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A escolha dos grupos para análise foi feita levando em consideração os mais atuantes em cada região, e
também pela possibilidade de acesso às principais demandas por meio de redes sociais e blogs.
suas principais reivindicações, à missão e às ações promovidas. Nessa etapa foram
averiguadas as demandas dos grupos (em aspecto individual e entrecruzado), e o
material foi compilado em quadros explicativos; b) posteriormente foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com as principais representantes das associações, a fim de
aprofundar a compreensão das reivindicações em sua relação com uma ideia de justiça,
participação política e reconhecimento. A entrevista foi dividida em três partes: a) a
primeira corresponde à coleta de dados pessoais, tais como nome, idade, ingresso e
tempo na atividade, motivações para entrada na prostituição; b) a segunda tangencia a
relação das prostitutas com a associação: motivações para engajamento no grupo,
aspirações na militância, os principais direitos exigidos; c) a terceira é sobre a relação
das demandas com a compreensão de justiça, representação e reconhecimento: como as
reivindicações são importantes para que a prostituta participe na política, como elas
redefinem suas condições de trabalho, de que modo elas contribuem para seu
reconhecimento, como elas transformam sua posição social.
Os resultados preliminares do estudo, que correspondem à análise do espaço das
redes sociais e blogs, apontam para uma confluência entre as reivindicações principais,
tais como a regulamentação profissional, a luta por direitos de cidadania, a busca pela
auto-organização das prostitutas e a reversão dos estigmas e preconceitos. Além dessas,
percebe-se que demandas específicas são acrescentadas: promoção à saúde, lutar contra
o tráfico de pessoas para exploração sexual, combater a violência infanto-juvenil, etc.
Essa convergência entre as principais associações se deve a cartilha apresentada pela
RBP, que aponta a missão e os valores centrais, ordenando os demais grupos em torno
de determinadas questões.
A RBP, fundada em 1987, apresenta como sua missão promover a cidadania e os
direitos das prostitutas, articular as associações, fortalecer a identidade profissional,
reduzir o estigma e a discriminação, e melhorar a qualidade de vida das trabalhadoras
do sexo. Seus objetivos são derivados daí: a) assumir a identidade profissional e buscar
o reconhecimento; b) promover a igualdade social das prostitutas; c) favorecer a
liberdade, a dignidade e o respeito; d) incentivar o protagonismo e a autonomia; e)
colaborar com a elevação da autoestima; f) rejeitar o abolicionismo e a vitimização das
prostitutas; g) lutar pelo direito à cidadania; e c) recusar o gueto social e simbólico.
Ao olhar para as reivindicações e a cartilha da RBP percebe-se que se enunciam
demandas consideradas essenciais para que as prostitutas possam participar de modo
paritário na sociedade e na política, definindo-se como sujeitos de direito que podem se
inscrever na esfera pública e construir seu próprio discurso (tanto do ponto de vista
legal, como a reivindicação da regulamentação para melhorias na qualidade de vida e
trabalho, quanto simbólico, tal qual a necessidade de serem consideradas interlocutoras
legítimas). Acredita-se que a inserção das reivindicações dessa organização no debate
acerca das legislações e posições sociais das prostitutas questiona o que é justo e
legítimo para as pessoas envolvidas em uma atividade marcada pelo estigma,
questionando o poder de decisão sobre suas vidas advindas de instituições formais nas
quais elas não possuem representação. Além disso, as demandas apontam para a
necessidade de discutir formas de reconhecimento que tem sido negadas às prostitutas,
estigmatizando-as e colocando-as em um gueto simbólico, sem possibilidade de
paridade nas relações sociais mais amplas. Essas questões, quando analisadas a partir
das reivindicações das associações, são condensadas muitas vezes pela noção de
cidadania, que possui tanto um aspecto material (a necessidade de garantir a saúde
pública, a obtenção de direitos trabalhistas) quanto simbólico (tal como a necessidade
de respeito, a promoção da autoestima e a saída de um gueto moral).
Para compreender as articulações feitas pelas prostitutas que participaram das
entrevistas, trabalha-se com a concepção de justiça de Nancy Fraser (2010), que opera a
partir de três esferas: redistribuição, reconhecimento e representação. Essas dimensões
configuram a noção de “paridade de participação”, que prevê a igualdade de valor moral
dos sujeitos nas interações sociais. As disputas em torno dos valores morais permitem a
condução de arranjos políticos/sociais que fundamentam a paridade de participação. O
sujeito não possui condições de agir no social quando sua existência está baseada em
um enquadramento controvertido que o desqualifica, impedindo que demande recursos
materiais ou igualdade de status – os reclamos advindos desses indivíduos nem sequer
são considerados legítimos.
Superar a injustiça significa desmontar os obstáculos institucionalizados que
impedem que determinados indivíduos participem da sociedade como parceiros plenos
das interações sociais. Existem, pelo menos, três formas de desrespeito que configuram
essa situação: a impossibilidade de obtenção de recursos econômicos, as hierarquias de
status institucionalizadas que subjugam determinados grupos, e a negação da tomada da
palavra na deliberação pública.
Acredita-se que a reunião das prostitutas em associações e a promoção de suas
demandas questionam os princípios de justiça que se impõe sobre elas, e reivindicam
uma formulação que pretende as incluir enquanto sujeitos políticos que elaboram
intersubjetivamente seus próprios direitos. Tais associações vão inferir sobre os
princípios de reconhecimento e representação adequados para sua participação paritária,
invertendo a situação da injustiça a qual as prostitutas estão expostas. Deste modo,
conclui-se que a discussão engloba uma política de transformação cultural com ênfase
em uma requisição por justiça que extravasa as condições críticas ligadas aos problemas
de gênero e sexualidade.
Referências Bibliográficas:
FRASER, N. Scales of justice: reimaging political space in a globalizing world. New
York: Columbia University Press, 2010.
PISCITELLI, A. Feminismo e prostituição no Brasil: uma leitura a partir da
antropologia feminista. In: Cuadernos de Antropología Social, nº 36, 2012a, p. 11 –
31.
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Corpos, sexualidade e feminilidade. Rio de Janeiro, 2012b, p. 1-15.