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RESUMO: Determinar os liames entre a poesia de Charles Baudelaire e de Marcos Siscar é uma
forma de unir dois poetas ao mesmo tempo tão distintos, dada a fronteira histórica e espacial que
os separa, e, de mesmo modo, tão próximos. Isso, tendo em vista a poesia que é a linha que liga
essas duas pontas, como uma ponte suspensa sobre seu próprio eixo. Se assim observarmos,
somente a malha poética permite tal aproximação. Nesse trabalho, analisamos como o
contemporâneo está presente nesses dois poetas, especificamente em dois poemas, o primeiro de
Baudelaire, intitulado “O crepúsculo romântico”; e o segundo, de Siscar, “As flores do mal”. Como
subsídio à compreensão do contemporâneo, utilizamos, aqui, os argumentos postos por Giorgio
Agamben, nas quais retoma as considerações postas por de Nietzsche nas suas Considerações
extemporâneas, na segunda consideração intitulada “II – Da Utilidade e Desvantagem da História
para a Vida”, de 1874.
PALAVRAS-CHAVE: Baudelaire; Siscar; Poesia; Contemporâneo.
ABSTRACT: Determining the liams between the poetry of Charles Baudelaire and Marcos Siscar
is a way to unite two poets at the same time as distinct, given the historical and spatial frontier that
separates them, and likewise, so close. That, with a view to poetry that is the line linking these two
ends, as a suspended bridge over its own axis. If we observe, only the poetic mesh permits such
approximation. In this work, we analyze how contemporary is present in these two poets,
specifically in two poems, the first of Baudelaire, entitled "The Romantic Twilight"; and the second,
of Siscar, "The flowers of evil." As a subsidy to the understanding of contemporary, we use the
arguments put by Giorgio Agamben, in which he resumes the considerations of Nietzsche in his
Extemporaneous Considerations, in the second consideration Entitled "II – Of the Usefulness and
Disadvantage of History for Life", of 1874.
KEYWORDS: Baudelaire; Siscar; Poetry; Contemporary.
1 INTRODUÇÃO
“É na interioridade que repousa então sensação, igual à cobra que engoliu
coelhos inteiros e em seguida, quieta e serena, se deita ao sol e evita todos os
movimentos, além dos mais necessários”
(Nietzsche)
1
Gládiston de Souza nasceu em Berilo, Minas Gerais, em 1972. Graduado em Letras pelo
Mackenzie (SP), com especialização em Literatura pela PUC-SP e mestrado em Literatura e Crítica
Literária também pela PUC-SP. Trabalha como Professor nas redes particular e pública estadual e
municipal de São Paulo.
e-mail: gladistonsouza@ig.com.br
que se sustenta sobre o próprio eixo. Como observaremos, essa tessitura poética permite
tal aproximação. Com esse objetivo, debruçamo-nos sobore o(s) modo(s) como o
contemporâneo constrói-se nesses dois poetas, tendo como objeto de estudo,
especificamente, dois poemas. O primeiro, de Baudelaire, intitulado “O crepúsculo
romântico”; e o segundo, de Siscar, “As flores do mal”. Como subsídio à compreensão do
contemporâneo, utilizamos, para este estudo, os argumentos postos por Giorgio Agamben,
nas quais retoma as considerações postas por Nietzsche nas suas Considerações
extemporâneas, na segunda consideração intitulada “II – Da Utilidade e Desvantagem da
História para a Vida”, de 1874.
2 DISCUSSÃO TEÓRICA
A categoria genérica da poesia a partir de Baudelaire é o marginal. O artista típico
moderno é antiburguês e se apropria daqueles que estão fora do sistema, comumente
chamados de marginais, não na acepção rebaixada de criminoso, mas na de que são os
excluídos da sociedade. Enquanto a burguesia está centrada no espaço tido como “centro”,
os marginais estão localizados na linha periférica do círculo.
A imagem pública do artista é o do marginal. Ele mesmo cria uma imagem de
alguém que não é igual aos outros. Nunca está em um lugar onde os outros estão. O artista
moderno típico é antiburguês, e se apropria daqueles que são excluídos na cidade, o que já
denota o modo como esse sujeito se apresenta no mundo.
Antes da análise dos poemas citados, é necessário, antes, de se compreender a
linguagem da poesia no período denominado modernismo, para que se possa, a partir daí,
depreender as formações discursivas como reflexos do pensamento do homem no
momento em que a sociedade passa por grandes transformações. Dentre essas mudanças, a
primeira grande guerra viria, de forma catastrófica, mudar totalmente o cenário mundial, e
em consequência, a identidade do homem moderno também começa a se fragmentar. E
são características como essas que pretendemos observar de que maneira estão presentes
nos poemas de Baudelaire e de Siscar.
A maior dificuldade de se entender a modernidade repousa no próprio fato de que,
por estar tão próximo aos nossos olhos, torna-se um grande obstáculo a quem pretenda
uma análise das formas poéticas desse período. Walter Benjamim, ao tecer considerações
acerca da sociedade moderna, discorre principalmente sobre o poeta francês Baudelaire,
com o objetivo de elucidar a imagem do artista relacionando-a com a do herói.
O período que antecedeu o momento de Baudelaire forneceu as bases para as
mudanças que culminariam em uma nova forma de se pensar o mundo. Após a revolução
industrial e a consequente divisão do trabalho, surgiram, juntamente com o progresso
científico e o desenvolvimento urbano, os grandes problemas que marcariam, de forma
agressiva e expressiva, a identidade do homem. O topos em que ele está inserido não é mais
a natureza proposta pela estética romântica, o locus amoenus, mas, pelo contrário, um espaço
físico em que o cinza torna-se cor local predominante.
Se, portanto, esse espaço não é mais aquele, a personalidade e a visão do mundo
desse sujeito também não o são. Se em toda a tradição literária a criação surge do intelecto
e criatividade do poeta, inspirado pelas musas, o artista moderno tem que trabalhar a
construção do percurso proposto, seja tanto a obra enquanto estrutura quanto a trajetória
dos seus personagens.
Um dos grandes fatores implementados na indústria foi a planificação e a
simplificação do sistema de produção, tornando-o um processo repetitivo e, portanto,
igualitário. Daí, como consequência e como modelo, a mesmice em grande escala será o
arquétipo dessa sociedade.
O tempo do trabalho e a luta pela sobrevivência, em um espaço muito frio e
tumultuado, quando começa a crescer a concorrência, despertam nesse poeta um
sentimento de melancolia e, por conseguinte, de desprezo pela sociedade em que vive. A
modernidade tem uma ligação profunda com o espaço da cidade. O homem moderno
acha-se incapaz de fugir do espaço no qual está fixo. Esses fatores o levarão à não aceitação
da massificação, da planificação, mas busca à diferenciação, uma vez que ele nega o senso
comum, e por esse motivo quer ser o não-igual. (Benjamin, 1980)
Na poesia moderna, o que observamos é a encenação da poesia, uma vez que o
lírico sai de cena, uma estranha poesia em que o lírico não se deixa ouvir, não se ouve mais
a voz do sujeito, do eu, mas que se ouve no palco do texto, a teatralização do eu. Não é
diferente em Baudelaire e Siscar essa despersonalização. Nela, o sujeito é substituído pelo
processo, que é a reencarnação dos ritos, enquanto o eu lírico sai de cena. No entanto, em
Baudelaire e Siscar, principalmente, parece-nos que esse eu, pela tensão da palavra, parece
emergir com força brutal a ponto de rasgar a própria estrutura.
Vejamos, a seguir, os poemas de Baudelaire e de Siscar como uma forma de fazer
brotar os elementos poéticos característicos a ambos que, apesar da delimitação espacial e
temporal, os tornam tão próximos. E, assim, adentra ao contemporâneo em cada um deles.
O crepúsculo romântico
Quão belo é o sol quando no céu se ergue risonho,
E qual uma explosão nos lança o seu bom-dia!
— Feliz quem pode com amor e ébria alegria
Saudar-lhe o ocaso mais glorioso do que um sonho!
AS FLORES DO MAL
Ninguém pode cortar por mim o mato do quintal. Ele invadiu o pomar, ameaça obstruir os
caminhos. Digo-me que foi gerado pela força do meu silêncio ou da minha omissão. Mas de
fato foi semeado pela mão que outrora o arrancou e involuntariamente semeou. Crescido
forte e vigoroso, agora enche o trajeto de espanto, de amor-cego, de picão. O carrapicho, por
exemplo, essa flor incisiva, nasce no centro de um círculo raiado e vai expandindo seus
dedos, até entregar o bago louro de um trigo ruim. Visto de cima, ele tem a forma exata de
uma íris. Pelo menos, é a forma que enxergo quando fecho os olhos. Ninguém pode cortar o
mato, por mim. Nos dias de chuva, contemplo seu crescimento, sua tranquila absorção do
influxo da vida, o percurso que o levará a sufocar a civilização criada em torno dele. Em dias
como este, as mãos calejadas de sentido, me ajoelho e o ataco com as unhas. E no meio de
ervas daninhas suo, me sujo, concentrado como um artesão, enfurecido como um filósofo,
extirpá-lo. Enquanto isso, suas sementes caem no chão limpo e a terra as acolhe, hospitaleira.
Nuvens passam aos pedaços, quando me deito.
Ninguém pode cortar por mim o mato do quintal. Ele invadiu o pomar, ameaça obstruir os
caminhos. Digo-me que foi gerado pela força do meu silêncio ou da minha omissão. Mas de
fato foi semeado pela mão que outrora o arrancou e involuntariamente semeou. (...)
3 CONSIDERAÇÕES
Em suma, ao direcionarmos nosso olhar para contemporâneo via os poemas de
Baudelaire e de Siscar, descortinam-se os fios delineadores da malha poética e nos revelam
um modo peculiar que cada um teve em seu tempo. Ao mesmo tempo em que suas poesias
nos educam para melhor distinguirmos o claro e o escuro de nosso instante, indica que um
facho de luz também é um facho de trevas. E também contribuem para que possamos ser
mais humanos, e sermos capazes de expressarmos nossas sensações e sentimentos.
Além disso, para que tenhamos nossas próprias experiências, já que ninguém pode
fazê-las por nós. Independente da dor insuportável que possam significar, pois são elas o
mais poderoso caminho e a mais nobre saída em relação ao tédio. Nesse sentido,
precisamos aprender a nos instalar no limiar do instante para que sejamos felizes e também
tornar felizes aqueles à nossa volta. De igual maneira, que aprendamos a olhar para a
história sem, no entanto, permanecermos em um incessante ruminar, para que
transformemos o presente. Precisamos, sobretudo, aprender recuperar a experiência do
contar. E se tivermos consciência disso, então significa que já somos um ser também
contemporâneo.
4 REFERÊNCIAS:
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução de Vinícius Nicastro
Honesko. 1ª reimpressão. Chapecó, Santa Catarina: Argos - Editora da Unochapecó, 2009.
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 1985.
BENJAMIN, Walter. "O narrador". In: Textos escolhidos. São Paulo, Abril, 1980.
BENJAMIN, W. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, v.3,
1997.
ELIOT, T. S. Ensaios de doutrina crítica. Tradução e colaboração de Fernando de Mello Moser. 2. ed.
Lisboa: Guimarães Editores, s.d.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. “Considerações extemporâneas”. In. Obras completas. Tradução e notas
de Rubens Rodrigues Torres Filho. 3. ed. São Paulo: ABRIL Cultural, 1983.
SISCAR, Marcos. O roubo do silêncio. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.