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Muitos povos eram pobres, mas alguns possuíam riquezas fartas, ostentavam
artefatos luxuosos e acumulavam tesouros de ouro e pedras preciosas. A mais
completa ausência de tecnologias “modernas”, tais como ferro, arado ou pólvora não
impedia um estilo de vida gerador de riquezas capazes de despertar sanguinárias
ganâncias nos sonhos dos conquistadores que varreram as Américas do México ao
Peru.
Porém, não era possível dissociar a ideia do índio primitivo das suas práticas
de canibalismo, o que estava presente em muitos relatos de viajantes. As opiniões
sobre o tema divergiam: tratava-se de canibalismo ritual ou de antropofagismo
alimentar?
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As aventuras de Hans Staden renderam no Brasil um filme longa metragem (dirigido por Luiz Alberto Pereira) e algumas
edições de livros, entre as quais sugerimos Hans Staden, tradução de Angel Bojadsen, introdução de Fernando A. Novais,
Editora Terceiro Nome, São Paulo, 1999.
A tal ponto tinham chegado as coisas, que Rabelais, o grande satírico francês,
fazendo mofa do livro do padre cosmógrafo André Thévet (Singularitez de la France
Antarctique, 1558), decidiu-se inserir na sua obra (Gargantua e Pantagruel, 1564,
Livro V), dois capítulos denunciando, pelo riso, o disparate das visões mentirosas
que alguns viajantes tiveram no inexistente “País de Cetim”. Criou, também, como
símbolo desses mitômanos, um personagem-caricatura, o “Ouvi-dizer”, que, apesar
de ser um velho, corcunda e paralítico, tendo a língua esfacelada em sete pedaços,
narrava, com um mapa-múndi aberto à sua frente, as suas impossíveis aventuras
para uma multidão de crédulos. Eram histórias de unicórnios, de mantichoros com
corpo de leão e cara humana, de cabeçudíssimos catoblepos de olhos venenosos,
de hidras com sete cabeças, de onocrotalos que imitavam gritos de asno, de
pégasos, e de tribos de seres com cabeças de pássaros, ou até mesmo com duas
cabeças, de povos fabulosos que andavam apoiados nas mãos, com as pernas
balançando no ar!
2) O bom selvagem
Rousseau foi um típico intelectual do seu tempo, do mais alto quilate, que o
fez merecer o título de filósofo e precursor dos românticos.
Suas preocupações o levaram a muitos campos da cultura, mas neste caso nos
interessam apenas os seus pontos de vista sobre os povos primitivos. Mostrou-se
original e sensível ao aproximar o “estado de natureza” de sua teoria sobre o “bom
selvagem”. Assim fazendo, nascia, como afirmou Claude Lévi-Strauss, a etnologia
um século antes que ela fizesse a sua aparição.
Levando esta ideia além, ele considerava que através do raciocínio lógico
chegaríamos a descobrir o estado natural: em primeiro lugar impõe-se o
conhecimento do ser humano, o mais importante de todos. Por aí chegamos à
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Os escritos de Rousseau, provocaram influências variadas, vastas e profundas no pensamento ocidental. Para o tema do
“bom selvagem” o leitor encontrará facilmente inúmeras páginas de divulgação cultural em nossas enciclopédias. Poderá
consultar, entre essas fontes: Rousseau, em tradução de Lourdes Santos Machado, enriquecida com as contribuições de Paul
Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado, Editora Nova Cultural, São Paulo, 1999.
O homem natural não é bom nem mau, não faz juízos de valor sobre o que é
vício ou virtude. Entretanto, no estado da natureza, as paixões (instintivas) são mais
exacerbadas. O selvagem está com fome, alimenta-se e sua paixão se extingue.