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Charles Baudelaire e Marcos Siscar: ecos do contemporâneo

Gládiston de Souza Coelho1

Charles Baudelaire e Marcos Siscar: ecos do contemporâneo.


Charles Baudelaire and Marcos Siscar: echoes of contemporary.

RESUMO: Determinar os liames entre a poesia de Charles Baudelaire e de Marcos Siscar é uma
forma de unir dois poetas ao mesmo tempo tão distintos, dada a fronteira histórica e espacial que
os separa, e, de mesmo modo, tão próximos. Isso, tendo em vista a poesia que é a linha que liga
essas duas pontas, como uma ponte suspensa sobre seu próprio eixo. Se assim observarmos,
somente a malha poética permite tal aproximação. Nesse trabalho, analisamos como o
contemporâneo está presente nesses dois poetas, especificamente em dois poemas, o primeiro de
Baudelaire, intitulado “O crepúsculo romântico”; e o segundo, de Siscar, “As flores do mal”. Como
subsídio à compreensão do contemporâneo, utilizamos, aqui, os argumentos postos por Giorgio
Agamben, nas quais retoma as considerações postas por de Nietzsche nas suas Considerações
extemporâneas, na segunda consideração intitulada “II – Da Utilidade e Desvantagem da História
para a Vida”, de 1874.
PALAVRAS-CHAVE: Baudelaire; Siscar; Poesia; Contemporâneo.

ABSTRACT: Determining the liams between the poetry of Charles Baudelaire and Marcos Siscar
is a way to unite two poets at the same time as distinct, given the historical and spatial frontier that
separates them, and likewise, so close. That, with a view to poetry that is the line linking these two
ends, as a suspended bridge over its own axis. If we observe, only the poetic mesh permits such
approximation. In this work, we analyze how contemporary is present in these two poets,
specifically in two poems, the first of Baudelaire, entitled "The Romantic Twilight"; and the second,
of Siscar, "The flowers of evil." As a subsidy to the understanding of contemporary, we use the
arguments put by Giorgio Agamben, in which he resumes the considerations of Nietzsche in his
Extemporaneous Considerations, in the second consideration Entitled "II – Of the Usefulness and
Disadvantage of History for Life", of 1874.
KEYWORDS: Baudelaire; Siscar; Poetry; Contemporary.

1 INTRODUÇÃO
“É na interioridade que repousa então sensação, igual à cobra que engoliu
coelhos inteiros e em seguida, quieta e serena, se deita ao sol e evita todos os
movimentos, além dos mais necessários”
(Nietzsche)

Pretendemos, aqui, analisar e determinar o diálogo possível entre a poesia do poeta


francês Charles Baudelaire (1821-1867) e do brasileiro Marcos Siscar (1964 -), como uma
forma de unir dois poetas igualmente distintos, dada a fronteira histórica e espacial que os
separa, e, de mesmo modo, tão próximos, dados os tratamentos poéticos elaborados. Isso,
tendo em vista a malha poética que é a linha que liga essas duas pontas, tal qual uma ponte

1
Gládiston de Souza nasceu em Berilo, Minas Gerais, em 1972. Graduado em Letras pelo
Mackenzie (SP), com especialização em Literatura pela PUC-SP e mestrado em Literatura e Crítica
Literária também pela PUC-SP. Trabalha como Professor nas redes particular e pública estadual e
municipal de São Paulo.
e-mail: gladistonsouza@ig.com.br
que se sustenta sobre o próprio eixo. Como observaremos, essa tessitura poética permite
tal aproximação. Com esse objetivo, debruçamo-nos sobore o(s) modo(s) como o
contemporâneo constrói-se nesses dois poetas, tendo como objeto de estudo,
especificamente, dois poemas. O primeiro, de Baudelaire, intitulado “O crepúsculo
romântico”; e o segundo, de Siscar, “As flores do mal”. Como subsídio à compreensão do
contemporâneo, utilizamos, para este estudo, os argumentos postos por Giorgio Agamben,
nas quais retoma as considerações postas por Nietzsche nas suas Considerações
extemporâneas, na segunda consideração intitulada “II – Da Utilidade e Desvantagem da
História para a Vida”, de 1874.

2 DISCUSSÃO TEÓRICA
A categoria genérica da poesia a partir de Baudelaire é o marginal. O artista típico
moderno é antiburguês e se apropria daqueles que estão fora do sistema, comumente
chamados de marginais, não na acepção rebaixada de criminoso, mas na de que são os
excluídos da sociedade. Enquanto a burguesia está centrada no espaço tido como “centro”,
os marginais estão localizados na linha periférica do círculo.
A imagem pública do artista é o do marginal. Ele mesmo cria uma imagem de
alguém que não é igual aos outros. Nunca está em um lugar onde os outros estão. O artista
moderno típico é antiburguês, e se apropria daqueles que são excluídos na cidade, o que já
denota o modo como esse sujeito se apresenta no mundo.
Antes da análise dos poemas citados, é necessário, antes, de se compreender a
linguagem da poesia no período denominado modernismo, para que se possa, a partir daí,
depreender as formações discursivas como reflexos do pensamento do homem no
momento em que a sociedade passa por grandes transformações. Dentre essas mudanças, a
primeira grande guerra viria, de forma catastrófica, mudar totalmente o cenário mundial, e
em consequência, a identidade do homem moderno também começa a se fragmentar. E
são características como essas que pretendemos observar de que maneira estão presentes
nos poemas de Baudelaire e de Siscar.
A maior dificuldade de se entender a modernidade repousa no próprio fato de que,
por estar tão próximo aos nossos olhos, torna-se um grande obstáculo a quem pretenda
uma análise das formas poéticas desse período. Walter Benjamim, ao tecer considerações
acerca da sociedade moderna, discorre principalmente sobre o poeta francês Baudelaire,
com o objetivo de elucidar a imagem do artista relacionando-a com a do herói.
O período que antecedeu o momento de Baudelaire forneceu as bases para as
mudanças que culminariam em uma nova forma de se pensar o mundo. Após a revolução
industrial e a consequente divisão do trabalho, surgiram, juntamente com o progresso
científico e o desenvolvimento urbano, os grandes problemas que marcariam, de forma
agressiva e expressiva, a identidade do homem. O topos em que ele está inserido não é mais
a natureza proposta pela estética romântica, o locus amoenus, mas, pelo contrário, um espaço
físico em que o cinza torna-se cor local predominante.
Se, portanto, esse espaço não é mais aquele, a personalidade e a visão do mundo
desse sujeito também não o são. Se em toda a tradição literária a criação surge do intelecto
e criatividade do poeta, inspirado pelas musas, o artista moderno tem que trabalhar a
construção do percurso proposto, seja tanto a obra enquanto estrutura quanto a trajetória
dos seus personagens.
Um dos grandes fatores implementados na indústria foi a planificação e a
simplificação do sistema de produção, tornando-o um processo repetitivo e, portanto,
igualitário. Daí, como consequência e como modelo, a mesmice em grande escala será o
arquétipo dessa sociedade.
O tempo do trabalho e a luta pela sobrevivência, em um espaço muito frio e
tumultuado, quando começa a crescer a concorrência, despertam nesse poeta um
sentimento de melancolia e, por conseguinte, de desprezo pela sociedade em que vive. A
modernidade tem uma ligação profunda com o espaço da cidade. O homem moderno
acha-se incapaz de fugir do espaço no qual está fixo. Esses fatores o levarão à não aceitação
da massificação, da planificação, mas busca à diferenciação, uma vez que ele nega o senso
comum, e por esse motivo quer ser o não-igual. (Benjamin, 1980)
Na poesia moderna, o que observamos é a encenação da poesia, uma vez que o
lírico sai de cena, uma estranha poesia em que o lírico não se deixa ouvir, não se ouve mais
a voz do sujeito, do eu, mas que se ouve no palco do texto, a teatralização do eu. Não é
diferente em Baudelaire e Siscar essa despersonalização. Nela, o sujeito é substituído pelo
processo, que é a reencarnação dos ritos, enquanto o eu lírico sai de cena. No entanto, em
Baudelaire e Siscar, principalmente, parece-nos que esse eu, pela tensão da palavra, parece
emergir com força brutal a ponto de rasgar a própria estrutura.
Vejamos, a seguir, os poemas de Baudelaire e de Siscar como uma forma de fazer
brotar os elementos poéticos característicos a ambos que, apesar da delimitação espacial e
temporal, os tornam tão próximos. E, assim, adentra ao contemporâneo em cada um deles.
O crepúsculo romântico
Quão belo é o sol quando no céu se ergue risonho,
E qual uma explosão nos lança o seu bom-dia!
— Feliz quem pode com amor e ébria alegria
Saudar-lhe o ocaso mais glorioso do que um sonho!

Recordo-me! Eu vi tudo, a flor, o sulco, a fonte,


Murchar sob o esplendor dessa pupila que arde...
— Corramos todos sem demora ao poente, é tarde,
Para abraçar um raio oblíquo no horizonte!

Mas eu persigo em vão o Deus que ora se ausenta;


A irresistível Noite o seu império assenta,
Úmida, negra, erma de estrelas ou faróis;

Um odor de sepulcro em meio às trevas vaga,


E junto aos pantanais meu pé medroso esmaga
Inesperadas rãs e frios caracóis.
Charles Baudelaire

Observamos no poema de Baudelaire a força de seus versos já no título ao tecer


críticas ao período que o antecede, o Romantismo. E assim anuncia a chegada de um novo
tempo. Esse tempo é para Baudelaire o tempo realista, cuja luz faz enxergar uma sociedade
transformada pelo desenvolvimento. É um tempo que se evidencia pelas ruínas de um
tempo, como fragmentos da memória materializada nas palavras que edificam os versos.

AS FLORES DO MAL
Ninguém pode cortar por mim o mato do quintal. Ele invadiu o pomar, ameaça obstruir os
caminhos. Digo-me que foi gerado pela força do meu silêncio ou da minha omissão. Mas de
fato foi semeado pela mão que outrora o arrancou e involuntariamente semeou. Crescido
forte e vigoroso, agora enche o trajeto de espanto, de amor-cego, de picão. O carrapicho, por
exemplo, essa flor incisiva, nasce no centro de um círculo raiado e vai expandindo seus
dedos, até entregar o bago louro de um trigo ruim. Visto de cima, ele tem a forma exata de
uma íris. Pelo menos, é a forma que enxergo quando fecho os olhos. Ninguém pode cortar o
mato, por mim. Nos dias de chuva, contemplo seu crescimento, sua tranquila absorção do
influxo da vida, o percurso que o levará a sufocar a civilização criada em torno dele. Em dias
como este, as mãos calejadas de sentido, me ajoelho e o ataco com as unhas. E no meio de
ervas daninhas suo, me sujo, concentrado como um artesão, enfurecido como um filósofo,
extirpá-lo. Enquanto isso, suas sementes caem no chão limpo e a terra as acolhe, hospitaleira.
Nuvens passam aos pedaços, quando me deito.

Siscar, em “AS FLORES DO MAL”, comprova a ideia da experiência como via de


construção do instante cotidiano, como única. Afinal, ninguém pode ter no lugar de outro
uma dada experiência, por mais insuportável que ela possa parecer. Ela é única: “Ninguém
pode cortar por mim o mato do quintal. Ele invadiu o pomar, ameaça obstruir os
caminhos.”.
Na parte inicial de seu poema, o “mato” constitui a tensão necessária à
concretização dessa experiência, uma vez que brota do silêncio ou da omissão da voz lírica
que expressa nos versos. Sendo assim, ele mesmo precisa extirpar esse mato, e precisa
reaprender, por meio da consciência, que ele mesmo o plantara no ato do arrancar. Nascer
e morrer constituem-se elementos tensos tal qual em Baudelaire a claridade do “sol” e a
obscuridade do “ocaso”. O quintal pode ser entendido como um mundo à parte, os fundos
da casa estão distantes do olhar dos passantes, região periférica, marginal. Este é o último
local para o qual se dirige o olhar daquele cujo pensamento ata-se ao senso comum.
Siscar vincula o contemporâneo dele ao de Baudelaire no momento em que retoma
as “AS FLORES DO MAL” no título de seu poema. No entanto, tais flores também
trazem em si mesmas as novas mudanças de seu tempo, são as novas experiências que o
poema abarca em si. Como a contradição está no interior de nós e do texto, ela, de igual
maneira, penetra a malha poética.
Em Baudelaire, corta-se o cordão umbilical que prendia o instante e o seu
momento anterior. Não obstante no rompimento, essa linha partida instaura um vazio, um
vazio que é também cheio de significados. Pois toda mudança traz consigo o estado natural
anterior sem o qual o próprio conceito de mudança perderia seu sentido. Na segunda
estrofe, as ruínas desse tempo são recuperadas pela memória em:

Recordo-me! Eu vi tudo, a flor, o sulco, a fonte,


Murchar sob o esplendor dessa pupila que arde...
— Corramos todos sem demora ao poente, é tarde,
Para abraçar um raio oblíquo no horizonte!

No entanto há um jogo entre o claro e o escuro materializado no contraste entre o


primeiro verso “Quão belo é o sol quando no céu se ergue risonho,” e o último “Saudar-
lhe o ocaso mais glorioso do que um sonho!”. A beleza do termo “sol” está em posição
diametralmente oposta a “ocaso”, mas tangem-se harmoniosamente, criando a relação
paradoxal necessária à tensão entre o passado e presente, entre, como propõe Agamben, o
crepúsculo do tempo anterior e a infância do instante.
Agamben (2009) sugere que não há presente sem passado, mas que essa relação é
sempre um estado tenso. Para que haja mudança no presente é necessário o desapego do
passado, não de forma a abandoná-lo completamente. A tradição, nesse sentido, como
também propõe T. S. Eliot, em seus artigos “Tradição e talento individual” e “A função da
crítica” (In ELIOT, T.S. Ensaios de doutrina crítica.), é de grande importância para que
aprendamos a olhar para o instante presente.
Mas Nietzsche chama a atenção para que o sujeito não fique atado ao passado em
um eterno regurgitar, mas apenas expelir o excedente para se aproveitar máximo do sumo.
Ele diferencia dois tipos de homem: os homens históricos, mais presos ao passado e
incapazes de depreender o presente; e os homens supra históricos, aquele que trazem em si
o passado e o presente, e, portanto competentes o suficiente de enxergar a obscuridade do
seu tempo.
Baudelaire e Siscar pertencem, então, aos segundos, dada a capacidade de
enxergarem o presente, tomarem a dor como o mais poderoso caminho e a mais nobre
saída em relação ao tédio, pois sem ela não há atrito, e sem atrito é impossível, na
concepção deles, de se chegar à consciência.
Nietzsche, em suas considerações intempestivas, em especial na segunda, preocupa-
se em falar sobre o ensino e a educação do seu tempo, como o mundo ensina, está
preocupado com a formação do homem, assim como Baudelaire e Siscar também. E
Nietzsche liga isso ao sentir. Aliar a educação estética do homem ao sentimento. E
observamos tal formação tanto em “O crepúsculo romântico” e “As flores do mal”, no
instante em que na malha poética são criadas as sensações e propiciada a aprendizagem que
o sujeito vai tendo no mundo.
O autor evidencia ao momento da consciência pela tensão entre a razão da luz do
sol que mostra o real como tal ele se apresenta propiciada da emoção festiva da embriaguez
em “— Feliz quem pode com amor e ébria alegria / Saudar-lhe o ocaso mais glorioso do
que um sonho!:”. Fundem-se em uma única estrofe realidades díspares, o que indicia as
tensões causadas no interior do homem pelas suas relações exteriores. Assim, o externo
rasga sem piedade o interno, modificando-o de forma brutal. No entanto, é essa
brutalidade que o poeta pretende inscrever no corpo do poema, pois é ela que tira o ser de
seu estado alienante e o lança nas agruras de seu tempo.
Para Agamben, tomando as considerações intempestivas de Nietzsche, o
contemporâneo é feito de trevas e não de luzes. São nas trevas que o ser se mostra
realmente em situação de desconforto, e por isso tem que se movimentar, sair de seu
estado estático para se lançar à luta. Baudelaire analisa seu momento como um não, um não
que é um sim, com uma obscuridade. Um escuro que também é feito de luz, contudo
inalcançável. Nesse sentido, a perplexidade se materializa na obscuridade. Mas onde está
essa obscuridade? Onde está esse presente?
O cotidiano tem coisas mais significativas, porém são experiências insuportáveis.
Os constantes conflito parecem tornar esses instantes insuportáveis para indivíduo. Com
isso, cria-se uma tensão que aponta certa necessidade, mas enquanto necessidade de um
contar como prática diária, já que a falta torna esse cotidiano insuportável. Vislumbram-nos
as imagens recriadas por Baudelaire e Siscar, de onde emanam elementos os quais passaria
despercebidos pelo olhar comum, e tal ofuscamento se dá pelo brilho excessivo do senso
comum, que nos impede de ver a realidade pura.
E assim Baudelaire expressa que

Mas eu persigo em vão o Deus que ora se ausenta;


A irresistível Noite o seu império assenta,
Úmida, negra, erma de estrelas ou faróis; (...).

Siscar, em “AS FLORES DO MAL”, comprova a ideia da experiência como via de


construção do instante cotidiano, como única. Afinal, ninguém pode ter no lugar de outro
uma dada experiência, por mais insuportável que ela possa parecer. Ela é única:

Ninguém pode cortar por mim o mato do quintal. Ele invadiu o pomar, ameaça obstruir os
caminhos. Digo-me que foi gerado pela força do meu silêncio ou da minha omissão. Mas de
fato foi semeado pela mão que outrora o arrancou e involuntariamente semeou. (...)

Nessa parte inicial de seu poema, o “mato” constitui a tensão necessária à


concretização dessa experiência, uma vez que brota do silêncio ou da omissão da voz lírica
que expressa nos versos. Sendo assim, ele mesmo precisa extirpar esse mato, e precisa
reaprender, por meio da consciência, que ele mesmo o plantara no ato do arrancar. Nascer
e morrer constituem-se elementos tensos tal qual em Baudelaire a claridade do “sol” e a
obscuridade do “ocaso”.
Se em Siscar, foi em vão arrancar esse mato na tentativa de desobstruir “os
caminhos”, em Baudelaire torna-se também vã a persistência na perseguição ao “Deus”
sempre ausente, ou mesmo na busca tardia em “— Corramos todos sem demora ao
poente, é tarde, / Para abraçar um raio oblíquo no horizonte!”. Podemos entender que
Baudelaire analisa seu momento como um não, um não que é um sim, com uma
obscuridade. Um escuro que também é feito de luz, contudo inalcançável. Segundo a
proposta desses dois poetas e o que propõem Agamben e Eliot, é essa persistência que tira
o sujeito de seu estado de alienação, é um persistir sempre, uma busca infindável.
Siscar inverte os valores no olhar positivo lançado ao carrapicho, considerado pelo
olhar comum como uma praga: “O carrapicho, por exemplo, essa flor incisiva, nasce no
centro de um círculo raiado e vai expandindo seus dedos, até entregar o bago louro de um
trigo ruim.”. Ou seja, consegue percorrer aqueles ambientes que ninguém percebe.
De mesma maneira, Baudelaire vê nos sujeitos marginalizados o tema para sua obra:
“Um odor de sepulcro em meio às trevas vaga, / E junto aos pantanais meu pé medroso
esmaga / Inesperadas rãs e frios caracóis.”. O carrapicho é para Siscar o que as flores do
mal são para Baudelaire, algo bom, porque arrebatam com o tempo, como algo que tem
valor. Olhar para o carrapicho e para as flores do mal se constitui um modo de olhar para o
que é marginal e, assim, tirá-los da condição da marginalidade. E é essa experiência que traz
a tranquilidade.
Agamben (2009) aponta que

Nietzsche situa a sua exigência de “atualidade”, a sua


“contemporaneidade” em relação ao presente, numa desconexão e numa
dissociação. Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente
contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem
está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual;
mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e
desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e
apreender o seu tempo. (AGAMBEN, 2009, PP.58-59)

Se tomarmos essa afirmação, então podemos reconhecer em Baudelaire e Siscar


esse caráter de inatualidade, como dois poetas contemporâneos a seu tempo cada um. Em
Siscar, ao falar do carrapicho, parece obliterar o tom pejorativo, quando descreve a cena
seguinte

Crescido forte e vigoroso, agora enche o trajeto de espanto, de amor-cego, de picão.


O carrapicho, por exemplo, essa flor incisiva, nasce no centro de um círculo raiado e
vai expandindo seus dedos, até entregar o bago louro de um trigo ruim. Visto de cima,
ele tem a forma exata de uma íris. Pelo menos, é a forma que enxergo quando fecho
os olhos.

Podemos reinventar o campo, mas não será o mesmo campo. Descobrir a


obscuridade e a luz nesse contraponto (Agamben) é como lançar luz sobre o que é
invisível. De igual maneira, Baudelaire lança luz sobre os elementos marginais, que estão
sufocados na cidade e passam despercebidos aos poetas. Ao fazer isso, tanto Baudelaire
como Siscar faz emergir do ostracismo as figuras marginais, apagadas da sociedade.
Nos dois poemas de Siscar, Tanto os carrapichos presentes em
“FENOMENOLOGIA DO CARRAPICHO”, que se tornam empecilhos ao jardim, como
também os matos de “AS FLORES DO MAL” podem não ser elementos de valor, de
acordo com o olhar estereotipado da sociedade burguesa. Em contrapartida, mesmo que
essa experiência seja algo negativa, ainda assim tem de ser experimentada, já que ninguém
pode fazer isto pelo outro.
Para Agamben, ou eu tenho a experiência do mundo ou ninguém poderá vivê-la
por mim, e é esta experiência é que entra na discussão, ela como metáfora do próprio
tempo. Se entendermos o tempo como experiência, e não experimentamos esse tempo,
então, hipoteticamente, chegamos à conclusão da destruição dessa experiência. Com isso, o
cotidiano, novamente, automatiza-se. A literatura luta contra essa postura, e se não for por
meio dela, esse sujeito também se torna alienado.

3 CONSIDERAÇÕES
Em suma, ao direcionarmos nosso olhar para contemporâneo via os poemas de
Baudelaire e de Siscar, descortinam-se os fios delineadores da malha poética e nos revelam
um modo peculiar que cada um teve em seu tempo. Ao mesmo tempo em que suas poesias
nos educam para melhor distinguirmos o claro e o escuro de nosso instante, indica que um
facho de luz também é um facho de trevas. E também contribuem para que possamos ser
mais humanos, e sermos capazes de expressarmos nossas sensações e sentimentos.
Além disso, para que tenhamos nossas próprias experiências, já que ninguém pode
fazê-las por nós. Independente da dor insuportável que possam significar, pois são elas o
mais poderoso caminho e a mais nobre saída em relação ao tédio. Nesse sentido,
precisamos aprender a nos instalar no limiar do instante para que sejamos felizes e também
tornar felizes aqueles à nossa volta. De igual maneira, que aprendamos a olhar para a
história sem, no entanto, permanecermos em um incessante ruminar, para que
transformemos o presente. Precisamos, sobretudo, aprender recuperar a experiência do
contar. E se tivermos consciência disso, então significa que já somos um ser também
contemporâneo.

4 REFERÊNCIAS:
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução de Vinícius Nicastro
Honesko. 1ª reimpressão. Chapecó, Santa Catarina: Argos - Editora da Unochapecó, 2009.
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: nova Fronteira, 1985.
BENJAMIN, Walter. "O narrador". In: Textos escolhidos. São Paulo, Abril, 1980.
BENJAMIN, W. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, v.3,
1997.
ELIOT, T. S. Ensaios de doutrina crítica. Tradução e colaboração de Fernando de Mello Moser. 2. ed.
Lisboa: Guimarães Editores, s.d.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. “Considerações extemporâneas”. In. Obras completas. Tradução e notas
de Rubens Rodrigues Torres Filho. 3. ed. São Paulo: ABRIL Cultural, 1983.
SISCAR, Marcos. O roubo do silêncio. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

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