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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

Escrita performativa e a voz insubordinada de Totonha


Christiane Guerra
Mestranda em Letras
Centro Universitário Ritter dos Reis
chrisguerrarp@gmail.com

Rejane Pivetta de Oliveira


Profª. Drª. em Letras/Teoria da Literatura
Centro Universitário Ritter dos Reis
repivetta@uniritter.edu.br
Resumo: Sob o olhar da escrita performativa, esse trabalho propõe a análise do
conto Totonha, presente na obra Contos Negreiros de Marcelino Freire. Busca-se
examinar a representação dos sujeitos marginalizados não como sujeitos passivos
e subjugados, e sim constituídos por uma voz própria e complexa, consciente de
sua identidade, seu contexto histórico e social, dessa maneira rompendo com os
discursos hegemônicos de dominação cultural.

1 Introdução
Na literatura são comuns as narrativas que abordam a temática da
pobreza de forma a expor as condições sociais dos sujeitos segregados
socialmente, denunciando aspectos referentes às desigualdades sociais e
econômicas de determinados grupos. Muitas vezes essas narrativas
apresentam uma perpectiva colonialista, classificando esses sujeitos como
“destituídos de cultura”.
Em oposição aos discursos dos grupos hegemônicos culturais, que
promovem uma fala unilateral dos sujeitos marginalizados, a escrita
performática desestabiliza essa tendência dos discursos dominantes, ao lançar
um novo olhar sobre as vozes pertencentes às camadas mais pobres da
pirâmide social.
Uma escrita que não apenas conta a história dos “sem voz”, mas “dá
ouvidos” àqueles que têm sua voz abafada, sufocada sob o peso da realidade
degradante, mas que dessa circunstância emerge e se enuncia a partir dos
próprios sujeitos, apresentando seus pontos de vista, contra a soberania dos
discursos dominantes.
Marcelino Freire é conhecido por suas obras tratarem sobre as
comunidades marginais brasileiras, principalmente das grandes áreas urbanas.
Seus contos geralmente dão espaço para as vozes à margem da sociedade,
realizando retratos sobre negros, homossexuais, pobres e prostitutas, sujeitos
que muitas vezes não são percebidos/ouvidos pelas classes sociais e políticas
dominantes. Em seus textos, o autor destaca problemas como educação,
violência, preconceito e racismo.

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No livro Contos Negreiros, além da recorrência a esses temas, os


contos possuem uma característica rítmica, cadenciada, que remete o leitor à
oralidade, a um estilo “cordelizado”, a um processo cantado de escrita. Em
entrevista1 realizada no ano de 2014, Marcelino Freire, ao ser questionado
sobre os efeitos provocados por seu estilo de escrita, respondeu:

Eu sou o escritor dos deslocamentos. Acho que tem a ver com a


minha trajetória de imigrante. Tudo não está no lugar que parece.
Nem as palavras que eu uso têm um significado apenas. Elas estão
sempre dançando, gingando, caindo fora. Nesse sentido, adoro
pensar em contos que desvirtuam a visão das coisas, tiram os objetos
(e os sujeitos) do lugar. Adoro esses avessos. (FREIRE, 2014)

A obra oferece diversos horizontes interpretativos que promovem


algumas possibilidades de reflexões sobre a narrativa brasileira
contemporânea, tais como questões de identidade na perspectiva do foco
narrativo, a atitude responsiva da enunciação, os efeitos ficcionais e da
oralidade, o testemunho e a expressão das vozes periféricas. O título do livro
faz uma analogia ao conhecido poema Navio Negreiro de Castro Alves, de sua
obra Os escravos, publicada em 1883, em que ressalta o drama vivido pelos
negros na época da escravatura, também como forma de manifestar suas
ideias abolicionistas. Marcelino revisita a situação dos negros e os preconceitos
vividos nos dias atuais.
O conto Totonha, integrante da coletânea, será objeto da presente
análise, focada na discussão a respeito da escrita performática, averiguando a
dimensão corpórea que pode ser estabelecida na aquisição dos sentidos
através das palavras inscritas, tanto o sentido oferecido (sensação), quanto o
sentido que é produzido (significado). Entre sensações e significados, a
performance pode ser melhor apreendida como uma reconfiguração de
sentidos e manifestações expressivas, como algo que tem a intenção de
expandir a linguagem, de transcender os limites formalistas dos discursos da
arte e da vida.

2 Performance
O termo performance encontra-se cercado de um emaranhado de
definições, teorias e conceitos. A palavra invoca abordagens interdisciplinares,
pois possui relevância teórica nos mais diversos campos de atuação e
conhecimento, muitas vezes relacionada à significação de desempenho. O fato
de ser um termo tão abrangente pode gerar controvérsias conceituais, visto sua
multifuncionalidade nos diversos contextos.

1
Entrevista realizada com Marcelino Freire. Disponível em: < http://www.vacatussa.com/entrevista-
marcelino-freire/ > Acesso em 19 de agosto de 2016.
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A performance pode ser compreendida como um acontecimento


constituído pelas circunstâncias e elementos em que estão inseridos o
performer, o público, seu tempo e lugar. A performance está condicionada às
expressões e percepções de um ato comunicativo “refere-se a um momento
tomado como presente. A palavra significa a presença concreta de
participantes implicados nesse ato de maneira imediata.” (ZUMTHOR, 2014, p.
51). Portanto, é um processo que envolve todos seus participantes em uma
ação comunicativa em uma interação não só física, mas historicamente situada
em um espaço social.
Performance não é apenas um fenômeno da oralidade, pois tanto a
oralidade quanto a escrita envolvem grande participação do corpo, “o que na
performance oral é pura realidade experimentada, é, na leitura, na ordem do
desejo.” (ZUMTHOR, 2014, p. 38). Assim, corpo e voz também fundamentam a
materialidade do discurso, leitura e oralidade se cruzam para chegar à
literatura. Esses discursos não são absolutos existentes em si mesmos, mas
dependem da forma como se dispõem nos textos, da intencionalidade dos
autores e da percepção de quem ouve, assiste ou lê uma obra.
A voz que emana do texto preenche os sentidos das coisas e contribui
para que os sujeitos se encontrem em uma presença situada entre o “eu” e o
“outro”. “É por isso que o corpo, pela audição, está presente em si mesmo, uma
presença não somente espacial, mas íntima.” (Zumthor, 2014, p. 83).
Dessa maneira, é possível perceber no texto “a materialidade, o peso
das palavras, sua estrutura acústica e as reações que elas provocam em
nossos centros nervosos.” (Zumthor, 2014 p. 55). No momento em que somos
“atingidos” pelo texto de forma realmente ativa, ouvindo o que ele emite (não
no sentido figurado, mas vivo e concreto), o texto torna-se poético e
performativo. O leitor acolhe, percebe e recebe um texto como poético a partir
dessa materialidade, orientando-se no texto, nas reverberações semânticas
nele contidas, se esclarece, interpreta a seu modo, o reconstrói como parte de
sua posição naquele momento de leitura, ele apropria-se do texto.

3 Escrita Performática
A escrita performática atenta para a quebra da dicotomia entre a
efemeridade da performance e a permanência da impressão, busca explorar a
materialidade do texto e perseguir os potenciais performativos da página.
Trata-se da escrita realizada por uma nova abordagem, repensando o locus do
texto como performativo, trazendo o texto para um contexto corpóreo, parte da
matéria, a textualidade impressa e performática.
Analisada dessa maneira, a escrita torna-se um fazer de deslocamento,
um devir do sentido, torna-se a materialização do significado e significante, a
escrita como seu próprio meio e fim, considerada em si mesma por sua força
de ação. A partir do texto que transforma sentidos, escrever torna-se um lugar
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de descobertas, prazer e transformação, produz sentido e não sentidos por si


mesma, pois a escrita performativa desafia os limites textuais, molda, testa e
pratica diferentes linguagens, tornando a escrita algo performativo.
A escrita performativa se engendra em novos meios de subjetivação e
referenciais de significantes e significados. Isso acontece porque
convencionalmente muitas vezes a escrita está condicionada a uma
concordância aos pressupostos de uma linguagem padrão, que muitas vezes
negligencia algumas especificidades histórias, políticas e culturais de
determinados grupos sociais.
Segundo Pollock (1998, p. 77), esse tipo de posição política da escrita
tende de certa maneira a perceber os membros de culturas diferentes não
como sujeitos, mas como objetos, levando a uma linguagem que dissolve as
diferenças correspondentes às vozes e estilos, limitando as relações entre a
linguagem e o público. Portanto, é uma linguagem/escrita que não consegue
perceber os sujeitos das culturas não dominantes como agentes de
complexidades múltiplas e contraditórias, que fazem sua leitura e escrita do
mundo de forma diferente.
Segundo Ravetti (2002, p. 48), a escrita performática possui uma
perspectiva estética, política e social como modo de questionar os processos
culturais dominantes. Segundo a autora, a estética performativa detém um
duplo viés característico que pode ser classificado como “narrativas
performáticas” – aquelas em que o narrado questiona, transgride as normas
sociais vigentes; e os “vínculos performativos”, as narrativas que, originadas da
cultura dominante, por vezes tendem a deslegitimar determinados grupos
sociais, transformando os sujeitos em objetos.
As narrativas performáticas surgem para (des)condicionar os discursos
vigentes, abrindo espaço e oportunidade para a emancipação das vozes
sociais abafadas pelos discursos de poder, seja por discursos dirigidos e
conscientes ou por atos performativos paródicos.
A performance origina-se em um processo híbrido de linguagem, pois
dela participam inúmeros conteúdos, gêneros discursivos e suportes que se
misturam para conceber uma espécie de “contaminação performática” entre os
indivíduos participantes, e a partir desse contato performático se estabelece um
processo de transformação desses indivíduos. No caso da escrita ou narrativa
performática, dadas como “tipos específicos de textos escritos nos quais certos
traços literários compartilham a natureza da performance” (RAVETTI, 2002, p.
47) isso acontece porque a performance inscrita no texto se ritualiza, atualiza e
reatualiza durante o ato de leitura, através da corporificação do texto efetuada
pelo leitor e também pela experimentação do sensível, do jogo proporcionado
pelo texto.
A leitura é uma ação performática à medida que exerce uma função de
conexão com as experiências representadas no texto (amor, dor, vitória,
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derrota e etc.). Experiência que se estabelece através do comprometimento do


leitor tanto quanto pelo fato de promover uma experiência provocadora das
diversas possibilidades de construção dos períodos ou do tempo em que se
transita pela leitura. A leitura em performance proporciona novas formas de
compreensão do mundo através de diferentes contextos, promovendo um lugar
onde o sujeito se estabelece, mesmo que temporariamente, em uma posição
diferenciada do seu estado atual, é

“colocar-se em situação de” mediante uma prática que estabelece


uma ponte que aciona a imaginação como operadora e o
reconhecimento – anagnorisis – do que está de alguma forma
depositado no arquivo de experiências próprias.” (RAVETTI, 2013, p.
513,).

Portanto, a narrativa performática utiliza-se dos mais diversos textos e


discursos simultaneamente, produzindo, pelas múltiplas vozes, cadências
rítmicas e sintaxes narrativas que se cruzam e influenciam na transmissão de
experiências, instituindo, a partir dela, uma tensão entre as constituições
retóricas da linguagem e a apreensão da realidade.
Esse entrecruzamento de discursos amplia e cria novos espaços para
performação, levando escritores e leitores a estabelecerem suas posições e
lugares de “simulação”, “improviso” e “presentificação”, se opondo aos
arquétipos de uma representação que levam a algum tipo de imitação. Assim, a
performance possui o papel de alterar, intensificar e estender as percepções
dos sujeitos. A escrita performática oferece um tom de escrita que, apesar do
emprego de certa oralidade, não se engendra apenas numa cadência
oral/épica, mas sim, busca permear com certa sutileza o que desejam
manifestar.
A palavra performática não se constitui apenas de uma imagem inscrita
de forma rígida, petrificada no papel, ela também é ação dentro da imagem,
movente, a palavra também convida para um “fazer corporal” (Ravetti, 2003b,
p. 32). Portanto, a escrita performática consolida uma ponte dialógica entre o
que está inscrito, a dimensão corpórea do texto e a imagem que o leitor
constrói a partir do que está sendo narrado nas páginas.

4 A voz de Totonha
Totonha é o conto de número 11, dos 16 publicados no Livro Contos
Negreiros. A voz que narra é da própria Totonha, que é chamada e conhecida
assim pelos moradores da região onde ela mora. Totonha reúne um conjunto
de atributos que a colocam numa condição discriminatória e excludente:
mulher, pobre, negra, velha e analfabeta.

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O texto se desenrola na forma de uma fala, em uma prosa poética, em


que o leitor apenas “ouve” o discurso da narradora, que se dirige a alguém que
não tem nome, mas é chamada de professora. Totonha começa questionando
sua interlocutora:

Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu


juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de
doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa
ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na
boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
(FREIRE, 2015, p. 79).

A personagem está respondendo negativamente ao convite para


alfabetizar-se. Esses dois primeiros parágrafos do texto já deslocam o leitor a
refletir sobre o que Totonha está dizendo, pois no mundo dos letrados ser
analfabeto pode significar algo extremamente nocivo e absurdo nos dias atuais.
Como alguém dispensa o conhecimento?
Totonha expressa também que reconhece seu lugar na escala social e
seu ambiente. É “capim”, já não é mais jovem, é pobre e não vai mudar sua
condição e ela fica é no fogão. Argumenta sua descrença nas políticas sociais
e prefere ficar no seu canto, sem ser incomodada.

O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-


doce e o vale-linguiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o
vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali,
da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.
(FREIRE, 2015, p. 79).

A fala da personagem causa um efeito de oralidade por seu ritmo e


pontuação, frases curtas, interrogativas, às vezes palavras isoladas, de modo a
afetar respiração no momento de leitura. Totonha parece ter a agilidade vocal
de quem sempre deu um jeito de sobreviver, possui explicações na ponta da
língua, de quem é direta e sem rodeios. “Morrer, já sei. Comer, também. De
vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a
coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência! (FREIRE,
2015, p. 80).
Exatamente por chegar à idade que chegou, com as experiências que
possui que Totonha não se pronuncia em tom jocoso ou ressentido por sua
vida dura. Totonha tem a voz de quem tem orgulho das experiências que
nenhuma letra vai proporcionar.

Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho


de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me
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ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim,


que só passarinho entende, entende? (FREIRE, 2015, p. 80/81).

Ela mantém o diálogo com a professora, ela busca a confirmação de


compreensão do que narra, “entende?”. Parece preocupar-se com que sua
interlocutora entenda sua retórica argumentativa, pois Totonha é iletrada, mas
não é ignorante, ela aprendeu com o “vento”, com a natureza, no dia a dia.

Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo


esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu
vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço
mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse
esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar
se a chuva vem? Se não vem? (FREIRE, 2015, p. 79/80)

Por valorizar-se e respeitar sua condição e experiência, Totonha não vai


se sujeitar à alfabetização só para garantir alguma estatística educacional de
governo ou até mesmo por causa de um pedido de professorinha cheia de
boas intensões. “Tem esforço mais esforço que meu esforço?” (FREIRE, 2015, p.
80) Só nessa pergunta a personagem já descontrói o discurso elitista da
alfabetização que “transforma”, pois a vida dura, sua sobrevivência, seu
esforço de manter-se viva, consciente, produtiva, mesmo sem as letras, já
valem o “esforço”. Totonha diz não para a escritura porque não vê vantagem
nela, sabe que escrever seu nome em um papel não vai mudar sua vida, não
afetará seus relacionamentos, suas atividades, seu lugar, sua posição social.

Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só


pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu
nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem
vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não
conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do
Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita,
apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa,
quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
(FREIRE, 2015, p. 80)

Um “nome sem gente” não tem serventia na vida da personagem, o que


vale mesmo é sua sabedoria, que dispensa papel e escrita. Ao mencionar o
Vale do Jequitinhonha, Totonha estabelece também o espaço, o lugar de sua
fala, de suas origens. A personagem é o verdadeiro arquétipo do narrador
sedentário, proposto por Walter Benjamin (1987, p. 199), aquele que narra

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suas histórias a partir da tradição, de suas experiências vividas e a dos outros,


transmitindo-as através dos tempos.
Por fim, depois de declinar da proposta de alfabetização, Totonha deixa
bem claro para a professora e para o leitor que não seguirá mais em frente com
essa conversa: “Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O
presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha
cabeça para escrever. Ah, não vou.” (FREIRE, 2015, p. 81).
Totonha inicialmente parece uma personagem que o leitor não
conseguirá decifrar, ela subverte todo o discurso dominante sobre letramento e
sobre o orgulho de sua identidade, pois apesar de todas as mazelas sociais
existentes, ela não se dispõe a um discurso vitimista e nem se deixa convencer
por esses mesmos discursos. Ela quebra a hegemonia, relativizando tanto a
importância das letras, que é capaz de construir uma relação de alteridade em
que o leitor, através de uma conexão com sua voz, chegue a compreender seu
ponto de vista, a concordar com ela.
Ao afirmar que não vai baixar a cabeça para ler e escrever, Totonha
parece deixar um importante significado em sua enunciação, o da
insubordinação. A personagem não baixa cabeça pra ninguém, ela não se
submete à professora, ao governador e até mesmo o leitor. Em seu ritmo, sua
retórica e voz, Totonha toma a palavra, promove a escuta e apresenta sua
versão dos fatos, sua história e subjetividade.

5 Considerações finais
Na escrita performática, as narrativas se proliferam e se misturam,
quebrando fronteira e hierarquias. A performance conduz a uma ação
democrática, dialógica e interdiscursiva, promovendo encontros entre todas as
artes. Ao que parece, a força produzida pelo verbo, pela mão que escreve, pela
impressão na página, pelo “corpo escrito” também possui um caráter
performativo. O autor, assim como o leitor, se encontra em uma dimensão
cultural, social e artística, promovendo um diálogo que resulta em novas
percepções. Nesse sentido, considerar a leitura e a escrita performática a partir
do vasto campo aberto das características da performance pode também
resultar em novas práticas no campo literário, artístico e poético.
A voz insubordinada e performática de Totonha produz imagens que
tencionam velhas crenças do leitor, que estremecem e deslocam o leitor do seu
“conforto cotidiano”, através de uma dimensão verbal que expande as imagens
inscritas nas páginas, fazendo o leitor se perder e se reencontrar em uma
lógica própria, configurada a partir da fala ritmada da protagonista. Ela irrompe
experiências vividas como um jogo onde as regras podem ser apropriadas,
modificadas e reconfiguradas. A escrita performática possui a qualidade de
dominar o leitor de maneira que ele encarna e é encarnado pelo texto, ele

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participa se arrisca se desnuda, se joga, joga. Ao ler a primeira palavra que se


faz som, a leitura se faz jogo, desde o início.
Até aqui podemos observar que a escrita performativa possui caráter de
expressão em si mesma e suas motivações. Inclina-se a ser uma escrita de
representações da vida social e performativa, evocando mundos imaginários, a
memória, o prazer, as sensações e percepções, a afetividade e busca romper
com as práticas discursivas excludentes. Uma escrita que envolve uma retórica
produtiva, que pretende impulsionar forças transformadoras, éticas,
democráticas, políticas e estéticas, arte que contesta que investe na presença,
no questionamento, na reflexão daquele que começa a ler na página e só
apreende completamente o texto quando as palavras ganham voz e vida no
seu corpo.

Referências

BENJAMIN, W. “Experiência e pobreza”. In: Magia e Técnica, Arte e Política:


Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Volume
I. 3. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 114-119.

___________ “O narrador”. In: Obras Escolhidas, Vol. 1 - Magia e Técnica,


Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 197-221.

FREIRE, MARCELINO. Contos Negreiros. Rio de Janeiro: Editora Record,


2015.

POLLOCK, Della. Performing Writing. In: The Ends of Performance. New


York: New York University Press, 1998, p.73-103. Disponível em: <
http://artsites.ucsc.edu/faculty/gustafson/film%20223/pollock.perfwriting2.pdf >
Acesso em 25 de julho de 2016.

RAVETTI, Graciela. Narrativas performáticas. In: RAVETTI, Graciela; ARBEX,


Márcia (Org.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e
textuais. Belo Horizonte: Departamento de Letras Românicas, Faculdade de
Letras/UFMG: PosLit, 2002, p 47-68.

___________, Graciela. Performances escritas: o diáfano e o opaco da


experiência. In: HILDEBRANDO, Antônio; NASCIMENTO, Lylei; ROJO, Sara
(Org.). O Corpo em Performance. Belo Horizonte: NELAP/FALE/UFMG,
2003. p. 31-61.

___________, Graciela. Retórica performática: a catacrese do narrador no


romance
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contemporâneo. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê “Diálogos


Interamericanos”, n. 38, p. 71-87, 2009. Disponível em: <
http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/38/artigo4.pdf > Acesso em: 30 de julho
de 2016.

___________, Os delírios testemunhantes de si, as conversões performáticas a


propósito de Los sorias, de Alberto Laiseca In: Rev. Letras de Hoje. Porto
Alegre, v. 48, n. 4, p. 512-520, 2013. Disponível em: <
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/15445/10138>
Acesso em: 30 de julho de 2016. 2002. p. 47-68.

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. Trad. Amálio Pinheiro e Jerusa Pires


Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

_______________. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: Cosac


Naify, 20014.

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