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Regulamentação da prostituição como condição para justiça: uma análise das

demandas de prostitutas reunidas em associações

A proposta deste artigo é analisar as demandas elencadas pelos principais


movimentos de prostitutas no Brasil, buscando compreender como suas reivindicações
dizem respeito às condições de instauração de justiça para essas pessoas. Nesse sentido,
trata-se de uma investigação sobre a inserção política das trabalhadoras do sexo nas
arenas públicas, espaço no qual elas passam a criar uma linguagem de direitos afinadas
às suas necessidades, e também da efetivação do seu reconhecimento no nível das
interações sociais.
O estudo se insere nos debates feministas (acadêmicos e militantes) que
tematizam a regulamentação da prostituição, embasados em pautas predominante
abolicionistas1. De acordo com Adriana Piscitelli (2012a) é a partir do final da década
de 1990 que começaram a aparecer no Brasil, de modo proeminente, discussões sobre a
prostituição nos estudos e movimentos feministas, ligados sobretudo às visões negativas
da atividade, relacionando-a ao tráfico de pessoas e ao turismo sexual. Nesse contexto,
os discursos abolicionistas se justificam e se alicerçam na premissa de que a prostituição
é uma violência contra as mulheres, sustentando que ela não pode ser definida como
trabalho. Esse argumento aponta para as condições desumanas da atividade,
relacionando-a à pobreza (enfatizando a carência material que impõe a necessidade de
exercer a prostituição) ou ao sofrimento psicológico (apontando para os traumas
sofridos por mulheres que foram conduzidas pelos caminhos da prostituição). Esta
agenda nega a existência de formas de prostituição livres de coerções, afirmando-as
como contrárias aos direitos humanos universais.
Para Piscitelli (2012a, 2012b) alguns fatores explicam o destaque da posição
contrária à regulamentação no espaço público, principalmente as legislações e ações do
Estado em relação à prostituição, tais como o Código Penal e a Política Nacional de
Enfretamento ao Tráfico de Pessoas. Outras perspectivas teóricas e políticas2
adentraram neste debate, por vezes assumindo a prostituta como símbolo de libertação
1
O abolicionismo foi uma corrente de pensamento relacionado às primeiras fases do feminismo na
Europa, cuja intenção era promover a libertação das vítimas (prostitutas) dos sistemas de opressão. É no
século XIX que, de acordo com Piscitelli (2012a), o tráfico sexual passa a ser introduzido nessa
discussão.
2
Piscitelli (2012b) aponta quatro modelos predominantes na discussão internacional sobre a
regulamentação da prostituição, que também tiveram acolhida no contexto brasileiro: a) regulamentarista;
b) trabalhista; c) proibicionista; e d) abolicionista. Segundo a autora três deles condenam moralmente a
prostituição, quais sejam, o regulamentarista, o abolicionista e o proibicionista.
das mulheres (na medida em que elas subvertiam o controle patriarcal do gênero e da
sexualidade), e em outras circunstâncias apontando a prostituição como um terreno de
disputas que oscilam entre submissão e emancipação - considerando o sexo como uma
tática cultural (PISCITELLI, 2012b). Neste mapa de debates a prostituição foi discutida
também como trabalho, apontando para as condições do mercado no qual ela se insere, e
fazendo um paralelo com outras atividades que exigem distanciamento/aproximação
emocional.
As prostitutas (reunidas ou não em grupos) também participaram do debate
exposto acima. À medida em que elas ampliaram sua participação na arena pública, os
argumentos foram sendo complexificados, e outras argumentações entraram em
concorrência para definir os rumos da prostituição. Muitas associações passaram a
defender o exercício da atividade em condições dignas, livres da criminalização e da
violência. Além disso, pautas sobre direitos trabalhistas e saúde pública despontaram
como imprescindíveis para informar a discussão. Segundo Piscitelli (2012b), a partir
dessa configuração, houve a inclusão de uma postura emergente nas discussões sobre a
regulamentação, que considerou o sexo (e a prostituição) como um campo de disputa de
poderes que pode desestabilizar ou reforçar posições de gênero. Desse modo, a
prostituta não poderia ser reduzida a um objeto utilizado no sexo, mas deveria ser
considerada um agente ativo na ordem sexual existente. O mercado do sexo, por sua
vez, não poderia ser restringido a duas posições distintas: submissão feminina e
dominação masculina.
O presente trabalho analisa as reivindicações de oito associações de prostitutas
no Brasil3. São elas: a) região sudeste: Davida (Rio de Janeiro), Associação das
Prostitutas de Minas Gerais - Aspromig (Minas Gerais) e Mulheres Guerreiras
(Campinas); b) região sul: Núcleo de Estudo da Prostituição (Porto Alegre); c) região
norte: Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará - Gempac (Belém); d) região
nordeste: Associação de Prostitutas da Bahia - Aprosba (Bahia), Associação
Pernambucana de Profissionais do Sexo - Apps (Recife) e Associação de Prostituta da
Paraíba - Apros-PB (Campina Grande). Além disso, será investigada a Rede Brasileira
de Prostitutas (RBP), que promove a articulação política entre esses grupos.
O estudo é realizado em duas etapas: a) inicialmente foram analisadas as
postagens em redes sociais e blogs das associações, retendo as que dizem respeito às

3
A escolha dos grupos para análise foi feita levando em consideração os mais atuantes em cada região, e
também pela possibilidade de acesso às principais demandas por meio de redes sociais e blogs.
suas principais reivindicações, à missão e às ações promovidas. Nessa etapa foram
averiguadas as demandas dos grupos (em aspecto individual e entrecruzado), e o
material foi compilado em quadros explicativos; b) posteriormente foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com as principais representantes das associações, a fim de
aprofundar a compreensão das reivindicações em sua relação com uma ideia de justiça,
participação política e reconhecimento. A entrevista foi dividida em três partes: a) a
primeira corresponde à coleta de dados pessoais, tais como nome, idade, ingresso e
tempo na atividade, motivações para entrada na prostituição; b) a segunda tangencia a
relação das prostitutas com a associação: motivações para engajamento no grupo,
aspirações na militância, os principais direitos exigidos; c) a terceira é sobre a relação
das demandas com a compreensão de justiça, representação e reconhecimento: como as
reivindicações são importantes para que a prostituta participe na política, como elas
redefinem suas condições de trabalho, de que modo elas contribuem para seu
reconhecimento, como elas transformam sua posição social.
Os resultados preliminares do estudo, que correspondem à análise do espaço das
redes sociais e blogs, apontam para uma confluência entre as reivindicações principais,
tais como a regulamentação profissional, a luta por direitos de cidadania, a busca pela
auto-organização das prostitutas e a reversão dos estigmas e preconceitos. Além dessas,
percebe-se que demandas específicas são acrescentadas: promoção à saúde, lutar contra
o tráfico de pessoas para exploração sexual, combater a violência infanto-juvenil, etc.
Essa convergência entre as principais associações se deve a cartilha apresentada pela
RBP, que aponta a missão e os valores centrais, ordenando os demais grupos em torno
de determinadas questões.
A RBP, fundada em 1987, apresenta como sua missão promover a cidadania e os
direitos das prostitutas, articular as associações, fortalecer a identidade profissional,
reduzir o estigma e a discriminação, e melhorar a qualidade de vida das trabalhadoras
do sexo. Seus objetivos são derivados daí: a) assumir a identidade profissional e buscar
o reconhecimento; b) promover a igualdade social das prostitutas; c) favorecer a
liberdade, a dignidade e o respeito; d) incentivar o protagonismo e a autonomia; e)
colaborar com a elevação da autoestima; f) rejeitar o abolicionismo e a vitimização das
prostitutas; g) lutar pelo direito à cidadania; e c) recusar o gueto social e simbólico.
Ao olhar para as reivindicações e a cartilha da RBP percebe-se que se enunciam
demandas consideradas essenciais para que as prostitutas possam participar de modo
paritário na sociedade e na política, definindo-se como sujeitos de direito que podem se
inscrever na esfera pública e construir seu próprio discurso (tanto do ponto de vista
legal, como a reivindicação da regulamentação para melhorias na qualidade de vida e
trabalho, quanto simbólico, tal qual a necessidade de serem consideradas interlocutoras
legítimas). Acredita-se que a inserção das reivindicações dessa organização no debate
acerca das legislações e posições sociais das prostitutas questiona o que é justo e
legítimo para as pessoas envolvidas em uma atividade marcada pelo estigma,
questionando o poder de decisão sobre suas vidas advindas de instituições formais nas
quais elas não possuem representação. Além disso, as demandas apontam para a
necessidade de discutir formas de reconhecimento que tem sido negadas às prostitutas,
estigmatizando-as e colocando-as em um gueto simbólico, sem possibilidade de
paridade nas relações sociais mais amplas. Essas questões, quando analisadas a partir
das reivindicações das associações, são condensadas muitas vezes pela noção de
cidadania, que possui tanto um aspecto material (a necessidade de garantir a saúde
pública, a obtenção de direitos trabalhistas) quanto simbólico (tal como a necessidade
de respeito, a promoção da autoestima e a saída de um gueto moral).
Para compreender as articulações feitas pelas prostitutas que participaram das
entrevistas, trabalha-se com a concepção de justiça de Nancy Fraser (2010), que opera a
partir de três esferas: redistribuição, reconhecimento e representação. Essas dimensões
configuram a noção de “paridade de participação”, que prevê a igualdade de valor moral
dos sujeitos nas interações sociais. As disputas em torno dos valores morais permitem a
condução de arranjos políticos/sociais que fundamentam a paridade de participação. O
sujeito não possui condições de agir no social quando sua existência está baseada em
um enquadramento controvertido que o desqualifica, impedindo que demande recursos
materiais ou igualdade de status – os reclamos advindos desses indivíduos nem sequer
são considerados legítimos.
Superar a injustiça significa desmontar os obstáculos institucionalizados que
impedem que determinados indivíduos participem da sociedade como parceiros plenos
das interações sociais. Existem, pelo menos, três formas de desrespeito que configuram
essa situação: a impossibilidade de obtenção de recursos econômicos, as hierarquias de
status institucionalizadas que subjugam determinados grupos, e a negação da tomada da
palavra na deliberação pública.
Acredita-se que a reunião das prostitutas em associações e a promoção de suas
demandas questionam os princípios de justiça que se impõe sobre elas, e reivindicam
uma formulação que pretende as incluir enquanto sujeitos políticos que elaboram
intersubjetivamente seus próprios direitos. Tais associações vão inferir sobre os
princípios de reconhecimento e representação adequados para sua participação paritária,
invertendo a situação da injustiça a qual as prostitutas estão expostas. Deste modo,
conclui-se que a discussão engloba uma política de transformação cultural com ênfase
em uma requisição por justiça que extravasa as condições críticas ligadas aos problemas
de gênero e sexualidade.

Referências Bibliográficas:
FRASER, N. Scales of justice: reimaging political space in a globalizing world. New
York: Columbia University Press, 2010.
PISCITELLI, A. Feminismo e prostituição no Brasil: uma leitura a partir da
antropologia feminista. In: Cuadernos de Antropología Social, nº 36, 2012a, p. 11 –
31.
____________. Exploração sexual, trabalho sexual: noções e limites. In: Seminário
Corpos, sexualidade e feminilidade. Rio de Janeiro, 2012b, p. 1-15.

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