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Resumo: O presente trabalho aborda as relações entre lírica moderna e historicidade a partir do
confronto entre as concepções teóricas de João Alexandre Barbosa e Roland Barthes. Em Existe
uma escritura poética?, texto integrante de O grau zero da escritura, o crítico francês
classificou a linguagem do poema moderno como puro exercício de estilo, que exclui a função
socializadora da língua e recusa à História. Em perspectiva oposta, Barbosa, no ensaio As
ilusões da modernidade, que abre o livro de mesmo nome, argumenta que as transformações na
linguagem poética moderna decorrem de fatores socioculturais, de modo que, longe de ser uma
negação, constituem a marca de sua historicidade. Mediante a comparação dessas duas
perspectivas distintas, objetiva-se compreender os argumentos orquestrados por Barbosa a fim
de defender sua posição teórica e levantar a importância de seu trabalho na compreensão das
especificidades da lírica moderna em contexto brasileiro. Para tanto, realiza-se apreciação das
mencionadas bibliografias, elencando os principais pontos da argumentação de ambos os
pesquisadores. Não obstante, convoca-se também para o diálogo outras vozes que trataram das
questões concernentes à poesia e modernidade, tais como Walter Benjamin, Theodor Adorno e
Hugo Friedrich, a fim de esclarecer os meandros desse debate. Ao final das análises, revela-se
que, embora as concepções teóricas de Barbosa não sejam originais, posto que retoma o
pensamento dos filósofos da Escola de Frankfurt, elas têm o mérito de deslindar as razões do
hermetismo da lírica moderna para o leitor brasileiro e, assim, reorientar a recepção crítica deste
tipo de produção poética no âmbito nacional.
1
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Joanita.bau@outlook.com.
em favor da expressão de seus próprios conflitos interiores e do emprego de metáforas
baseadas em suas experiências cotidianas.
Roland Barthes, por exemplo, em Existe uma escritura poética?, texto integrante
de O grau zero da escritura (publicado pela primeira vez em 1953), classificou o poema
moderno como puro exercício de estilo, que exclui a função socializadora da língua e
recusa à História, em decorrência do rebuscamento que passou a caracterizar a
linguagem da poesia na modernidade.
Em Existe uma escritura poética?, Barthes (1971) tem como propósito explicar
porque o texto poético moderno não pode ser classificado como escritura. Tal exclusão
advém da própria concepção barthesiana de escritura como resultado do cruzamento
entre língua e estilo. Para Barthes, a língua é um objeto social, que mantém a História
unida e completa. Já o estilo, sendo derivado do corpo e da memória do escritor, é um
atributo individual, que não encontra referentes na História e é indiferente à sociedade.
Conforme Barthes (1971, p.22), “pela sua origem biológica, o estilo situa-se fora
da arte, ou seja, fora do pacto que liga o escritor à sociedade”. Esse pacto só se realiza
através da escritura, na qual o escritor pode, mediante a utilização de um código comum
(a língua) socializar sua subjetividade, ligar a sua fala singular à história coletiva.
Assim, para Barthes (1971, p. 23) a escritura “é a relação entre a criação e a sociedade,
é a linguagem literária transformada por sua destinação social, é a forma apreendida na
sua intenção humana e ligada assim às grandes crises da História”.
Mas, segundo Barbosa, a tessitura palimpsesta do poema moderno não pode ser
atribuída à vontade individual ou à erudição do poeta. Ela resulta da tensão constante
entre o tempo do poeta e o tempo da linguagem da poesia. Ao traçar um roteiro
intertextual, o poeta promove interseções culturais, que apontam para a atemporalidade
do poema. Essa releitura da tradição só é possível mediante uma consciência
questionadora da linguagem da poesia, a qual é, inevitavelmente, marcada pelas
circunstâncias que a propiciam.
Se este conflito sempre esteve presente ao longo da história, é notório que ele
ganhou novas dimensões na modernidade, mediante a laicização da linguagem da
poesia, fator que afeta diretamente a condição do poeta como oráculo social.
Mas, a perda de um referente encontrável não pode ser tomada como elemento
exclusivo para a problematização acerca da poesia moderna. Tomando Roman Jakobson
(1980) como base, Barbosa lembra que a pluralização dos significados é própria da
função poética. O crítico alerta ainda que as ambiguidades recorrentes no poema não
podem ser atribuídas puramente à vontade individual do poeta. A ambiguidade da
linguagem poética moderna é apenas sintoma da crise no relacionamento entre poeta e
sociedade, advinda da dessacralização da linguagem da poesia.
Após esta síntese de As ilusões da modernidade, torna-se claro que grande parte
das considerações de Barbosa sobre a lírica moderna está calcada em reflexões críticas
anteriores. Exemplo disso é que a afirmação da historicidade do poema moderno, pela
presença do veio intertextual no corpo do texto, encontra apoio nas questões levantadas
por Tynianov (1976) e Eliot (1989) acerca do necessário retorno à tradição pelos poetas
mais jovens.
Referências
COHEN, J.M. Poetry of this age: 1908-1958. New York: Harper and Row, 1966.
ELIOT, T.S. Tradição e talento individual. In: Ensaios. São Paulo: Art editora, 1989.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a
meados do século XX. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1980.
PAZ, Octávio. ¿Qué nombra la poesia?. In: Corriente alterna. México: Siglo
veintiuno, 2006.