfiram internamente neste, correm
incessantemente para fora, e onde os diversos elementos infraestruturais estão articulados,
ora existindo em justaposição, ora em sobreposição. Santos coloca a questão das escalas de
infraestruturas em outros termos (2012, p. 8):
Desse modo, a interface entre bacia hidrográfica e sítio urbano guarda esse duplo
aspecto de análise: as microbacias internas à cidade fazem parte de uma grande bacia,
58
externa e que engloba essa mesma cidade, e estão inseridas em uma rede de infraestruturas
metropolitanas. Inversamente, as mesobacias são atravessadas por infraestruturas
regionais, e mesmo condicionadas por estas, tornando-se objeto de exploração. É o caso do
aproveitamento hidrelétrico, da exploração mineral, do abastecimento de água e de
irrigação agrícola, onde a bacia é, ao mesmo tempo, suporte, fonte e matéria prima para tais
atividades.
59
2. BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ E O SÍTIO URBANO DE SÃO PAULO
60
Atualmente, no caso da cidade de São Paulo, a interface entre metrópole e bacia
hidrográfica apresenta-se como uma questão complexa, devido ao imbricado amálgama que
se estabeleceu entre hidrografia e infraestruturas urbanas, uma vez que a primeira foi
radicalmente modificada em função da segunda. O objetivo deste capítulo consiste,
portanto, em identificar quais são os principais momentos que caracterizaram essa
transformação, e entender como se dá a interface entre a Bacia do Alto Tietê e o sítio
urbano da Região Metropolitana de São Paulo. O enfoque se dará na articulação entre
relevo, hidrografia e sistema viário, no contexto de uma rede de infraestruturas urbanas
instaladas em um sítio precedente ao longo do tempo.
61
De modo geral, pretende-se demonstrar, sucintamente, como o relevo e a hidrografia,
enquanto componentes da bacia hidrográfica, desempenharam um papel protagonista
quando das sucessivas etapas de instalação das infraestruturas urbanas, em especial as
viárias, no sítio urbano de São Paulo. Se por um lado é possível afirmar que o sítio
precedente condicionou a estruturação da cidade, também se pode considerar, por outro
lado, que tal sítio apenas definiu uma série de obstáculos a serem vencidos, a fim de garantir
uma plena utilização do solo urbano. É esse duplo aspecto do sítio precedente ou original, ao
mesmo tempo condicionante e condicionado, que define a problemática que irá configurar o
tecido urbano, representação do sítio.
Como já foi exposto, o estudo urbano de uma bacia hidrográfica não se basta
enquanto esta for entendida apenas como uma unidade geomorfológica, ainda que
modificada pela ação antrópica e transformada em sítio urbano, embora este seja o ponto
de partida para o entendimento do relevo e da hidrografia como componentes que
condicionam a formação e consolidação da cidade.
62
2.1. BACIA HIDROGRÁFICA DO TIETÊ E A GEOMORFOLOGIA DE SÃO PAULO
O Rio Tietê, cujo hidrônimo é de origem tupi e significa “água verdadeira” (junção dos
termos ti e eté), é um dos principais afluentes do Rio Paraná15, portanto sua bacia pode ser
considerada como maior de nível 2, segundo o método de Pfafstetter (Figura 2.1),
configurando-se como o principal elemento da estruturação hídrica do Estado de São
Paulo16.
15
Entre as regiões hidrográficas do Brasil, a Bacia do Paraná possui um enorme potencial elétrico,
devido tanto ao volume de água quanto ao seu terreno acidentado. Além disso, revela uma caráter
excepcional: o Aquífero Guarani, que constitui um dos maiores aquíferos do mundo e é a maior
reserva subterrânea de água da América do Sul. É um corpo hídrico transfronteiriço que abrange
parte dos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Possui um volume acumulado
de 37.000 km³ e área estimada de 1.087.000 km². Na parte brasileira estende-se por oito estados:
Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
São Paulo. Dados In: <http://www.mma.gov.br/agua/recursos-hidricos/item/8617-aqu%C3%ADfero-
guarani>. Acesso: 07 outubro 2015.
16
O Rio Tietê teve um papel histórico fundamental na conquista bandeirante do interior, no
chamado bandeirismo de monções, com destino a Mato Grosso e Goiás, e antigamente era
conhecido como Anhembi, por conta de uma espécie de ave comumente vista em suas margens.
63
Atlântico Brasileiro, passando por regiões serranas e um “Mar de morros” 17, constituindo
uma diferença de altura média de 700 metros 18.
17
Segundo Ab’Saber (1957), extensas áreas de morros mamelonares, ou “meias laranjas da bacia do
Paraíba” (p. 61).
18
Ainda que as alturas máximas em relação ao nível do mar ultrapassem os 1100 metros.
19
Disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Riodelaplatabasinmap.png>. Acesso: 12
outubro 2015.
64
percorrendo 1136 km até desaguar à foz, no lago formado pela barragem de Jupiá, no Rio
Paraná (Figura 2.2).
Figura 2.2 – Esquema Morfológico do Estado de São Paulo: destaque para o rio Tietê e principais afluentes
Fonte: elaborado pelo autor (ref. Ab’Saber, 1957)
O Rio Tietê é também o maior rio de domínio estadual de São Paulo, sendo que o rio
Grande e o rio Paranapanema, que conformam perímetros estaduais, são de domínio
federal. O conjunto da bacia hidrográfica do Rio Tietê é dividido em seis sub-bacias menores,
(Figura 2.3), entendidas como regiões administrativas articuladas e definidas como Unidades
de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHIs (ALVIM, 2002, p. 142), entre estas a Bacia
do Alto do Tietê20, onde se encontra a cidade de São Paulo. Nesta região, a hidrografia do
20
A Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo nº 7.663/1991, a “Lei de Águas
Paulista”, define, entre seus princípios norteadores, a “adoção da bacia hidrográfica como unidade
físico-territorial de planejamento e gerenciamento”, conforme Artigo 3, Inciso II. Tal legislação teve
como antecedente o primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo (1990),
inaugurando o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, composto por três
instâncias: deliberativa – Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH, e os Comitês de Bacias
Hidrográficas - CBH; técnica – Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos - CORHI; e
financeira – Fundo Estadual de Recursos Hídricos - FEHIDRO. É neste quadro político administrativo
que se insere a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Alto do Tietê – UGRHI-06. Portal
65
sítio precedente guardava uma característica marcante, que era o desenho serpenteado dos
principais cursos d’água (Figura 2.4). Conforme afirma Ab’Saber (1957, p. 65-78):
No contexto do período colonial no Brasil (1500 – 1822), o Rio Tietê pode ser
entendido, como um dos principais indutores históricos da ocupação do planalto paulista. A
então vila de São Paulo de Piratininga do século XVII 22, localizada estrategicamente no topo
da colina entre os Córregos do Anhangabaú e Moringuinho, hoje Bacia do Sapateiro,
22
Piratininga, em tupi significa “terra do peixe seco”, nome este que designava a situação das várzeas
do Rio Tamanduateí. “baixada do tamanduá”, atraídos pela presença de formigas que vinham comer
os peixes encalhados nas vazantes das enchentes periódicas do rio.
67
funcionava como porta de entrada ao planalto. A consolidação desse artefato urbano
garantia um entreposto entre o interior paulista e o porto de Santos, pelo caminho do Rio
Tamanduateí, e depois em direção ao Rio de Janeiro, seguindo a rota à montante do Tietê e
Vale do Paraíba. Além disso, o sucesso de aldeamentos independentes e periféricos, como a
Freguesia da Penha e São Miguel do Ururaí, à leste, aumentaram o domínio do território e
estabeleceram as rotas originais que hoje configuram algumas das principais infraestruturas
da cidade. Conforme afirma Franco (2005, p. 29-32):
O que explica São Paulo é o Tietê. Com seu curso surpreendente, correndo
para as terras interiores, ao invés de descer para o mar, ele se tornou desde
muito cedo um instrumento estratégico para o controle de vastas
extensões territoriais. Através dele se pode facilmente atingir a ampla
cadeia hidrográfica do rio Paraná, rumando então em direção às regiões
platinas ou para os lados do Pantanal e da Amazônia ou ainda para as
cabeceiras do São Francisco. [...] Observando o mapa topográfico da cidade,
percebe-se que o sítio se caracteriza por um arquipélago de colinas
recortadas pelos vincos dos caminhos de drenagem. As águas, de maneira
inversa à dispersão que caracteriza o processo de ocupação das terras, vão
se reunindo pela sua estrutura capilar em direção aos eixos dos principais
caminhos fluviais até atingirem o Rio Tietê, rio tronco de toda a bacia.
No sítio urbano de São Paulo, a ferrovia foi ramificada em dois braços, oriundos de
Sorocaba e Jundiaí, até o fluxo principal com o vetor Júlio Prestes - Santos, e foi estruturada
historicamente, sobretudo, em função de um espaço regional (Figura 2.5) vinculado a uma
produção predominantemente agrícola no uso do território, e internacional de escoamento
de exportação de comodities. A mineração e extração de ferro alimenta, ainda hoje, um
sistema de exploração internacional, através do comércio e transporte marítimo
intercontinental e consolidou, na segunda metade do século XIX, uma rede de infraestrutura
68
ferroviária brasileira. Faz parte desse quadro a produção agrícola, oriunda principalmente
das fazendas de café do século XIX, incrementada pela produção de sal e algodão, entre
1967 e 1974 (LAVANDER, MENDES, 2005, pág. 32). Paralelamente, a economia de São Paulo
recebeu também os insumos do desenvolvimento industrial que compensou a crise do café,
no começo do século XX, e reconfigurou os fluxos de produção, sem, contudo, ter o
componente de produção agrícola e rural defasado.
Pelo seu caráter estrutural, desde o final do século XIX o Rio Tietê e sua várzea, na qual
foi implantada a infraestrutura ferroviária, tem sido alvo de projetos, principalmente para
sua utilização em função de um aproveitamento hidrelétrico em escala macro e regional,
tendo sido preterida a sua utilização, no caso da cidade de São Paulo23, para abastecimento,
uso e consumo de água em escala micro – local e urbana. Grande parte dos fundos de vale
da Bacia do Alto Tietê foi ocupada e urbanizada, passando por diversas transformações,
fruto de obras de infraestrutura. Na Região Metropolitana de São Paulo, tal conjuntura
implicou que as características do sítio precedente fossem completamente modificadas,
restando apenas fragmentos do que outrora fora uma bacia hidrográfica natural.
O território da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê é definido como uma área de drenagem
de aproximadamente 5.985 km² (Figura 2.6), que incorpora 40 municípios, sendo que 20
estão inteiramente contidos nela, 14 com o território parcialmente contido, mas com áreas
urbanas contidas, e 6 municípios somente com áreas rurais – ou seja, que compõem a bacia,
mas não pertencem à Região Metropolitana de São Paulo – RMSP. Esta, por sua vez, é
composta por 39 municípios, sendo que 5 destes não tem a sua área urbana contida na
bacia. Segundo Alvim (2002, p. 209):
23
Ainda que as nascentes do Alto Tietê alimentem reservatórios de que contribuem para o
abastecimento de água, a principal fonte é o Sistema Cantareira.
70
Guararema e Vargem Grande Paulista) representam apenas 0,45% da
população total da RMSP, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000,
além de não estarem conurbados à mancha urbana da metrópole.
Portanto, a área gerida pelo Comitê do Alto Tietê pode ser considerada a
bacia metropolitana.
A área total da bacia é constituída por uma vasta rede de tributários relevantes para a
história da região (Figura 2.7), e o seu conjunto é objeto de projetos de engenharia nas áreas
energética, de abastecimento e hidráulica. Em suma, a bacia do Alto do Tietê compreende as
terras drenadas pelo trecho do rio desde sua nascente, no município de Salesópolis, até o
município de Santana do Parnaíba e, grosso modo, atravessa a mancha urbana da metrópole
de leste à oeste, configurando seu principal vetor hídrico. Conforme afirma Ab’Saber (1957,
p. 103):
Nas porções enxutas da planície do Tietê, assim como nos terraços aluviais
marginais e nas zonas de transição entre os terraços e os flancos mais
suaves das colinas terciárias (seguindo “grosso modo” a orientação E-W do
Tietê), alinham-se as instalações ferroviárias e as áreas industriais principais
da cidade. As ferrovias seguiram as zonas de transição entre as planícies
aluviais e as colinas mais suaves, superpondo-se, muitas vêzes, nos
principais tratos de terraços fluviais que a região de São Paulo apresenta.
Essas áreas baixas e mal drenadas, que por muito tempo permaneceram
abandonadas, isolando as principais colinas urbanizadas, constituem, hoje,
71
o sítio básico do parque industrial paulistano. Nota-se, imediatamente, que
a maior porcentagem dos bairros industriais e operários justapôs-se aos
terraços e planícies aluviais do Tietê e de seus afluentes. [...] Ao centro da
larga e contínua planície do Tietê, seccionando indiferentemente meandros
abandonados, diques marginais antigos e ligeiras depressões alagáveis,
destaca-se a silhueta inconfundível do canal de retificação. Desta forma,
esboça-se a recuperação geral do único elemento do relevo regional que
ainda não participara da área urbanizada; e chega a ser impressionante a
extensão dos espaços urbanos passíveis de recuperação, nesse trecho de
baixadas aluviais.
72
áreas dos fundos de vale dos seus principais afluentes, o Rio Tamanduateí, e os Córregos
Aricanduva, Cabuçu-de-cima e Pirajuçara. Segundo Ab’Saber (1957, p. 13):
Este conjunto de intervenções nos cursos d’água e nas áreas de várzea como um todo
consistiu na formulação de um paradigma que pressupõe que quanto maior desempenho
73
técnico dessas áreas, no sentido de minimizar as interferências do sítio precedente, maior
será o aproveitamento urbano que se poderá realizar. Segundo Franco (2005, p. 54):
74
Durante a década de 1920, ocorreu um embate técnico na Escola Politécnica de
Engenharia da Universidade de São Paulo24, sobre concepção de critérios e parâmetros para
pautar o crescimento da cidade, portanto sua orientação para o futuro. Tal embate pode ser
observado a partir de abordagens distintas que foram propostas para as intervenções que
seriam realizadas nas várzeas do Tietê, e que tomou forma a partir de diferentes
proposições projetuais. Em 1925, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito, com a sua
metodologia sanitarista e reconhecida experiência com implantação de sistemas de
saneamento e drenagem, realizou o projeto básico para ocupação da várzea do Tietê, nos
trechos entre Osasco e Penha. Tal projeto teve como principal premissa a consideração pelas
áreas alagáveis do rio, prevendo seu transbordo e escoamento, bem como a factibilidade à
navegação e, ainda que não tenha sido executado, tornou-se uma referência conceitual de
drenagem não estrutural. Porém, é o Plano de Avenidas proposto pelo engenheiro Francisco
Prestes Maia em 1930 que paulatinamente passa a direcionar as obras de intervenção
urbana, uma vez que ele também foi prefeito de São Paulo, governando entre 1938 e 1945.
Este Plano teve por princípio um sistema radial de anéis concêntricos a partir do centro
histórico de São Paulo, onde a expansão do traçado viário ocorre em função do crescimento
urbano, ainda que, como afirma Franco, tal plano não fosse inédito, mas parte de um
processo em curso na cidade (2005, p. 150-151):
24
Conforme relata Alexandre Delijeakov no documentário Entre Rios, produzido em 2009, Direção de
Caio Ferraz, disponível em <https://vimeo.com/14770270>, acesso em 17 Junho 2014.
75
pela Societá Anonima Rivelamenti Aerofotogrametrici – SARA Brasil, empresa italiana com
sede em Roma, que venceu a licitação para execução do trabalho (MENDEZ, 2014). Tal
registro destacou-se, na época, como um marco da conquista aérea – com inovações no
campo da aerofotogrametria, caracterizando uma técnica precisa na demarcação de limites
que evidencia a justaposição entre relevo e sítio urbano, um objeto composto, no limiar da
transformação. Conforme afirma Ab’Saber (1957, P. 57-58):
76
Figura 2.8 – O Plano de Avenidas sobre o Mapa SARA Brasil
Fonte: elaborado pelo autor (ref. De Bem, 2009)
Uma parcela significativa das áreas do sítio urbano de São Paulo consiste de baixos
terraços fluviais dos vales do Tietê, Pinheiros e seus afluentes, como também das suas
planícies aluviais, ou seja, os fundos de vale e as várzeas. Esse duplo fator da expansão
urbana, pautada em um sistema viário de trânsito rápido traçado preferencialmente em
áreas de baixa declividade, configurar-se-á, a partir de 1930, como o modo predominante de
implantação de infraestruturas urbanas viárias da cidade, uma vez realizadas as obras das
marginais Pinheiros e Tietê. Sobre esse processo discorre Franco (2005, p. 62):
77
industriais. Na canalização do Pinheiros, obra originalmente motivada pelo
sistema de abastecimento de energia, foram criadas avenidas. Mas o
projeto também almejava construir uma alternativa para concorrer com o
monopólio da lucrativa ligação entre São Paulo e Santos realizada pela SPR.
As formas de circulação nunca estiveram restritas aos fluxos internos da
cidade, dizendo respeito, sobretudo, às ligações regionais e ao acesso ao
porto. As saídas e entradas de São Paulo, conforme visto anteriormente,
correspondem à configuração do sistema de vales, meios naturais de
escoamento da produção e contato com outras regiões. O nó articulador
dos caminhos estava relacionado ao tronco do sistema, ou seja, as
principais várzeas da bacia de São Paulo, do Tietê, Pinheiros e
Tamanduathey. A eleição dessa estrutura espacial para a localização dos
setores produtivos, em detrimento da constelação de colinas diversas pelo
restante da bacia, faz sentido. O resultado foi a transformação das várzeas
e dos terraços fluviais num espaço diferenciado pela elevada concentração
de sistemas técnicos e de investimentos.
78
No caso de São Paulo, o crescimento significativo da sua mancha urbana a partir da
segunda metade do século XX (Figura 2.9) está diretamente relacionado com esse modo
específico de fazer cidade, que se alheia e se sobrepõe ao sítio precedente em função de um
aumento dos fluxos de transporte propiciados por uma expansão do traçado viário. Como
consequência desse modo de crescimento, essa sobreposição desconsidera a própria
memória do sítio, justamente os atributos originais que orientaram e definiram o
estabelecimento dos núcleos urbanos originais.
25
Os dados de crescimento populacional são dos Censos Demográficos do IBGE. Disponível em
<http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/7_populacao_recenseada_1950_10552.html>. Acesso:
21 janeiro 2016. Para as quantidades de frotas de automóveis foram combinados os dados de Santos
e Silveira (2001, p. 176-177) e EMPLASA (2011).
79
macro à micro escala. Assim, se por um lado é possível afirmar que as obras pioneiras de
retificação do Rio Tamanduateí e do Córrego Anhangabaú representaram a possibilidade
técnica de transformação radical do sítio precedente, por outro lado é a partir das obras de
retificação do Rio Tietê e seu principal afluente, o Rio Pinheiros, que tal prática vai se impor
como uma constante na transformação da maioria dos fundos de vale do sítio urbano de São
Paulo.
26
O termo “intraurbano” refere-se à expressão utilizada pelo urbanista Flávio Vilaça no livro ”Espaço
Intraurbano no Brasil” (2001) para designar espaços internos à cidade, em contraste com o espaço
regional, que seria exterior à cidade, ainda que esta seja atravessada por seus diversos fluxos, por
exemplo, produção agrícola ou aproveitamento hidrelétrico.
80
sistema técnico ao território das várzeas, reforçou as vantagens de locação,
que desde muito cedo diferenciaram-nas como local privilegiado para os
mais distintos usos, inclusive para os setores habitacionais.
Passamos diretamente dos caminhos tropeiros para a era das rodovias, sem
aquela série intermediária importante, correspondente aos diversos tipos
de estradas carroçáveis, tão conhecidas na história dos transportes na
Europa Ocidental. Em outras palavras, tendo passado diretamente do ciclo
do muar para o ciclo do automóvel, sem transição normal do ciclo das
diligências, assistimos a uma interferência radical na estrutura dos
caminhos, fato que adquire maior contraste no interior da zona urbana
metropolitana das cidades de crescimento recente muito rápido. Daí
encontrarmos, em pleno interior da metrópole paulistana, herança dessa
excepcional interferência na estrutura dos caminhos e estradas.
O sistema sobre rodas foi muito conveniente no caso de São Paulo. O ritmo
acelerado de crescimento da cidade e as características do sítio, com
topografia acidentada, adequavam-se bem a um sistema de baixo grau de
restrição e alto índice de mobilidade. O transporte sobre rodas
proporcionou a ocupação de todos os tipos de áreas, tanto aquelas
altamente recortadas do ponto de vista topográfico quanto as longínquas e
rarefeitas, até então não atendidos pelo transporte ferroviário. Como
conseqüência, o sistema sobre rodas viabilizou um novo modelo, baseado
numa urbanização extensiva, descontínua e de baixa densidade.
2.2.3. As obras de fundo de vale nas sub-bacias do Rio Tietê: replicação de uma experiência
83
Neste contexto, foi implantado em 1987 o Programa de Canalização de Córregos,
Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale – PROCAV I27.
Ainda que não tenha evidenciado a bacia hidrográfica como uma unidade planejamento, tal
Programa pode ser considerado emblemático na consolidação das práticas de ocupação de
fundos de vale (Figura 2.12). Segundo Franco (2005, p. 156-157):
Esse diagrama estruturante do qual fala Franco, distinto dos anéis concêntricos do
Plano Prestes Maia, apresenta um desenho ramificado e capilar, similar à hidrografia do sitio
precedente. É um traçado de infraestrutura viária que se assemelha também a uma espinha
de peixe, analogia esta que guarda uma grande e perspicaz ironia histórica. A antiga vila de
São Paulo de Piratininga, “terra do peixe seco”, foi batizada assim devido aos peixes que
secavam ao sol depois de ficarem atolados, devido à vazante do Rio Tamanduateí. Porém, na
27
Decreto municipal nº 23.440, determinou a canalização de 27,9 km de nove córregos, 23,8 km de
avenidas, remoção de 1.590 famílias e 995 imóveis das áreas de intervenção (BROCANELI, p. 277).
84
atualidade, é o sistema viário que, em escala metropolitana, dá a forma dos fundos de vale e
comprime sua hidrografia em caixas de concreto estreitas e fundas. A terra do peixe seco,
que antes era uma abundância de rios, transformou-os em ruas, e o que era água fresca e
corrente virou secura de um asfalto árido.
Em 1994, foi definida uma segunda etapa para o Programa de obras de intervenção
nos fundos de vale, o PROCAV II28, que consolidou um modo de ocupação urbana a partir da
transformação dos cursos d’água, aumentando com isso a área útil da cidade, por meio da
expansão das infraestruturas viárias de transporte (Figura 2.13). Por um lado, a hidrografia
do sítio precedente foi convertida meramente em um sistema de drenagem, tendo sua área
de movimentação compactada a partir de obras de engenharia estrutural. Por outro lado, foi
preterida nessa escolha a alternativa por obras de drenagem não estrutural, que
propiciariam maiores taxas de permeabilidade do solo, prevendo áreas de alagamento para
as cheias sazonais dos rios e permitiriam o convívio entre cidade e rios.
28
35,4 km de canalização de córregos, 36,6 km de avenidas, construção de 8 reservatórios de
contenção de águas pluviais – popularmente conhecidos como “piscinões”, realocação de 4.500
famílias e desapropriação de cerca de 900 imóveis nas áreas de intervenção, bem como a
urbanização de 3 favelas e implantação de 29 praças públicas (BROCANELI, p. 279).
85
De modo geral, pode-se concluir que a expansão da mancha urbana da Região
Metropolitana de São Paulo se deu em proporção direta com a implantação de uma rede de
infraestruturas urbanas, sobretudo viárias, que encontraram nos fundos de vale da bacia do
Alto Tietê as melhores condições para sua multiplicação. Porém, essa ocupação extensiva do
sítio precedente desconsiderou os atributos originais da relação entre hidrografia e relevo,
por caracterizá-los apenas como obstáculos, e não mais elemento relevante de uma
justaposição minimamente integrada com o sítio precedente. Desse modo, a hidrografia foi
suprimida em prol das infraestruturas, e a originalidade do sítio urbano de São Paulo,
conforme relatada por Ab’Saber (1957), tornou-se oculta para a própria cidade.
86
3. MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO TIQUATIRA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
87
Este capítulo pretende abordar o desenvolvimento da microbacia do Córrego Tiquatira
inserida no sítio urbano do Município de São Paulo, mais especificamente na região das
Subprefeituras Penha e Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da cidade. Parte-se do seguinte
questionamento: como se dá, inicialmente, o processo histórico que permite identificar a
transformação de uma microbacia hidrográfica em um sítio urbano particular? Quais foram
as conjunturas determinantes que acabaram por gerar essa transformação? Por que a
formação deste sítio urbano apresenta uma condição específica e diferente de outras
localidades? Qual o papel das infraestruturas urbanas na transformação da microbacia? Em
seguida, será necessário considerar o processo de metropolização que englobou essa
localidade, a partir da segunda metade do século XX, e que modificou radicalmente a
constituição superficial do sítio precedente.
88
Atualmente, pode-se dizer que a microbacia urbana é entendida mais como uma
condicionante técnica do sítio do que lugar dotado de sentido histórico integral, devido à
ausência de estudos e de uma metodologia clara que revele tal sentido. Reside ai um desafio
aos estudos urbanos, marcadamente na cidade de São Paulo, dada a rica constituição do seu
sítio precedente. Portanto, definir um percurso histórico para a série de transformações
pelas quais passou a microbacia urbana do Tiquatira torna-se assim uma etapa decisiva para
entendimento do sentido desse lugar enquanto unidade territorial, mas também como
parcela de um sistema maior que o condiciona e configura.
89
espigões secundários, entre 750 e 795 metros e plataformas interfluviais, entre 800 e 820
metros (AB’SABER, 1957).
90
Figura 3.1 – Hidrografia do município de São Paulo
Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012
91
Figura 3.2 – Hipsometria do município de São Paulo
Fonte: Atlas Ambiental do município de São Paulo, 2000
92
Figura 3.3 – Bacias hidrográficas do município de São Paulo
Fonte: Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, 2012
93
Figura 3.4 – Inserção da microbacia Tiquatira na Zona Leste do Município de São Paulo
Fonte: elaborado pelo autor
30
Disponível em <http://blogofscience.blogspot.com.br/2011/01/hydra-bud.html>. Acesso: 24
janeiro 2016.
95
do Tiquatira, por suprimir quase que totalmente as faixas de margem de solo permeável,
paralelas ao rio. Nesse sentido, o que deveria ser uma continuação de um espaço verde e
uma área pública, conectando o rio Tietê aos distritos de Arthur-Alvim e Itaquera, torna-se
uma barreira, um bloqueio, descontinuidade e fissura.
Figura 3.7 – Parque Tiquatira e colinas: à esquerda Cangaíba, à direita, Penha, 2012
Foto: Fernando Mascaro
Figuras 3.8 e 3.9 – Viaduto Cangaíba e o Tiquatira canalizado - a colina da Penha e o viaduto, 1986
Acervo: Casa da Imagem
96
situações morfológicas. A hidrografia do Córrego Ponte Rasa, apesar de ter sido objeto de
algumas obras pontuais de infraestrutura, conserva ainda seu traçado natural e de pequenos
meandros, onde é possível observar áreas de margem abertas e com alguma vegetação, o
que torna oportuna a possibilidade para um futuro projeto urbano, com um tratamento
paisagístico na extensão de todo esse curso d’água. Uma intervenção que considere, com
relação aos cursos d’água, um modo de ocupação dos fundos de vale diferente do que se
estabeleceu até agora, donde as possibilidades de medidas de drenagem não estrutural, que
incluem a concepção toda uma rede de espaços públicos e valorização da hidrografia e do
relevo do sítio precedente não sejam preteridas em favor de obras de drenagem estrutural,
na qual o traçado urbano ocorre prioritariamente em função de um leito carroçável
destinado, predominantemente, aos automóveis.
97
informais como favelas e loteamentos ilegais. O termo encosta, na verdade,
refere-se a uma parcela específica da colina – a de suas laterais, não
contemplando nem a área do topo, nem a da base da colina, que são
precisamente os locais de maior interesse de estudo nas cidades de colina.
É no topo que se situa a “cidade alta”, a “acrópole”, o território que é, na
verdade, a parte mais relevante da ocupação urbana de Colina, onde se
construíam as igrejas, os edifícios públicos e as residências senhoriais.
Opondo-se assim à “cidade baixa”, em geral junto à orla ribeirinha – onde
ficava o porto, os estabelecimentos comerciais e as residências populares –
firmando a dualidade cidade alta/ cidade baixa como o principal paradigma
da urbanística portuguesa. [...] As encostas mereciam, portanto, um status
secundário neste processo, uma vez que eram efetivamente ocupadas num
momento posterior ao estabelecimento do núcleo urbano. [...] Razões de
segurança e de visão estratégica da engenharia militar portuguesa
recomendavam a escolha de sítios elevados para a fundação de urbes. As
encostas eram efetivamente ocupadas a partir do momento em que a urbe
ia se consolidando e as ligações viárias entre a parte alta e a baixa
impunham a construção de ladeiras. É por essas ladeiras, em geral
vencendo diagonalmente as curvas de nível, que pedestres, animais e
veículos de carga transitariam, favorecendo assim a implantação de
construções ao longo do trajeto e, desta maneira, induzindo a ocupação da
encosta.
98
bruta de violência e dominação a fim de conquistá-los e submetê-los a um regime de
escravização.
Duas questões centrais para o sucesso deste assentamento se combinaram para fazer
dessa colina – uma das quatro que compõem a bacia hidrográfica do Tiquatira, como o
entreposto fundamental para conquista das terras à leste do sítio histórico de São Paulo de
Piratininga. A primeira consistiu de uma necessidade não apenas de defesa local do
assentamento, mas, sobretudo, de suas cercanias, a começar por “Piratininga”, ou seja, a
área baixa das várzeas do rio Tamanduateí, e também mais além, nas planícies do Anhembi,
nome pelo qual era conhecido o Rio Tietê. A segunda questão, inversamente, diz respeito à
subida do rio, num movimento de avanço e ataque, no encalço e captura de índios, onde o
serpentado Rio Tietê, não caudaloso, mas navegável, possibilitou a entrada estratégica no
território. Conforme afirma Bontempi (1969, p. 15):
99
Lenda e História travam-se intimamente no mesmo fenômeno do
misticismo seiscentista, são as duas faces da mesma realidade etnográfica.
Contudo, Bontempi reitera que o nome da Santa de São Paulo resultou da paulatina
alteração do vocativo francês “Notre Dame de France” (1969, p.63). De todo modo, tal
evento passou a ser conhecido como invocação à Nossa Senhora Penha de França e, entre a
lenda e a história, o que se pode inferir dessa narrativa é a consolidação de um marco
religioso que teria por função institucionalizar uma das duas instâncias de poder31, segundo
as quais se organizou a progressiva ocupação desse território. Assim, pode-se dizer que a
origem jesuítica e bandeirante de muitas vilas e povoados teve esse duplo aspecto, de
principiar por um curral e uma ermida, onde o culto à Virgem ou Nossa Senhora congregava
o nome do conjunto de povoações fundadas nessa região.
Figura 3.10 – Freguesia da Penha, entre São Paulo e o aldeamento de São Miguel do Ururaí
Fonte: elaborado pelo auto (ref. Jesus, 2006, p. 30)
32
Altar, do latim autāre.
101
o sítio urbano da região da Penha que primeiro se assentou em uma das colinas da
microbacia do Tiquatira.
Entre os séculos XVII e XIX, a colina se tornaria caminho obrigatório para bandeirantes,
tropeiros e viajantes que se deslocavam entre São Paulo, Vale do Paraíba e Rio de Janeiro. A
colina da Penha (Figura 3.11), situada às margens do rio Tietê e cercada pelos ribeirões
Aricanduva, Guaiaúna e Tiquatira, seria “um pouso ameno e aprazível” (SANTARCANGELO,
2005), de onde se descortinava toda a Vila de São Paulo de Piratininga. A condição de lugar
de passagem transformaria a colina em pouso para os viajantes, com serviços de comércio e
aluguel de animais de carga e montaria, hospedagem, alimentação e fornecimento de
viveres.
Figura 3.11 – Vista da Colina da Penha com o rio Aricanduva em primeiro plano, 1817
Aquarela: Thomas Ender
102
O desenvolvimento dos núcleos originais da cidade de São Paulo – Penha, Freguesia do
Ó, Santana e Pinheiros, complementares e concomitantes ao centro histórico, teve por
aspecto comum este fator de atração propiciado pela disposição de um equipamento de
serviços diferenciado, ainda que fosse considerado modesto. Este processo é descrito por
Langenbuch (1971, p. 128):
Uma vez definida a vocação da área, em termos mais amplos, como
propícia à expansão urbana, caracterizaria os antigos povoados como
pontos mais convenientes do que áreas vizinhas, onde nada havia que
pudesse servir aos moradores iniciais. [...] Nas décadas seguintes tais
processos de polarização suburbana, em torno de povoados
aparentemente insignificantes, serão bastante comuns.
De todo modo, até meados do século XIX, a Penha era um bairro rural, um aglomerado
economicamente isolado da Vila de São Paulo33, de pequena população, com algumas casas
de taipa ao redor da capela, algumas vendas e serviços. E para além do pequeno núcleo
existiam lavouras e pastagens, onde se desenvolvia uma prática agropastoril de subsistência.
O excedente dessa produção era comercializado com o centro da Vila de São Paulo, à qual
chegava no lombo de mulas. Segundo Jesus (2006, p. 82):
33
Separados por uma distância de aproximadamente dez quilômetros, passando pelo vale do rio
Aricanduva, caminho do Tatuapé (atual Av. Celso Garcia), várzea do rio Tamanduateí e ladeira do
Carmo.
103
contexto, ao mesmo tempo vetor de crescimento urbano e industrial, e como estes
transformaram a região?
A partir do século XIX, toda a província de São Paulo, até então predominantemente
rural, será impactada por dois eventos determinantes, um político e um técnico. O primeiro,
em 1822, ocorre a mudança de regime do Brasil, e a vila colonial de São Paulo se torna
cidade imperial. Na transição para o Império, o centro de gravidade desse modo de
produção desloca-se, paulatinamente, para as cidades, que se tornam "um ambiente
incipiente conflitos e diferenciações, com novas subordinações" (FREIRE, 1936, p. 15).
Segundo, a inauguração da ferrovia estadual São Paulo Railway Company, 1867, frente
à expansão do ciclo econômico do café. A ferrovia, que ligava São Paulo ao interior da
província, também alcançava o porto de Santos, no litoral. Infraestrutura de caráter regional,
sua implantação foi impulsionada pelo sucesso da então economia cafeeira de exportação
no interior paulista, atividade essa que determinou as mudanças políticas na passagem do
Brasil colônia para o império, bem como a consolidação da conquista do planalto paulista
pela cultura da civilização ocidental:
Essa história começa com um silvo de trem. São Paulo estava deixando de
ser uma cidade de tropeiros. Agora, o café chegava a Santos mais
rapidamente. A viagem de fazenda para a capital é rápida e confortável.
Será possível, sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e,
por que não?, morar na capital (TOLEDO, 1981, p. 78).
Em 1875, foi inaugurado o trecho da ferrovia entre São Paulo e Mogi das Cruzes
(Figura 3.12), chamada na época de Estrada do Norte de São Paulo, que passou a servir
vários bairros à leste do centro, sendo um deles a Penha. Em 1890, por não apresentar
lucros significativos, a ferrovia foi resgatada pelo Governo Federal Provisório e incorporada à
Estrada de Ferro Central do Brasil. Conforme afirma Jesus (2006, p. 90-91):
105
Figura 3.13 – Palacete Rodovalho, igreja da Penha e a passarela de acesso ao ramal ferroviário, 1905
Acervo: Memorial Penha de França
107
particular, falta d´água, pequenas igrejas e população imigrante. Para Langenbuch (1971, p.
203):
A escolha desse modelo rodoviarista, junto com a expansão industrial, vai impactar
profundamente o conjunto da região da Penha, lançando as bases para a transformação do
território, antes predominantemente rural, em urbano e metropolitano. A ocupação das
colinas do Tiquatira, impulsionada pelos dois modais de transporte, trem e ônibus, e pela
progressiva implantação das infraestruturas ferroviárias e viárias, ocasionou uma dinâmica
imobiliária na qual várias chácaras que compunham o quadro rural da região passaram ora a
ser loteadas para habitação, ora convertidas em plantas industriais.
110
O desenvolvimento de atividades esportivas na Penha apresentou-se como
reflexo da modernização das práticas sociais presentes nos processos de
industrialização e urbanização da cidade de São Paulo. Acreditamos que tais
práticas ao mesmo tempo em que reforçavam as relações sociais da
localidade, também proporcionavam a desestruturação dos antigos valores
sociais estabelecidos ao longo de séculos. Assim como aconteceu com o
cinema, o esporte passou a inserir novos conteúdos na vida cotidiana da
localidade e mostrou-se eficiente na capacidade de centralizar práticas
sociais. [...] Na Penha dos anos de 1930, entre os esportes mais praticados
se destacavam o futebol varzeano, a natação, a molha, a bocha e o remo
(JESUS, 2006, p. 152).
111
Até a década de 1940, parte da atividade agrícola sobrevivia nas várzeas (Figuras 3.18),
onde o capital imobiliário ainda não via vantagens para investir (Tiquatira, baixo Aricanduva,
oeste da Estrada do Cangaíba, Vale do Guaiaúna e parte da planície da Av. Celso Garcia).
Havia ainda outras atividades econômicas consolidadas nas várzeas do Tietê, como portos de
extração de areia e cascalho, olarias, estaleiros para construção e manutenção de barcos
(Figura 3.19).
Figura 3.18 – Zona Agrícola do Vale do Tiquatira, cheia do Rio Tietê, 1941
Acervo: Memorial Penha de França
112
Entre as décadas de 1950 e 1980 a população da região da Penha (compreendendo
Arthur Alvim, Cangaíba, Penha e Vila Matilde) passaria de 105.000 para 475.000 habitantes
(JESUS, 2006). A intensa industrialização da cidade de São Paulo, as correntes migratórias e o
modelo urbanístico adotado por sucessivas administrações, intensificariam a dicotomia
centro-periferia, a ausência de infraestrutura e ocupação proletária e irregular.
Figura 3.19 – Atividades Econômicas nas várzeas do Tietê na região da Penha, 1941
Acervo: elaborado pelo autor (ref. documento Memorial Penha de França)
113
Durante esse período, a Penha viveria a consolidação decorrente das transformações
ocasionadas pela política rodoviarista do prefeito Francisco Prestes Maia. As avenidas de
ligação entre a Penha e o centro (Rangel Pestana e Celso Garcia) já enfrentavam grandes
congestionamentos. A solução adotada por Prestes Maia foi a criação de uma via axial que
cruzaria todo o eixo leste da cidade até o centro, a Radial Leste. As obras foram iniciadas em
1957, mas só em 1966 a Radial Leste34 alcançaria a região da Penha. Boa parte das áreas
utilizadas para a construção da avenida fazia parte da faixa patrimonial da Estrada de Ferro
Central do Brasil, o que facilitou sua construção. A implantação dessa via estimularia a
especulação imobiliária e a ocupação da região leste, que se tornaria a mais populosa da
cidade. Em 1957, com a retificação do rio Tietê, também seria concluída a Marginal Tietê35,
via expressa margeando o rio, que interligaria as regiões oeste, norte e leste da cidade.
Na década de 1970, segundo Jesus (2006), apenas 40% das ruas da região eram
asfaltadas, os sistemas de ensino, saúde e transporte eram precários e o saneamento básico
deficiente. As migrações e o loteamento de todos os terrenos disponíveis provocaram a
fixação da população pobre em favelas, sob viadutos, na beira de córregos, em áreas sujeitas
a erosão – ao longo do Córrego Tiquatira, trechos da Avenida Gabriela Mistral, sob o viaduto
Cangaíba, ao longo da avenida Assis Ribeiro e trechos da Av. Cangaíba (SANTARCANGELO,
2005). Com a extinção das chácaras, a criação de um centro de abastecimento de
hortifrutigranjeiros passou a ser uma reivindicação dos moradores, o que levou à criação do
Mercado Municipal da Penha, em 1970. Nesse ano, também foram inaugurados o Teatro
Martins Penna e o Centro Cultural da Penha, um dos equipamentos culturais ainda hoje
relevantes na região.
34
A Radial Leste é, depois da Marginal Tietê, o principal eixo viário de conexão entre a Zona Leste e a
Zona Central. No sentido oeste-leste, é composta pela Avenida Alcântara Machado, pela Rua Melo
Freire, pela Avenida Conde de Frontin, pela Avenida Antônio Estevão de Carvalho, pela Rua Dr. Luis
Aires, até chegar ao Terminal Corinthians Itaquera. Na sequência, continua como Avenida José
Pinheiro Borges, depois Rua Copenhague, quanto encontra a Estrada de Poá.
35
A Marginal Tietê é uma via expressa que conecta as Rodovias Presidente Castelo Branco,
Anhanguera e Bandeirantes, à oeste, e as Rodovias Presidente Dutra e Ayrton Senna da Silva à leste.
Além das pistas expressas centrais, a Marginal Tietê se conecta à várias avenidas paralelas à via
expressa, e é transposta por diversas pontes.
114
década de 1980, o bairro começou a se verticalizar, com o surgimento de muitos prédios
residenciais e comerciais, além de condomínios fechados. Na década de 1990, observa-se
uma mudança significativa na colina da Penha, fruto de um aumento dos índices de
ocupação do solo, com construções muito mais altas do que as tradicionais edificações de
um a dois pavimentos. O outeiro, antes marco indiscutível na topografia, começava a ser
escondido pelos prédios (Figura 3.20).
36
Disponível em <http://www.ocaodeguardanoticias.com.br/2014/03/historia-de-sao-paulo-bairro-
da-penha.html>. Acesso: 26 novembro 2015.
115
transformações na microbacia do Tiquatira a partir dessa intervenção e das situações que
derivaram desta, assim como os impactos e conflitos que foram ocasionados nessa porção
de território.
116
de análise e intervenção, sendo que os córregos que constituem suas duas nascentes –
Franquinho e Ponte Rasa, não foram objeto de nota.
Essa dicotomia entre as três áreas da microbacia perdura até a atualidade, uma vez
que esse primeiro conjunto de intervenções veio a se configurar como exemplo notório em
termos de articulação entre obras de infraestrutura e as chamadas Áreas de Proteção
Permanente37. Este parâmetro definiu que áreas de mananciais e compartimentos
específicos de coberturas vegetais deveriam ser objeto de preservação e restritivas com
relação à ocupação urbana, entre elas as orlas ribeirinhas, que deveriam ter uma faixa
mínima não edificada e predominantemente permeável entre 15 e 40 metros para cada lado
eixo principal do rio, ou seja, a linha de talvegue. Desse modo, a intervenção do Tiquatira
resguardou um mínimo de proporção entre leito viário, uma média de 50 metros de espaços
públicos e áreas de drenagem, no conjunto da ocupação desse fundo de vale. Segundo o
projeto piloto, tais ações seriam factíveis de implantação em outras áreas similares:
Atualmente, existe uma concordância quanto à defasagem que havia entre a legislação
proposta para as áreas de preservação e a realidade: na década de 1980, uma parcela
considerável das margens dos cursos d’água já se encontrava ocupada por assentamentos
precários, habitados por populações de baixa ou nenhuma renda. Em 1984, só na microbacia
do Tiquatira, nove áreas foram mapeadas como sendo favelas ou invasões:
Desse modo, é possível perceber que o que estava implícito no modus operandi do
projeto piloto Tiquatira era um melhor aproveitamento e otimização da área do fundo de
vale da sub-bacia, definida a partir de quatro demandas: 1) saneamento do Córrego
37
Marco regulatório instituído, primeiramente, a partir da Lei Federal 4.771/ 1965, o então Código
Florestal.
117
Tiquatira, com a instalação de coletores troncos de esgoto em função da sua
compartimentação e retificação; 2) melhor controle da drenagem dos períodos de cheia,
devido à precipitação de águas pluviais; 3) a remoção de parte da população assentada nas
planícies aluviais, definidas como áreas de risco por conta das cheias do rio; 4) implantação
de leito carroçável, ligando uma via estrutural da metrópole, a marginal Tietê, com outra
importante via de ligação regional, a Avenida São Miguel, antigo caminho dos tropeiros. É
nesse contexto que se dá uma das apresentações públicas do projeto, conforme afirma
Marques (1988, p. 10-11):
38
Atividade realizada pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas: Design, Arquitetura, Planejamento e
Paisagem.
39
Vale ressaltar que a canalização da foz do Tiquatira, no trecho de encontro com o Rio Tietê até a
altura da Avenida Gabriela Mistral, que implicou também na obra do antigo Viaduto General Milton
Tavares de Souza, hoje Ponte Domingos Franciulli Netto, bem como o Viaduto Cangaíba, constituíram
um conjunto de obras preliminares, uma vez que o Viaduto Cangaíba foi construído em 1981 e o
então Viaduto Domingos já se encontra em obras em 1984.
118
atualidade, não se encontra exemplo similar de tal prática no tratamento dos fundos de vale,
tanto no município de São Paulo como noutros da metrópole, pois nenhuma intervenção se
igualou a essa em extensão linear.
40
Ironicamente, a iniciativa para o plantio e manutenção das 17.685 árvores, que hoje compõem a
flora do parque, não partiram de iniciativa do poder público, mas privado. Disponível em <
https://queminova.catracalivre.com.br/inspira/empresario-planta-17-685-arvores-e-cria-1o-parque-
linear-da-cidade/>. Acesso 14 dezembro 2015.
119
Figura 3.21 – Projeto de urbanização do fundo de vale do Córrego Tiquatira
Fonte: Tiquatira Sempla, 1984
120
Figura 3.22 – Parque Tiquatira e Avenida Governador Carvalho Pinto, 2015
Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
O uso dos espaços públicos residuais deixados pelos projetos viários, principalmente
as cabeceiras de pontes, não é incomum na paisagem urbana das metrópoles brasileiras. Do
Viaduto Cangaíba até a foz do Córrego Tiquatira no encontro com o Rio Tietê, as oito
situações de assentamento precário constituem uma visão cotidiana e mesmo banal (Figura
3.23). Por tratar-se de trecho em desnível pronunciado, o viaduto, que vence o vale do
Córrego Tiquatira, também deixou grandes espaços residuais em sua parte inferior.
Construído pela Prefeitura de São Paulo a partir de projeto de 1977, teve suas obras
concluídas em 1980 (Figura 3.24). Note-se que as favelas que se localizam em seus baixios e
suas áreas laterais, conhecidas pelos nomes de Bueru, Jaú e Jahú-Cangaíba (Figura 3.23,
respectivamente áreas 1, 2 e 4), consolidam-se nos dois anos posteriores à conclusão das
obras, em 1982 41. A relação física entre favela e viaduto é de sobreposição: infraestrutura
ora é teto, ora parede, ora chão, ora toda “casa” ou, simplesmente, “abrigo” (Figura 3.25).
41
Atualmente o conjunto consiste nas áreas 1 a 5 com cerca de 1.285 domicílios e ocupa uma área
de cerca de 40.000 m².
121
Figura 3.23 – Oito situações de assentamentos precários entre o Viaduto Cangaíba e a foz do Tiquatira42
Fonte: elaborado pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas, 2015
Situação similar é a da gleba Kampala (Figura 3.23, área 8), que se localiza no encontro
da linha ferroviária da CPTM com os viadutos Domingos Franciulli Netto e General Milton
Taveira de Souza, ocupada de modo intermitente por favelas desde 2008. A área pertence à
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – CDHU, e abrigou parte da Favela
Tiquatira entre 2008 e 2010 (Figura 3.26). Essa favela ocupava, além de uma faixa da gleba
Kampala, também a margem do Córrego Tiquatira, até o Rio Tietê, bem como uma área
adjacente ao norte43. De modo geral, a situação do conjunto de assentamentos precários na
foz do Tiquatira é uma justa expressão do enorme déficit habitacional que atinge o
município de São Paulo e o Brasil44.
42
A Favela a Bueru (área 1), data de 1982 e tem aproximadamente 700 domicílios; a Jaú (área 2), de
1987, possui 300 domicílios registrados; a Jahú-Cangaíba (área 4), também de 1987, 150; a Paratigi,
data de 1975 e tem 40 domicílios (área 6); Gabriela Mistral data de 1989 e hoje tem cerca de 170
domicílios (área 7). Demais áreas constam no corpo do texto. As oito áreas totalizam então 1360
domicílios instalados. Dados obtidos pelo grupo de pesquisa Questões Urbanas na Secretaria de
Habitação do Município de São Paulo – SEHAB, 2015.
43
Em abril de 2010, a CDHU identificou 506 edificações e cadastrou 528 famílias que, durante os
meses de maio a dezembro desse ano, foram removidas. Atualmente 487 delas recebem auxílio
moradia (aluguel social), enquanto aguardam o atendimento habitacional definitivo na própria área.
No entanto, em maio de 2014, a área volta a ser ocupada e hoje cerca de 600 (outras) famílias
moram no local. A nova favela chama-se Kampala – também conhecida como “Amassa-sapo” e
ocupa a totalidade da gleba pertencente à CDHU, que solicitou reintegração de posse e aguarda a
respectiva decisão judicial.
44
O déficit habitacional do município de São Paulo é de cerca de 600 mil unidades, e o da Região
Metropolitana por volta de 800 mil unidades, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Disponível
em: <http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/docman/cei/deficit-habitacional/216-deficit-habitacional-
municipal-no-brasil-2010/file>. Acesso: 24 janeiro 2016.
122
Figura 3.24 – Viaduto Cangaíba, 1986
Fonte: Acervo Museu da Cidade de São Paulo, foto de Israel dos Santos Marques
123
Figura 3.26 – Vista da extinta Favela Tiquatira, 2010
Fonte: CDHU
Este córrego pode ser definido como o “Tiquatira preterido”, em contraste ao Tiquatira
oficial, uma vez que, tendo sido objeto de projeto equivalente no que diz respeito ao
tratamento de fundo de vale, pode se considerar que foi obra entregue à cidade de forma
deficitária. As chamadas faixas exclusivas de preservação permanente junto à orla do rio
foram desconsideradas, sendo que em alguns setores a infraestrutura viária corre junto à
seção de concreto, sendo suprimida do leito carroçável até mesmo a calçada (Figura 3.27).
124
Figura 3.27 - Avenida Calim Eid e Córrego do Franquinho
Fonte: Google Street View
O Córrego Ponte Rasa, desde sua nascente, paralelo à Avenida Águia de Haia, segue
por entre fundos de lote e frentes de rua, cruza a Avenida São Miguel na metade do seu
traçado, e apresenta um desnível de 4 a 5 metros na sua foz de encontro com o Tiquatira.
Ainda que boa parte do seu traçado guarde as linhas originais do sítio precedente, várias
obras pontuais de infraestrutura foram realizadas em diversos dos seus trechos. Porém não
configuram monta frente ao desenho descontínuo e fragmentado que define esse curso
d’água como um todo. Atualmente, pode-se afirmar que o tratamento dado a esse curso
d’água e suas áreas de margem é de descaso, indiferença e banalização (Figuras 3.28 e 3.29).
125
Figura 3.29 - Avenida Pedra Preta e Córrego Ponte Rasa, 2015
Fonte: grupo de pesquisa Questões Urbanas
Quadro 3.2 – Obras de infraestrutura nos principais cursos d’água da microbacia do Tiquatira
Fonte: elaborado pelo autor
127
4. MICROBACIA URBANA DO TIQUATIRA: EVIDENCIANDO CONFLITOS
128
Este capítulo discute a interface da microbacia hidrográfica do Córrego Tiquatira
convertida em sítio urbano, analisa quais são os conflitos resultantes dessa transformação, e
como o conjunto desses conflitos se expressa como condição urbana da microbacia. Se em
1930 essa área era basicamente um núcleo rural, em 2015 encontra-se inserida numa
complexa rede de infraestruturas metropolitanas. Antes, o que havia era uma convivência
entre sítio precedente e os compartimentos urbanos circundantes, e o atributo intrínseco
dos fundos de vale, bem como dos anfiteatros de nascentes, era sua destinação exclusiva
aos cursos d’água que neles residiam. Porém, atualmente, grande parte dos rios foi relegada
à invisibilidade, e no seu lugar o que se avista são ruas, avenidas e viadutos, implicando uma
descaracterização completa do sítio precedente.
Todavia, ainda que invisível, a questão da memória do sítio, no caso da cidade de São
Paulo, ou seja, a história do assentamento urbano sobre a bacia hidrográfica do sítio
precedente, se revela oportuna e problemática. Oportuna, pois o sítio de São Paulo, mar de
morros, como definiu Ab’Saber (1957) apresenta uma rica constituição hidrográfica e de
relevo, fruto de um processo geológico longínquo e ancestral. Problemática, devido a um
fator de ocupação urbana, ao mesmo tempo acelerado e desenfreado, que consistiu de um
aproveitamento máximo da capacidade de suporte desse mesmo sítio, aumentando a área
útil do solo urbano e modificando radicalmente sua constituição original. É nesse contexto
129
que se dará a análise da microbacia do Tiquatira em função do tecido urbano da região da
Penha.
131
projetual. Todo modo, implica um processo de fragmentação do território e mesmo uma
irredutível complexidade. A estes últimos dois termos cabe, porém, certo cuidado. Para
Indovina (2004, p. 20):
É o espaço público, portanto, que estrutura o tecido urbano e conecta suas várias
parcelas, decompondo-se em espaços de circulação e permanência, definidos pelos
diferentes tipos de traçado de infraestruturas e parcelário decorrente. No tecido urbano,
essa categoria de espaço pode ser decomposta, basicamente, entre leito carroçável,
calçamento e o conjunto de parcelas destinadas à ocupação pública, como praças e parques.
Na interface entre esses dois componentes é possível perceber uma espécie de espaço
intermediário, que permite uma observação pormenorizada dos conflitos existentes entre o
132
sítio precedente e os pequenos estratos de tecido local, e entre esse tecidos locais e a rede
de infraestruturas metropolitanas.
Uma rua ou uma praça, ainda que numa abordagem analítica possam
constituir um espaço uno e coerente, só podem ser verdadeiramente
entendidos enquanto espaços dependentes do edificado que o define. Na
mesma ordem das idéias, um quarteirão, como espaço de agregação de
espaços privados, livres e construídos, também só pode ser
verdadeiramente entendido a partir dos limites rigorosos impostos pelo
espaço público, quaisquer que sejam os elementos urbanos que o
configurem.
133
A análise do sítio geográfico precedente também se demonstra fundamental para a
questão da temporalidade do tecido urbano, uma vez que condiciona as escolhas de
assentamento e determina, doravante, sua posterior transformação. A década de 1930, seja
para a região da Penha seja para o conjunto da metrópole de São Paulo, apresenta-se como
emblemática frente às escolhas de expansão urbana e desenvolvimento metropolitano,
onde o modelo rodoviarista e o axioma da indústria automobilística se impuseram como
parâmetros definitivos e correspondem à atual estruturação do traçado urbano.
134
terão suas características e aspecto precedentes radicalmente modificados. Demonstrar essa
dualidade, e ao mesmo tempo, dicotomia, é o objetivo da análise que se segue.
135
A hidrografia e as infraestruturas viárias foram escolhidas como as principais
categorias de análise, por se mostrarem as mais expressivas e corriqueiras na configuração
do tecido, seguindo-se à rede de suprimento elétrico e ferroviária. Neste estudo, outras
infraestruturas que ocorrem articuladas às mencionadas, como as de esgoto, saneamento
básico e abastecimento de água, não foram consideradas. Essa limitação, todavia, não
impede nem inviabiliza o processo metodológico. Antes, podem ser incorporadas a este em
um momento futuro.
45
Foram utilizadas as cópias em arquivo digital da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
46
Disponível em <http://downloadfolhasscm.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/index.aspx>.
Acesso em 26 setembro 2015.
47
No caso o papel A4 (21 x 29, 7 cm).
136
cuidadoso e de meticulosa atenção. Ainda, deve-se frisar o processo de
georreferenciamento48 de ambas as cartografias, guardadas as diferenças técnicas entre
épocas, a fim de destacar um rigor de representação e verossimilhança almejado neste
estudo.
48
Georreferenciamento ou georreferenciação de uma imagem ou um mapa ou qualquer outra forma
de informação geográfica é tornar suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência.
49
Ambas as imagens, matricial e vetorial, fazem parte da Informática e dependem de programas de
computadores para sua manipulação. A imagem matricial, do inglês raster, é a representação em
duas dimensões de uma imagem a partir um conjunto finito de pontos definidos por valores
numéricos, formando uma matriz matemática ou malha de pontos, onde cada ponto é um pixel. Já
a imagem vetorial consiste de entidades de desenho como retas, pontos, curvas polígonos simples,
etc. É possível mudar as dimensões de uma imagem vetorial sem perda de qualidade, já a definição
de uma imagem raster é comprometida com a ampliação.
137
Já o procedimento de adição, utilizado para a produção da cartografia de 2015, foi
realizado considerando as mesmas premissas de sobreposição entre imagens vetoriais e
matriciais. Porém, inversamente, a necessidade desse procedimento se dá pela constatação
de insuficiência e desatualização da cartografia-referência de 2015, uma vez que observou-
se a ausência ou supressão de várias informações relevantes para a análise da interface
entre infraestruturas e hidrografia. Foi utilizado o recurso de fotos aéreas do Google Earth,
no caso imagem matriciais, para desenhar os elementos ausentes em imagem vetorial
(Figura 4.2).
50
Na definição da engenharia de tráfego: Código de Trânsito Brasileiro de 1997.
138
quanto cumeeiras de colina e com alta concentração de atividades de comércio e serviços, e
também as vias de fundo de vale. Além disso, algumas vias intermediárias, de encosta de
colina, que apresentam um caráter estratégico de distribuição dos fluxos e ligação com os
eixos principais, também foram elencadas. Tais vias se revelaram como elementos de
urdidura da rede de infraestruturas metropolitanas, tais vias vencem as declividades das
encostas, atravessam as colinas e, consequentemente, a microbacia hidrográfica.
Nas Lâminas 4 e 5 (Figuras 4.6 e 4.7), foi realizado outro duplo procedimento.
Primeiro, um “negativo” ou “raio-x”, tanto da hidrografia em 1930, quanto das
infraestruturas de caráter metropolitano em 2015. Segundo, uma marcação ou tabulação,
no sentido de evidenciar uma série de situações para análise. Na Lâmina 4, foram definidas
como objeto de análise todas as nascentes dos córregos Tiquatira (numeradas com a letra T),
Franquinho (letra F) e Ponte Rasa (letra P). Na Lâmina 5, foram escolhidos diversos
segmentos da rede de infraestruturas metropolitanas e sua interface com a microbacia
hidrográfica. Na Lâmina 6 (Figura 4.8), uma foto aérea de satélite, imagem - matricial -
genérica mancha urbana, sintetiza o estrato do tecido urbano escolhido para análise. Assim,
a série de lâminas ou bases cartográficas produzidas derivam do conjunto de procedimentos
utilizados (Quadro 4.2), sendo que os procedimentos de abordagem problemática serão
expostos no item seguinte.
139
Figura 4.3 – LÂMINA 1: HIPSOMETRIA, HIDROGRAFIA E MICROBACIA DO CÓRREGO TIQUATIRA, 1930
Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 51
51
Folhas 27-28, 28-29-30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
140
Figura 4.4 – LÂMINA 2: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 1930
Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 52
52
Folhas 27-28, 28-29-30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
141
Figura 4.5 – LÂMINA 3: TRAÇADO URBANO E INFRAESTRUTURAS, 2015
Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 53
53
Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111, 142, 143, 146.
142
Figura 4.6 – LÂMINA 4: IDENTIFICAÇÃO DE NASCENTES - HIDROGRAFIA, 1930
Fonte: elaborado pelo autor a partir dos mapas SARA Brasil 54
54
Folhas 27-28, 28-29-30, 39, 40, 41, 42, 53, 54, 55 e 56.
143
Figura 4.7 – LÂMINA 5: INFRAESTRUTURAS METROPOLITANAS - CONFLITOS, 2015
Fonte: elaborado pelo autor a partir do Mapa Digital da Cidade 55
55
Folhas 57, 58, 59, 60, 61, 62, 110, 111, 142, 143, 146.
144
Figura 4.8 – LÂMINA 6: FOTO AÉREA - REPRESENTAÇÃO DO TECIDO URBANO, 2015
Fonte: Google Earth
145
Quadro 4.2 – Procedimentos de análise
Fonte: elaborado pelo autor
A escolha de cores distintas para representação do rio Tietê e dos seus demais
afluentes, na cartografia de 1930, buscou destacar a riqueza natural do sítio precedente ou
original em função da hidrografia. O rio Tietê, representado em tonalidade mais escura de
azul, difere e se destaca dos seus afluentes, a fim de evidenciar a riqueza do desenho
serpentado, caráter comum de um traçado de meandros relativo a todos esses rios. Tal
desenho reverbera como uma condição natural, no sentido de ancestral, tanto do rio Tietê
dos seus afluentes quanto do relevo como um todo, os fundos de vale do “mar de colinas”
descrito por Aziz Ab’Saber.
146
4.3. IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS DA MICROBACIA
147
valiosas para identificar a provável localização de maior parte dos córregos ocultos na
atualidade (Figura 4.9).
148
conjunto coeso de colinas e rios, foi transformado e tornou-se invisível em função de um
aproveitamento máximo do solo urbano, caracterizado por uma rede de infraestruturas
metropolitanas.
149
Quadro 4.3 – Conflitos entre bacia hidrográfica e infraestruturas
Fonte: elaborado pelo autor
Esses conflitos ocasionados pela prioridade regional implicam que as vias públicas,
ruas e avenidas, se apresentem como deficitárias na sua interface com os tecidos locais, no
sentido de não se realizarem as potencialidades de espaços intermediários - intersticiais
entre os espaços de fluxo, representados pelo traçado urbano público, e os espaços de
permanência, definidos pelo parcelário, ora público ora privado. Este espaço intersticial seria
aquele que permitiria pequenos momentos de permanência em meio ao espaço de fluxos,
propiciados por projetos urbanos a nível local, que incluíssem um mínimo de elementos de
memória do sítio precedente, bem como mobiliário urbano adequado e vegetação.
Outro aspecto relevante quanto a esse desenho urbano deficitário, que não teve por
parâmetro projetos de escala local, pode ser observado na proporção em que se distribuem
as faixas de leito carroçável, para pedestres, ciclistas, automóveis, hidrografia e vegetação.
Nessas situações, o caráter predominante que se manifesta é a prioridade para os
automóveis, subordinando os outros agentes de fluxo a espaços que poderiam ser definidos
como residuais.
150
problemáticas e conflituosas, onde tanto o seu caráter atual quanto as características que o
precederam não são evidentes, tendo sido mesmo, em muitos casos, suplantadas em prol de
uma utilização extensiva do leito carroçável e da sua multiplicação e ramificação como um
todo.
As torres de alta tensão demandam grandes áreas para sua instalação, que a princípio
não deveriam ser ocupadas devido ao raio de interferência das ondas eletromagnéticas,
potencialmente perigosas à saúde humana, de modo que se definiram faixas de servidão
exclusiva. Porém, a realidade não reflete a aplicação desse limite, pois essas faixas quase
nunca são respeitadas e as áreas do entorno das torres são geralmente ocupadas. Isso se
deve também ao fato de as linhas não acompanharem um eixo viário que as estruture, e
assim as áreas para instalação das torres tem diversas configurações: fundos de lote,
canteiros de avenidas e terrenos murados (Figuras 4.10 e 4.11).
56
De responsabilidade compartilhada entre governo do Estado e Prefeitura municipal.
151
Figura 4.10 – Faixas de alta tensão atravessando a Avenida Cangaíba, 2011
Fonte: Google Street View
Figura 4.11 – Faixas de alta tensão margeando a Rua Rocha Fraga, 2010
Fonte: Google Street View
Essa rede específica é dotada de uma grande potencialidade: não só possibilitaria uma
nova camada de conexão na rede de infraestruturas metropolitanas, mas também faria uma
costura urbana dos equipamentos ao longo do território e dos pequenos vazios
subutilizados, reduzindo a carência de espaços públicos, chamados aqui de intermediários
intersticiais. Porém, inversamente, o que se observa na atualidade é a abundância de
espaços intermediários residuais, conforme será confirmado nos resultados da análise.
Considerando que tal rede se acopla ao relevo de modo muito distinto e diverso das
infraestruturas viárias – que impactam diretamente a superfície do relevo e da hidrografia,
optou-se por não realizar estudo pormenorizado dos seus pontos de conflito, não por serem
muitos, mas por apresentarem uma configuração mais simples, no contexto das
152
problemáticas da bacia. Existe uma dicotomia entre teoria e prática muito visível no uso que
se dá entre tecido local e infraestrutura metropolitana e regional, uma vez que, no caso das
faixas exclusivas de suprimento elétrico a prática não segue a regra.
Sob outra ótica, reitera-se que essa rede de suprimento elétrico possui um potencial
ainda mal observado e aceito, por parte das administrações públicas, mas no qual, talvez,
resida a capacidade de pensar alternativas viáveis para um aumento significativo dos
espaços intermediários intersticiais, factíveis de transformar, ainda que sutilmente, o quadro
duro e árido que tanto se observa na analise da hidrografia quanto das infraestruturas
urbanas.
153
4.4. DISCUSSÃO DOS CONFLITOS
As situações ordinárias de conflitos (6, 7, 11, 13, 14, 19, 20, 22, 24, 26, 29, 33, 34, 35,
36, 38, 39, 46) são aquelas relativas às vias que desempenham função direta na rede de
infraestruturas metropolitanas, mas são de constituição mais simples, o que caracteriza uma
maior inserção no tecido local. Porém, tais vias estão submetidas à prioridade regional de
um volume de fluxo metropolitano de automóveis, explorando ao máximo a capacidade de
suporte do tecido local. Para pedestres, essas vias atuam como lugares que poderiam ser
definidos como áridos, inóspitos ou pouco convidativos, tanto para o deslocamento quanto
para a permanência. Situações ordinárias de conflito operam, portanto, um comportamento
de ruptura, cisão, barreira ou limiar para os pedestres em escala local, em prol do
deslocamento de automóveis em escala metropolitana.
As infraestruturas de fundo de vale, mesmo aquelas que poderiam ser definidas como
ordinárias, também foram consideradas constituintes de situações complexas, devido ao
caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário nos fundos de vale (23, 25, 28, 37, 43 e
45). Esse tipo de situação ocorre tanto dentro como fora da microbacia, e reitera o padrão e
o destino comum dessas áreas quando das intervenções de que foram objeto.
A Avenida Governador Carvalho Pinto e o Parque Tiquatira (21), bem como a Estrada
de Mogi das Cruzes (27) e a Ladeira da Penha (21), foram consideradas infraestruturas
metropolitanas que apresentam na sua configuração uma consideração local por razões
diversas. Como já foi dito, o Parque Tiquatira é uma notável exceção à prática que se
estabeleceu nas obras de fundo de vale, sendo mais um elemento integrador entre as
colinas da Penha e Cangaíba do que um elemento de divisão. Seu caráter compartilhado
conjuga as diferenças que existem em ambas as colinas, e também realiza uma integração
com os diversos tecidos locais. A Estrada de Mogi das Cruzes, ainda que numa escala
transversal menor, possui um canteiro central arborizado e com pista de pedestres,
caracterizando-se com um boulevard que oferece uma alternativa a mais para o pedestre,
em termos de deslocamento e lazer. Finalmente, a Ladeira da Penha, devido ao seu caráter
histórico, ao seu acentuado declive, e também pela presença de edifícios habitacionais com
comércios no rés-do-chão, apresenta uma consideração local que poderia ser definida como
de resiliência da memória, ainda que esteja submetida de maneira saturada aos fluxos
metropolitanos que a atravessam.
O caráter básico das situações de conflitos entre tecidos locais e a hidrografia do sítio
precedente, por sua vez, consiste dos vários modos que se ocultaram as nascentes da
microbacia, na qual os anfiteatros foram quase que completamente loteados e ocupados.
Em alguns casos, subsistem mesmo assentamentos precários nas orlas e sobre as nascentes
(P01 e P09). Uma vez que o modo de intervenção que configurou os tecidos locais foi
baseado no critério de ocultar as nascentes como que a todo custo, reduzindo ao máximo
sua interferência em prol do aumento de solo urbano útil, pode-se afirmar que nascentes
que subsistem ainda a céu aberto constituem casos de exceção (P01 e P11). Assim, na maior
parte das situações de conflitos, ocorre como que um esquecimento que torna a cidade
alheia à sua própria memória.
156
Os resultados da análise sintetizam o método utilizado, fruto dos procedimentos
elencados nas matrizes analíticas, que buscaram evidenciar os conflitos e particularidades de
cada uma das situações. Com relação à problemática sintetizada na matriz analítica da
hidrografia das nascentes (Quadro 4.4), os dados mais significativos demonstram duas
constantes, que permitem indicar uma caracterização geral. Quanto à inserção no traçado,
40,00% são frente de rua ou viela, e 37,14% realizam percursos fragmentados entre fundos
de lote, frente de rua ou viela e becos. Quanto à situação desses cursos d’água, 68,57% são
nascentes tamponadas, ou seja, praticamente 3/4 do total (Tabela 4.1). Tais valores indicam
objetivamente a supressão da hidrografia enquanto elemento determinante do tecido,
conforme se pôde observar nas comparações entre as Lâminas 2, 3, 4 e 5.
De modo geral, foi possível observar como a implantação progressiva de uma rede de
infraestruturas foi vencendo, periodicamente, muitos dos obstáculos que caracterizam
atributos originais do sítio precedente e, de um modo peculiar, realizou toda potencialidade
desse sítio, no sentido de torná-lo integralmente útil (MELLO, 2005, SANTOS, 2014).
Doravante, essa realização implica toda uma problemática – das prioridades eleitas quando
da conversão da bacia hidrográfica em sítio urbano, e quais suas consequências ou efeitos
na articulação entre este e os tecidos locais, numa escala menor, e entre os tecidos locais e a
rede de infraestruturas metropolitanas, numa escala maior.
157
Quadro 4.4a – Matriz analítica da Hidrografia - inserção e situação das nascentes
Fonte: elaborado pelo autor
158
Quadro 4.4b – Matriz analítica da Hidrografia - inserção e situação das nascentes
Fonte: elaborado pelo autor
159
Quadro 4.5a – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas
Fonte: elaborado pelo autor
160
Quadro 4.5b – Matriz analítica da rede de infraestruturas metropolitanas
Fonte: elaborado pelo autor
161
Tabela 4.1 – Hidrografia – quantidades e porcentagens totais
Fonte: elaborado pelo autor
162
Figura 4.12 – Tábua com as 35 situações de conflito entre nascentes e tecidos locais
Fonte: elaborada pelo autor
163
Figura 4.13 – Tábua com as 49 situações de conflito na rede de infraestruturas metropolitanas
Fonte: elaborada pelo autor
164
Observando a tábua de desenhos com o conjunto das 49 situações de conflito na rede
de infraestruturas metropolitanas e as 35 situações de conflito nas nascentes da microbacia
(Figuras 4.12 e 4.13), fica muito clara a discrepância de proporção entre o elemento
humano, a hidrografia e as máquinas automobilísticas na totalidade do traçado urbano. Esse
exercício de observação a partir dos desenhos dessas “caixas de rua” revelou, ainda que de
modo esquemático, as características dessa interface entre o leito carroçável, calçamento e
o parcelário, que constituem o espaço público do traçado urbano. São seções de desenho
verticais complementares ao desenho do traçado, horizontal e visto de cima.
Todo modo, o desenho foi o principal método utilizado nessa pesquisa, tanto para a
observação da originalidade do sítio urbano da microbacia do Tiquatira quanto para a
análise dos conflitos entre hidrografia e infraestruturas urbanas. Ou seja, as principais
questões e inquietações da pesquisa foram equacionadas a partir do desenho, ao mesmo
tempo registro e memória.
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
167
Conforme foi exposto neste estudo, o sítio urbano e a bacia hidrográfica sobrepõem-se
como diferentes camadas de um mesmo território. A cidade se consolida a partir dessa
relação de assentamento sobre o relevo e a hidrografia e, ainda que seja condicionada por
estes, acaba por transformá-los. Na região metropolitana de São Paulo, essa transformação
se deu em função da apropriação de grande parte dos fundos de vale a fim de transformá-
los em eixos viários. Nesse processo, tais compartimentos de relevo, delineados por cursos
d’água, foram encarados basicamente como obstáculos que, uma vez superados,
propiciaram um maior aproveitamento do solo urbano, bem como da sua capacidade de
suporte, proporcional à implantação de novas infraestruturas.
168
Na escala metropolitana, a rede de infraestruturas que configura o sítio urbano se
conjuga e sobrepõe à bacia hidrográfica quando do seu traçado, e foi impulsionada por uma
prerrogativa de utilização máxima do solo e de expansão de um sistema de transportes que
priorizou o automóvel individual, em detrimento dos modais de transporte coletivo. O
aproveitamento das áreas de várzea incluiu sobrepujar os limites da hidrografia precedente,
deformando completamente a sua forma original, com a retificação dos meandros, fruto de
um processo geomorfológico de longa data. No lugar, instalou-se um amálgama técnico que
não deixou margens para o caráter perene e ancestral dos cursos d’água, mas, antes,
potencializou ao máximo uma retícula mais ou menos cartesiana, orientada por um traçado
viário que prioriza o deslocamento automobilístico em detrimento do deslocamento de
pedestres e da permanência das pessoas no espaço público.
Outra questão relevante consiste nas diferenças metodológicas que foram observadas
quanto a definição das nascentes, referentes às bases cartográficas que foram expostas
neste estudo. Ficaram evidentes os contrastes quanto às informações contidas no Mapa
Digital da Cidade - MDC, o Mapa Hidrográfico do Município de São Paulo, contido no Plano
Municipal de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo - PMGSAP-SP (capítulo 3 -
Figuras 3.1, 3.3 e 3.5), em comparação com as bases que foram elaboradas no capítulo 4 a
partir dos mapas SARA Brasil. Cada uma dessas bases apresenta diferentes nascentes para os
principais cursos d’água da microbacia hidrográfica do Tiquatira, sendo que o MDC é a que
apresenta menos informações e maior insuficiência metodológica, praticamente ignorando o
conjunto das nascentes. O PMGSAP-SP utiliza o conceito de talvegue para definição das
nascentes, mas não identifica quais seriam os cursos d’água permanentes e aqueles que
seriam sazonais, provenientes de cheias decorrentes da precipitação fluvial.
Quanto aos mapas SARA Brasil - principal fonte primária desta pesquisa, ainda que
tenha se destacado a sua relevância enquanto registro histórico do sítio urbano, deve-se
considerar a possibilidade de que, devido ao caráter rural e espraiado da microbacia do
57
Cursos d’água de nível 1 e 2 segundo Strahler (1957) e bacias 4, 5 e 6 segundo Pfafstetter (1985).
170
Tiquatira em 1930, alguns cursos d’água possam ter sido esquecidos ou suplantados por
conta de observações não tão minuciosas.
Portanto, entende-se que, para uma definição mais precisa e assertiva das nascentes
da microbacia, uma etapa posterior de pesquisa se faz necessária, e consiste na análise
pormenorizada de todos os talvegues, investigando-os in loco. Além disso, entrevistas com
habitantes que residem de longa data junto aos locais de possíveis nascentes seriam
oportunas, bem como a busca por fotos antigas, para se comprovar onde estão de fato esses
cursos d’água menores. Deve-se considerar ainda que, devido à movimentação de terra
quando dos processos de urbanização, algumas dessas nascentes tenham desaparecido
completamente. Desse modo recomenda-se um aprofundamento, por parte das instituições
responsáveis, quanto aos parâmetros utilizados para o registro da hidrografia municipal,
especialmente para as nascentes, no sentido de verificar as hipóteses de hidrografia aqui
confrontadas.
Uma reflexão final dessa pesquisa é: o quanto cada uma dessas hipóteses de
hidrografia é verdadeira ou falsa. Não apenas enquanto dado técnico, mas, sobretudo, no
sentido da gente se perguntar: como reconquistar, na forma de futuro possível, a riqueza
dessa hidrografia, que diz respeito a uma terra natal, um lugar de pertença? Onde hoje
existe apenas um sistema de drenagem subterrâneo, um monte de canos, um sistema viário
ao rés-do-chão, um monte de carros. No fundo, a rua é líquida. Os carros, metal pesado. É
realmente bem irônico que uma rede metropolitana de caráter tão complexo, cujo traçado
guarda uma sobreposição tão encaixada com a bacia hidrográfica e com o sítio precedente
como um todo, se manifeste, localmente, como lugares ora banais ora inóspitos, e isso
mesmo nas porções de traçado em que atividades comerciais e de serviços acontecem de
modo mais intenso. Enfim, são N inquietações que surgem quando nos atentamos ao
desenho de uma cidade imperfeita, que foi construída rapidamente na urgência das
demandas. Imperfeita no sentido das incongruências e contradições observadas entre a
originalidade do sítio precedente, hoje perdida e fragmentada, e a complexidade da rede de
infraestruturas metropolitanas que constituem o tecido urbano.
171
como tabula rasa frente aos imperativos de um crescimento populacional e econômico
calcado na expansão da rede de infraestruturas metropolitanas. Porém, quando vistos em
minúcias e particularidades da escala local, percebe-se que tais imperativos criaram conflitos
que definem, na atualidade, a problemática desse lugar. Assim, tendo em vista que a cidade
é um ente dinâmico, espera-se que ações tanto de pesquisa quanto de planejamento futuro
possam utilizar os dados sucintamente relatados aqui, e enriquecê-los com outros enfoques
e pontos de vista.
172
REFERÊNCIAS
173
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177
APÊNDICE
O Apêndice é composto por 84 fichas de análise das situações de conflito entre sítio
urbano e bacia hidrográfica, sendo 49 situações elencadas da rede infraestruturas
metropolitanas e 35 nascentes identificadas na microbacia. A rede de infraestruturas
metropolitanas, numa escala macro, provoca conflitos nos tecidos locais, e estes, por réplica
em escala micro, são a causa de conflitos nas nascentes da microbacia. Cada ficha é
composta por uma foto de Google Street View, uma caracterização tópica e o desenho
esquemático de uma seção transversal das vias analisadas – as “caixas de rua”.
178
SITUAÇÃO 1
escala 1: 3.500
179
SITUAÇÃO 2
escala 1: 1.800
180
SITUAÇÃO 3
escala 1: 400
181
SITUAÇÃO 4
escala 1: 300
182
SITUAÇÃO 5
escala 1: 800
183
SITUAÇÃO 6
escala 1: 300
184
SITUAÇÃO 7
escala 1: 300
185
SITUAÇÃO 8
escala 1: 900
186
SITUAÇÃO 9
DESCRIÇÃO: Avenida Celso Garcia, antigo Caminho dos Tropeiros, ligando a colina da Penha ao
centro de São Paulo
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 8 - 10 - 12
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 1.000
187
SITUAÇÃO 10
escala 1: 600
188
SITUAÇÃO 11
escala 1: 300
189
SITUAÇÃO 12
escala 1: 300
190
SITUAÇÃO 13
DESCRIÇÃO: Rua Padre Antonio Benedito, conexão entre a Avenida Penha de França e a a Rua
Doutor Assis Ribeiro
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: cumeeira
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 7 - 12 - 14
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 250
191
SITUAÇÃO 14
escala 1: 300
192
SITUAÇÃO 15
DESCRIÇÃO: Piscinão do córrrego Rincão, margeado pela Avenida Doutor Orêncio Vidigal, e
Rua Alvinópolis
TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário
nos fundos de vale, mas também à escala de inserção no tecido, e à diversidade de
infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 11 - 17 - 1 8- 19
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 1.000
193
SITUAÇÃO 16
DESCRIÇÃO: Viaduto Engenheiro Alberto Badra, transpondo a Radial Leste (Avenida Conde de
Frontin e córrego Aricanduva canalizado
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 10 - 17 - 42
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 800
194
SITUAÇÃO 17
escala 1: 600
195
SITUAÇÃO 18
DESCRIÇÃO: Viaduto Dona Matilde, transpondo a Radial Leste, servindo de alça para a Vila
Guilhermina
TIPO de infraestrutura: viária de transposição
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 15 - 16
ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 700
196
SITUAÇÃO 19
DESCRIÇÃO: Rua Maria Carlota e Avenida Padre dos Olivetanos, ligando o Viaduto Dona
Matilde à Avenida Amador Bueno da Veiga
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 14 - 18 - 20 - 25
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 500
197
SITUAÇÃO 20
DESCRIÇÃO: Avenida São Miguel, ligando a Avenida Amador Bueno da Veiga à Avenida
Governador Carvalho Pinho e Avenida Dom Hélder Câmara
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 14 - 19- 23 - 24
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400
198
SITUAÇÃO 21
escala 1: 800
199
SITUAÇÃO 22
escala 1: 300
200
SITUAÇÃO 23
DESCRIÇÃO: Cruzamento entre Avenidas São Miguel, Governador Carvalho Pinto e Dom Hélder
Câmara, e confluência dos córregos Franquinho e Ponte Rasa com Tiquatira
TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista
CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário
nos fundos de vale
CONEXÕES: 20 -21 - 25 - 26
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400
201
SITUAÇÃO 24
DESCRIÇÃO: Conexão complementar entre Avenidas Amador Bueno da Veiga e São Miguel,
conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 23 - 24 - 27 - 28
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 300
202
SITUAÇÃO 25
DESCRIÇÃO: Conexão complementar entre Avenidas Amador Bueno da Veiga e São Miguel,
conectando também Avenidas Dom Hélder Câmara e Calim Eid
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: interna ou protagonista
CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário
nos fundos de vale
CONEXÕES: 23 - 24 - 26 - 28
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 400
203
SITUAÇÃO 26
escala 1: 400
204
SITUAÇÃO 27
escala 1: 400
205
SITUAÇÃO 28
escala 1: 500
206
SITUAÇÃO 29
escala 1: 300
207
SITUAÇÃO 30
DESCRIÇÃO: Viaduto Itinguçú, transpondo a Radial Leste (Rua Doutor Luís Aires), e conectando
a Rua Itinguçú com a Avenida Paraguassu Paulista
TIPO de infraestrutura: viária de transposição
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 28 - 29
ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 500
208
SITUAÇÃO 31
escala 1: 300
209
SITUAÇÃO 32
DESCRIÇÃO: Viaduto Milton Leão, transpondo a Radial Leste, conectando as Avenidas Calim
Eid e Águia de Haia à Avenida Itaquera
TIPO de infraestrutura: viária de transposição
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 28 - 31 - 33 - 47
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 800
210
SITUAÇÃO 33
DESCRIÇÃO: Avenida Águia de Haia, margeando a nascente do córrego Ponte Rasa, realizando
uma ligação perimetral entre as Avenidas Radial Leste e São Miguel, cruzando também a
Estrada de Mogi das Cruzes
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: limite ou borda
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 27 - 31 - 34 - 35
ARTICULAÇÕES: 4
escala 1: 300
211
SITUAÇÃO 34
escala 1: 300
212
SITUAÇÃO 35
escala 1: 300
213
SITUAÇÃO 36
escala 1: 350
214
SITUAÇÃO 37
DESCRIÇÃO: Rua Reverendo José de Azevedo Guerra, margeando córrego Sem Nome,
canalizado, e ligando a rua Doutor Assis Ribeiro à Avenida Paranaguá
TIPO de infraestrutura: viária de fundo de vale
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido ao caráter estrutural entre hidrografia e sistema viário
nos fundos de vale
CONEXÕES: 34 - 35 - 40
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400
215
SITUAÇÃO 38
escala 1: 250
216
SITUAÇÃO 39
DESCRIÇÃO Rua Rubens Fraga de Toledo Arruda, ligando a Avenida Cangaíba à Rua Doutor
Assis Ribeiro
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: encosta
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: linha ou fluxo
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação ordinária, mas comportamento de ruptura, cisão, barreira ou limiar para
os pedestres em escala local, em prol do deslocamento de máquinas automobilísticas em
escala metropolitana
CONEXÕES: 22 - 38 - 40
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 300
217
SITUAÇÃO 40
DESCRIÇÃO Rua Doutor Assis Ribeiro, túnel da Rua Cinco transpondo a ferrovia e ligando o
Jardim Piratininga à colina do Cangaíba
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 1 - 39 - 41
ARTICULAÇÕES: 3
escala 1: 400
218
SITUAÇÃO 41
DESCRIÇÃO Rua Doutor Assis Ribeiro, túnel da Rua Quatiara transpondo a ferrovia e ligando o
Jardim Piratininga à colina do Cangaíba
TIPO de infraestrutura: viária de ligação regional e metropolitana
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação complexa, devido tanto à escala de inserção no tecido, quanto pela
diversidade de infraestruturas articuladas entre si
CONEXÕES: 1 - 40
ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 500
219
SITUAÇÃO 42
escala 1: 700
220
SITUAÇÃO 43
escala 1: 400
221
SITUAÇÃO 44
escala 1: 400
222
SITUAÇÃO 45
escala 1: 300
223
SITUAÇÃO 46
escala 1: 300
224
SITUAÇÃO 47
escala 1: 400
225
SITUAÇÃO 48
escala 1: 800
226
SITUAÇÃO 49
DESCRIÇÃO Viaduto Marcos Zlotnik a Rodovia Ayrton Senna da Silva e a Rodovia Hélio Smidt
TIPO de infraestrutura: viária de transposição
POSIÇÃO na bacia hidrográfica: fundo de vale
CRUZAMENTO na rede de infraestruturas: nó ou sobreposição
INSERÇÃO na bacia hidrográfica: externa ou contextual
CONFLITOS: situação excepcional, obra de transposição que serve exclusivamente à
fluxos metropolitanos e regionais
CONEXÕES: 1 - 2
ARTICULAÇÕES: 2
escala 1: 600
227
NASCENTE PONTE RASA 01
DESCRIÇÃO: Nascente do córrego Ponte Rasa, com montante na faixa de servidão permanente
da Petrobrás, fundo de lote da FATEC continua com diversos tipos de ocupação, inclusive
assentamentos precários
INSERÇÃO no tecido local: se ora são fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: aberta, porém foi objeto de infraestrutura parcial
escala 1: 500
228
NASCENTE PONTE RASA 02
DESCRIÇÃO: Nascente com montante no terreno da Escola Estadual Marinha do Brasil, e segue
aterrada junto à faixa de cabos de alta tensão
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 300
229
NASCENTE PONTE RASA 03
DESCRIÇÃO: Nascente com montante na rua Japacari, segue pela Rua Engenheiro Osvaldo
Andreani, depois Avenida Lagoa Mirim, quando encontra o córrego Ponte Rasa
INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250
230
NASCENTE PONTE RASA 04
DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável na Praça Maria Teresa da Silva, cruza as Ruas
Nova Friburgo, Itapiruna, Arlete, e encontra o córrego Ponte Rasa no meio da quadra
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 250
231
NASCENTE PONTE RASA 05
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante de traçado contínuo à Rua Santa
Silveira, segue pela Rua Francisco Mairink, quando encontra o córrego Ponte Rasa
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
232
NASCENTE PONTE RASA 06
escala 1: 200
233
NASCENTE PONTE RASA 07
escala 1: 250
234
NASCENTE PONTE RASA 08
escala 1: 250
235
NASCENTE PONTE RASA 09
DESCRIÇÃO: Nascente entre as Ruas Manuel Mendes Ribeiro e Imperial, e cruza a Rua Gentil
Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 250
236
NASCENTE PONTE RASA 10
escala 1: 250
237
NASCENTE PONTE RASA 11
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Galvão da Fontoura à montante, segue paralela à Rua
Jerônimo Cabaral, depois entre as Ruas Quartel de São João e Rua Mateus Lourenço de
Carvalho, cruzando a Rua Gentil Braga à jusante, quando encontra o córrego Ponte Rasa
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 250
238
NASCENTE PONTE RASA 12
DESCRIÇÃO: Nascente com montante paralelo à Travessa Lúcio Paulis, segue entre as Ruas
Raimundo Mattiuzzo e Entre Rios
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 200
239
NASCENTE PONTE RASA 13
escala 1: 300
240
NASCENTE FRANQUINHO 01
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante de traçado contínuo à Rua Padre José
Vieira de Matos, cruza a Radial Leste à jusante, quando encontra o córrego do Franquinho
INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 400
241
NASCENTE FRANQUINHO 02
escala 1: 350
242
NASCENTE FRANQUINHO 03
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante, dobrando à jusante - provável - na
Rua Boicorá
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
243
NASCENTE FRANQUINHO 04
DESCRIÇÃO: Nascente Avenida Hermilo Alves à montante, segue paralela à Rua Manuel Alves
Ferreira e cruza a Rua Praia de Mucuripe
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
244
NASCENTE FRANQUINHO 05
DESCRIÇÃO: Nascente com beco sem nome à montante, cruza a Avenida Nicolau Jacinto e
segue paralela à Rua Rio Mearim, cruza a Avenida Calim Eid à jusante, quando encontra o
córrego do Franquinho
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 300
245
NASCENTE FRANQUINHO 06
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Nea à montante, cruza a Avenida Calim Eid à jusante, quando
encontra o córrego do Franquinho
INSERÇÃO no tecido local: beco
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250
246
NASCENTE FRANQUINHO 07
escala 1: 300
247
NASCENTE FRANQUINHO 08
DESCRIÇÃO: Nascente com Travessa João Jufre à montante, dobrando à jusante na Rua Papaia
INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
248
NASCENTE FRANQUINHO 09
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Impatá à montante, cruza as Ruas Ferdinando Bertoni, Caçada
Real, Travessa Angelo Ravanel, Ruas André Torresoni, Heloísa Ferraz Cesário de Castilho,
Municipal, Amélia de Freitas Beviláqua, Coronel Estelita Ribas e segue pela Rua Corim, quando
encontra o córrego do Franquinho
INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 300
249
NASCENTE FRANQUINHO 10
escala 1: 300
250
NASCENTE FRANQUINHO 11
escala 1: 300
251
NASCENTE FRANQUINHO 12
DESCRIÇÃO: Nascente com montante equivalente à Rua Maidú, dobra na Rua São Quintino,
depois na Rua Doná Rosa Santana, e depois na Rua Axoxè, cruza a Avenida Dom Hélder
Câmara e encontra o córrego do Franquinho
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
252
NASCENTE TIQUATIRA 01
escala 1: 200
253
NASCENTE TIQUATIRA 02
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua Laurentina Jorge Ribeiro à montante, segue pela Travessa
Ângelo Arroyo, depois Rua Professora Dúlce de Almeida, cruza a Avenida Governador Carvalho
Pinto e encontrar o córrego Tiquatira
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada
escala 1: 200
254
NASCENTE TIQUATIRA 03
DESCRIÇÃO: Nascente com Rua do Direito à montante, cruza lote privado, segue pela Rua
Tarumã, cruza a Avenida Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: ora aberta, ora tamponada, ora aterrada
escala 1: 250
255
NASCENTE TIQUATIRA 04
DESCRIÇÃO: Nascente com montante equivalente à Rua Cláudio Barnabé, cruza a Rua Odete,
depois a Avenida Governador Carvalho Pinto, e encontra o córrego Tiquatira
INSERÇÃO no tecido local: fundo de lote
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 350
256
NASCENTE TIQUATIRA 05
DESCRIÇÃO: Nascente com montante provável no terreno da Escola Professor José de Campos
Camargo, segue entre as Ruas Enéas de Barros e Cumanaxos, depois segue a Rua Carlos
Frederico Leis
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250
257
NASCENTE TIQUATIRA 06
DESCRIÇÃO Nascente com montante equivalente à Rua Faustino Paganini, dobra na Rua
Antônio Paganini, e depois na Rua Firmiano Cardoso
INSERÇÃO no tecido local: frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 350
258
NASCENTE TIQUATIRA 07
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Brita, segue pela Rua Bangué, depois Oldham, e
dobra na Rua Manual José Viana
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 200
259
NASCENTE TIQUATIRA 08
escala 1: 200
260
NASCENTE TIQUATIRA 09
DESCRIÇÃO: Nascente equivalente à Rua Ritchmont, dobra a Rua Oxford, cruza a Avenida
Governador Carvalho Pinto e encontra o córrego Tiquatira
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 250
261
NASCENTE TIQUATIRA 10
DESCRIÇÃO: Nascente com montante na Rua Maria Teresa Assunção, dobra na Rua Cequilho, e
segue paralelo à Rua Guilherme Rudge
INSERÇÃO no tecido local: ora fundo de lote, ora beco, ora frente de rua ou viela
SITUAÇÃO no tecido local: tamponada
escala 1: 400
262