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A formalização lógico-matemática na teoria lacaniana: do impossível de escrever à

escrita do impossível
Hudson Vieira de Andrade1

Resumo
O presente trabalho busca investigar possíveis coordenadas que possibilitem compreender o
uso feito do recurso lógico-matemático para formalização da teoria psicanalítica pelo francês
Jacques Lacan. Trata-se de uma pesquisa teórica de caráter qualitativo, que trabalha com
levantamento bibliográfico, estudo crítico e comparativo da obra do autor. Eventualmente
foram utilizados outros autores e comentadores com o objetivo de auxiliar na inteligibilidade
do tema abordado. Nos detivemos sobre dois objetivos específicos: (i) investigar qual relação
existiria entre a escrita matemática e a teoria significante; (ii) investigar como os objetos
abstratos criados pela matemática forneceriam um modelo de inteligibilidade para psicanálise.
O resultado foi que o exercício da escrita matemática possibilita extrair um saber não sabido,
assim como na psicanálise, através da operação com letra sem sentido. E que os objetos
abstratos construídos pela matemática permitem interrogar de maneira mais adequada na
psicanálise o que se constitui nela e não possuem qualidades empíricas, embora existam.

Palavras-chave: Lacan; formalização; lógica; matemática.

1
Discente do curso de psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
1. Introdução
A necessidade do discurso lógico-matemático para psicanálise não parece se justificar
de maneira imediata, já que até mesmo seu fundador, Freud, se manteve sob total estranheza
em relação a esse domínio. Assim como ele, gerações inteiras de psicanalistas exerceram sua
função e teorizaram sobre ela sem que fosse necessário fazer uso restrito da matemática e da
lógica. Lacan foi, senão o único, um dos poucos psicanalistas que instituíram tanto no nível
teórico quanto no nível clínico sobre o uso feito delas.
A aproximação da psicanalítica em direção ao discurso lógico-matemático pode causar
no mínimo uma espécie de vertigem. Afinal de contas, não parece claro como uma prática que
se estabelece por meio da experiência singular da escuta, possa estar relacionada com o saber
universal das ciências duras. Desse ângulo, tudo parece indicar que se trata do retorno do velho
positivismo que sempre rondou os entornos das ciências humanas com sua promessa de
cientificidade, mesmo que o preço pago fosse o anulamento da subjetividade.
Quando se trata de uma prática sustentada por meio da fala, como é o caso da
psicanálise, seu exercício parece exigir muito mais do rigor que o poeta imprime nas palavras,
servindo-se dos efeitos de equivocidade produzidos pela materialidade sonora delas, do que
pelo trabalho operado com letras abstratas na matemática.
A leitura da obra de Lacan feita por Milner (1996) procura evidenciar dois grandes
momentos no ensino de Lacan. O primeiro estabelecido até os seminários de 1972-3, momento
no qual seu ensino estava apoiado na teoria do significante e na estrutura. Nesse momento, com
o seminário Mais, ainda, o ensino de Lacan chega no clímax de depuração da escrita lógico-
matemática, tornando-se mais marcante uma tentativa de literalização do real na qual o matema
é seu pivô.
Contudo, para Milner (1996), o momento onde esse clímax ocorre também é quando
acontece seu declínio. A doutrina do matema não se estabiliza, cedendo passagem para outro
tipo de inteligibilidade na teoria lacaniana. A escrita do matema será substituída pela escrita do
poema, assim Bourbaki dará espaço para Joyce. Esse regime de pulsação entre matema e poema
trará questões nada triviais para o interior da teoria lacaniana.
A questão sobre o uso feito por Lacan do recurso lógico-matemático retorna nesse
momento. Sua função parece apenas como uma forma de conseguir respaldo e legitimidade
diante do discurso cientifico, mesmo que sob um perigoso flerte. A única forma de justificar o
seu uso seria instituindo no regime da racionalidade analítica sua necessidade. Trata-se de
interrogar sobre sua necessidade livre da demanda de reconhecimento frente ao discurso

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cientifico ou do uso assessorial da expertise. Não se trata de fazer uma oposição entre matema
e poema, como se fossem pares de opostos, não é esse o caso, mas de buscar coordenadas que
possibilitem entender quais condições exigiram que Lacan fizesse uso do primeiro tanto no
domínio epistêmico da psicanálise, quanto no clínico.

2. Metodologia
O presente artigo trata-se de uma pesquisa teórica de caráter qualitativo, que trabalha
com levantamento bibliográfico, estudo crítico e comparativo da obra do psicanalista francês
Jacques Lacan. Eventualmente foram utilizados outros autores e comentadores com o objetivo
de auxiliar na inteligibilidade do tema abordado.

3. Resultados e discussão
O matemático francês René Guitart (2003) comenta que o movimento que leva os
psicanalistas lacanianos em direção à matemática, se destina sobretudo em compreender certas
informações técnicas sobre matemática, que possibilitariam tornar inteligível certos
comentários feitos por Lacan durante seu ensino. Tudo se passa como se após ter adquirido
essas informações, se tornaria claro o modo como Lacan utilizou determinados domínios da
matemática em psicanálise.
Seguindo o fio da obra lacaniana, se encaminharia sem dificuldades o afã pela
teoria dos jogos e as questões de estratégias, os grafos, as probabilidades, a
topologia e os nós, o infinito, e logo seriam explicados os usos que Lacan fez
destes temas com respeito à psicanálise: aplicações, ilustrações, paralelos,
analogias, metáforas, tanto no conteúdo, quanto na prática (Guitart, 2003, p.
100)

A demanda por matemática entre os psicanalistas se destina à economia de saber do


matemático, como se tudo se resumisse no conjunto de seus axiomas, modelos, teoremas e em
como aplicá-los. Afinal, como o autor sugere, não estaríamos diante de uma demanda histérica?
Onde o que se manifesta dessa ignorância é uma “recusa de saber ligada a uma suposição de
um saber possível” (Guitart, 2003, p. 99). Dessa forma, o matemático estaria na posição de
mestre para o psicanalista, como aquele que detêm o saber, enquanto ele próprio se utiliza disso
para não se ver implicado naquilo que consiste de essencial na atividade matemática.
O que se coloca nesse tipo de demanda histérica é que o saber dirigido ao Outro é
resultado da forma pela qual o demandante não quer se deparar diante de seu “não saber
matemático”, para não se encontrar nessa posição, ele supõe no Outro o saber que tamponaria

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sua incompletude. A questão é que sabemos o resultado disso, ocorre que o saber produzido
pelo mestre é sempre insuficiente e ninguém melhor que a histérica para denunciar isso.
Não se trata aqui de um equívoco por parte dos psicanalistas quando acreditam que se
tratando de matemática o que lhe constitui seja apenas seu saber? Ou em confundir o rigor da
matemática com seu conjunto de provas e demonstrações? Para Guitart, os psicanalistas não
devem temer “não saber” quando se trata de matemática, pois ser nulo nela é justamente o
critério para ser matemático. “A aposta primordial é, justamente, esta questão, que todos
sejamos ‘nulos em matemática’” (Guitart, 2003, p. 101). O que consiste de essencial na
matemática não é seu saber ou suas provas e demonstrações rigorosas, isso tudo é trivial.
O savoir-faire que constitui o exercício do matemático é o uso do rigor na escrita,
mesmo que isso signifique ser anulado subjetivamente, quando se encontra ultrapassado pelas
letras desprovidas de sentido e referente. O ponto fundamental é que, apenas no momento da
atividade escrita, o matemático consegue materializar um saber que não supunha existir e que
só surge quando se escreve.
A atividade matemática apenas se efetiva com aquele que se engaja, quando existe uma
implicação na prática da escrita, possibilitando que se extraia um saber não sabido. Assim como
o que resulta desse exercício não é uma escrita que singularize ninguém, como no caso de Joyce,
tampouco ela exclui, uma vez que lida com o impessoal. A escrita matemática é indiferente
tanto com os objetos que se refere, quanto com próprio matemático. Afinal, o tipo de evidência
que se extraí dela não é verdadeira apenas para um sujeito em especifico, senão para todos.

Porém o matemático será sem dúvida quem assume o seguinte: A matemática


só é produzida concretamente graças a nós, quando praticamos, para mim, que
a verifico como verdadeiro com toda evidência e, no entanto, a mesma
matemática não se encarrega de mim, exclui minha intervenção no jogo de suas
letras, não me considera em absoluto, me anula (Guitart, 2003, p. 102)

Guitart (2003) afirma que o uso que Lacan fez das matemáticas não trouxe nenhum
desenvolvimento para o campo, mas se existe algo que o psicanalista francês pode ensinar e
lembrar aos matemáticos é como escrever bem. Trata-se de estabelecer um campo de homologia
entre o que concerne à escrita matemática e sua possibilidade de extração de um saber não
sabido através do uso de letras sem sentido e referente, com o dispositivo da análise, onde o
que se almeja é o esvaziamento do sentido sustentado pela fala do paciente, que possibilita
produzir novos encadeamentos de pensamento e intervir sobre o sofrimento.
Ao contrário de se pautar pelo sentido que é veiculado na fala pelo paciente, buscando
compreender seus determinantes acrescentando mais sentido, na psicanálise encontramos o

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avesso desse posicionamento. Como Lacan (1955/1998) comenta a respeito da posição do
analista durante o tratamento, “a análise só pode encontrar sua medida nas vias de uma douta
ignorância” (p. 364), isso significa que é começando por não compreender que ele se autoriza.
Compreender, nesse caso, exigiria que o psicanalista soubesse da trama de sentido que sustenta
o sofrimento do paciente, como uma espécie de espelhamento.
A “douta ignorância” se justifica pois é não sabendo que ele se habilita em perguntar
sobre os determinantes que estão em jogo no sofrimento do paciente. A implicação disso é que
o paciente, falando sobre seu sofrimento, possa se deparar com os efeitos de descontinuidade
diante da tentativa de criar uma narrativa coerente e lógica sobre o próprio sofrimento, ao se
produzir tropeços e contradições o que se permite é colocar em questão o sentido que sustenta
o próprio sintoma. O que constitui o sintoma é um saber não sabido, no qual sua verdade é
sempre meio-dita. Não se trata de simples aplicação técnica, mas de uma posição ético que
lança o paciente sobre os efeitos de ignorância que mantém com seu sofrimento.
É falando que o paciente pode ser destituído da consistência depositada sobre o sentido
de seu sofrimento, desinflacionando sua univocidade. O que se constitui nesse horizonte é uma
perda da consistência imaginária do eu (moi) diante da equivocidade da linguagem. A
consequência disso é um tipo de disjunção criada: “onde se pensa não é e onde é não se pensa”.
É somente após essa operação de divisão que se torna possível supor que houve produção de
sujeito em análise. Percebe-se que o sujeito referido aqui não é equivalente com o sujeito
substancial da metafísica ocidental, tampouco com o indivíduo, pessoal ou cidadão. É apenas
um efeito produzido entre saber e verdade.
A palavra alemã Unbewusste, traduzida para o português como inconsciente, carrega
consigo uma peculiaridade semântica. O radical Bewusste (consciência) deriva da palavra
Wissen que significa saber, onde o pré-fixo Un indicaria sua negação. Podemos dizer que o
sujeito do inconsciente é o elemento que supomos existir pelos efeitos de descontinuidade da
linguagem, onde se produz um saber não sabido.
Por sua vez, Lacan sugere como tradução para o francês do termo freudiano
Unbewusste, não o inconscient, que guardaria consigo uma relação de sentido em relação ao
alemão, mas prefere usar l’une-bévue, apostando com isso para dimensão do equívoco (bévue)
e da homofonia presentes no inconsciente. Isso termina por retirar o inconsciente de uma
referência à consciência, como também permite compreendê-lo por meio da materialidade
significante e os efeitos de equivocidade que lhe constitui.

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Lacan cria uma correlação na qual o sujeito da ciência seria o sujeito cartesiano e, por
sua vez, este corresponderia ao sujeito da psicanálise. Sua posição é bastante clara: “o sujeito
sobre quem operamos em psicanálise só pode ser o sujeito da ciência” (Lacan, 1966/1998, p.
873). Essa correlação se faz com o intuito de evidenciar que existem certas condições de
possibilidades lançadas pelo cogito cartesiano que resultaram no advento da psicanálise.
As condições que antecedem o surgimento do cogito é o esvaziamento do saber que
tinha outrora e que possibilita que uma verdade seja produzida: eu sou, eu existo (ergo sum,
ego existo). Contudo, essa verdade é apenas pontual e evanescente. Tanto o cogito cartesiano,
quanto o sujeito em psicanálise são despsicologizado, são apreendidos numa inconsistência
existencial pois surge num momento pontual para logo desvanecer. Ele é apenas um resíduo
produzido após o esvaziamento das qualidades sensíveis, o que permite Lacan conceber uma
teoria do sujeito anti-humanista.
Embora tanto em Descartes quanto em Lacan exista uma estrutura de alienação, onde o
sujeito é tomado antes como assujeitado em sua restrita dependência à instância de alteridade,
na qual recorre para receber de maneira invertida sua própria posição, encontra-se aqui uma
divergência já que essa instância, em termos lacanianos chamada de Outro, é nela mesma
inconsistente, ou como ele comenta: “Deus é inconsciente” (Lacan, 1964/1985, p. 60). Ela é
inconsistente pois não haveria outra instância que lhe asseguraria seu valor de verdade (ou dito
de outra forma, não existe Outro do Outro).
Admitindo isso, o que torna possível além de conceber um sujeito sem atributos
psicológicos ou orgânicos, é um sujeito sem substância ou identidade. Ele surge apenas de
maneira evanescente, produzido pela articulação significante. Embora se dirija para instância
de alteridade a fim de receber sua própria posição, não existe garantia que isso ocorra sem
equívoco. Isso implica um modo particular da psicanálise conceber a linguagem e o modo com
o qual o sujeito nela habita.
Comentamos até o momento que na matemática, trata-se antes de uma atividade de
escrita na qual se torna possível extrair um saber não sabido. E que as letras produzidas na
atividade de escrita matemática não têm qualquer referente, sentido ou substância. Na
psicanálise podemos dizer que existe algo homólogo, pois é na medida que o paciente busca
falar sobre seu sofrimento por meio da consistência do sentido, que em sua fala são produzidos
efeitos de descontinuidade. Esses efeitos de descontinuidade permitem que o sujeito produza
um saber onde não supunha existir, mas isso só é possível através do esvaziamento do sentido
que existia outrora.

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Essas articulações dependem de uma teoria da linguagem desenvolvida por Lacan, a
linguística estrutural desempenha um papel fundamental nesse sentido. Apesar do uso feito por
Lacan da lógica extraída da linguística estrutural, o modelo de signo linguístico apresentado no
Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure, será totalmente modificado. Ele aparece
concebido como união intrínseca de significante e do significado, tal como uma folha de papel,
preservando consigo ainda noções como sentido e referente.
Para Lacan, não apenas garanti independência entre ambos, como dar precedência ao
significante sobre o significado. Dessa forma, o significante em Lacan é diametralmente oposto
do utilizado na linguística. Para ele “o significante enquanto tal [apenas um] não se refere a
nada” (Lacan, 1972-1973/ 1985, p. 43). Isso implica que um significante tomado de maneira
isolada não possui qualquer sentido, sendo somente pela articulação de pelo menos dois
significantes (estrutura mínima da cadeia) que se torna possível extrair uma produção de
significação. “Ora, a estrutura do significante está, como se diz comumente da linguagem, em
ele ser articulado” (Lacan, 1957/1998, p. 504). O modo como Lacan tematiza o significante
produz um curto-circuito no sentido, isso termina suprimindo toda questão do referente visto
que o sentido pode ser deslocado. Temos então com Lacan “uma linguística sem teoria do
signo” (Nancy & Lacoue-Labarthe, 1991, p. 44).
Em A instância da letra no inconsciente ou a razão desde de Freud, Lacan (1957/1998)
substitui o signo saussuriano pelo algoritmo. Essa referência ao algoritmo traz consigo uma
noção de formalização presente na ciência moderna, onde seus objetos são tratados não por sua
qualidade, substância ou sentido. É retirando esses atributos que se possibilita interrogar o
objeto no nível do rigor matemático através de letras sem significado. A partir do saber não
sabido do inconsciente o que temos não é um apelo ao irracional, mas para função negativa no
pensamento que não se apreende no plano reflexivo e que se introduz pela insistência da letra.
O sujeito na psicanálise não é algo continuo ou um dado empírico que comporte uma
identidade. Ele seria o efeito produzido pela interpretação analítica, na qual busca produzir um
corte na cadeia significante, através de um furo no sentido, que permite que outras articulações
sejam possíveis e com isso novas significações. Ou seja, o sujeito é um efeito posterior (après-
coup) produzido pelas novas significações.

Esse corte da cadeia significante é único para verificar a estrutura do sujeito


como descontinuidade no real. Se a linguística nos promove o significante, ao
ver nele o determinante do significado, a análise revela a verdade dessa relação,
ao fazer dos furos do sentido os determinantes de seu discurso (Lacan,
1960/1998, p. 815)

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Na psicanálise o sujeito não é um dado tomado de partida, mas antes, algo produzido
como efeito dos elementos contingentes, embora não aleatórios, que surgem na fala. A
consistência imaginária presente em conceitos como substância, essência e identidade viria para
recobrir o buraco causado pela operatória do significante. O francês possibilita Lacan tratar o
termo sujeito de maneira equívoca, pois o seu sujet também nos remeteria a assunto. Assim, o
que teríamos na experiência analítica seriam assuntos que surgem pela descontinuidade do
sentido na fala, que dão provas que ali existe um sujeito, mesmo que esvaziado de substância e
sentido.
Embora em psicanálise não se trate de sentido, referente, essência ou substância, isso
não significa cair em qualquer idealismo. Ao contrário, o que sustenta o discurso da psicanálise
é uma teoria materialista, contudo, um materialismo específico que Lacan chamou de
motérialisme (materialismo da palavra). “É, se me permite usar pela primeira vez, nesse
motérialisme onde reside o manejo do inconsciente” (Lacan, 1975/1988, p. 126). Isso implica
que o fato de falar deve admitir outro regime de existência.
Ao fazer referência ao conceito de sujeito, não se trata de adotar o modelo intuitivo com
que estamos habituados, como sendo um individual, com massa e tridimensional. É um objeto
que embora exista, admite outro tipo de realidade através da estrutura da linguagem, não
dependendo de qualidade, substância ou sentido. Novamente, para que esse tipo de pensamento
se sustente é necessário fazer uso da matemática, pois o saber matemático consegue realizar
operações sobre objetos teóricos abstratos que não possuem qualidades empíricas, embora
existam.
Badiou (2008) comenta que nossa ideologia espontânea nesse século consiste em
retornar para uma visão individual do sujeito, reduzido aos seus atributos corporais orgânicos.
A antropologia animal que o autor comenta guarda proximidades com o trabalho desenvolvido
pelos foucaultianos sobre biopolítica, como o dispositivo dominante no ocidente que transpõe
o corpo como o assunto privilegiado da política. Talvez uma das novidades da teoria lacaniana
esteja em aborda o sujeito através de uma perspectiva inovadora que não se resuma na ideologia
ocidental.

Mas, finalmente, o que é bastante claro é que estamos nisto: interrogar o ‘existe’ ao
nível do matema, ao nível do algoritmo. É somente no nível do algoritmo que a
existência é admissível como tal (...) Estamos aqui para colocar a existência como
relacionada ao algoritmo-estrutura” (nossos grifos, Lacan, 1972, tradução nossa).

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Afinal de contas, o que significaria “interrogar o ‘existe’ ao nível do matema”? A
matemática é um saber que independe da substância corporal, ela cria regimes de existência
somente pela escrita formal. Por exemplo, embora o 2 exista, ele não tem qualquer substância.
Da mesma forma, Lacan propõe novos modos de existência para o sujeito pelo fato de ser
falante, tais como o parlêre (fala-ser) e o désêtre (des-ser). O que esses neologismos criados
por Lacan buscam é possibilitar novas formas de abordar o sujeito que não o reduza ao eu,
substância, identidade, essência (Eidelsztein, 2015).

4. Conclusão
A importância do pensamento lógico-matemático para teoria lacaniana permite
conceber um tipo de escritura na qual sua atividade possibilita extrair um saber não sabido. O
ponto principal consiste que ela não se utiliza de qualidade ou sentido, apenas uma operação
lógica com letras sem sentido. Isso permite constituir uma teoria da linguagem na qual o sentido
que sustenta o sofrimento possa ser esvaziado, permitindo que outras significações sejam
produzidas. É através do esvaziamento do sentido veiculado na fala, que se torna possível retirar
a consistência de sentido que sustenta o sofrimento e produzir articulações inesperadas na fala.
Isso significa produzir um saber que não se supunha sabido.
Além do mais, o tipo de sujeito que é produzido nesse contexto não admite uma forma
de existência que possa ser pensada de maneira intuitiva. Ele se produz apenas num momento
evanescente, não comporta substância ou identidade. Novamente, o pensamento lógico-
matemático permite conceber objetos que não possuem tais atributos, embora existam mediante
o uso da escrita formal da matemática.
Nesse artigo buscamos apenas encaminhar algumas questões que podem ser
desenvolvidas por meio do extenso uso que Lacan fez em seu ensino de elementos da lógica e
da matemática. Existe uma insistência grande em sua obra desse tipo de formalização que não
pôde ser aborda no presente texto. A guisa de indicações, mereceria um estudo sobre com o
conceito de real em sua obra é trabalhado através do impasse matemático.

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5. Referências bibliográfica
BADIOU, A. Lógica de los mundos: el ser y el acontecimento, 2. Buenos Aires: Manantial,
2008.
EIDELSZTEIN, A. Outro Lacan: estúdio crítico sobre los fundamentos del psicoanásis
lacaniano. Buenos Aires: Letra Viva, 2015.
GUITART, R. Evidencia y extrañeza: matemática, psicoanálisis, Descartes y Freud.
Buenos Aires: Amorrortu, 2003.
LACAN, J. (1972). Discurso proferido na Universidade de Milão, em 12 mai. 1972.
Disponível para consulta pela internet em: http://ecole-lacanienne.net/bibliolacan/pas-tout-
lacan/.
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Janeiro: Jorge Zahar. (Seminário proferido em 1964).
______. (1985). Mais, ainda. (livro 20). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Seminário proferido
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______. (1988). Conferencia em Ginebra sobre el sintoma. Em: Intervenciones y textos 2.
Buenos Aires: Manantial. (Conferência proferida em 1975).
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(Trabalho original publicado em 1955).
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Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1957).
______. (1998). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. Em:
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960).
______. (1998). A ciência e a verdade. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho
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MILNER, J-C. A obra clara: lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
NANCY, J-L & LACOUE-LABARTHE, P. O título da letra: uma leitura de Lacan. São
Paulo: Escuta, 1991.

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